ANÁLISE DO POEMA “A ARTE DE AMAR”, DE MANUEL BANDEIRA

   “Arte de amar” é um poema de Manuel Bandeira que compõe a obra Belo Belo publicada em 1948. O livro foi incluído na nova edição de Poesias Completas; esta lançada pela primeira vez em 1940. Durante a década de quarenta, Bandeira já era um poeta elogiado pela crítica. Seus poemas tinham alcançado enorme aceitação entre o público. A admiração pelo poeta era tamanha. A prova disso se deu na década anterior, mais especificamente em 1936 — ano do cinquentenário de Bandeira —, quando os amigos editaram um livro intitulado de Homenagem a Manuel Bandeira. A obra continha estudos críticos, comentários e impressões sobre o poeta.
   Para analisarmos qualquer poema de Manuel Bandeira, é de suma importância ressaltar que ele foi uma das figuras mais importantes do modernismo brasileiro. O movimento modernista no Brasil eclodiu de fato em 1922 na semana da arte moderna. A idéia basilar dos seus integrantes era a de romper com os padrões tradicionais da arte. Destarte, na poesia, isso ocorreu de forma bastante marcante, uma vez que a versificação tradicional cedeu espaço aos versos livres. Temas, como, por exemplo, o do cotidiano brasileiro foram trazidos à tona através dos versos modernos. Além disso, a poesia modernista incorporou um vocábulo diferente nos poemas, diferindo-se desta maneira, totalmente da linguagem utilizada pelos movimentos que o antecederam, que como sabemos calcavam-se mormente no português lusitano.
   A morte sempre foi um dos temas mais recorrentes da poesia bandeiriana, visto que o poeta sofreu durante vários anos com a tuberculose e fora desenganado por uma pluralidade de médicos. Em Belo Belo, onde encontramos o poema ” Arte de amar”, e nos livros subseqüentes de Bandeira, a morte tornou-se um tema ainda mais constante. Todavia, não encontramos nestes poemas, uma ironia tão acentuada. Isto não quer dizer que o poeta abandonou totalmente este tropo. Pelo contrário, ele lança mão deste recurso, no entanto, o faz de maneira mais leve e reflexiva.
   Depois de tudo que foi explicitado anteriormente, podemos nos ater a ” Arte de amar”. O poema conta com seis versos e uma estrofe composta por uma quintilha feitos de maneira livre. Esta organização realizada mediante à disposição dos versos supracitada, ajudam a dar um tom maior de reflexão à leitura do poema. Neste viés, de despertar esse pensamento reflexivo, Bandeira ardilmente, no que tange à pontuação, utiliza-se de pontos finais e vírgulas bem distribuídos no decorrer do texto. Os versos em “Arte de amar” são curtos; aqueles um pouco maiores recebem a vírgula, que tem como característica precípua a função realizar as pausas. O travessão, outrossim é utilizado no quinto verso, para realizar um efeito de explanação.
  No tocante a rima, que segundo Antônio Candido: “no modernismo nunca foi abandonada. Mas os poetas adquiram grande liberdade no seu pensamento. O uso do verso livre, com ritmos muito mais pessoais, podendo esposar todas as inflexões do poeta, permitiu deixá-la de lado.”, “Arte de Amar” não possuí este recurso em seus versos. salvo no verso sete.
As figuras de linguagem não possuem neste poema papel preponderante, bem como os tropos que são tão comuns na poesia bandeiriana.
   Feita a análise, podemos partir agora para o processo hermenêutico de “Arte de amar.” O sujeito lírico por meio dos versos quer passar uma idéia do que ele entende por amor, de como se dá essa arte. Antes de mais nada, é importante definirmos o que entender-se-á por alma no decorrer destes versos. Este substantivo quando empregados em certos contextos pode ganhar significados e usos diferentes. Neste poema, optamos por compreender alma através do conceito socrático, ou seja, a alma que tem a capacidade de exercer um comportamento ético é dotada de faculdades distintas e hierarquizadas: sentido, liberdade e inteligência. E para complementar este conceito elencado pelo filósofo grego, poder-se-á dizer que a alma seria a psique, isto é, um conjunto de fenômenos psíquicos, conscientes e inconscientes.
   No primeiro verso o sujeito lírico diz que: “Se queres sentir a felicidade de amar, esqueça a tua alma. No verso seguinte fala que: “a alma é que estraga o amor.” Neste ínterim, baseando nestes versos, poder-se-á falar que para sentirmos a alegria de amar devemos abdicar das nossas vontades. O versos subseqüentes, dois e três, evocam o amor agapé, que na língua grega significa o amor, caridoso, compassivo. Esta forma de amor é o amor-compaixão, “é o sentimento que nega a vontade ao invés, em vez de afirmá-la.” O amor analisado a partir deste viés, foi aquele praticado por Cristo, santos et cetera. Com estes fatores explicitados anteriormente em mente, para o sujeito lírico a alma só encontra aprazimento quando está em contato com Deus, e não em outra alma. Além disso, outrossim volta a frisar a figura divina, indo até mesmo além, dizendo que a satisfação não pode se dar com nenhum outro ser terreno. O sétimo verso é pautado por um leve erotismo, pois os corpos entender-se-ão apenas com outros corpos. Isto demonstra que para o sujeito lírico o amor se dá apenas por meio de algo erótico, este sentimento é diferente do agapé. Assim sendo, vemos que o eu-lírico não crê no amor tão exaltado por uma miríade de poetas ao longo do séculos. Pelo contrário, ele chega até a ser pessimista em relação ao amor, e podemos dizer que sua visão talvez seja até mesmo baseada na idéia schopenhauriana. Para o filósofo alemão Schopenhauer, o amor estaria arraigado apenas na idéia de Eros, em outras palavras, no impulso sexual. Entretanto, não podemos afirmar com veemência que este pensamento versificado pelo sujeito lírico esteja totalmente em confluência com a do filósofo. No entanto, poder-se-ia falar que a arte de amar no poema é carnal — tendo a influência filosófica de Schopenhauer ou não —, pois afasta a possibilidade de um amor que se dá nas faculdades da alma.
 Para findar, faz-se necessário frisar que “A arte de amar” é um poema reflexivo onde as rimas praticamente inexistem. Ele se aproxima bastante de um texto em prosa, porém não perde seu caracter poético através dos versos. É um poema escrito por Manuel Bandeira em seu melhor estilo.

 

Análise do poema “A arte de amar”, de Manuel Bandeira | literatura ...

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ESTRELA DA VIDA INTEIRA
   A posição entre uma natureza apaixonada que aspirava a plenitude, e o exílio em que a doença o obrigara a viver, marcaram profundamente a sua sensibilidade, traduzindo-se, no plano estrutural, pelo gosto das antíteses, dos paradoxos, nos contrastes violentos; no plano emocional, por um movimento polar, uma oscilação constante que, no decorrer da obra, vai alternar a atitude de serenidade melancólica e o sentimento de revolta impotente.
[Gilda e Antonio Cândido de Mello e Souza - Introdução in Estrela da vida inteira]
   PASÁRGADA: a poesia das coisas mais simples. Quando Manuel Bandeira morreu, em outubro de 1968, um jornal dedicou-lhe a manchete Bandeira, enfim, Pasárgada! em referência ao seu mais conhecido poema - Vou-me embora pra Pasárgada. Neste poema o poeta evoca a vida que poderia ter sido e que não foi, uma espécie de paraíso pessoal, lugar de sonhos e de desejos, em que ele poderia realizar as felicidades mais simples, como andar em burro bravo, subir em pau-de-sebo, andar de bicicleta, tomar banho de mar...
   A enumeração, neste lugar ideal, de fantasias tão simples e despojadas já revela um dado biográfico que se transformará em fonte de muitos temas da poesia de Bandeira: a presença da morte, anunciada em plena adolescência, sob a forma de uma tuberculose, doença mortal na época [início do século XX]. [...] fui vivendo, morre-não-morre, e, em 1914, o doutor Bodner, médico-chefe do Sanatório de Clavadel, tentando-lhe eu perguntado quantos anos me restariam de vida, me respondeu assim: o senhor tem lesões teoricamente incompatíveis com a vida: no entanto, está sem bacilos, come bem, dorme bem, não apresenta em suma nenhuma sintoma alarmante. Pode viver cinco, dez, quinze anos... Quem poderá dizer? Continuei esperando a morte para qualquer momento, vivendo sempre como que provisoriamente. [Manuel Bandeira - Itinerário de Pasárgada]
    A permanente consciência da morte, a luta contra ela, a convivência com sua presença - fazedoras de ausências - transformam-se poeticamente numa descoberta essencial de vida, numa valorização intensa da existência mais cotidiana, redescoberta como única, irrepetível, insubstituível. Não é possível separar a experiência de vida da experiência poética do autor de Pasárgada, embora sua poesia - de uma universalidade intensa, ardente e simples - não possa ser reduzida a acontecimentos biográficos, que se revelam matrizes de imagens, de emoções, de ritmos, transfigurados na alquimia da criação.
  O critico Alfredo Bosi, em sua História concisa da literatura brasileira, escreve: [...] veremos que a presença do biográfico é ainda poderosa mesmos nos livros de inspiração absolutamente moderna, como Libertinagem, núcleo daquele seu não-me-importismo irônico, e, no fundo, melancólico, que lhe deu uma fisionomia tão cara aos leitores jovens desde 1930. O adolescente mau curado da tuberculose persiste no adulto solitário que olha de longe o carnaval da vida e de tudo faz matéria para os ritmos livres do seu obrigado distanciamento.
  A sua obra, escrita ao longo de mais de meio século, atravessa praticamente toda a história do Modernismo no Brasil e apresenta muitos dos mais expressivos livros da poesia moderna, como Ritmo dissoluto, Libertinagem, Estrela da manhã e outros.
Estrela da vida inteira / Da vida que poderia / Ter sido e não foi. Poesia, / Minha vida verdadeira.
   Nascido na Recife, em 1886, tendo passado a infância principalmente no Rio e no próprio Recife, Manuel Bandeira publica seu primeiro livro de poema em 1917 - A cinza das horas, que será seguido por Carnaval, em 1919, em que apresenta pela primeira vez, versos livres na literatura brasileira. Conhece Mario de Andrade e os modernistas paulistas em 1921.
Não participa diretamente da Semana de Arte Moderna de 1922, mas o seu poema Os sapos, paródia contundente dos parnasianos, provoca um dos momentos de maior escândalo, ao ser lido por Ronald de Carvalho, no Teatro Municipal de São Paulo, no dia 15 de fevereiro: o de maior polemica de toda a Semana.
A partir de então, não é possível pensar a poesia moderna no Brasil sem a presença de Bandeira, que atravessará todas as chamadas fases do Modernismo, com uma produção poética de mais alto nível. Já na fase heróica, de 1922, em que a ruptura com o passado e com as estruturas estabelecidas era a mais vital palavra de ordem, Mário de Andrade chamava o poeta de S. João Batista do Modernismo, reconhecendo o seu papel de anunciador da nova poesia.
   Aos poemas de Bandeira nascem e crescem dos acontecimentos mais cotidianos, mais comuns, dos momentos que aparentemente são banais e insignificantes. Do dia a dia mia desapercebido desentranha sua poesia, em que instantes da existência aparecem transfigurados em pura essencialidade da vida.
  Detalhes prosaicos e perdidos na rotina descolorida dos dias revelam-se instantes de iluminação, instantes de transcendência e de proximidade da essência mais profunda - e mais simples - da vida. O grande milagre da existência, a mais cotidiana, que a consciência da morte revelará como algo intenso, único, irrepetível.
Sua linguagem coloquial e, despojada, atinge algum dos momentos mais expressivos da língua: grande intensidade, grande condensação, com imensa simplicidade. Ao lado de Carlos Drummond, Bandeira é o grande incorporador do prosaico e do coloquial na poesia brasileira moderna.
 ... a poesia está em tudo - tanto nos amores como nos chinelos, tanto nas coisas lógicas como nas disparatas.
  Uma poética de iluminações da existência cotidiana, com a mais expressiva coloquialmente, e com intensa condensação de imagens e ritmos, a obra de Bandeira lembra muitas vezes a criação poética dos haicais japoneses, em que se flagram instante de plenitude, de frágil e plena percepção da vida, concentrada em um detalhe aparentemente banal.
   Ao mesmo tempo, em unidade indissociável, a obra de Bandeira representa a mais longa convivência com a morte, de toda a poesia brasileira. Sem ser dominado pelo desespero, sem ser possuído pelo medo, sem dramatizações retóricas. Com amadurecida amargura. Com ironia e auto-ironia, melancólicas. Com sofrida serenidade. Com nostalgia da vida que poderia ter sido e que não foi e nem será.
  Até mesmo com ternura pela morte, companhia constante de muitos anos, interlocutora secreta que, paradoxalmente, revela o valor absoluto de cada dia, de cada pessoa, de cada coisa. A sabedoria da morte - quando se descobre que não apenas os outros morrem - transformou-se, como em muitas correntes filosóficas, em sabedoria de vida. A importância da existência, de cada um: simples, essencial, passageira. Milagre. E a morte, também milagre.
  Bandeira é poeta da mais intensa ternura. De ardor terno e intenso pela vida. Uma sensibilidade moderna, não grandiloquente. Ternura melancólica pela infância perdida, e por seus personagens. Ternura ardente pelo corpo. A sua poesia amorosa revela-se como ardente lírica erótica. Poesia do corpo, de grande intensidade. Os corpos se estendem, as almas não. Imagens eróticas que se tornam experiências sagradas, transcendentalizadas, tal a naturalidade, o ardor e a intensidade da ternura. O físico se funde com o onírico, terna e desconcertantemente.
  Além disso, revela-se um dos mais versáteis e flexíveis fazedores de versos do modernismo brasileiro. Suas estruturas de métrica e de ritmo vão desde as mais libertárias experiências de verso livre, dos fluxos mais soltos e irregulares até as estruturas mais tradicionais, de verso em redondilhas da lírica medieval, dos versos decassílabos clássicos e neoclássico e outros combinados com variadas formas fixas de estrófica regular, com sonetos, canções etc. um fazedor de versos e estrofes extremamente versátil, com raro domínio técnico e com grande erudição, capaz de traduzir de varias línguas e de escrever à moda de, imitando estilos os mais diversos, da época e autores.
   Manuel Bandeira é também expressivo criador de imagens, com igual e desconcertante simplicidade. Nas constelações de imagens dos seus poemas percebemos um movimento oposto e complementar: por um lado, o cotidiano parece transfigurado, instante de iluminação, com aura de símbolo transcendente, e, por outro lado, o desconhecido, o misterioso, o onírico aparecem configurados familiarmente, tornados próximos e confidentes, tornados íntimos do dia a dia.
   Morto há mais de vinte anos, Bandeira continua se revelando como o mais simples e mais despojado dos poetas do Modernismo brasileiro, como o poeta capaz de simplicidade mais essencial e mais expressiva.

ANTOLOGIA COMENTADA
Pneumotórax
Febre, hemoptise, dispneia, e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.
Mandou chamar o médico:
- Diga trinta e três.
-Trinta e três... trinta e três... trinta e três...
- Respire.
.............................................................................................
- O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
- Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
- Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.
Um dos mais conhecidos textos de Bandeira e de todo o modernismo. O tema é claramente autobiográfico. Observe o tom coloquial e irônico, quebrado por uma frase-síntese de grande intensidade [segundo verso] e pelo final inesperado, desconcertante, do humor absurdo diante da morte sem remédio, final típico de poema piada característico da poesia moderna.

Poética
Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado

Do lirismo funcionário público com o livro de ponto
expediente protocolo e manifestações de apreço ao
sr. Diretor.

Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no
dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo.

Abaixo os puristas
Todas as palavras sobre tudo os barbarismos universais
Todas as construções sobre tudo a síntese de exceção
Todo os ritmos sobretudo os instrumentais

Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo o lirismo que capitula ao que quer que seja fora
de si mesmo

De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do
amante exemplar com cem modelos de cartas e as
diferentes maneiras de agradar às mulheres etc.

Quero antes do lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbados
O lirismo dos clowns de Shakespeare

- Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.

Este texto equivale a um manifesto modernista. poema, poesia que fala de poesia. Observe que ele apresenta negações e rupturas - contra as convenções que desfiguram a criação poética, em especial as do academicismo parnasiano - e apresenta, por outro lado, afirmações libertárias típicas da luta modernista [particularmente no final do poema]. Observe o título verso, frase síntese, verdadeiro slogan do momento heroico do modernismo.

Estrela da manhã
Eu queria a estrela da manhã
Onde está a estrela da manhã?
Meus amigos meus inimigos
Procurem a estrela da manhã

Ela desapareceu ia nua
Desapareceu com quem?
Procurem por toda à parte

Digam que sou um homem sem orgulho
Um homem que aceita tudo
Que me importa?
Eu quero a estrela da manhã

Três dias e três noite
Fui assassino e suicida
Ladrão, pulha, falsário

Virgem mal-sexuada
Atribuladora dos aflitos
Girafa de duas cabeças
Pecai por todos pecai com todos

Pecai com malandros
Pecai com sargentos
Pecai com fuzileiros navais
Pecai de todas as maneiras
Com os gregos e com os troianos
Com o padre e o sacristão
Com o leproso de Pouso Alto
Depois comigo

Te esperarei com mafuás novenas cavalhadas comerei terra e direi coisas de uma ternura tão simples
Que tu desfalecerás

Procurem por toda à parte
Pura ou degradada até a última baixeza
Eu quero a estrela da manhã.

Outro texto-síntese, um dos mais expressivos poemas lírico-amoroso de todo o Modernismo. Observe a celebração da mulher amada, evocada na metáfora estrela; a enumeração caótica das imagens, o desconcerto amoroso. Na quinta e sexta estrofes, observe uma espécie de ladainha para celebrar a amada, para fazer uma invocação [na verdade, é uma paródia da ladainha para a Virgem Maria, que acompanhava a reza do terço: consoladora dos aflitos / rogai por nós etc]. observe a intensidade - até o delírio - da confissão amorosa nas duas últimas estrofes.

Arte de amar
Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus - ou fora do mundo.

As almas são incomunicáveis.

Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.

Porque os corpos se entendem, mas as almas não.

Um dos mais conhecidos poemas com tema da morte. Observe o tom sereno, familiar, camarada. Consolada, a ceia de fim de ano, no texto representa encontro simbólico com a morte. O poema apresenta um balanço do vivido, sem ilusões contra a própria finitude, e não se desfigura diante da presença indesejada pelas gentes. O dia foi bom, com cada coisa no seu lugar. Observe também, tal como nos outros textos, a linguagem coloquial, a estrófica irregular, heterogênea, o verso livre.
Poema filosófico, fundamentador da lírica erótica, intensamente corporal, de Manuel Bandeira. Observe a ruptura do senso comum, das concepções espiritualizantes e platônicas de amor. O texto, de natureza dissertativa, com ponto de vista e processo de argumentação, é também radicalmente poético, pela força das imagens e dos ritmos. O texto é dirigido para alguém, para um interlocutor, que acaba se transformando no próprio leitor.

Consoada

Quando a Indesejada das gentes chagar
[Não sei se dura ou coroável],
Talvez eu tenha medo.
Talvez sorria, ou diga:
- Alô, iniludível!
O meu dia foi bom, pode a noite descer.
[A noite com os seus sortilégios.]
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa.
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.

 

Estrela da Vida Inteira | Resumos Literarios - Algo Sobre Vestibular


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MANUEL BANDEIRA, INTÉRPRETE DO BRASIL
   Ainda hoje não conseguimos equacionar o legado do Modernismo brasileiro. O denominador-comum é o reconhecimento da importância do movimento. Para além desse ponto de concórdia, surgem diversas interpretações que procuram ora tirar o peso de alguns medalhões, ora aumentar o impacto da obra de alguns desses mesmos medalhões. Em termos de Modernismo brasileiro, quando falamos em medalhões, falamos em Mario de Andrade, Oswald de Andrade, Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Victor Brecheret, Menotti del Picchia e Manuel Bandeira. Seria exaustivo fazer a súmula das linhas interpretativas que trabalham com cada um desses nomes. 
    Mas o espaço desta coluna permite tocar num ponto mal explorado pela crítica: a produção jornalística de Manuel Bandeira. Uma pessoa minimamente letrada não ignora que Manuel Bandeira é dos principais poetas brasileiros do século XX. Vários de seus poemas são citados como exemplos de simplicidade e agudeza. Muitos deles são lidos com encantamento, dada a simpatia que o poeta parece nutrir pelas coisas mais singelas da existência. Merecidamente o poeta Manuel Bandeira é mais conhecido que o articulista Manuel Bandeira. O caso aqui não é o de diminuir o poeta, e sim o de mostrar que o prosador teve atuação das mais notáveis. 
     O leitor que se aventurar pela produção jornalística de Manuel Bandeira haverá de levar um susto inicial. Se a produção poética de Bandeira é magra, a jornalística é das mais volumosas. (Sinal de que temos muito a fazer em termos de política cultural: muitos dos artigos de Bandeira ficaram esparsos em jornais da época. Por décadas, o estudioso da obra de Bandeira teria de se contentar com seletas de prosas realizadas pelo próprio autor. Já era alguma coisa, mas ficava-se com a impressão de que algo muito maior estava perdido por aí. Somente em 2006, através da editora Cosac Naify, tivemos a oportunidade de conhecer melhor a notável produção em prosa de Manuel Bandeira.) 
      Passado o susto inicial, logo vem outro, que diz respeito à natureza espantosamente variada dos interesses de Bandeira. Manuel Bandeira escreve sobre quase tudo. Se alguém pedisse uma explicação do fenômeno, eu diria que ele é resultado de uma mistura de temperamento com ambiente dos anos 20 e 30. Explicar temperamento é tarefa para profissionais de outras áreas, sem contar que este espaço não comporta análises que remontariam à infância do poeta na Recife do final do século XIX. Tratar do ambiente dos anos 20 e 30 já é algo mais plausível. 
       Do emaranhado de linhas que envolvem o Modernismo, é possível puxar o fio de uma certa postura de vários dos envolvidos no movimento. É a postura de cobrar um novo olhar para as coisas do Brasil. Não foi algo inédito em nosso cenário cultural. O indianismo romântico, para ficarmos num exemplo, olhou, ainda que de forma deformadora, hiperbólica, para nossas florestas e habitantes nativos. A busca modernista, fato inegável, foi muito mais bem articulada. O processo de estudo sério, de documentação mais rigorosa substitui a fantasia que se inspirava em figuras exóticas. Caravanas eram organizadas para se conhecer cidades brasileiras mais remotas. Foram buscas que trouxeram inúmeros resultados, mas dois deles chamam nossa atenção: o cuidado que se passou a ter com as cidades históricas de Minas Gerais e a pesquisa, encampada por Mario de Andrade, sobre a riqueza de nosso folclore. Justamente nessa atmosfera de inquietação intelectual é que Manuel Bandeira escrevia seus textos para diversas publicações. 
      Como disse anteriormente, a amplitude do olhar de Bandeira causa espanto. Uma breve lista dos assuntos tratados pelo poeta, ao longo de um arco que vai dos anos finais dos anos 20 até meados dos anos 40, pode dar vaga ideia do monumental trabalho: cotidiano do Rio de Janeiro; livros recém-publicados; exposições de artistas plásticos consagrados e de artistas pouco conhecidos; patrimônio artístico de cidades como Rio de Janeiro, Recife, Olinda, Salvador, Ouro Preto e São Paulo; perfis de autores que despontavam no cenário cultural; crônicas líricas; cena do samba do Rio de Janeiro; literatura de vanguarda (Proust e Joyce, por exemplo). Esse olhar que por si só não descansa já seria matéria digna de menção. Mas estamos diante de um de nossos grandes intelectuais, e isso fica evidente na articulação entre essas linhas tão díspares na aparência. Díspares no primeiro olhar, díspares se encararmos a cultura como um espaço repleto de divisões incomunicáveis. Aquela ingenuidade de acreditar que erudito e popular não se tocam. O exemplo de Bandeira é o da honestidade intelectual: uma composição de samba recebe a mesma atenção que um poema de Verlaine. Claro que aqui poderíamos estar diante de um relativismo perigoso, de uma postura que não tem coragem de julgar. Não é o caso de Bandeira, que respeita e julga, sem perder a ternura e sem perder o verbo afiado. Não nos enganemos: por detrás de poeta tido por bonachão, há o sarrista impagável.
     Símbolo dessa vertente notável da produção de Bandeira é o livro Crônicas da Província do Brasil, antologia de crônicas rigorosamente escolhidas pelo próprio autor, publicada em 1936. Impossível escapar da data. Os anos 30 foram ricos em publicações que buscavam interpretar o Brasil. Fiquemos nas mais célebres: Casa Grande e Senzala (Gilberto Freyre), Raízes do Brasil (Sérgio Buarque de Holanda) e Formação do Brasil Contemporâneo (Caio Prado Júnior). Qualquer curso decente de história do Brasil há de levantar essa trinca que serviu de base para nos conhecermos melhor. Ouso aqui transformar o trio em quarteto. Crônicas da Província do Brasil, livro escrito em tom menor, merece figurar na lista de obra fundamental para compreendermos o Brasil. Na notável antologia de Bandeira encontramos estudos profundos sobre a obra de Aleijadinho, a cidade de Salvador, Recife, compositores de samba, escritores que surgiam (Carlos Drummond de Andrade, Augusto Frederico Schmidt), arquitetura brasileira, Chaplin, literatura best-seller, fala brasileira etc.. Há quem diga que tal vastidão de interesses é resultado das contingências que assolam os que colaboram com a imprensa. Aquela velha história de tratar de tudo, ainda que superficialmente. Basta ler o texto Bahia para que a impressão se desfaça. Crônicas da Província do Brasil é exercício de rigor, de lucidez, de escritor que sabe selecionar - tarefas das mais árduas - a partir de sua própria obra. Rigor parecido encontraremos no trabalho de Carlos Drummond de Andrade ao selecionar seus poemas para a notável Antologia poética. 
     O Manuel Bandeira intérprete do Brasil precisa ser redescoberto. Vários de seus artigos merecem aparecer nos cursos regulares de literatura e história do Brasil. Crônicas da Província do Brasil é livro fundamental. Tentei dizer isso tudo nas linhas acima. E é hora de o leitor perguntar: e o Manuel Bandeira lírico, não aparece? Minha resposta: não aparece com tanta frequência, mas quando aparece, encontramos algumas das crônicas mais belas de nossa literatura. Exemplo disso é a crônica Os que marcam rendez-vous com a morte.
     O Brasil se torna mais humano depois da leitura de Manuel Bandeira.
  

Nelson Fonseca Neto é colunista do jornal Cruzeiro do Sul e escreve neste espaço às quintas-feiras. nelsonfonsecanetoletraviva@gmail.com 

 A IMPORTÂNCIA DA POESIA NA INFÂNCIA.

Andersom Pires da Silva   - Catarina Xavier Gonçalves Martins

Resumo:
O presente artigo apresenta reflexões de como a infância é vista na poesia de Manuel Bandeira e os recursos que o poeta utiliza para representar a produção poética e agradar o público infantil. Analisamos a maneira como a infância é relacionada e mediada na poética modernista de Manuel Bandeira e como a palavra e a memória são matérias-primas que o poeta utiliza para a construção de seus poemas. Ainda destacamos esse gênero literário ilustrado e a importância da poesia e da música no desenvolvimento da lingüística e a contribuição na formação de leitores na escola contemporânea.
Palavra chave: infância, poesia, música,Manuel Bandeira.

Introdução:
     Neste texto pretendemos refletir como a infância é vista na poesia de Manuel Bandeira, os recursos que o poeta utiliza para representar à produção poética e a premente necessidade de valorizar a poesia feita para pequenos. Acreditamos que a criança, através da poesia, transforma a palavra em brinquedo e o sonho em realidade. Tudo isso de maneira natural, estimulando o gosto e o prazer pelo ato de ler.
     Manuel Bandeira nasceu em Recife, em 1886, e faleceu no Rio de Janeiro, em 1968. Foi professor, poeta, cronista, crítico e historiador literário. Trata-se de um grande poeta modernista, escreveu seus poemas com qualidade estética. Soube conduzir-se à criança com a palavra poética, concedendo-lhe tratamento mágico.
     O poeta, ao escrever seus poemas, lembra a sua infância, pois em diversos momentos fala de sua vida para o público infantil. Bandeira tornou-se capaz de nos convencer de todos nossos devaneios e das crianças e merece ser lembrado de acordo com os pressupostos de Alfredo Bosi:
    Resposta ao ingrato presente é, na poesia mítica, ressacralização da memória mais profunda da comunidade. E quando a mitologia de base tradicional falha, ou de algum modo já não entra nesse projeto de recusa, é sempre possível sondar e remexer as camadas da psique individual. A poesia trabalhará, então, a linguagem da infância recalcada, a metáfora do desejo, o texto do inconsciente, a grafia do sonho: [...] A poesia recompõe cada vez mais arduamente o universo mágico que os novos tempos renegam. ( BOSI,1977,p.150).
     A infância revela ao poeta um mundo encantado, carregado de alegria, inspirador que recupera um tempo perdido. Esse mundo infantil nos lembra a própria infância do poeta, que viveu sua meninice em Recife.
     A poesia infantil brasileira se iniciou no século XIX e expandiu-se nos primeiros anos do século XX. Entre os brasileiros que nessa época escreveram poesia para crianças, podemos exemplificar Olavo Bilac. Os versos instrutivos que compunha suas poesias, considerados "edificantes", no sentido de contribuir para formar cidadãos de bons sentimentos, comprometidos com a tarefa educativa da escola. Para as crianças, porém, Bilac usava uma linguagem simples tirando a imaginação da criança. Como exemplo o poema "A Casa", no qual o poeta valoriza a família e o lar como sagrados.

Vê como as aves tem, debaixo d? asa,
O filho implume, no calor do ninho!...
Deves amar, criança, a tua casa!
Ama o calor do maternal carinho!

Dentro da casa em que nasceste és tudo...
Como tudo é feliz, no fim do dia,
Quando voltas das aulas e do estudo!
Volta,  quando tu voltas, a alegria!
Aqui deves entrar como num templo, [...]

     A poesia de Bilac mostra, através dos versos, a importância da família e o amor que os filhos devem sentir por seus familiares. Na época, quando o poeta escreveu essa poesia, tinha como função ensinar valores cívicos e morais às crianças. A criança era vista como "adulto em miniatura", tirando sua capacidade de imaginar.
Nos últimos anos, com os estudos do historiador francês Philippe Áries(1981), ficou evidenciado a natureza histórica e social da criança ao articular a infância, história e sociedade, fundamentando assim uma posição contrária à "miniaturização da criança".
     Dessa forma, a valorização da infância e a difusão do conceito moderno, acentuam o caráter diferenciado dela, na sua dependência e fragilidade, o que assegura a necessidade de proteção. A idEia de infância moderna foi universalizada. Além disto, a escola através da poesia, pode provar sua utilidade quando se tornar o espaço para a criança refletir sobre sua condição pessoal. E também, ao longo desse mesmo século, cresceu o esforço pelo conhecimento da infância em várias áreas do conhecimento. Outros poetas modernos e contemporâneos surgiram, a poesia infantil conquistou espaço e seus leitores.
A poesia destaca o papel que a imaginação desempenha na vida da criança, as diversas possibilidades de representação do real e os modos próprios de estar no mundo e de interagir com ele. Sem dúvida, o contexto histórico-social em que foram produzidas as poesias de Manuel Bandeira é influenciado tanto pelo conceito de infância vigente da época, quanto pelo olhar do poeta modernista. 
       Manuel Bandeira já havia notado, desde muito cedo, que em suas memórias da infância estavam os elementos necessários para lançá-lo a uma criação mais ousada e renovadora em que a construção dos versos se dá a partir dos elementos mais simples e familiares. O poeta se utilizava com frequência das suas lembranças da infância para escrever seus poemas. Ele invocava as cenas e as personagens que estruturavam sua vida no passado a partir das lembranças da infância. É com auxílio desse tempo que ele chega ao presente e até mesmo ao futuro de sua obra, uma vez que tal processo estabelece o devir da poética de Bandeira. 
     Podemos notar a infância na poética bandeiriana, assim como a poesia encarna um poder transformador, como se possuísse um poder mágico de mudar o mundo. O mundo infantil, com sua magia, adquire esse poder de transformar a realidade em sonho, através do lúdico e do encanto que é transformado em poemas. O poeta vê a infância como um tempo bom em que à imaginação e as brincadeiras lúdicas sobrepõem-se ao mundo adulto rígido, racional e com várias nuanças de problemas existenciais, afetivos, amorosos, etc. Podemos exemplificar com o poema "Porquinho da Índia": 

Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho da índia.
Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do 
Fogão!
Levava ele pra sala
Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos
Ele não gostava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas...
_O meu porquinho da índia foi minha primeira namorada.
     O poeta nos traz de volta a infância, destaca a pureza, a inocência de uma criança que dedica todo o seu afeto a um animal de estimação. É escrito com jeito de criança, porém o poeta cria um ambiente mais emotivo, com palavras no diminutivo, para atingir a infância. O toque de humor fica por conta do verso final, espécie de conclusão em que introduz a fala do eu lírico. O passado é visível nos versos. 
     A infância se contrapõe, aos poucos, às privações de uma vivência transitoriamente marcada pela fraqueza física e pela contradição de ampliar o presente além das rigorosas normas que a doença constituía. A confiança e a perfeição com que o poeta narra os acontecimentos da sua infância sugerem, conteúdo da memória, de maneira natural. O seu discurso é lançado ao leitor, mas ele mal consegue perceber o caráter construtivo das lembranças. Desse modo, o relato da infância de Bandeira revela uma edição de acontecimentos bibliográficos que busca mostrar as implicações destes para o desenvolvimento de sua poesia.
     Segundo Nelly Novaes, Manuel Bandeira rompe com os esquemas tradicionais e sua linguagem torna-se lúdica, irreverente e fragmentada. Ele desperta no leitor um efeito novo, pois utiliza a repetição como recurso. Para que o poema fique significativo, explora a sonoridade o ritmo das palavras soltas. Por isso, os poemas modernos agradam os ouvidos das crianças. Podemos exemplificar com fragmentos do poema Trem de ferro:

Café com pão
Café com pão
Café com pão
Virge Maria que foi isso maquinista? 
Agora assim
Café com pão
Agora assim
Voa,fumaça[...]

     O poema apresenta canto e ritmo jocoso, e se desenvolve em torno de uma necessidade básica da criança, combinada a uma situação de prazer que é a viagem. É também um diálogo entre o poeta e o leitor/ouvinte. (NOVAES, 2000, p.237).
Procuramos entender a infância e as crianças na sociedade contemporânea, de modo a compreender a delicada complexidade e a dimensão criadora das ações infantis. Encontramos interessantes contribuições na obra do filosofo alemão Walter Benjamin (2002). Conhecer a infância e as crianças favorece ao homem ser sujeito crítico da história que ele produz. Para o autor,"a criança mistura-se com as personagens de maneira muito mais íntima do que o adulto. O desenrolar e as palavras trocadas atingem-na com força infável, e quando se levanta está envolta pela nevasca que soprava da leitura".Ainda segundo o autor, "é possível fazer da criança um ser natural, ele faz uma crítica a concepção equivocada que os adultos mantinham da criança, considerando-a incompleta e incapaz".(BENJAMIN, 2002, p.57).
     Acreditamos que a criança vê seu universo projetado sendo capaz de tratar a palavra como um brinquedo, logo ela cria um universo de sonho e realidade, de maneira muito mais natural do que o adulto. Walter Benjamin sublinha a diferença entre a imaginação infantil e o conceito que o adulto faz do universo lúdico da criança.
Como podemos observar em Benjamin a imaginação da criança por si só já é fantasiosa. Bandeira ao escrever "Porquinho da Índia," pensa a fantasia na criança. A poesia devido a sua estrutura formal, pode ser instrumento de comunicação rápida com a infância. Benjamin faz uma critica a infantilização da criança como:
      Não devemos traduzir o mundo para as crianças, e lhe entregar tudo pronto, porque, segundo ele, as crianças, são capazes de sozinhas relaborarem e elaborarem significados para o que está em sua volta. Constroem seu mundo de coisas, a partir dos materiais e resíduos espalhados pelo mundo. Nesses detritos, elas reconhecem o rosto que o mundo das coisas assume para elas, e só para elas. A criança aceita perfeitamente coisas sérias, mesmos as mais abstratas e pesadas ,desde que sejam honestas espontâneas.(BENJAMIN,2002,p.237)
    E é justamente com Benjamin que podemos exemplificar que a as crianças são seres capazes. Elas constroem a partir de resíduos ou sobras, pois é na poesia, que a infância estabelece novas relações e combinações. Com as crianças, é possível mudar o rumo das coisas ou mesmo o conceito que se tinha(ou se tem) de infância.
Em lugar de manipular conceitos (como antes), a poesia explorava as virtualidades da matéria verbal: a sonoridade e o ritmo das palavras soltas. Dessa maneira, em geral, os breves poemas agradam os ouvidos infantis. 
    Os pressupostos de Benjamin nos levaram a realizar um trabalho com poesias, tendo como objetivo levantar, a partir da leitura das poesias de Manuel Bandeira, os recursos de que se valem o poeta para promover a produção poética e a criança. Os poemas foram retirados do volume Meus primeiros versos: Berimbau e outros poemas.
Segundo Nelly Novaes (2000),"um projeto que contempla a poesia, deve ter claro a concepção de infância e enxergar a literatura e a música como um fenômeno da linguagem", estabelecer relações entre literatura, história e cultura entender a leitura como um diálogo entre leitor e o texto e ver a escola como espaço de cultura.
Acreditamos no poder da poesia e da música de despertarem na criança o gosto pela leitura através da fantasia, da emoção do som e imagem que elas produzem.

A criança e a poesia:

     Na poesia de Bandeira, há o toque lúdico, o humor, o ritmo musical envolvente, o lirismo e clareza de linguagem. O poeta construiu poemas que evocam a infância, envolvendo brincadeiras de rua, associando a música às situações divertidas do cotidiano. Esta articulação da poesia com ritmo musical também é uma maneira que ele utilizou para recordar e valorizar o folclore e a linguagem coloquial. 
    Sabemos que as crianças da atualidade, com os avanços tecnológicos e a rapidez da informação, convivem com diferentes imagens no cotidiano através dos diversos gêneros textuais, que circulam na sociedade. No entanto, elas necessitam da visualização de imagens para despertar sua atenção. A poesia, tão sensível e sutil que torna-se difícil penetrar nesse universo infantil, ditado pela mídia, pela velocidade e pelo barulho desse mundo contemporâneo. Torna-se uma competição injusta, se levarmos em consideração que para ler poesia, os alunos precisam estar tranquilos e concentrados em um ambiente adequado. Como conseguir atenção das crianças, onde a imagem e o barulho são tudo na atualidade?
    Uma alternativa para incentivar leitura de poemas, nas crianças, já há muito tempo usado pelo mercado editorial, é o apelo visual do livro, uma harmonia entre texto, ilustração e o projeto gráfico. Outra opção muito interessante que a criançada gosta é a musica; podemos exemplificar com o DVD da Adriana Partimpim. A imagem não rouba a cena da poesia, pelo contrário, enriquece o texto e desperta o interesse e gosto da criança pelo ato de ler e ouvir. E ainda, baseado nos pressupostos de Walter Benjamin:
      A criança redige dentro da imagem. Por isso, ela não se limita a descrever imagens: ela as escreve e rabisca [...]. Essas imagens são mais eficazes que quaisquer outras na tarefa de iniciar a criança na linguagem e na escrita. No reino das imagens coloridas, ela sonha seus sonhos até o fim. (BENJAMIN, 2008,p.242).
      Ao realizarmos trabalho com música da Adriana Partimpim, quanto o de poemas ilustrados de Bandeira, foram de grande valia para a turma, pois de acordo com Benjamin, "A ilustração faz a fantasia infantil mergulhar, sonhadoramente, em si mesma". Essas imagens estimulam na criança a leitura, penetrando nas ilustrações, ela redige dentro da imagem e do som. (BENJAMIN, p.239). 
      Manuel Bandeira constrói sua obra, tal como Benjamin (2008) identifica a forma com que as crianças fazem história, ou seja, a partir da história de cada um, elas constroem seu mundo de coisas, a partir dos materiais e resíduos espalhados pelo mundo. "Nesses detritos, as crianças identificam o rosto das coisas e assume para elas". Bandeira elege para matéria de poesia a pobreza, os objetos, a sua doença e tudo que relembra sua infância com a família em Recife. 
    Adriana Calcanhoto, conhecida pelas crianças como Adriana Partimpim, desde a infância adotou a música na sua trajetória existencial. Suas canções agradam tanto as crianças quanto os adultos, trazendo um repertório diversificado da música popular brasileira. A cantora, sabendo que a música faz parte da vida infantil desde muito cedo, como as cantigas de ninar, os brinquedos sonoros, poesias e todo tipo de jogo musical, compôs DVDs envolvendo poesia de poetas brasileiros, inclusive o poema "Os sapos" de Manoel Bandeira. Esses momentos de troca e comunicação sonoro-musicais favorecem o desenvolvimento afetivo e social da criança.
    O trabalho com música e poesia na escola é essencial para que os alunos entrarem em contato com a própria música, de modo prazeroso e interessante. Serve para garantir os estudos linguísticos e o seu sucesso, não podendo deixar de lado a capacidade de aprimorar a expressão musical das crianças, além de colaborar com a humanização dos indivíduos, tornando-os mais sensíveis, criativos e reflexivos. Alicia Maria Almeida Loureiro afirma que:
   Significa que é fundamental o papel da escola no estudo da cultura musical, pois nela, como terrenos de mediação, poderão ocorrer as trocas de experiências pessoais, intuitivas e diferenciadas. Daí a necessidade de não perdermos de vista as práticas musicais que respondem os movimentos sociais e culturais que vão além dos muros da escola mas que refletem, mais cedo ou mais tarde, no interior da sala de aula. (LOUREIRO,2010,p121).
    Considerando as ideias de Loureiro, a música exerce papel importante na escola, pois é justificada pelo desenvolvimento do ser humano, por meio da conscientização da interdependência entre o corpo e a mente, entre a razão e a sensibilidade, entre a ciência e estética. (Loureiro, 2010, p.142) Com isso, percebe-se que a música não pode estar dissociada das práticas cotidianas dos alunos, uma vez que as atividades musicais que envolvem o canto, a poesia, o movimento e a improvisação, já fazem parte do ambiente das crianças, no meio familiar ou fora dele.
     A música e poesias rítmicas devem ter lugar em destaque na educação lingüística, pois ajudam no desenvolvimento da leitura e também na parte afetiva e social. Podemos pensar na música como instrumento poderoso na educação, não só na lingüística, pois através do seu uso estimulamos uma área do cérebro não desenvolvida entre outras linguagens oral e escrita. Além disso, a música melhora a capacidade de concentração e potencializa a memória.
      O trabalho com músicas e poesias conhecidas das crianças traz um bom resultado no desenvolvimento da aprendizagem como um todo. Ao ler e ouvir, os aprendizes precisam chegar até a palavra, pois descobrir o que está escrito na música e na poesia, não implica simplesmente em trabalhar os sons, mas as palavras. Ainda de acordo com Nelly Novaes:

      Poesia é também imagem e som. As palavras são signos que expressam emoções, sensações, ideias... através de imagens ( símbolos, metáforas, alegorias...) e de sonoridade(rimas, ritmos...). É esse jogo de palavras, o principal fator da atração que as crianças tem pela poesia, transformando em canto ( as cantigas de ninar, cantigas de roda...). Ou pela poesia ouvida ou lida em voz alta, que lhes provoque emoções, sensações, impressões, numa interação lúdica e gratificante. (NOVAES, 2002, p.222)
     A palavra é a matéria-prima de que dispõe o poeta Manuel Bandeira para realizar seu trabalho e também Adriana Partimpim, para compor suas músicas se utiliza da palavra. Já as crianças utilizam as palavras para recriar e produzir cultura através de sua realidade.
A poesia é apenas um dos usos entre todas as possibilidades da língua e talvez, o mais criativo. Ela pode ser pictórica, plástica, dramática, musical, afetiva, moral e lúdica etc... Deveria ser um dos argumentos para que a escola passasse a ver a poesia não como "perda de tempo", mas como uma das maneiras de derrubar certos preconceitos em relação ao gênero literário, pois as primeiras brincadeiras são feitas de rimas e trocadilhos.
      Em meio a essa crise da vida contemporânea, como professora de projeto de literatura, fomos buscar na poesia de Manuel Bandeira, suporte para a realização de um trabalho com poemas, com as turmas de quarto e quinto anos do Ensino Fundamental de uma escola municipal em Juiz de Fora, Minas Gerais. O brincar com as palavras leva a descobertas incríveis, por isso realizamos um trabalho com algumas poesias de Manuel Bandeira e especialmente o poema: "Na rua do sabão".
Este poema se aproxima do cotidiano e da rotina das crianças de periferias, suas brincadeiras de rua, caracteriza o ambiente onde elas crescem e também lembra meninos soltando pipas, uma atividade muito comum na infância. As cantigas folclóricas compõem uma característica tipicamente ligada às crianças e Manuel Bandeira retrata bem isso no poema: "Na rua do sabão".

Cai cai balão
Cai cai balão
Na Rua do Sabão!
O que custou arranjar aquele balãozinho de papel!
Quem fez foi o filho da lavadeira.
Um que trabalha na composição do jornal e tosse muito.
Comprou o papel de seda, cortou-o com amor, compôs os
[gomos oblongos... 
Depois ajustou o morrão de pez ao bocal de arame.
Ei-lo agora que ? pequena coisa tocante na
escuridão do céu.
Levou tempo para cair fôlego.
Bambeava, tremia todo e mudava de cor.
A molecada da Rua do Sabão
Gritava com maldade:
Cai cai balão!
Subitamente, porém, entesou, enfunou-se 
[e arrancou das mãos que o tenteavam.
E foi subindo...
para longe...
serenamente....
Como se o enchesse o soprinho tísico do [ José.
Cai cai balão!
A molecada salteou-o com atiradeiras
assobios
apuros
pedradas.
Cai cai balão!
Um senhor advertiu que os balões são proibidos pelas
[posturas municipais]
Ele foi subindo...
muito serenamente...
Para muito longe...
Não caiu na Rua do Sabão.
Caiu muito longe... Caiu no mar ? nas águas puras 
[do mar alto.

   Este poema é muito importante por representar um progresso no estilo poético de Manuel Bandeira devido à linguagem coloquial e o uso do verso livre. O início deste poema dá-se pela conhecidíssima cantiga popular que incentiva o leitor a cantá-la imitando-lhe a uma criança. 
   A utilização desse refrão popular na primeira estrofe, faz com que o leitor, conhecedor da canção, inicie a leitura do poema cantando alegremente como uma criança. Mas este sentimento de alegria da abertura não se prolonga nos versos seguintes. E o poeta mostra verdadeiramente o que vai tratar em seu poema: a triste situação de um menino pobre e doente. Desse modo, a alegria inicial não passa de uma falsa imagem.
Esta colagem do refrão, feita por Bandeira, além de transportar a musicalidade da canção popular para seu poema recria o linguajar popular, recurso estético próprio do modernismo, trazendo para ele (o poema) uma linguagem próxima ao dia a dia.
A segunda estrofe mostra a fase de construção do balão por um menino pobre (filho de uma lavadeira) e doente (que tosse muito), uma representação da criança que pode ser comparada à do próprio poeta, também doente. Após o esforço empreendido pela criança doente ("Levou tempo para criar fôlego. / Bambeava, tremia todo e mudava de cor."), o balão sobe e alcança o céu escuro, representando uma espécie de vitória do menino que mesmo doente ("com seu soprinho tísico") alcança o inacessível céu. De forma mágica e lúdica, superando toda maldade das crianças da "Rua do Sabão" que gritavam para que o balão caísse e que também o apedrejavam, juntamente com a lei de proibição municipal ao balonismo ? neste momento representado pela figura de um homem e seu mundo puramente racional sem capacidade imaginativa ? o balão alcança o céu.

Conclusão:

     Concluímos que na poética bandeiriana, a infância é usada pelo poeta como uma forma de recordar o seu passado relembrando os bons tempos de infância com sua família, bem como as brincadeiras de rua, as cantigas do folclore brasileiro, o que representam traço de brasilidade, algo comum aos poetas do Modernismo.
     Nas poesias de Bandeira, observamos um diálogo entre imagem e texto, garantindo a qualidade pictórica das obras, sem perder a riqueza do texto poético. Apesar da linguagem coloquial dos poemas de Bandeira, percebemos o envolvimento e entusiasmo dos alunos com o trabalho realizado. 
     O trabalho com poesia e música na escola, ajuda os aprendizes aperfeiçoarem o vocabulário, a leitura, a linguagem oral, entrem em contato com a cultura e atinjam o universo da infância. Estimulando desde cedo a consciência crítica do leitor. 





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