O BARROCO (1601 -1768): HISTÓRICO GERAL

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O BARROCO  NO  BRASIL
     O Barroco no Brasil foi introduzido no início do século XVII pelos missionários católicos, especialmente
jesuítas, que trouxeram o novo estilo como instrumento de doutrinação cristã.
   A vasta maioria do legado barroco brasileiro está na arte sacra: estatuária, pintura e obra de talha para decoração de igrejas ou para culto privado. Grande número de edificações e peças individuais de arte barroca já foram protegidas pelo governo brasileiro em suas várias instâncias, através de tombamento ou outros processos, atestando o reconhecimento oficial da importância do Barroco para a história da cultura brasileira. Centros históricos barrocos como os de Ouro Preto e Salvador, e conjuntos artísticos como o do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, receberam o estatuto de monumentos da humanidade pela chancela da UNESCO, e esse precioso legado é um dos grandes atrativos do turismo cultural no país, ao mesmo tempo em que se torna ícone identificador do Brasil, tanto para naturais da terra como para os estrangeiros.
  Apesar de sua importância, boa parte da arquitetura e das obras de arte barrocas do Brasil ainda estão em mau estado de conservação e exigem restauro urgente e outras medidas conservadoras, verificando-se frequentemente perdas ou degradação de exemplares valiosíssimos em todas as modalidades artísticas; o país ainda tem muito a fazer para preservar parte tão importante de sua história, tradição e cultura. Por outro lado, parece crescer a conscientização da população em geral sobre a necessidade de proteger um patrimônio que é de todos e que pode reverter em benefício de todos, até econômico, se bem manejado e conservado. Museus nacionais a cada dia se esforçam por aprimorar suas técnicas e procedimentos, a bibliografia se avoluma, o governo têm investido bastante nesta área e até mesmo o bom mercado que a arte barroca nacional sempre encontra ajuda na sua valorização como peças merecedoras de atenção e cuidado, forças atuantes que oferecem perspectivas promissoras para sua sobrevivência para as gerações futuras.

O modelo europeu e sua transferência para o Brasil
      O Barroco foi um estilo de reação contra o classicismo do Renascimento, cujas bases conceituais giravam em torno da simetria, da proporcionalidade e da contenção, racionalidade e equilíbrio formal. Assim, sua estética primou pela assimetria, pelo excesso, pelo expressivo e pela irregularidade, tanto que o próprio termo "barroco", que nomeou o estilo, designava uma pérola de formato bizarro e irregular. Além de uma tendência puramente estética, esses traços constituíram uma verdadeira forma de vida e deram o tom a toda a cultura do período, uma cultura que enfatizava o contraste, o conflito, o dinâmico, o dramático, o grandiloquente, a dissolução dos limites, junto com um gosto acentuado pela opulência de formas e materiais, tornando-se um veículo perfeito para a Igreja Católica da Contra-Reforma e as monarquias absolutistas em ascensão expressarem visivelmente seus ideais. As estruturas monumentais erguidas durante o Barroco, como os palácios e os grandes teatros e igrejas, buscavam criar um impacto de natureza espetacular e exuberante, propondo uma integração entre as várias linguagens artísticas e prendendo o observador numa atmosfera catártica e apaixonada.Essa estética teve grande aceitação na Península Ibérica, em especial em Portugal, cuja cultura, além de essencialmente católica e monárquica, estava impregnada de milenarismo e do misticismo herdado dos árabes e judeus, favorecendo uma religiosidade caracterizada pela intensidade emocional. E de Portugal o movimento passou à sua colônia na América, onde o contexto cultural dos povos indígenas, marcado pelo ritualismo e festividade, forneceu um pano de fundo receptivo.
      O Barroco apareceu no Brasil quando já se haviam passado cerca de cem anos de presença colonizadora no território; a população já se multiplicava nas primeiras vilas e alguma cultura autóctone já lançara sementes. O Barroco não foi, assim, o veículo inaugural da cultura brasileira, o Maneirismo cumpriu o papel de iniciador, mas rapidamente o Barroco o sucedeu e então floresceu ao longo da maior parte de sua curta história "oficial" de 500 anos, num período em que os residentes lutavam por estabelecer uma economia auto-sustentável - contra uma natureza ainda selvagem e povos indígenas nem sempre amigáveis - até onde permitisse sua condição de colônia pesadamente explorada pela metrópole. O território conquistado se expandia em passos largos para o interior do continente, a população de origem lusa ainda mal enraizada no litoral estava em constante estado de alerta contra os ataques de índios pelo interior e piratas por mar, e nesta sociedade em trabalhos de fundação se instaurou a escravatura como base da força produtiva.
    Nasceu o Barroco, pois, num terreno de luta, mas não menos de deslumbramento diante da paisagem magnífica, sentimento que foi declarado pelos colonizadores desde início. Florescendo nos longos séculos de construção de um novo e imenso país, e sendo uma corrente estética e espiritual cuja vida está no contraste, no drama, no excesso, talvez mesmo por isso pôde espelhar a magnitude continental da empreitada colonizadora deixando um conjunto de obras-primas igualmente monumental. Significativa parte desta herança em arte, tradições e arquitetura hoje é Patrimônio da Humanidade.
     É preciso lembrar que o contexto econômico em que o Barroco se desenvolveu na colônia era completamente diverso daquele que lhe dava origem na Europa. Aqui o ambiente era de pobreza e escassez, com tudo ainda "por fazer". Por isso o Barroco brasileiro já foi acusado de pobreza e incompetência quando comparado com o europeu, de caráter erudito, cortesão, sofisticado, muito mais rico e sobretudo branco, apesar de todo ouro nas igrejas nacionais, pois muita coisa é de execução tecnicamente tosca, feita por mão escrava ou morena de pouco estudo mas muita vontade de se expressar. Mas esse rosto impuro, mestiço, é que o torna único e inestimável.Também é preciso assinalar que o Barroco se enraizou no Brasil com certo atraso em relação à Europa, e este descompasso, que se perpetuou por toda sua trajetória, por vezes ajudou a mesclar, de forma imprevista, elementos estilísticos que se desenvolviam localmente com outros externos mais atualizados que estavam em constante importação. Os religiosos ativos no país, muitos deles literatos, arquitetos, pintores e escultores, e oriundos de diversos países, contribuíram para esta complexidade trazendo sua variada formação, que receberam em países como Espanha, Itália e França, além do próprio Portugal. O contato com o oriente, via Portugal e as companhias navegadoras de comércio internacional, também deixou sua marca, visível,que se encontra ocasionalmente nas decorações, em pinturas e nas estatuetas em marfim.
   Como exceção interessante, existe um pequeno acervo de obras de arte realizadas ou exclusivamente por índios, ou em colaboração com padres catequistas, fenômeno ocorrido no âmbito das Reduções jesuíticas do sul e em casos pontuais no Nordeste. Por fim, mas não menos importante, está o elemento popular e inculto, evidente em boa parte da produção local, já que os artistas com preparo sólido eram poucos e os artesãos autodidatas ou com pouco estudo eram a maioria do criadores, pelo menos nos primeiros dois séculos de colonização. Neste cadinho de tendências são detectados até elementos de estilos já obsoletos como o gótico na obra de mestres ativos até no início do século XIX, como o Aleijadinho É do resultado de todos estes entrecruzamentos e mesclas de influências aparentemente disparatadas que nasceu o original e riquíssimo Barroco que hoje se vê espalhado em praticamente todo o litoral do país, desde o extremo sul no Rio Grande do Sul até o norte, tocando o Pará. Para dentro, o estilo derramou-se por São Paulo e Minas Gerais, onde se exprimiu com uma elegância característica, e alcançou o Centro-Oeste deixando jóias como as encontradas em Goiás.
  No início do século XVIII, o Barroco brasileiro conseguiu uma face relativamente unificada, no chamado "estilo nacional português", cujas raízes eram de fato italianas, sendo adotado sem grandes variações nas diversas regiões, e a partir de 1760, por influência francesa, se transformou no Rococó, traço bem evidente nas igrejas de Minas Gerais. No fim do século XVIII o Barroco brasileiro já estava perfeitamente aclimatado ao contexto nacional, tendo dado inumeráveis frutos anteriores de alto valor, e aparecem, ambos em Minas Gerais - um dos maiores pólos culturais e econômicos do Brasil daquela época - as duas figuras célebres que o levaram a uma culminação, e que iluminaram também o seu fim como corrente estética dominante: Aleijadinho na arquitetura e na escultura, e na pintura Mestre Ataíde. Eles sintetizam uma arte que havia conseguido amadurecer e se adaptar ao ambiente de um país tropical e dependente da Metrópole, ligando-se aos recursos e valores regionais e constituindo um dos primeiros grandes momentos de originalidade nativa, de brasilidade genuína. Demonstrando possuírem grande força plástica e expressiva, tornaram-se ícones da cultura nacional - mas advirta-se: o chamado "Barroco mineiro" mais típico, que eles representam tão bem, para muitos críticos respeitados já não é mais propriamente Barroco, e sim seu estilo sucessor, o Rococó; mas se o Rococó é um estilo independente ou se é a fase final do Barroco é uma polêmica ainda não decidida entre a crítica

O papel da Igreja Católica
      Na Europa, a Igreja Católica foi, ao lado das cortes, a maior mecenas de arte neste período. Na imensa colônia do Brasil não havia corte, a administração local era confusa e morosa, assim um vasto espaço permanecia vago para a ação da Igreja e seus batalhões de intrépidos, capazes e empreendedores missionários, que administravam além dos ofícios divinos uma série de serviços civis como os registros de nascimento e óbito, estavam na vanguarda da conquista do interior do território servindo como pacificadores dos povos indígenas e fundando novas povoações, organizavam boa parte do espaço urbano no litoral e dominavam o ensino e a assistência social mantendo muitos colégios e orfanatos, hospitais e asilos.
    Construindo grandes templos decorados com luxo, encomendando peças musicais para o culto e dinamizando imensamente o ambiente cultural como um todo, e é claro ditando as regras na temática e na maneira de representação dos personagens do Cristianismo, a Igreja centralizou a arte colonial brasileira, com rara expressão profana notável. No Brasil, então, quase toda arte barroca é arte religiosa. A profusão de igrejas e escassez de palácios o prova. Costa faz lembrar ainda que o templo católico não era apenas um lugar de culto, mas era o mais importante espaço de confraternização do povo, um centro de transmissão de valores sociais básicos e amiúde o único local seguro na muitas vezes turbulenta vida da colônia. Gradativamente houve um deslocamento neste equilíbrio em direção a uma laicização, mas não chegou a se completar no período de vigência do Barroco. As instituições leigas começaram a ter um peso maior por volta do século XVIII, com a multiplicação de demandas e instâncias administrativas na colônia que se desenvolvia, mas não chegaram a constituir um grande mercado para os artistas, não houve tempo. A administração civil ganhou força com a chegada da corte portuguesa em 1808, que transformou o perfil institucional do território, mas impediu uma continuidade do Barroco pelo seu apoio declarado ao Neoclassicismo.
    Assim como em outras partes do mundo onde existiu, o Barroco foi no Brasil um estilo movido pela inspiração religiosa, mas ao mesmo tempo de enorme ênfase na sensorialidade e na riqueza dos materiais e formas, num acordo tácito e ambíguo entre glória espiritual e êxtase carnal. Este pacto, quando as condições permitiram, criou algumas obras de arte de enorme complexidade formal, que nos fazem admirar a perícia do artesão e a inventividade do projetista - amiúde anônimos e de extrato popular. Basta uma entrada num dos templos principais do Barroco brasileiro, seja em Minas, seja em Salvador, para os olhos de pronto se perderem numa explosão de formas e cores, onde as imagens dos santos são emolduradas por resplendores, cariátides, anjos, guirlandas, colunas e entalhes em volume tal que em alguns casos não deixam um palmo quadrado de espaço à vista sem intervenção decorativa, com ouro a cobrir paredes e altares. Como disse Germain Bazin, "para o homem deste tempo, tudo é espetáculo".
      Entenda-se essa prodigalidade decorativa na perspectiva da época, quando o religioso educava as almas em direção à apreciação das virtudes abstratas buscando seduzí-las antes pelos sentidos materiais, especialmente através da beleza das formas. Mas tanta riqueza também era um tributo devido a Deus, por Sua própria glória. Apesar da denúncia do luxo excessivo pelos Reformistas, e da recomendação de austeridade pelo Concílio de Trento, o Catolicismo na prática ignorou as restrições, pois compreendia que "a arte pode seduzir a alma, perturbá-la e encantá-la nas profundezas não percebidas pela razão; que isso se faça em benefício da fé"'.
Esse cenário luxuriante era parte da própria essência da catequese católica durante o Barroco, então largamente influenciada pelos preceitos dos Jesuítas, os mais ativos paladinos da Contra-Reforma. A retórica era base para todo o ensino, e durante o Barroco adquiriu um forte sentido cenográfico e declamatório, expressando-se cheia de hipérboles e outras figuras de linguagem, num discurso de largo vôo e minuciosa argumentação, às vezes excessiva e rocambolesca para o gosto moderno. Tal característica se traduziu plasticamente na extrema complexidade da obra de talha e na agitada e convoluta movimentação das formas estatuárias e arquiteturais das artes barrocas em todos os países onde o estilo prosperou, pois era uma faceta básica do prolixo espírito da época expressa visualmente, e que no Brasil se manifestou do mesmo modo, como não poderia deixar de fazê-lo.
   Além da beleza das formas, durante o Barroco, o Catolicismo se valeu enfaticamente do aspecto emocional do culto. O amor, a devoção e a compaixão eram visualmente estimulados pela representação dos momentos mais dramáticos da história sagrada, e assim abundam os Cristos açoitados, as Virgens com o coração trespassado de facas, os crucifixos sanguinolentos, e as patéticas imagens de roca, verdadeiros marionetes articulados, com cabelos, dentes e roupas reais, que se levavam em procissões solenes e feéricas, onde não faltavam as lágrimas e os pecados eram confessados em alta voz. Mas essa mesma devoção, que tantas vezes adorou o trágico, plasmou também inúmeras cenas de êxtase e visões celestes, e outras tantas Madonnas de graça ingênua e juvenil e encanto perene, e doces Meninos Jesus, cujo apelo ao coração simples do povo era imediato e sumamente efetivo. Novamente Bazin captou a essência do processo dizendo que "a religião foi o grande princípio de unidade no Brasil. Ela impôs às diversas raças aqui misturadas, trazendo cada uma um universo psíquico diferente, um mundo de representações mentais básico, que facilmente se superpôs ao mundo pagão, no caso dos índios e dos negros, através da hagiografia, tão adequada para abrir caminho ao cristianismo aos oriundos do politeísmo".

Arquitetura
    Em Minas destacam-se a Matriz de Nossa Senhora da Conceição, a Matriz de Nossa Senhora do Pilar, a Igreja de São Pedro dos Clérigos, a Igreja de Nossa Senhora do Carmo e a Igreja de São Francisco, obra de Aleijadinho e Francisco de Lima Cerqueira, com torres circulares de coruchéu em forma de capacete, óculo obturado por relevo, e frontispício imponente. Além de Ouro Preto, o núcleo mais rico, diversas cidades mineiras possuem exemplares significativos de arquitetura rococó, entre elas Sabará, Serro, Mariana, Tiradentes, e também Congonhas, onde existe o grande complexo arquitetônico do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, local que abriga ainda o mais importante grupo de esculturas de Aleijadinho.
     Os conjuntos dos centros históricos de algumas cidades (Salvador, Ouro Preto, Olinda, Diamantina, São Luís e Goiás), declarados Patrimônio Mundial pela UNESCO, ainda permanecem em boa parte intactos, apresentando uma paisagem ininterrupta extensa e valiosíssima de arquitetura urbana do barroco, com farta ilustração de todas as adaptações do estilo aos diferentes estratos sociais e às suas transformações ao longo dos anos. Do reduzido número de exemplos civis significativos se destacam a antiga Casa da Câmara e Cadeia de Ouro Preto, hoje o Museu da Inconfidência, com uma rica e movimentada fachada onde há um pórtico com colunas, escadaria de acesso, uma torre, estátuas ornamentais e estrutura em pedra, a Casa da Câmara e Cadeia de Mariana, a Câmara de Salvador, e o Paço Imperial no Rio, que foi a residência da família real.

O caso mineiro
      Minas teve a peculiaridade de ser uma área de povoamento mais recente, e pôde-se construir em estéticas mais atualizadas, no caso, o Rococó, e com mais liberdade, uma profusão de igrejas novas, sem ter de adaptar ou reformar edificações mais antigas já estabelecidas e ainda em uso, como era o caso no litoral, o que as torna exemplares no que diz respeito à unidade estilística. O conjunto rococó das igrejas de Minas tem uma importância especial tanto por sua riqueza e variedade como por ser testemunho de uma fase bem específica na história brasileira, quando a região foi a "menina dos olhos" da Metrópole por suas grandes jazidas de ouro e diamantes. A arquitetura barroca mineira é interessante por se realizar geralmente em um terreno acidentado, cheio de morros e vales, dando uma forma atraente à urbanização das cidades. Mas não é isso o que torna o Barroco mineiro especial, já que a construção civil segue modelos formais comuns a toda arquitetura colonial brasileira. Entretanto, o caso mineiro tem o atrativo de constituir o primeiro núcleo no Brasil de uma sociedade eminentemente urbana. De qualquer forma, suas características estilísticas distintivas são mais claramente expressas na arquitetura religiosa, nas igrejas que proliferam em grande número em todas essas cidades.
       Aleijadinho, junto com Cerqueira, se tornaram os arquitetos mais importantes da região e de todo o Barroco brasileiro, e suas obras são a súmula das novidades que distinguem o Barroco de Minas Gerais. Aliás, a contribuição de Cerqueira tem sido recentemente reavaliada, concedendo-lhe a ele um papel muito importante na arquitetura barroca de Minas, talvez maior mesmo que o de Aleijadinho. A Igreja de São Francisco de Assis em Ouro Preto é atribuída ao Aleijadinho, embora não haja documentação a respeito. Sabe-se porém que o plano original sofreu alterações de Cerqueira, e de certeza é do Aleijadinho apenas a escultura da portada. De qualquer forma o templo é uma jóia de harmonia entre exterior e interior, e suas soluções são de grande originalidade, incorporando até mesmo traços de estilos antigos como o Gótico e o Renascentista. De qualidade semelhante é a Igreja de São Francisco de Assis em São João del-Rei, da qual sobrevive um traçado do Aleijadinho que não corresponde exatamente ao que se vê hoje, tendo havido intervenção novamente de Francisco Cerqueira.

Pintura e escultura
    A pintura e a escultura barrocas se desenvolveram como elementos auxiliares, embora fundamentais, para obtenção do efeito cenográfico total da arquitetura sagrada que era erguida, todas as especialidades conjugando esforços em busca de um resultado sinestésico arrebatador. Uma vez que a arte barroca é essencialmente narrativa, cabe mencionar os principais grupos temáticos cultivados no Brasil. O primeiro é extraído do Antigo Testamento, oferecendo visualizações didáticas da cosmogênese, da criação do Homem e dos fundamentos da fé dados pelos patriarcas hebreus.
   O segundo grupo deriva do Novo Testamento, centralizado em Jesus Cristo e sua doutrina de Salvação, temática elaborada através de muitas cenas mostrando seus milagres, suas parábolas, sua Paixão e Ressurreição, elementos que consolidam e justificam o Cristianismo e o diferenciam da religião judaica. O terceiro grupo gira em torno dos retratos de autoridades da Igreja, os antigos patriarcas, os mártires, santos e santas, os clérigos notáveis, e por fim vem o grupo temático do culto mariano, retratando a mãe de Jesus em suas múltiplas invocações.

Pintura
      As primeiras pinturas criadas do Brasil foram realizadas sobre pranchas de madeira, em um estilo proto-barroco ou maneirista, e subsidiárias à decoração em talha. Apareceram em meados do século XVII em edifícios das ordens religiosas, como o Convento de Santo Antônio no Rio de Janeiro, e o Convento de São Francisco, em Olinda, dos mais antigos do país, mas a maioria destes primeiros trabalhos se perdeu em incêndios ou em modernizações posteriores. Sobrevivem também, da mesma época, alguns raríssimos exemplos da técnica do afresco no Mosteiro de São Bento no Rio, redescobertos durante uma restauração recente, e na Igreja dos Terésios em Cachoeira do Paraguaçú, estes do jesuíta Carlos Belleville, mas não há registro de disseminação da técnica ou de continuadores. Algumas dessas obras pioneiras eram ex-votos, de fatura rústica, encomendados pelos devotos a artesãos populares em paga por alguma graça recebida ou em penhor de alguma promessa. Os ex-votos tiveram um papel importante no primeiro desenvolvimento da pintura colonial por constituírem uma prática frequente, o que se explica pelo cenário ainda selvagem onde as povoações se organizavam, e onde não faltavam perigos de várias ordens contra os quais a invocação aos poderes celestes para a ajuda e proteção era constante.
      Em Minas trabalharam muitos artistas, como Manuel Rebelo e Souza, Joaquim José da Natividade, Bernardo Pires, João Nepomuceno Correia e Castro, e a presença maior foi Mestre Ataíde, o último grande mestre da pintura barroca brasileira e um nome importante do Rococó internacional. É interessante ainda o belo acervo remanescente de azulejaria pintada, em boa parte importado de Portugal, mas que não obstante deu uma nota característica em inúmeros conventos, igrejas e casarios barrocos brasileiros.

Escultura
     O Barroco originou uma vasta produção de estatuária sacra, disseminada por todo o litoral e em algumas regiões do interior do Brasil. Parte integral da prática religiosa, a estatuária devocional encontrava espaço tanto no templo como no domicílio privado. A partir do século XVII começaram a se formar escolas conventuais locais de escultura, compostas principalmente por religiosos franciscanos e beneditinos, mas com alguns artesãos laicos, que trabalhavam principalmente o barro. Já os jesuítas deram preferência à madeira. Índios reduzidos também deram sua colaboração como santeiros, especialmente nas reduções do sul e em algumas do nordeste, e nesses casos muitas vezes traços étnicos índios são encontrados no rosto das imagens, como se verifica em algumas esculturas dos Sete Povos das Missões. Criados aqui ou não, dificilmente haveria uma casa que não possuísse ao menos algum santo de devoção esculpido: a estatuária se tornou um bem de largo consumo, quase onipresente, com exemplares de grande porte até peças miniaturizadas para uso prático em viagens. Salvador em especial tornou-se um centro exportador de estatuária para os mais distantes pontos do país, criando uma escola regional de tanta força que não conheceu solução continuidade senão no século XX. Outra escola nordestina importante foi a de Pernambuco, com produção de alta qualidade mas ainda pouco estudada.
        Aleijadinho representa o coroamento e a derradeira grande manifestação de escultura barroca brasileira, com obra magistral espalhada na região de Ouro Preto, especialmente as obras no Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas, compondo uma série de grandes grupos escultóricos nas capelas das estações da Via Crucis e os célebres Doze Profetas, no adro daquela igreja.
       A estatuária barroca por regra era pintada com cores vivas e não raro com douramentos, e decorada com ornamentos acessórios como coroas e resplendores em prata e ouro, que podiam ser cravejados de pedras preciosas. Também podiam ser colocados olhos de vidro, dentes de marfim e vestidos de tecido, e as grandes estátuas de roca, que se levavam em procissões, podiam ter cabelos reais, a fim de enfatizar seu aspecto ilusionístico, e membros articulados, para possibilitar seu uso em representações teatrais sacras.            

Música
   A música é a arte cuja trajetória durante o Barroco no Brasil é das menos conhecidas e das que deixou menos relíquias. Da produção musical nativa só sobrevivem obras significativas a partir do final do século XVIII, ou seja, quando o Barroco já estava dando lugar às escolas Rococó e Neoclássica. Não que não tivesse havido vida musical na colônia nos séculos anteriores; houve, e importante - embora não possa ser comparada à de outros centros coloniais americanos como o Peru e o México, ou à da própria Metrópole portuguesa - apenas as partituras infelizmente se perderam, mas testemunhos literários não deixam dúvida sobre a intensa atividade musical brasileira desde o início do Barroco, especialmente no Nordeste.[55]
    Além disso, a Escola Mineira de música, o mais célebre grupo de compositores do Brasil colonial e o que o grande público conhece mais já não é, como se tem divulgado erroneamente chamando-a de "música do Barroco colonial", uma escola barroca. Apesar de se realizar em um cenário todo barroco, estilisticamente é pré-clássica, e em muitos momentos decididamente classicista, afim das escolas de Boccherini e Haydn. Porém é inegável uma herança barroca mais ou menos velada em sua sonoridade e técnicas, ainda empregando em muitos casos o baixo contínuo.[55]

Música profana
   No campo profano há registros de encenações de óperas italianas - uma voga no século XVIII - em teatros da Bahia (1729, 1760), Rio (1767), São Paulo (1770) e se iam organizando algumas irmandades musicais e orquestras, muitas formadas por mulatos. No final do século XVIII havia mais músicos ativos na colônia do que em Portugal, o que diz da intensidade da prática no Brasil desenvolvida. Destacou-se nesta fase também o português Antônio Teixeira, que musicou as sátiras do Judeu, Antônio José da Silva, de grande difusão e sucesso embora escritas em Portugal.[55]
   A primeira partitura vocal profana escrita no Brasil em português que perdurou foi a Cantata Acadêmica Heroe, egregio, douto peregrino, na verdade apenas um par recitativo + ária de um compositor anônimo, que em 1759 saudava em música perfeitamente rococó o dignitário português José Mascarenhas Pacheco Pereira de Mello e deplorava as dificuldades por que ele passara nesta terra. Sua autoria por vezes é atribuída a Caetano Melo de Jesus, mestre de capela na Sé de Salvador e autor também de uma Escola de Canto de Órgão ("canto de órgão" era entendido como canto polifônico), em quatro volumes, que é o mais importante tratado de teoria musical escrito em língua portuguesa de sua época, competindo com os de célebres musicólogos europeus.[55][56] A Cantata merece a transcrição de um trecho do seu texto por ser também um bom exemplo da retórica típica da época empregada na louvação dos poderosos:
(…)
"E bem que quis a mísera fortuna,
que vos fosse molesta e que importuna
a hospedagem, Senhor, desta Bahia.
"Sabem os céus e testemunha sejam,
que dela os naturais só vos desejam
faustos anos de vida e saúde,
de próspera alegria, pela afável virtude
de vossa generosa urbanidade,
com que a todos honrais, desta cidade!
(…)
"Oh! Quem me dera a voz, me dera a lira
deAnfião e de Orfeu, que arrebatava os montes
e fundava cidades, pois com elas erigira
um templo que servisse por memória
e eterno monumento à vossa glória!
(…)
"Oh! Se também tivera o canto grave
da filomela doce e cisne suave,
vosso louvor, sem pausa, cantaria,
com cláusula melhor, mais harmonia."

Música sacra
     Como grande parte da prática e do ensino era conduzida pelos religiosos, no terreno da música erudita o que mais se produziu foi no gênero sacro, em missas, motetos, antífonas, ladainhas e salmos, seja a cappella, seja para solistas com coro e orquestra. É bem conhecida a participação de índios numa vida musical intensa e de alta qualidade e complexidade técnica em algumas reduções do sul do país, mas este foi um fenômeno isolado; no geral a música praticada pelos missionários entre os índios era bastante simples, e a catequese empregava basicamente o canto homofônico, inserido muitas vezes nas representações teatrais de autos sagrados. Pouco mais tarde foi introduzido um instrumental elementar composto basicamente pelas flautas e as violas de arame. Com o crescimento da colônia se tornou muito mais importante musicalmente o negro escravo. Há inúmeros relatos sobre as orquestras de negros e mulatos tocando com perfeição peças eruditas européias e locais, e boa parte dos maiores compositores do período são igualmente descendentes de escravos, embora traços da cultura original de sua raça não sejam de forma alguma detectados em sua produção, toda orientada para modelos europeus.
       Em São Luís, desde 1629 é assinalada a presença de Manuel da Motta Botelho como mestre de capela. O frei Mauro das Chagas trabalhou um pouco antes em Salvador, e depois dele vieram José de Jesus Maria São Paio, frei Félix, Manuel de Jesus Maria, Eusébio de Matos e diversos outros, sobretudo João de Lima, o primeiro teórico musical do Nordeste, polifonista, multi-instrumentista e mestre de capela da Sé de Salvador entre 1680 e 1690, e depois assumindo a de Olinda. Uma das figuras principais do auge musical de Salvador foi o frei Agostinho de Santa Mônica (1633-1713), de grande fama quando viveu, e autor de mais de 40 missas, algumas em estilo policoral, e outras composições. Caetano de Melo Jesus, já referido antes, foi outro grande personagem na música da capital baiana.
Os outros centros principais da época, Recife, Belém e São Paulo, só puderam manter uma atividade consistente a partir do século XVIII, e sua qualidade então chegou a um nível que interessou até mesmo musicólogos da Metrópole, sendo diversos autores citados no Dicionário de músicos portugueses de José Mazza, entre eles Caetano de Melo Jesus, Eusébio de Matos, José Costinha, Luís de Jesus, José da Cruz, Manoel da Cunha, Inácio Ribeiro Noia e Luís Álvares Pinto.[55][56]
     Apesar do grande número de músicos atuantes em todo o Nordeste e centro do país durante o Barroco, praticamente toda sua produção desapareceu. De Luís Álvares Pinto, mestre de capela em Recife, fundador de uma Sociedade de Santa Cecília e autor de uma Arte de solfejar e de um Muzico e Moderno Systema para Solfejar sem Confuzão, restam apenas pouquíssimas composições, um notavelmente melódico e fluente Te Deum (as partes instrumentais intermédias se perderam e nas edições modernas foram reconstruídas), uma Salve Regina e os exemplos que deixou em sua Arte de solfejar. A maior parte das partituras remanescentes da música colonial brasileira data da segunda metade do século XVIII. André da Silva Gomes, prolífico compositor, autor de uma Arte explicada do contraponto e mestre de capela da Sé de São Paulo, é um dos autores de quem se conhecem mais obras. Outro de quem sobreviveu um acervo apreciável é Damião Barbosa Araújo, baiano, mas a estética de ambos já esboça um Neoclassicismo.
   A produção do integrantes da Escola de Minas é bem mais documentada, mas não pode de fato ser classificada como barroca. Ou é de um rococó que já incorpora muitos traços neoclássicos, ou já é inteiramente classicista. Dentre os que preservam um pouco mais nitidamente soluções formais, técnicas e sonoridades do Barroco está Lobo de Mesquita, possivelmente o maior de todos os mineiros e a quem se atribui a autoria de cerca de trezentas obras, de que sobrevivem quarenta. São bem conhecidas a Antífona de Nossa Senhora (1787), o Tractus para o Sábado Santo (1783) e a Missa em si bemol (1783) e diversas outras. Também importantes neste grupo são Francisco Gomes da Rocha, autor de duzentas peças entre elas as estimada Novena de Nossa Senhora do Pilar, Inácio Parreira Neves e Manoel Dias de Oliveira.
     Este rico acervo de música colonial, até há pouco mal conhecido e menosprezado, longamente esquecido em arquivos paroquiais, tem recebido atenção de musicólogos e intérpretes desde a atuação precursora de Curt Lange em meados do século XX, e hoje é presença relativamente assídua em concertos no Brasil e no exterior, já possuindo boa discografia por grupos de música de reconstrução histórica. As pesquisas recentes continuam a revelar mais obras dadas como perdidas, enriquecendo o conhecimento moderno sobre um campo onde ainda há muito por resgatar e entender.

Teatro
     As primeiras manifestações teatrais importantes no Brasil ocorrem na transição do maneirismo para o barroco, e foram realizadas em âmbito religioso, como parte da obra missionária de catequização do gentio. Assim são as peças de José de Anchieta, o maior e praticamente único dramaturgo do século XVI no Brasil, e sua produção se insere na concepção jesuíta de catequese cênica, sistematizada pelo padre Franciscus Lang em sua Dissertatio de actionescenica. Para formular seus preceitos Lang se baseou na tradição teatral italiana, nos antigos autos de mistérios medievais, e nas prescrições dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loiola, que previa a composição de lugar para melhor eficiência da meditação espiritual. No caso específico de Anchieta, o teatro de Gil Vicente foi outra referência importante.
       Os enredos eram em geral retirados da Bíblia e da hagiografia católica, e a história da Paixão de Cristo ao longo da Via Sacra era dos mais importantes. As peças de Anchieta já evidenciam uma das características do teatro religioso do barroco que permaneceria ao longo dos séculos seguintes, o sincretismo, com personagens retirados de vários períodos históricos e misturados a figuras lendárias. No Auto de São Lourenço, por exemplo, aparecem juntos os imperadores romanos Décio e Valeriano, anjos, os santos Sebastião e Lourenço, uma velha, meninos e demônios indígenas, e nesta mistura fica desde logo claro o propósito de "relativizar o tempo e o espaço em função do referencial divino, que é eterno e absoluto. Diante de Deus todas as coisas são concomitantes e, apesar da existência de uma história da salvação, os verdadeiros valores não são históricos ou lineares". No século XVII a forma do teatro sacro se desenvolve, se enriquecem os cenários e acessórios cênicos, e o público-alvo já não é primariamente o índio, mas toda a população.
        Ainda não havia teatros, e o local para tais representações era usualmente ao ar livre, nas praças diante das igrejas, ou ao longo das procissões, com o auxílio de cenários móveis instalados em cima de carros alegóricos que acompanhavam o percurso. A encenação contava com a viva participação popular, num movimento integrado entre atores e público. Muitas vezes se fazia uso de marionetes ou imagens sacras de um tipo especial, as estátuas de roca, vestidas como pessoas e articuladas de modo a poderem se adaptar à ação que se desenrolava, onde desempenhavam um papel evocativo fundamental.Era nessas ocasiões, como expressou Sevcenko, em que o barroco revelava toda a sua força aglutinadora, sua energia extravasante e o poder de seu encantamento:
      "Então toda a cidade se move. As imagens desfilam solenes, refletindo as cores de suas tintas, vernizes, pedrarias e tecidos luxuosos, entre massas de velas e rolos da névoa perfumada exalada pelos turíbulos. A multidão adquire forma, organizada na hierarquia de suas funções, lustre e condição social. À frente, os representantes do Rei e da Igreja com suas insígnias e trajes de gala, seguidos dos militares em armaduras, as irmandades e confrarias com seus ícones e estandartes, e a escravaria agregada sob a efígie da Santa Misericórdia. Todos na mesma cadência, marcada pelos coros polifônicos e pelos clamores da fé, gritos, vivas, lágrimas e confissões espontâneas de pecados e vícios inimagináveis.....
    "À noite se davam as encenações teatrais, recitações, cantos, danças e mascaradas. As coreografias formais dos minuetos e contra-danças nos salões extravasavam para as mouriscas e lundus nas varandas e dali para os congos, batuques e cucumbis nos quintais e terreiros. As danças noturnas se encarregavam assim de dissolver as rígidas segregações hierárquicas longamente ritualizadas durante o dia, reembaralhando as cartas ao acaso dos destinos individuais. Na vertigem dos rodopios e requebros, cada um incorpora o eixo em torno do qual gira o mundo, se lançando ao imprevisto das contingências guiado apenas pela verdade profunda da fantasia".
     Ao lado das manifestações sacras, as representações profanas tinham lugar nos festejos públicos, oficiais ou populares, que se acompanhavam de cortejos, música e dança, e no entretenimento privado, onde os marionetes eram de uso freqüente e o improviso uma praxe. Salvador foi o primeiro palco desse teatro profano; logo outros centros como o Rio e Minas também assinalam sua ocorrência. O teatro profano erudito só começaria a aparecer com a construção, a partir do século XVIII, de diversas casas de espetáculo pelo litoral e em alguns centros interioranos, como Ouro Preto e Mariana. Serviam principalmente à representação de peças musicadas, as óperas, melodramas e comédias. Ao mesmo tempo, surgia o desejo de profissionalização do teatro brasileiro, até então de base amadora e popular, com o resultado de os tablados itinerantes darem lugar ao auditório fixo. O repertório era basicamente importado da Europa, com obras de Molière, Corneille, Voltaire, e as sátiras musicadas de António José da Silva, o Judeu, tiveram enorme popularidade.
      Das casas de teatro barrocas do Brasil, a mais antiga ainda existente é o Teatro Municipal de Ouro Preto, de 1770, que é também o mais antigo das Américas ainda em uso. No Rio há registro de teatros mais antigos, como a Casa de Ópera do Padre Boaventura, erguida possivelmente em 1747, mas esta não sobreviveu. Contudo os relatos descrevem a riqueza de seus cenários e figurinos, o uso de títeres, e seus complexos maquinismos cênicos, um equipamento essencial à criação dos efeitos especiais tão apreciados na encenação barroca. O próprio Padre Boaventura regia os espetáculos. Um outro teatro foi erguido no Rio por volta de 1755, o Teatro de Manoel Luiz; nele se assinala a atividade de um dos primeiros cenógrafos profissionais do Brasil, Francisco Muzzi, e um repertório com peças de Molière, Goldoni, Metastasio, Maffei, Alvarenga Peixoto e especialmente as peças do Judeu. Funcionou até a chegada da família real portuguesa ao Brasil.
A herança cênica do barroco perdura até os dias de hoje em expressões populares sincréticas de longa e rica tradição que sobrevivem em diversos pontos do país, como as ladainhas, os congados, os ternos de Reis, e mesmo é visível no moderno carnaval, uma festa associada ao calendário religioso e uma das expressões populares contemporâneas que atualizam a cenografia luxuriante do auge do teatro e das festas barrocas.

Recepção crítica
     Desde  fins do século XVIII já se ensaiava a introdução da estética neoclássica, ela logo se tornou o estilo "oficial" do reino através da presença da Missão Francesa de 1816, e desde então outras escolas artísticas se sucederam, fazendo com que a arte do passado fosse gradualmente esquecida e que muitas igrejas e outros monumentos barrocos fossem destruídos ou reformados de acordo com a nova moda vigente. Outro fator para o descrédito do Barroco foi sua associação com a longa dominação portuguesa, numa fase em que o novo império buscava afirmar-se como nação independente e progressista. Apesar de alguns viajantes estrangeiros do século XIX como Auguste de Saint-Hilaire e Richard Burton terem admirado as obras de Aleijadinho, ao longo de todo este século a opinião geral sobre o estilo era de desprezo. Isso não impediu que vários artistas populares, alguns deles com obra de alta qualidade, continuassem praticando no Barroco até o fim do século XIX, especialmente em regiões provincianas. Foi o caso do escultor mineiro Joaquim Francisco de Assis Pereira, ativo na área de São João del-Rei e morto em 1893, e de alguns sobreviventes da escola baiana. Uma voz de exceção entre os círculos ilustrados oitocentistas foi o elogio que fez Araújo Porto-alegre aos artistas coloniais da escola fluminense, considerando-os dignos de um lugar honroso na história da arte brasileira, mas é típica a manifestação de Gonzaga Duque, um dos críticos mais influentes do fim do século XIX:
"... a igreja dos jesuítas é uma flagrante prova do mau gosto e da falta de inteligência que presidiam a formação de suas obras. Os mosteiros e conventos foram edificados durante o domínio do estilo Barroco, essa brutalidade inventada pelos fundadores da Inquisição. Nem palácios, nem templos suntuosos possuía a colônia. Tudo era acanhadamente dessa natureza".
     Um resgate consistente dessa herança só começou a acontecer no início da década de 1920, quando Mário de Andrade realizou os primeiros estudos sobre a arquitetura religiosa mineira, já identificando algumas especificidades da versão brasileira do Barroco e rejeitando a associação do exótico e do pitoresco com o legitimamente nativo. Poucos anos depois estudou a obra de Aleijadinho, enfatizando também aspectos sociais da contribuição negra e mulata para a construção de uma arte que qualificava como "genuinamente nacional".Nesta época o conceito de Barroco era mal delimitado e sujeito a muito preconceito, até mesmo na Europa, e as contradições e imprecisões são visíveis nos textos de Mário e de outros autores que se ocuparam do tema mais ou menos no mesmo período, como Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade.
        Na década de 1930, um grupo de intelectuais ligados ao governo federal, que se encontrava empenhado em implantar uma política cultural para o Brasil, se mobilizou para criar em 1937 o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), antecessor do IPHAN. O líder do grupo e então diretor do SPHAN, Rodrigo Mello Franco de Andrade, procurou delimitar a modernidade brasileira na literatura, nas artes e na política por meio, entre outras coisas, da recuperação do passado colonial. "Contra o passado recente, um salto para trás, para o passado mais 'verdadeiro', onde se podia descobrir e inventar inclusive uma modernidade 'avant lalettre' ". Os principais focos de atuação do SPHAN em suas primeiras décadas de existência foram a identificação e tombamento de um rico acervo de edifícios religiosos (529 itens tombados nos primeiros 30 anos de funcionamento do órgão), o entendimento da importância do legado artístico do século XVIII e, nele, do fenômeno do Barroco mineiro como central. Nesse momento, a atenção dada aos monumentos coloniais suplantou quase completamente a que receberam os do Império e da Primeira República.
       Além dessas atividades, o SPHAN iniciou a publicação da revista Estudos Brasileiros e da Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, onde a linguagem e metodologia impressionistas da crítica dos anos anteriores cedeu lugar para abordagens mais científicas. A partir de então a questão do Barroco brasileiro passou a ser uma presença regular nos debates acadêmicos no país.
Logo em seguida, na década de 1940, os estudos foram significativamente aprofundados com a contribuição de dois teóricos estrangeiros, a alemã Hannah Levy e o francês Roger Bastide. Levy era versada no Barroco europeu; publicou em 1941 na Revista do SPHAN o estudo A propósito de três teorias sobre o Barroco, que se tornou uma referência para todos os pesquisadores por sistematizar o estado da discussão teórica em nível internacional, cotejando os trabalhos de Heinrich Wölfflin, Max Dvořák e Leo Ballet, que representavam as três correntes principais de estudo na época, e aplicando essa sua síntese ao caso brasileiro. Ao mesmo tempo, Bastide, que fora diretor do Museu do Louvre, se envolveu no assunto e passou a percorrer o interior para pesquisar fontes documentais em velhos arquivos e fazer registros fotográficos. Com seu conhecimento anterior sobre o Barroco europeu e mais esses dados ele pôde estabelecer uma base sociológica do Barroco nacional, desfazer a tradicional vinculação do apogeu econômico do ciclo do ouro com o apogeu artístico mineiro, distinguir entre as escolas regionais do nordeste e de Minas, e traçar suas correlações com o modelo europeu, além de oferecer paralelos entre o Barroco e a produção moderna. As aulas que ministrou na Universidade de São Paulo atraíram diversos estudantes que mais tarde se tornaram pesquisadores notáveis, como Antonio Candido, Lourival Gomes Machado, Décio de Almeida Prado e Gilda de Mello e Souza, os quais reconheceram que a contribuição de Bastide os auxiliou na focalização de seus próprios estudos sobre a realidade brasileira, além de apresentá-los a uma metodologia intelectual atualizada. Em 1949 Lourival Machado aproveitou a base deixada por Mário, Levy e Bastide para seus onze artigos publicados no jornal O Estado de São Paulo, que foram a primeira análise das relações políticas sociais da arte colonial com o absolutismo português, e estabelecendo a legitimidade da apresentação do Barroco mineiro como um exemplo representativo do Barroco brasileiro. A atuação de Lourival Machado foi outro divisor de águas, e a partir dele o Barroco nacional deixou de ser tema de artigos para ocupar livros inteiros. Ele, mais Afrânio Coutinho e Otto Maria Carpeaux, escreveram nas décadas de 1940-1950 diversas obras sobre aspectos gerais e particulares do Barroco.Bastide deu outra contribuição importante em 1965 com seu livro Classique, Barroque et Rococo, editado na Europa, onde apresentou o Barroco brasileiro como um dos maiores monumentos do Barroco internacional e o Aleijadinho como sua principal expressão. O resultado desses esforços foi que na altura das décadas de 60-70 o Barroco brasileiro se tornara um tópico de grande interesse entre os pesquisadores nacionais e se tornara reconhecido além das fronteiras, um interesse que chegou a causar a perplexidade de Affonso Ávila, que escrevendo em 1969 se perguntava o porquê de tanta curiosidade e tanta paixão pelo assunto naquele momento.
      Os críticos mais recentes já não trabalham na linha de uma apologia quase incondicional do Barroco brasileiro como fizeram as primeiras gerações de estudiosos, numa fase em que o estilo surgiu como elemento necessário para a consolidação de uma identidade nacional. Hoje já emergem visões mais abrangentes que procuram apontar também para seus aspectos mais contraditórios, a fim de se formar um panorama mais realista do que o fenômeno artístico-social do Barroco brasileiro de fato representou, e denunciam a continuada apropriação pelo Estado de processos culturais históricos com fins propagandísticos tendenciosos. Hansen diz que se ele
".... fundiu os modelos da cultura européia aos modelos africanos, indígenas e orientais, dando origem à figuração por vezes bastante original de valores locais,.... a mínima reconstituição histórica das práticas de representação desse tempo evidencia a fortíssima censura, o anti-semitismo, os estereótipos da limpeza de sangue, a desqualificação e a desonra do trabalho manual, a intolerância religiosa, a perseguição das idéias, etc. Evidencia também que.... a sociedade colonial vivia a História como uma figura providencialista de Deus, que participava nela como fundamento teológico-político da união da Igreja e Estado e regulação jurídica da escravidão".
       Porém, em geral não se nega o enorme impacto que o Barroco exerceu na formação da cultura brasileira, nem se ignora o valioso legado artístico que ele deixou e que foi em parte declarado Patrimônio Mundial pela UNESCO.Ao mesmo tempo, para muitos pesquisadores a herança barroca permanece viva no cotidiano do brasileiro, expressa de uma variedade de formas artísticas, sociais e folclóricas, definindo uma maneira de ser que se confunde com a própria noção de brasilidade.
Apesar disso, o Barroco brasileiro ainda precisa de maior valorização e proteção. A imprensa noticia frequentemente casos de destruição provocada ou natural de exemplares de arquitetura, estatuária, pintura ou talha. Instâncias oficiais como o IPHAN procuram efetivar tombamentos e executar programas de proteção, o governo também investe em museus e restaura bens móveis e imóveis, o patrimônio já é tópico do currículo escolar e universitário, a iniciativa privada e universidades também realizam projetos de pesquisa e restauro, mas é pouco diante do volume do acervo arquitetônico e artístico que precisa de medidas de conservação e proteção urgentes.Por outro lado, em boa parte ao Barroco, tão identificado com o Brasil, se deve o crescimento do setor do turismo cultural no país, e já existe uma crescente conscientização da população em geral sobre a importância artístico-cultural e o potencial de exploração econômica do legado Barroco, desde que mantido adequadamente, e isso pode oferecer uma perspectiva de melhor preservação do patrimônio sobrevivente para o futuro.
      Nos séculos XVII e XVIII não havia ainda condições para a formação de uma consciência literária brasileira. A vida social no país era organizada em função de pequenos núcleos econômicos, não existindo efetivamente um público leitor para as obras literárias, o que só viria a ocorrer no século XIX. Por esse motivo, fala-se apenas em autores brasileiros com características barrocas, influenciados por fontes estrangeiras (portuguesa e espanhola), mas que não chegaram a constituir um movimento propriamente dito.  Nesse contexto, merecem destaque a poesia de Gregório de Matos Guerra e a prosa do padre Antônio Vieira representada pelos seus sermões.


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