Por Geane
Poteriko
INTRODUÇÃO
Na análise, serão identificadas as
características simbolistas em cada um dos poemas, sua temática, os recursos
utilizados pelo poeta, as figuras de linguagem presentes, entre outros aspectos
relevantes à sua compreensão e referentes à interpretação pessoal da poética
simbolista.
POEMA 1:
ACROBATA DA DOR
(Cruz e Sousa)
1 Gargalha, ri, num riso de tormenta,
2 Como um palhaço, que desengonçado,
3 Nervoso, ri, num riso absurdo,
inflado
4 De uma ironia e de uma dor violenta
5 Da gargalhada atroz, sanguinolenta,
6 Agita os guizos e convulsionado
7 Salta, gavroche, salta, clown, varado
8 Pelo estertor dessa agonia lenta...
9 Pedem-te bis e um bis não se despreza!
10 Vamos! retesa os músculos, retesa
11 Nessas macabras piruetas d`aço...
12 E embora caias sobre o chão, fremente
13 Afogado em teu sangue estuoso e quente
14 Ri,! Coração, tristíssimo palhaço.
Em primeiro lugar, pode-se dizer que o poema “Acrobata da Dor”, em forma
de soneto, apresenta a característica preocupação formal de Cruz e Sousa que o
aproxima inclusive dos parnasianos: a utilização de vocabulário requintado e
erudito, a força das imagens na poética bem como a forma lapidar antecipam a
nobreza destes versos sugestivos, bem ao gosto simbolista.
Ao
iniciar a leitura do poema, o título imediatamente desperta a atenção do
leitor: quem seria este “Acrobata da Dor”? Nota-se, desde já, o predomínio da
sugestão sobre a nominação, motivo pelo qual o “Acrobata da Dor” só é revelado
diretamente ao final do soneto, sendo sugerido metaforicamente em todo o poema.
O título é, pois, uma apresentação instigante da temática, que vai inserindo o
leitor neste universo poético repleto de imagens e sensações.
O
poema se inicia com dois verbos no imperativo: “Gargalha, ri...” (verso 1), com
os quais o “eu-lírico” provavelmente se direciona ao leitor, sugerindo que este
assuma, perante a vida, um posicionamento de ânimo e alegria. Cabe mencionar,
entretanto, que ao final do poema o leitor acabará percebendo que estes verbos
não são direcionados a ele, leitor, mas sim ao “Acrobata da Dor”, revelado ao
fim da leitura.
A
comparação que segue no verso 2: “Como um palhaço...” revela mais uma sugestão
do “eu-lírico”: mostrar alegria, assim como o palhaço, um artista capaz de
manter essa alegre postura artística mesmo nos momentos conflituosos e tristes
da vida. Além disso, os termos opostos à alegria que caracterizam tanto o
palhaço: “desengonçado” (verso 2), “nervoso” (verso 3), quanto o seu riso:
“riso absurdo, inflado de uma ironia e de uma dor violenta” (versos 3 e 4)
evocam a essa capacidade do artista de mascarar seus sentimentos de dor para
transmitir a alegria. Assim, tais antíteses enfatizam este contexto sugerido
pelo “eu-lírico” e são empregados em todo o poema. Observa-se ainda que no
verso 3 há elipse do termo riso: “num riso absurdo, (riso) inflado...”
A 2ª
estrofe mostra-se uma continuidade da comparação feita no verso 2. Nesse
quarteto, o “eu-lírico” explicita algumas atitudes artísticas do palhaço: “Da
gargalhada atroz, sanguinolenta,/ Agita os guizos...”, (versos 5 e 6 ) e ainda:
“...e convulsionado/ Salta, gavroche, salta, clown...” (versos 6 e 7). Nota-se
que estes versos são dispostos com inversão da ordem direta, o que caracteriza
um hipérbato. Transcrevendo-os na ordem direta, tem-se: “Agita os guizos da
gargalhada atroz, sanguinolenta...” e “e salta convulsionado, salta, gavroche,
salta, clown”.
Ainda
na 2ª estrofe, observa-se que no verso 7 o “eu-lírico” de dirige ao “palhaço”
através dos termos estrangeiros “gavroche”, palavra francesa que significa “os
garotos de Paris” (Ramos, 1961:169), ou seja, no sentido conotativo, artista; e
“clown”, proveniente do inglês, “palhaço” (Vallandro, 1997: 57). Esta dupla
utilização de termos que remetem ao artista palhaço, enfatizando o aspecto
artístico do mesmo, é destacado ainda mais pelos verbos “saltar” (verso 7)
e “agitar” (verso 6), que indicam esta
ação artística sugerida - elementos estes que se opõem diretamente ao verso 8,
que vem carregado de termos pessimistas e tristes: o palhaço está varado “pelo
estertor dessa agonia lenta”. Cabe mencionar aqui o significado da palavra
“estertor”: respiração rouca típica dos moribundos, revelando assim que este
mesmo artista que “salta”, que “agita os guizos” de suas gargalhadas, é
perfurado (varado) por um som rouco característico dos moribundos. É o ápice da
sugestão da tristeza interior do palhaço: embora esteja agindo em seu
espetáculo alegremente, na intimidade do seu ser, este artista está
interiormente dilacerado, dominado pela dor.
Vale
ressaltar também as reticências empregadas ao fim desta estrofe, as quais
evocam tanto uma interrupção de pensamento, quanto o indizível, a imagem e a
percepção a serem vistas e sentidas pelo leitor, visto que o “eu-lírico” as
considera impossíveis de serem concretizadas e expressas poeticamente: “Pelo
estertor dessa agonia lenta... “ (verso 8). Tal recurso também é empregado no
verso 11, na 3ª estrofe: “Nessas macabras piruetas d`aço...”
Em
sequência, a 3ª estrofe continua fazendo referência às atitudes artísticas do
palhaço. No verso 9, “Pedem-te bis...” pode-se notar que o sujeito
indeterminado do verbo “pedem-te” diz respeito à “platéia”, que não percebe o
dilema pelo qual este artista está passando enquanto faz suas “piruetas d´aço”.
Fazendo uma leitura além do poema, é possível afirmar que essa “platéia”
corresponda à vida, que exige do indivíduo as maiores acrobacias na sua luta
diária. Além disso, nota-se que a locução adjetiva “d´aço” que acompanha as
“piruetas” vem insistir na força deste artista para não deixar transparecer ao
“público” a sua dor interior. E ainda juntamente a estas “piruetas d´aço” o
poeta utiliza o adjetivo “macabras”, ou seja, fúnebres, evocando novamente à
dor deste artista. E assim o “espetáculo” continua, mesmo porque “um bis não se
despreza!” (verso 9).
Pode-se
perceber também, nesta estrofe, a insistência do “eu-lírico” para que o artista
continue o espetáculo: “Vamos! retesa os músculos, retesa” (verso 10). Esta
insistência é prolongada na última estrofe do poema: “E embora caias sobre o
chão, fremente/ Afogado em teu sangue estuoso e quente / (...) Ri...” (versos
12, 13 e 14), ocorrendo finalmente a revelação da simbologia da metáfora
"Acrobata da Dor" – o coração: “Ri,! Coração, tristíssimo palhaço”
(verso 14).
Para
melhor compreender a revelação contida neste último verso, pode-se fazer a
análise dos termos, sintaticamente:
Ri,! Coração,
tristíssimo palhaço.
1
2 3
- Termo 1: “Ri!” = Verbo no
imperativo, com sujeito implícito (você).
- Termo 2: “Coração,” = Vocativo, para
o qual é direcionado o verbo “rir” (Ri você, coração). É interessante, aqui, a
utilização da vírgula antes do termo “coração”, logo após o verbo “rir”,
vírgula esta que marca o vocativo e vem seguida de ponto de exclamação (!), o
que embora não seja gramaticalmente correto, sugere uma enfatização dos termos.
- Termo 3: “tristíssimo palhaço,” =
Trata-se de uma oração subordinada adjetiva explicativa, com omissão da
conjunção “que” e do verbo “ser”, podendo-se ter: “que é um tristíssimo
palhaço”.
Ou seja,
analisando a estrutura sintática e modificando-a, mas conservando seu valor
semântico, é possível interpretar que o coração deve rir, já que é um
tristíssimo palhaço:
“Ri,
você,! Coração, que é um tristíssimo palhaço”
Neste
caso, o verbo rir é utilizado ironicamente (pois estando triste, o convencional
é não sorrir) e o adjetivo triste, flexionado no superlativo “tristíssimo”,
enfatiza a intensa dor deste coração, que é como um “palhaço” – um
"acrobata da dor", que mascara sua tristeza e irradia alegria nos
palcos da vida – mesmo não sentindo de fato esta alegria em seu coração.
Um
outro aspecto formal interessante que pode ser mencionado diz respeito à
semântica dos verbos e adjetivos utilizados pelo poeta: todos os adjetivos
evocam a dor sentida pelo “eu-lírico”: tormenta (verso 1), desengonçado (verso
2), nervoso, absurdo, inflado (verso 3), violenta (verso 4), atroz,
sanguinolenta (verso 5), convulsionado (verso 6), varado (verso 7), lenta
(verso 8), macabras, d´aço (verso 11), fremente (verso 12), afogado, estuoso,
quente (verso 13) e, finalmente, o desfecho: tristíssimo (verso 14), o qual é
empregado no superlativo fechando assim estas caracterizações relativas ao
sentimento de dor. Já a maioria dos verbos parecem utilizados no poema estar se
opondo aos adjetivos, conotando as atitudes artísticas do "acrobata da
dor": gargalha, ri (verso 1), agita (verso 5), salta (verso 7), retesa
(verso 10), como se representassem uma atitude de reação à dor sentida pelo
“eu-lírico”.
Passaremos
agora às questões referentes ao poema.
1. Levantamento vocabular do poema, com
esclarecimentos de palavras duvidosas.
- Inflado (verso 3) - sentido figurado: soberbo orgulhoso, vaidoso
(Luft, 2002: 390)
- Atroz (verso 5) - sem piedade,
desumano, cruel (Luft, 2002: 92)
- Convulsionado (verso 6) - em convulsão, agitado (Luft, 2002: 197)
- Gavroche (verso 7) - do francês, os garotos de Paris (Ramos, 1961:
169), no sentido conotativo, significa artista
- Clown (verso 7) - do inglês, palhaço (Vallandro, 1997: 57)
- Varado (verso 7) – do verbo varar,
perfurado, atravessado (Luft, 2002: 665)
- Estertor (verso 8) - respiração rouca típica dos moribundos (Luft,
2002: 303)
- Retesa (verso 10) - tornar-se teso, torne-se duro, enrijar-se
(Luft, 2002: 577)
- Macabras (verso 11) – fúnebres, que
lembram a morte (Luft, 2002: 303)
- Fremente (verso 12) – sentido
figurado: estremecido de alegria, vibrante, arrebatado, entusiasmado (Luft,
2002: 339)
- Estuoso (verso 13) – tempestuoso,
agitado (Luft, 2002: 308)
Pode-se
ressaltar, sobre esta questão, que a quantidade de vocábulos requintados e
eruditos, selecionados minuciosamente pelo poeta, comprovam a preocupação
formal de Cruz e Sousa e a qualidade de sua poética.
2.
Características simbolistas no poema.
O
poema apresenta inúmeras características simbolistas, dentre as quais:
- Intensa exploração da Musicalidade: O poeta
utiliza-se de efeitos sonoros como a aliteração, a assonância e a reiteração, os quais compõem a musicalidade
do poema.
Temos como exemplo de aliteração:
“Da
gargalhada atroz, sanguinolenta” (verso 5)
- Repetição da consoante “g”
“Afogado em teu sangue estuoso e quente”
(verso 13)
- Repetição da consoante “t”
Exemplificando a assonância, temos:
”Nervoso
ri, num riso absurdo, inflado” (verso 3)
“De uma
ironia e uma dor violenta” (verso 4)
- Repetição da vogal “i”
Exemplos de reiteração:
”Gargalha,
ri, num riso de tormenta”, (verso 1)
“Nervoso,
ri, num riso absurdo, inflado” (verso 3)
- Repetição palavras “ri”, “num” e
“riso”
”Vamos!
retesa os músculos retesa” (verso 10)
- Repetição da palavra “retesa”
- Presença de sinestesia: O poeta harmoniza as
sensações relacionadas a sentimentos utilizando-se para tanto a sinestesia,
este processo lingüístico que mescla sensações (sentidos). Pode-se ter como
exemplos:
“Afogado em teu sangue estuoso e quente”
(verso 13)
- Sentidos: visão e tato
“Da gargalhada (...) sanguinolenta” (verso 5)
- Sentidos: audição e visão
- Utilização de maiúsculas alegorizantes: Com
a finalidade de absolutizar a palavra e ampliar a sua significação, o poeta
utiliza-se de letra maiúscula em substantivo comum, como se observa na palavra
Dor, empregada no título do poema “Acrobata da Dor”, recurso este que acaba
emprestando-lhe uma conotação absoluta e transcendente, enfatizando a palavra
DOR semanticamente e aumentando sua expressividade.
- Ideia de predomínio da sugestão sobre a
nominação: O título "Acrobata da Dor" já apresenta inicialmente uma
sugestão, que não é revelada de imediato e de forma direta ao leitor, fazendo-o
seguir as “pistas” deixadas ao longo do poema para descobrir a verdadeira
simbologia do termo. Além disto, pode-se perceber também a intenção sugestiva
da utilização de reticências em versos no interior do poema, através dos quais
o poeta sugere que o próprio leitor tire suas conclusões, tal como se evidencia
nos versos abaixo:
“Pelo
estertor dessa agonia lenta...” (verso 8)
“Nessas
macabras piruetas d`aço...” (verso 11)
3.
Metáfora "acrobata da dor" no título do poema
A
metáfora “Acrobata da Dor” simboliza o coração. Apesar de ser sugerida no
título do poema e revelada somente em seu último verso, é possível perceber que
durante todo o poema, o poeta vai dando “pistas” ao leitor, sugestões que se
encaminham para o “coração” e o concretizam nesta metáfora de "Acrobata da
Dor". Dentre elas, temos: “gargalhada sanguinolenta” (verso 5), onde o
“eu-lírico” passa a sensação da cor vermelha evocando o sangue; “convulsionado”
(verso 6), que pode ser compreendido como uma referência à agitação cardíaca,
aos batimentos cardíacos; “retesa os músculos” (verso 10), também possivelmente
fazendo referência à função deste órgão; e finalmente, “teu sangue estuoso e
quente” (verso 13), onde o pronome possessivo “teu” direciona “o sangue ao
coração”. Depois destas “pistas”, o termo “coração” é então revelado,
podendo-se constatar também que são direcionados a ele os verbos no imperativo
do verso 1: “Gargalha, ri”, que aparentemente se dirigiam ao leitor, mas ao
final conclui-se que estão evocando o coração.
Esta metáfora "Acrobata da Dor" pode ser compreendida porque é
através do coração que o ser humano sente sua dor, suas tristezas e alegrias,
precisando constantemente fazer “acrobacias” para superar os problemas e as
tristezas, sem transparecer as angústias em sua vida cotidiana; ser um “artista
de palco”, tal como um palhaço – assim sugerido no poema – mantendo sempre o
sorriso no rosto.
4.
Realidade que o poema exprime.
O
poema mostra que a dor faz parte da existência humana, sendo necessário,
portanto, conviver com ela e aceitá-la da melhor maneira possível. Assim, são
necessárias inúmeras “acrobacias”: é preciso superar as dificuldades, os
sofrimentos e as angústias mantendo a alegria e mascarando as tristezas para
seguir em frente, com determinação; sendo, acima de tudo, um artista nos palcos
da vida.
POEMA 2:
CAVADOR
DO INFINITO
(Cruz e Sousa)
1 Com a lâmpada do Sonho desce aflito
2 E sobe aos mundos mais imponderáveis,
3 Vai abafando as queixas implacáveis,
4 Da alma o profundo e soluçado grito.
5 Ânsias, Desejos, tudo a fogo escrito
6 Sente, em redor, nos astros
inefáveis.
7 Cava nas fundas eras insondáveis
8 O cavador do trágico Infinito.
9 E quanto mais pelo Infinito cava
10 Mais o Infinito se transforma em lava
11 E o cavador se perde nas distâncias...
12 Alto levanta a lâmpada do Sonho.
13 E com seu vulto pálido e tristonho
14 Cava os abismos das eternas ânsias!
O poema "Cavador do Infinito" é de uma simbologia tão profunda
que a tentativa de se fazer uma análise destes significativos versos requer
ampla reflexão e, acima de tudo, variadas leituras, as quais não são,
entretanto, suficientes para compreender a totalidade deste soneto do
simbolista Cruz e Sousa.
Pode-se
afirmar, a princípio, que o poema mostra uma busca do “eu-lírico” pela essência
do ser, uma verdadeira lapidação às camadas mais profundas desse ser, o que
comprova a afirmação de que enquanto o Romantismo chega ao coração, o
Simbolismo atinge à alma.
Observa-se que nesse poema o “eu-lírico” ultrapassa o consciente e
consegue descer “abissalmente em si mesmo, numa autoviagem que chega às raias
do imprevisível”, tal como Oliveira (2000:216) aponta sobre os preceitos dos
poetas simbolistas. Pode-se comprovar tal afirmação observando, por exemplo, a
intensa utilização de palavras - na maioria delas adjetivos - de caráter
impreciso, como: “imponderáveis” (verso 2): ou seja, que não se pode avaliar;
“implacáveis” (verso 3); “inefáveis” (verso 6), isto é, inexprimíveis, que não
se exprimem com palavras, o mesmo que indescritível, maravilhoso; e
“insondáveis” (verso 7).
A
profundidade buscada pelo “eu-lírico” pode ser constatada ainda em termos como:
“profundo e soluçado grito” (verso 4); “tudo a fogo escrito” (verso 5); “cava
nas fundas” (verso 7); “eternas ânsias” (verso 14).
Considerando
ainda que o simbolista opõe-se aos limites do mundo físico e aprecia a
integração com o cosmo, com os astros, extravasando e transcendendo assim ao
mundo real, constata-se que o “eu-lírico” em "Cavador do Infinito"
também apresenta fortemente tal aspecto, uma vez que “Sente, em redor, nos
astros inefáveis” (verso 6) tudo aquilo que procura: as suas ânsias e os seus
desejos. É uma forma de integração com o cosmo, de busca do transcendente, de
viagem “aos mundos mais imponderáveis” (verso 6).
E,
para esta profunda busca, o “eu-lírico” utiliza-se de um instrumento de grande
valia, que ilumina sua alma e reflete seus desejos: “a lâmpada do Sonho” (verso
1), percebendo nesta expressão a forte simbologia presente: lâmpada = aquilo
que ilumina, que tira da escuridão; sonho = o que dá força ao ser, motivação da
vida; e, como diz o poeta Mário Quintana, “Sonhar é acordar-se para dentro”,
então o sonho pode conotar esta “lapidação às camadas mais profundas do ser”.
Ainda
referente ao verso 6: “Sente, em redor, nos astros inefáveis”, é possível fazer
referência à chamada “teoria das correspondências”, a qual propõe um processo
cósmico de aproximação entre as realidades física (natureza/realidade concreta)
e metafísica (cosmos, transcendência espiritual). Assim, segundo Emmanuel
Swedenborg apud Zulim (2006:6):
... a natureza apresentaria, em todos os seus
múltiplos aspectos e elementos, um sentido simbólico em estreita
correspondência com o mundo celeste, cósmico. Assim, ao desprezar o concreto, o
visível, o simbolista parte em busca do se oculta atrás das aparências, vale
dizer, da essência das coisas. Dessa forma, cabe ao homem decifrar os símbolos
da realidade terrena, para que possa descobrir as “correspondências” entre as
coisas, a perfeita unidade entre tudo o que existe.
Assim,
é possível considerar o “ser” metaforizado no Cavador do Infinito como um
visionário, que procura decifrar o sentido simbólico do mundo, revelando-o
poeticamente, mesmo porque, conforme afirma Medina & outros (1994:185), “a
visão simbolista é de envolvimento entre o eu e as coisas, de uma misteriosa
relação entre o sujeito e o objeto, a alma e o mundo – uma relação que não pode
ser descrita, mas apenas sugerida pelo símbolo”.
Nesse
contexto, cabe mencionar a simbologia da metáfora "Cavador do
Infinito".
Mas
afinal, o que significa cavar o infinito? Seria buscar o que não tem fim?
Procurar o quê? Cavar para quê, se o infinito é algo que não se atinge nunca?
Pesquisando
o significado isolado das palavras cavar e infinito, pode-se tentar chegar a
uma “lógica” sobre tais questões (frizando aqui a “tentativa”, pois em um poema
de tamanha profundidade como este, a interpretação vai além do que se pode
imaginar!)
Assim,
segundo Luft (2002: 156), o verbo cavar significa, denotativamente, “extrair
cavando”, mas pode ainda remeter, em sentido figurado, ao sentido de “buscar,
indagar a fundo e com trabalho”. Aparentemente, este segundo sentido é mais
coerente para o contexto em questão: o “Cavador do Infinito” se caracteriza
pela intensidade do seu trabalho, pela árdua tentativa de seguir em algo que,
embora saiba que não tem fim, não será em vão. Em outras palavras, o
"Cavador do Infinito" reflete a experiência de quem aparentemente se
encontra empenhado em um trabalho em vão, mas que também não se deixa dissuadir
de seus esforços. Já a palavra Infinito, ainda segundo Luft (2002: 390), remete
a algo “sem fim ou limite; imenso, incalculável”, ou ainda evocando a uma
“extensão infinita”. Este significado vem complementar o exposto acima: o
esforço de buscar a fundo os desejos mais interiores, tentando dessa maneira
abafar as “queixas implacáveis da alma”, (verso 3) e os gritos soluçados do
interior do ser: seria a efetiva busca de si mesmo, da essência.
Nas palavras de Camus (2006, ONLINE) “A própria luta para atingir os
píncaros basta para encher um coração de homem”; e desta maneira é possível
dizer que, tentando compreender a metáfora utilizada pelo poeta, pode-se chegar
à seguinte interpretação: por mais que nossos sonhos estejam longe, distantes,
o importante é lutar por eles, prosseguir cavando, pois só o fato de estar
tentando alcançá-los vem a ser um consolo à alma, um estímulo para seguir em
frente.
Nesse
sentido, é possível afirmar que neste poema a sugestão prevalece em todos os
sentidos: em uma primeira leitura, pode-se observar as imagens vagas, difusas,
até mesmo sem nexo, mas que aos poucos vão sendo decodificadas, percebendo-se a
profundidade das simbologias expressas pelo “eu-lírico”. Tem-se, pois, uma
forte característica simbolista, uma vez que neste estilo literário a idéia
romântica de que a essência misteriosa das coisas pode ser evocada pela palavra
é recuperada e intensificada através de uma forma de superação da linguagem - o
símbolo. “Sugerir, eis o sonho”, tal como afirma Mallarmé apud Zulim (2006: 5)
– o poeta sugere e o leitor decodifica. Assim, para o simbolista, não importa
como a realidade é de fato, mas sim os efeitos que ela causa na sensibilidade
do artista.
No
plano formal, é possível constatar outras fortes características simbolistas,
como o uso de maiúsculas alegorizantes em substantivos comuns, como em: “Sonho”
(verso 1), “Ânsias” e “Desejos” (verso 4); “Infinito” (versos 8 e 9), o que vem
ampliar a significação destas palavras, transcendendo-as.
Há
também o uso de reticências, expressando o indizível do “eu-lírico”, e deixando
a cargo do leitor imaginar o dilema por ele vivido, e as distâncias onde este
cavador se perde:
“E o cavador se perde nas distâncias...”
(verso 11)
As
figuras de linguagem também se fazem presentes no poema. Por exemplo, para
sugerir o ato de cavar, o poeta utiliza uma antítese através dos verbos
“descer” e “subir”:
“Com a
lâmpada do Sonho desce aflito
E sobe aos
mundos mais imponderáveis”
(versos 1 e 2)
Em
seqüência, nos versos 3 e 4, há ocorrência de uma anástrofe (anteposição, em
expressões nominais, do termo regido de preposição ao termo regente): “Da alma
o profundo e soluçado grito” (verso 4); e uma zeugma (omissão – elipse – de um
termo que já apareceu antes, no caso, do termo “vai abafando”, citado no verso
3 e omitido no verso 4):
“Vai
abafando as queixas implacáveis,
Da alma o
profundo e soluçado grito.”
(versos 3 e 4)
Ou
seja:
“Vai abafando as queixas implacáveis,
(Vai
abafando) o profundo e soluçado grito da alma.”
Nota-se também uma inversão nos
versos 7 e 8:
“Cava nas
fundas eras insondáveis
“O cavador
do trágico Infinito.”
Tem-se:
o cavador (...) - sujeito; cava (...) –
predicado; logo, encontram-se na ordem direta inversa.
“O cavador
do trágico Infinito
Cava nas
fundas eras insondáveis”
A personificação também é
utilizada pelo poeta, como: no verso 4, “profundo e soluçado grito da alma” =
alma que grita, que age como ser humano; e ainda no verso 10, “o Infinito se
transforma em lava” = mutação de um ser inanimado.
Nos
versos 7 e 8 pode-se notar também uma enfatização do poeta dada através do uso
de pleonasmo = o cavador cava...
“Cava nas
fundas eras insondáveis
O cavador
do trágico Infinito.”
(versos 7 e 8)
Além
dos aspectos formais, é possível verificar também que o poema "Cavador do
Infinito" evoca de um lado a inclinação de Cruz e Sousa pela poesia
meditativa e filosófica, e de outro o drama da existência presente em sua
poética, como se pode constatar nos versos:
“E com seu
vulto pálido e tristonho
Cava os
abismos das eternas ânsias!”
(versos 13 e 14)
Pode-se
dizer ainda que este desejo do poeta de integrar-se espiritualmente ao cosmo,
exemplificado nos versos abaixo transcritos, pode ser interpretado como um
reflexo de sua própria biografia, originando-se do sentimento da opressão e da
situação pessoal e racial por ele vividas. Em outras palavras, um “grito contra
a opressão do ambiente que o cercava” (Ronald de Carvalho apud Zulim, 2006:4).
“Ânsias,
Desejos, tudo a fogo escrito
Sente, em
redor, nos astros inefáveis.”
(versos 5 e 6)
E,
para finalizar, nota-se que a última expressão do poema, “eternas ânsias”
encerra a busca do cavador mostrando - através de “seu vulto pálido e
tristonho” (verso 13), o qual é entretanto iluminado pela “lâmpada do Sonho”
(verso 12) - que a meta deste cavador não é atingida. Nesse sentido, o verbo
cavar conjugado no presente aponta que o seu trabalho prossegue:
“Cava os abismos das eternas ânsias!”
(verso 14)
Mas,
o que seriam estas “eternas ânsias”? Na verdade, a própria palavra “ânsia”
possui dupla significação. Segundo Luft (2002: 67), pode ser:
1)
Aflição, angústia.
2)
Desejo ardente, anseio.
Ou seja: o “eu-lírico” prossegue a sua busca infinita, cavando o
Infinito por entre abismos eternos, que também são infinitos... Por isso, se
denomina "Cavador do Infinito"...
Portanto,
considerando tais constatações, pode-se finalmente analisar no poema:
1. Drama existencial vivido pelo “eu-lírico”,
representado pela ação de cavar o infinito.
a) Verbos que sugerem a ação de cavar
Os
verbos descer e subir sugerem no poema a ação de cavar. Embora sejam verbos
semanticamente opostos, pode-se afirmar que no contexto utilizado pelo poeta
eles remetem tal ação:
“Com a
lâmpada do Sonho desce aflito
E sobe aos
mundos mais imponderáveis”
(versos 1
e 2)
b)
Instrumentos utilizados pelo “eu-lírico” para cavar
Para cavar, o “eu-lírico” utiliza-se da “lâmpada do Sonho” (verso 1),
sendo ainda motivado por seus desejos (que não são especificamente
instrumentos, mas o auxiliam de forma direta neste árduo trabalho).
c) O MITO DE SÍSIFO
Para Brasileiro (2006: ONLINE), a sublime imaginação poética dos gregos forjou
um personagem, cujo fim trágico, encerrando uma poderosa força simbólica, se
presta ainda hoje a divagações, estudos e espantos. Esse personagem foi Sísifo.
Segundo
a mitologia, por ter vivido inteligentemente, Sísifo é - depois de morto -
condenado a rolar uma pedra até o alto da montanha. Entretanto, conforme afirma
Brasileiro (2006: ONLINE), “se o mito dissesse que a montanha era interminável
ou então que o cume crescia cada vez mais, o símbolo guardaria por certo alguma
força. Mas o que relata o mito é que, uma vez levada ao topo, a enorme pedra
rolava montanha abaixo, tornando vão todo o esforço de Sísifo”. E assim ele
transporta mais uma vez seu triste fardo - que, uma vez mais, e eternamente,
rolará da montanha, montanha abaixo.
Nesse
sentido, o autor ressalta que “o mito de Sísifo é a verdade do homem”. Sendo um
personagem sem escolha, era preciso que ele rolasse a pedra até o topo, com
todas as forças que lhe restassem, mesmo sabendo que seria inútil o gesto: a
pedra haveria de rolar montanha abaixo, inevitavelmente, pela eternidade.
Para
Camus (2006: ONLINE), um aspecto relevante neste mito é que os deuses “tinham
pensado, com alguma razão, que não há castigo mais terrível do que o trabalho
inútil e sem esperança.”, mas acabaram por se enganar, pois:
Onde
estaria, com efeito, a sua tortura se a cada passo a esperança de conseguir o
ajudasse? O operário de hoje trabalha todos os dias da sua vida nas mesmas
tarefas, e esse destino não é menos absurdo. Mas só é trágico nos raros
momentos em que ele se torna consciente. Sísifo, proletário dos deuses,
impotente e revoltado, conhece toda a extensão da sua miserável condição: é
nela que ele pensa durante a sua descida. A clarividência que devia fazer o seu
tormento consome ao mesmo tempo a sua vitória. Não há destino que não se
transceda pelo desprezo. (...) Se a descida se faz assim, em certos dias, na
dor, pode também fazer-se na alegria.
(...)
Toda a alegria silenciosa de Sísifo aqui reside. O seu destino pertence-lhe. O
seu rochedo é a sua coisa. (...) O homem absurdo diz sim e o seu esforço nunca
mais cessará. Se há um destino pessoal, não há destino superior...
Assim,
Sísifo é a metáfora do homem que está sempre em marcha, pois, segundo o mito, o
rochedo ainda rola... e, para Sísifo, esse universo sem dono não lhe parece
estéril nem fútil, uma vez que “cada grão dessa pedra, cada estilhaço mineral
dessa montanha cheia de noite, forma por si só um mundo”.
Firmino
(2006: ONLINE), em sua interpretação sobre o mito de Sísifo, mostra que na vida
as pessoas costumam demonstrar suas sensações de sobrecarga e, ainda, a
convicção de que algum dia não conseguirão mais carregar sua “pedra”, não
querendo mais empurrá-la morro acima – ou seja, desisitindo da luta – simplesmente por dois aspectos: em primeiro
lugar, pelo aspecto penoso de “rolar a pedra” e, em segundo lugar, pelo aspecto
da eterna repetição.
Sob
tal ponto de vista, Sísifo é o modelo de um homem que, apesar da desilusão, se
engaja novamente e continua carregando a pedra.
A autora enfatiza também que a pedra de Sísifo não simboliza somente
algo que nos oferece resistência, um obstáculo, um peso ou uma rejeição: “seu
aspecto fixo e quase imutável faz dela um símbolo da firmeza e da
imutabilidade; por conseguinte, da confiabilidade da qual faz parte todo o
sentido de "resistência", pois só o que pode oferecer resistência é
algo firme, no qual se pode confiar, se necessário”.
Portanto,
no fundo todos nós temos uma pedra a empurrar e, assim como Sísifo, precisamos
persistir na tarefa, eliminando nossas impurezas interiores até, quem sabe,
transcendermos.
O
mito de Sísifo se aplica à primeira estrofe do poema, pois o personagem
mitológico Sísifo carrega sua pedra montanha acima com a consciência de que não
chegará ao fim de seu trabalho - já que a pedra voltará montanha abaixo até o
ponto de partida - mas para ele este não consiste em um trabalho inútil e sem
esperança; e da mesma maneira o ato de cavar deste "Cavador do
Infinito", o árduo trabalho em busca do que não tem fim, a sua persistência,
formam por si só um mundo: o mundo próprio do “Cavador do Infinito”, o universo
da busca de seus desejos e suas ânsias, refletido pelo iluminar da “lâmpada dos
Sonhos” - o que faz suprimir as suas angústias para motivá-lo a realizar aquilo
que realmente deseja, abafando assim as “queixas implacáveis” e os “gritos” de
sua alma, tal como é revelado pelo “eu-lírico” na 1ª estrofe do poema.
Sobre
a relação do mito de Sísifo e a poética de Cruz e Sousa, Aguiar (2006: ONLINE)
afirma que:
Em
Cruz e Sousa há esta paixão pela perene recriação, coisa que faz de seus
Sísifos do verbo, lutando contra a redução dos poderes criativos da linguagem à
mera produção e reprodução de coisas entre outras coisas, numa vitrine sem fim
de inutilidades. Seus poemas são ao mesmo tempo esconjuro e prece, exaltação e
litania, alusão e súplica. Só que os deuses com que a poesia até então
dialogava, mesmo como metáforas dos poderes da palavra, estavam cada vez mais
distantes...
2. De acordo com o texto, o “eu-lírico”,
enquanto cava, abafa queixas e gritos da alma. Observe que na escavação do
infinito, o eu refere-se a ânsias, desejos, sonhos e, na ultima estrofe, diz
cavar os abismos das eternas ânsias.
a)
Sobre o "infinito cavado": Este Infinito cavado pelo “eu-lírico”
pode ser interpretado como as suas mais íntimas ânsias: seus sonhos e desejos
irrealizáveis, muito distantes de serem concretizados.
b) O “eu-lírico” provavelmente busca
encontrar: Ao cavar o Infinito, o “eu-lírico” busca encontrar os sonhos, os desejos
que tem consciência de que jamais conseguirá realizar, justamente por fazer
parte deste Infinito...
c) De acordo com a terceira estrofe,
o “eu-lírico” não encontra o que procura, uma vez que quanto mais se
intensifica sua busca, mais distante o "Cavador do Infinito" vai
ficando de seus objetivos, mesmo porque “...quanto mais pelo Infinito cava/
Mais o Infinito se transforma em lava... (versos 9 e 10).
CONCLUSÃO
Ao
fim do presente trabalho, após analisar os poemas "Acrobata da Dor" e
"Cavador do Infinito", de Cruz e Sousa, fica evidente o quanto este
poeta foi de grande expressividade e extrema importância ao Movimento
Simbolista Brasileiro.
Levando
em consideração os comentários já mencionados sobre o poeta, suas
características e profundas simbologias na arte de escrever, encerraremos esta
pesquisa de um modo “não-convencional”, mas que vem reforçar a nossa tentativa
em expressar tamanha consideração por Cruz e Souza – registramos aqui o
posicionamento de Sílvio Romero perante a arte deste poeta:
“Em
primeiro lugar, ressaltam de todas as suas composições uma elevação de alma,
uma nobreza de sentimentos, uma delicadeza de afetos, uma dignidade de caráter
que nunca se desmentem, nunca se apagam. Daí, como segunda qualidade
apreciável, a completa sinceridade do poeta (...) Inspirados pela natureza,
pelo infinito cenário do mundo exterior, ou pelas peripécias da vida, pelos
atritos da sociedade, ou pelas dores infinitas do seu coração, os seus versos
são sempre símplices, espontâneos, sinceros, como as confissões de uma alma
límpida e digna”
(...)
“Outra
qualidade da arte de Cruz e Souza é o poder evocativo de muitas de suas
poesias. Ele não descreve, nem narra. Em frases vagas, indeterminadas,
aparentemente desalinhadas, sabe, não sabemos por que interessante e curiosa
magia, atirar o pensamento do leitor nos longes indefinidos, sugestionando-lhe
a imaginativa, fazendo-o perder-se nos mundos desconhecidos, sempre melhores do
que aquele em que vivemos...”
(Sílvio Romero)
=OBSERVAÇÃO: Trabalho acadêmico da disciplina de
Literatura Brasileira, curso de Letras Português/Inglês, da Faculdade de
Jandaia do Sul, elaborado por Geane Poteriko.
gepoteriko.pbworks.com/.../...
“ACROBATA
DA DOR”: SOB O SIGNO DO RISO.
Célia
Marília Silva (UFRN) e Derivaldo dos Santos (UFRN)
INTRODUÇÃO
O presente trabalho objetiva analisar o poema “Acrobata da dor”, de Cruz
e Sousa, verificando como o riso torna-se, nesse poema, um expediente de
linguagem capaz de subverter e contestar verdades instituídas ao seu entorno.
Como fundamentação de leitura para esta análise, tomaremos como principal
orientação teórica o pensamento de Bakhtin (1993) e o de Bergson (2007) sobre a
expressão do riso. Em tese sobre a cultura popular na Idade Média e no
Renascimento, Bakhtin explica que desde a Idade Média o núcleo representativo do cômico que norteava os ritos não estabelecia vínculos com nenhumadoutrina, mas
começaram a fazer parte das particularidades da vida humana.
Conhecida como cultura “carnavalesca”, ou do “riso”, suas manifestações passaram a ser opostas a seriedade cultural, religiosa e social, constituindo
uma segunda percepção da vida. Nessa perspectiva,
o riso passa a ser visto como
possibilidade de se fazer conhecer as verdades sobre o mundo. Ainda sob esse
ponto de vista, Bergson, ao estudar o riso, diz ser este um objeto de
experimentação propriamente humano e que para
compreendê-lo é necessário situá-lo
colocando-o em sociedade, o que para este estudioso constitui o ambiente
natural para o riso. Sendo assim, buscaremos compreender como as manifestações e os artifícios presentes no poema “Acrobata da dor” apontam para uma lírica que adota o riso como máscara, ou
arma de combate em relação às convenções estabelecidas socialmente.
O Riso
Ao longo dos anos, muitos estudiosos buscaram compreender o significado
do riso. Pesquisas realizadas acerca do
riso mostram que, na Antiguidade, o grotesco era considerado (assim como o
solene) um culto sagrado. Em tese sobre a cultura popular na Idade Média e no
Renascimento, Bakhtin (1993) explica que só a partir da Idade Média, e ao longo
de séculos de evolução, o princípio cômico que presidia os ritos não se prendia
a qualquer dogmatismo e passou a pertencer à esfera particular da vida humana.
O mundo das formas e das manifestações do riso passou a ser uma oposição ao tom
sério, religioso e social. Para esse estudioso, o riso sempre foi uma forma de
se manifestar a verdade sobre o mundo, sobre a sociedade, de colocar pelo
avesso o que a sociedade institui como sendo verdade natural ou absoluta.
Na Idade Média, os festejos populares como o carnaval, por exemplo, era
o local onde o riso passava a ser
“patrimônio do povo”, onde todos podiam rir e ganhavam aparência cômica
“universal”, ou o lugar em que o riso passava a ter caráter “ambivalente”, ou
seja, “alegre e cheio de alvoroço, mas ao mesmo tempo burlador e sarcástico,
que nega e afirma, amortalha e ressuscita simultaneamente” (BAKHTIN, 1993,
p.10). Além disso, o riso popular tinha
um “caráter utópico”, bem como o valor de concepção de mundo, desse riso
festivo, era dirigido contra toda a superioridade social.
Já Bergson (2007), em seu estudo sobre o riso, afirma que este é um
fenômeno propriamente humano e que para entendê-lo é preciso colocá-lo em seu
meio natural: a sociedade. E, por ser um ato social, o riso é utilizado de
acordo com os signos criados e representados
nos grupos em que se insere. Assim, ele pode questionar valores impostos e
despertar um senso de reflexão, assumindo, nessa compreensão, uma espécie de
“gesto social”.
Do Poema “Acrobata
da dor”
O poema destinado à análise pertence ao livro de poesias Broquéis
(1893), de Cruz e Sousa, o Cisne Negro do movimento Simbolista
Brasileiro. Cruz e Sousa tentou vencer a linha da cor e ascender socialmente
por intermédio da arte literária, num país em que o processo de escravidão mal
chegara ao fim e em que as disparidades raciais e socioeconômicas eram bem mais
evidentes que hoje. O Simbolismo do Brasil correu paralelo ao
Parnasianismo, mas foi além da questão estética a qual os parnasianos tanto primavam,
pois buscava o sentimento de totalidade que parecia ter se perdido na crise do Romantismo.
A palavra era considerada como símbolo e girava em torno da busca do “eu”
- com a finalidade de resgatar o
homem do materialismo desenfreado em que vivia. Neste período, a poesia
anunciava a decadência dos valores burgueses e buscava realidades interiores
(mola propulsora para o surgimento do Modernismo).Segundo Bosi (2006, p.271), a
linguagem poética de Cruz e Sousa foi revolucionária
de tal forma que os traços parnasianos mantidos acabam por integrar-se num código
verbal que remete a significados
totalmente inovadores. Assim, o soneto aqui representado faz uso da palavra
para expor tensões que revelam os limites do humano. A significação do título
do livro de poesias em que este soneto se encontra – Broquéis
–denota escudo, luta. Em Acrobata
da dor percebemos o sentido de luta sugerido por Broquéis. Pois, o espírito
combatente do palhaço que se reveste com suas armas para entrar no picadeiro
assemelha-se ao do guerreiro que vai à luta. O soneto traz um riso de origem irônica
que se transforma, ao longo da leitura, em sofrimento.
I
Acrobata
da dor
Gargalha,
ri, num riso de tormenta,
Como um
palhaço, que desengonçado,
Nervoso,
ri, num riso absurdo, inflado
De uma
ironia e de uma dor violenta.
Da
gargalhada atroz, sanguinolenta,
Agita os
guizos, e convulsionado
Salta,
gavroche, salta clown, varado
Pelo
estertor dessa agonia lenta ...
Pedem-te
bis e um bis não se despreza!
Vamos!
retesa os músculos, retesa
Nessas
macabras piruetas d'aço. . .
E embora
caias sobre o chão, fremente,
Afogado em
teu sangue estuoso e quente,
Ri!
Coração, tristíssimo palhaço.
O “eu” lírico movimenta-se no
poema metaforizado na figura do palhaço.
Para Aurélio (2000) o palhaço diz
respeito ao artista que, em espetáculos circenses ou em outros, se veste de
maneira grotesca e faz pilhérias e momices para divertir o público. O palhaço é
a demonstração de uma figura triste cujo
riso precisa ser pintado em seu rosto melancólico. Assim sendo, pode-se dizer
que a metáfora utilizada serve como explicação ao tom melancólico notável ao
longo do poema.
Durante os ritos, festividades religiosas e nas apresentações populares
da Antiguidade era comum a alternância entre o solene e o grotesco, pois
ambos eram considerados cultos sagrados.
Nestas ocasiões, a presença de figuras como a do palhaço era indispensável. No entanto, de acordo com
Bakhtin (1993), ao longo de séculos de evolução, o princípio cômico que
presidia os ritos de carnaval a partir da Idade Média não se prendia a qualquer
dogmatismo e pertencia à esfera particular da vida humana. O mundo
infinitodas formas e das manifestações do riso (palhaços, bobos, bufões etc.)
era uma oposição ao tom sério, religioso e feudal. Essas manifestações eram, na
realidade, a representação de elementos característicos da própria vida humana. Não muito diferente, o eu lírico
do poema ressalta estas mesmas relações, dado que o riso por ele emitido
se afasta do tom sério e tende ao tom irônico. Logo, para ser compreendido o eu
precisa da atenção do leitor voltada à lógica interna do trabalho realizado com
a linguagem.
O soneto Acrobata da dor expõe uma manifestação dos
sentimentos do eu poético. O riso parece ser utilizado como uma
forma de ironizar a dor frequente, o que se pode perceber a partir mesmo do
título. O eu lírico, através do uso de alegorias, demonstra a situação do
palhaço. Este, submetido à vontade do público, desvela, por intermédio do riso,
a incompreensão daqueles que o assiste. Incompreensão responsável pelo aparecimento da melancolia, do sofrimento e da
dor do existir.
No poema em estudo, os movimentos acrobáticos são sinalizados por
intermédio da metrificação. O soneto é
composto por versos decassílabos e sugerem a precisão dos movimentos realizados durante a
acrobacia. Observa-se uma divisão em
duas partes: na primeira, formada pelas
duas estrofes iniciais, o eu lírico descreve a situação do acrobata (aquele que ri, ironicamente, de sua própria
dor), enquanto na segunda parte, composta pelos dois últimos tercetos, o eu
lírico manifesta um incentivo ao acrobata, convidando-o a continuar firme e a
rir, mesmo sofrendo.
Em seu estudo sobre o riso, Bergson (2007) alega que rimos caso uma
pessoa nos dê a impressão de coisa.
Assim, os movimentos dos palhaços possibilitam uma demonstração muito
próxima dessa tese. No caso do poema, o eu lírico deixa claro que o acrobata é
consciente das limitações e fragilidades do corpo “Pedem-te bis e um bis não se
despreza!/ Vamos! retesa os músculos, retesa”. Podemos dizer que o riso do
acrobata se dá pela consciência quanto às restrições presentes, bem como
instrumento de contestação das concepções dominantes.
Nos dois primeiros quartetos, o soneto é constituído de verbos na
segunda pessoa do singular do imperativo (gargalha, ri, agita, salta). Na
segunda parte, o tempo verbal encontra-se no presente, no entanto o número, a
pessoa e o modo variam entre a terceira pessoa do singular do indicativo
(pedem); a primeira pessoa do plural do imperativo afirmativo (vamos); a
segunda pessoa do singular do imperativo afirmativo (ri); e a segunda pessoa do
singular do presente do subjuntivo (caias). Isto significa que, além dos
movimentos acrobáticos serem sucessivos, perceptíveis pelo emprego do verbo
pedir no modo indicativo, há também a
manifestação de uma ordem do eu lírico ao acrobata expressa pelo emprego de
(Vamos!), que não deixa de ser também um incentivo do eu lírico, visto que este
utiliza a primeira pessoa do plural para fazer o convite a continuar com as
piruetas. Assim, ao realizar o que lhe
havia sido imposto, a ação (piruetar) é intercalada por uma atitude de dúvida
ou suposição de queda “embora caias” do acrobata. Por fim, percebemos que,
independente da queda ou da dor, o acrobata vê-se obrigado a rir, e nessa perspectiva podemos falar num mundo
de representação e encenação, portanto
com ares de um “como se”.
As duas partes do poema equivalem, primeiramente, à dor daquele que ri e, posteriormente, à dor
daquele que se vê obrigado a continuar a rir. Vemos um movimento de transição
entre esses dois momentos, desempenhado pelo uso da terceira pessoa do plural
(pedem) que explica o motivo ao qual as piruetas não podem parar: são
solicitadas por aqueles que o assistem.
Nas duas primeiras estrofes, os versos são marcados por pontuação que os
interligam. O mesmo já não acontece com as estrofes seguintes, compostas por
pontuações distintas, sendo o primeiro verso marcado com sinal de exclamação.
Por este motivo, não está interligado diretamente aos versos posteriores e
serve como ponte entre as duas partes do poema.
O uso das reticências, tanto no
final da terceira e quarta estrofes,
enfatiza, respectivamente, a agonia e a continuação das piruetas, mesmo sendo
estas forçadas, assim como denota a melancolia que se esconde atrás do riso.
A pontuação não impede a formação de uma estrutura una do soneto e por
isso, há uma sucessão coesa de fatos da primeira à última estrofe, a qual expõe
a condição daquele que precisa rir diante de sua própria dor e do seu
sofrimento.
As palavras são singularizadas por intermédio da forma em que estão
dispostas, ou seja, a forma como são empregadas é o que gera a coesão semântica
do soneto como um todo. A seleção e a combinação dos lexemas sugerem um empenho
realizado pelo acrobata para permanecer forte (estável), mesmo sentindo uma
aflição (dor). Esta força e consolida no ato de rir.
Faz-se notável também, o fato de que o
eu lírico não apresenta, no início do soneto, a pessoa com quem parece
dialogar. No entanto, lança palavras ao longo do poema como acrobata e
palhaço que a metaforizam. É
apenas no último terceto que se tem conhecimento desta personagem. O uso da
segunda pessoa do singular e da palavra (coração) alude ao palhaço e revelam a
personagem. Então, percebe-se que acrobata da dor remete a palhaço, bem como
palhaço remete ao coração (agente daquele espetáculo), como numa metonímia de
si mesmo. Pode-se afirmar que ocorre,
neste soneto, uma auto-reflexão. sentimental.
Nesse sentido, podemos dizer que a poesia lírica é uma representação do estado
de ânimo do poeta, conforme expressão do José Guilherme Merquior (1997).
Logo na primeira estrofe, as palavras riso, ironia e dor apresentam uma
carga emocional que será potencializada no decorrer das demais estrofes, por
intermédio das lúgubres adjetivações, sendo que o produto final da
materialização destas palavras é o sofrimento, como veremos
posteriormente.Estrategicamente, o eu
lírico focaliza o assunto (riso e dor) na construção do soneto, tal como vemos
em: Nervoso, ri, num riso absurdo, inflado/ De uma ironia e de uma dor
violenta, chamando atenção para as palavras riso, ironia e dor. Há, portanto,
uma tensão provocada pelo uso destas palavras (riso versus ironia) e (riso versus dor) que, ao invés de perturbar a
ordem do soneto, se combinam para a
garantia e sustentabilidade de sentido estrutural e semântico.
O par (riso versus ironia)
denuncia o que está implícito nas
adjetivações da primeira estrofe: o sofrimento do acrobata. A ironia torna-se a
principal responsável, se não a única, pelo riso. Ela é a forma encontrada pelo
eu para o acrobata parecer fazer parte do mundo do adversário (platéia) e
assim, poder superar a situação em que se encontra. A ironia compreende aqui
uma espécie de dissimulação projetada para ser descoberta posteriormente pelo
leitor.
O acrobata ri e perante uma multidão que o assiste insolentemente sem
atentar ao sofrimento que aquele riso esconde. Um riso de tormenta, como que
febril e num estado de delírio, manifesto naquele instante em que se
encontrava desengonçado e nervoso. O emprego do adjetivo (absurdo) a
princípio sugere uma quebra das regras, mas tem-se a confirmação desse abandono
às regras no verso seguinte, por intermédio da palavra (ironia). O riso desse
quarteto exprime uma dor que aumenta progressivamente, como nos mostra a
colocação do adjetivo (inflado), provocada pelo estado de agitação (convulsão).
Torna-se, assim, o meio de perturbar a ordem estabelecida e contestar
verdades instituídas ao seu entorno, por isso é um riso carregado de uma ironia
e de uma dor violenta.A gargalhada atroz, sanguinolenta é a representação do
desânimo com forte tendência a uma punição maior: certamente a agonia de
continuar fazendo piruetas. Esses versos sugerem também um determinado estado
de morbidez, provavelmente provocado pelo ímpeto da dor que manifestara ainda
na primeira estrofe.
Sugerida desde o título Acrobata
da dor - metaforicamente acrobata/ palhaço (aquele que ri e faz ri) - o segundo
par (riso versus dor) é uma extensão do primeiro em que o palhaço ri de seu
próprio sofrimento. Este conjunto (riso versus dor) responde por estados de
ânimos aparentemente opostos, no entanto complementares.
A presença desta dualidade é uma constante no soneto, mesmo que implicitamente, como nas palavras gargalhada/ sanguinolenta. A gargalhada é o
“tipo de riso burlador, cheio de alvoroço e entusiasmo, nega e afirma,
ressuscita e amortalha, traz à uz o cerne do humano, os desejos e o prazer, a
satisfação e a alegria, o que faz rir também ri!” (COELHO, 1998, p 70). Sendo
assim, a gargalhada reduz-se ao alvoroço desumano do palhaço, negando e
afirmando sua condição por intermédio da ironia. Uma gargalhada que explicita a
não-aceitação da sua condição, por isso tão atroz e sanguinolenta. O palhaço entrega-se
assim ao sofrimento, pois é privado da expectativa de superar os limites. Este estado
de sofrimento evidencia certa morbidez do acrobata/ palhaço, sugerida por sucessivas
imagens como convulsionado/ estertor/
agonia lenta. Além disso, as imagens sucessivas surpreendem e despertam as
emoções e reflexões do leitor.
A falta de motivação do palhaço para sobrepujar os limites torna-se mais
evidente no primeiro terceto, já que o eu deixa claro que um bis não se
despreza!, e assim continua, como a ordenar, Vamos! retesa os músculos, retesa,
confirmando o momento de fraqueza do palhaço Ao começar pela conjunção adversativa (e
embora), a quarta estrofe propõe uma (des)
construção do processo melancólico. Apesar de dar ao terceto um tom mais
pesado, como se o acrobata caminhasse
para a morte afogado em teu sangue estuoso e quente, o eu utiliza-se, mais uma
vez, do riso como modo de ajuda, uma superação do estado melancólico Ri! Coração, tristíssimo palhaço.
A palavra (Coração) é marcada por inicial maiúscula e por isso, ganha ênfase
entre as demais. O coração, símbolo da pulsação da vida, é considerado, também,
como a sede dos sentimentos, das emoções, da consciência. O eu lírico lhe dá
ênfase e, consequentemente, deixa evidente toda carga emocional do poema. Das
palavras deste último verso Ri! Coração, tristíssimo palhaço ecoam reflexão (auto-reflexão);como
se tivessem reticências, acabam indicando um discurso marcado pelo
emotivo e completando uma imagem enunciada antes no título: a situação dramática dopoeta que oferece seu coração (em dor) para
que a platéia se divirta.
Quanto à sonoridade, se
recorrermos ao simbolismo fonético, percebemos a repetição dos fonemas /r/ e
/t/ nos versos um, três e quatro
Gargalha, ri, num riso de tormenta, / [...] Nervoso, ri, num
riso absurdo, inflado/ De uma ironia e de uma dor violenta que podem,
segundo Monteiro (1991) elucidar, primeiro /r/, como um rasgo, a força exercida
pelo acrobata/ palhaço para cumprir a realização dos movimentos; segundo /t/
uma reprodução de som semelhante a ruídos violentos como pancadas, quedas, ou tropeços
provavelmente devido aos movimentos realizados pelo acrobata/ palhaço. Estes movimentos
e sons se repetem ao longo do poema, assim como a dor permanece do início o fim
do soneto.
Como um todo, o soneto é composto por rimas interpoladas e emparelhadas
que obedecem ao esquema abba (quartetos) e cce/ dde
(tercetos). Consideremos as rimas externas presentes em tormenta,
violenta, sanguinolenta e lenta; desengonçado, inflado, convulsionado e varado;
despreza e retesa ou ainda d’aço e palhaço, e podemos concluir que sugerem
aproximação dos termos. As formas nominais desengonçado, inflado, convulsionado e varado, são tomadas
como adjetivos que indicam a condição em que se encontra o palhaço. Esta rima
fundamenta a próxima, ou seja, leva o eu lírico a ordenar ao palhaço aceitação
e firmeza que remete à última rima a qual une a condição de ser “palhaço” à
resistência ou rigidez proposta pela palavra aço.
Pensadas assim, as rimas estabelecidas neste poema apóiam e ampliam seu sentido,
ou seja, o leitor percebe as hipóteses pela concomitância das rimas, pela sonoridade,
pelo ritmo, não apenas pelo sentido.
Nesta poética, podemos relacionar as tensões imanentes à forma a difícil
batalha de um poeta brasileiro, descendente de escravos, vivendo em um mundo
burguês. Porém, sua lírica passa a
estabelecer uma linguagem que começava a
se fazer antiburguesa.
Utilizando as palavras de Adorno (2003), observamos que o poema ressalta
um mundo da mera existência no qual o
espírito lírico já não mais compactua com o mecanicismo mercadológico do
mundo capitalista, ao contrário, avança sobre ele com a esperança de liberdade
e com o propósito de que o homem não se transforme apenas em matéria, o que nos
é possível perceber nos versos “Pedem-te bis e um bis não se despreza!/ Vamos!
retesa os músculos, retesa/ Nessas macabras piruetas d'aço. . .”. O apelo às
imagens angustiantes do palhaço, enquanto artista, conduz o leitor a percorrer
caminhos que vão do grotesco ao fascínio da persistência. A apresentação destas
imagens leva também a uma reflexão sobre um mundo de horrores e trocas,
completamente em desordem, onde já não há expectativas – confrontado a posição
do acrobata que não se rende aos tombos e se ergue a cada pirueta. Essa reação
do eu lírico direciona o homem para o seu próprio interior, para sua subjetividade,
não como forma de fuga como propagava o Romantismo burguês, mas como forma de
reconhecimento da existência inalcançável de uma realidade mais respeitável.
Sendo assim, o poema de Cruz e
Souza, crispado de riso e ironia como instrumento de combate e crítica social,
traz em dimensões da linguagem certa dimensão utópica, na medida em que,
negando o presente de opressão, aspira a uma realidade capaz de romper como os
domínios de coisificação do mundo.
O poeta procura conforto em sua arte, no entanto a amargura dos seus
versos fazse a sua própria amargura “numa existência de angústia e dor,
mescla-se à ironia de um mundo eterno
que não lhe responde ao esforço vão” (RABELLO, 2006, p.76). Neste soneto o
poeta acaba por reconhecer a própria sina e, na agonia, enxerga a dor de sua alma
perante uma sociedade historicamente desumana.
A luta pelo reconhecimento
literário lhe provoca tormentos e
um sentimento irônico diante do mundo que não o reconhece. Por isso, é no
âmbito do fazer poético que as coisas podem ser ditas e percebidas por outro
ângulo. Isso porque a poesia, utilizando-se da linguagem que lhe é
característica, é capaz de conferir verdades mais profundas às coisas, ao mundo
e à vida, longe, pois, do que está submerso num eterno dissimular. Logo, marca estes
versos uma subjetividade na qual:
A lírica se mostra mais profundamente assegurada, em termos sociais, ali
onde não fala conforme o gosto da sociedade, ali onde não comunica nada, mas
sim onde o sujeito, alcançando a expressão feliz, chega a uma sintonia com a própria
linguagem, seguindo o caminho que ela mesma
gostaria de seguir. (ADORNO, op.
cit., p. 74)
E assim, traz à tona todas as
questões, por ventura, dissimuladas socialmente. Sem os traços de estilos que
agrada o gosto do leitor que lhe é contemporâneo, Cruz e Sousa utiliza a
linguagem como forma de transformar a realidade social ou histórica em imagem
poética.
Considerações
finais
Quem lê a poesia de Cruz e Sousa, logo pode perceber determinados
artifícios de linguagem utilizados pelo poeta
para chegar ao leitor por intermédio do estranho, dos poderes da
linguagem menos utilitária, menos corriqueira, repleta de imagens e sonoridades
que permitem a percepção dos movimentos e sentimentos daquele Acrobata da dor
que rium riso (irônico), sagaz em sua construção.
O poema analisado se desdobra em alegorias e súplica de um eu lírico que
desvela a condição do acrobata/ palhaço, aquele que deve rir e continuar a rir,
mesmo diante da dor, num movimento que mistura riso e dor, corpo e alma, que se
inscreve no soneto feito pulsação lírica, já que tudo nele parece mesmo se
efetivar como matéria infinda. Nesse sentido, o poema abarca um mundo de coisas
mutáveis, fazendo vibrar questões da vida social, histórica e da humanidade.
O Acrobata da dor representa a manifestação fremente e dolorosa de um
poeta que sofria a dor de não ser reconhecido por intermédio de sua arte. Cruz
e Sousa manifestou, na sua poesia, o sentimento de dor que o angustiava, o que
significa tomar a sua criação poética como expressão de sua experiência vivida,
por isso mesmo pode ser pensada como
sendo autobiográfica. No entanto, é sempre interessante ressaltar que em
matéria de poesia o que se move ganha aspectos gerais da humanidade, na medida
em que o poeta consegue transformar a experiência de dor do outro em sua
própria experiência de dor. O poema denota o grito nascido contra a opressão
social - é o “escudo” que protegerá o poeta dos golpes ferinos proferidos pelo
meio. O riso presente neste poema assinala os traços da insociabilidade. Ele
infere determinada ambiguidade, provoca descontração e, ao mesmo tempo, uma
efêmera e violenta tensão: nota-se que o riso é perturbador da ordem instituída,
ainda que o sujeito do riso não consiga, de todo, se libertar do sofrimento que
o assola. Assim, na medida em que o riso flameja no referido soneto, permite a
percepção do dissabor poético. A inversão dos sentidos, provocada pelo uso da
ironia, acentua-se como expressão da visão aflita do Acrobata da dor.
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ANÁLISE
INTERPRETATIVA DO POEMA "ANTÍFONA", DO POETA SIMBOLISTA CRUZ E SOUZA.
Antífona
Ó Formas
alvas, brancas, Formas claras
De luares,
de neves, de neblinas!
Ó Formas
vagas, fluidas, cristalinas...
Incensos
dos turíbulos das aras
Formas do
Amor, constelarmante puras,
De Virgens
e de Santas vaporosas...
Brilhos
errantes, mádidas frescuras
E
dolências de lírios e de rosas ...
Indefiníveis
músicas supremas,
Harmonias
da Cor e do Perfume...
Horas do
Ocaso, trêmulas, extremas,
Réquiem do
Sol que a Dor da Luz resume...
Visões,
salmos e cânticos serenos,
Surdinas
de órgãos flébeis, soluçantes...
Dormências
de volúpicos venenos
Sutis e
suaves, mórbidos, radiantes ...
Infinitos
espíritos dispersos,
Inefáveis,
edênicos, aéreos,
Fecundai o
Mistério destes versos
Com a
chama ideal de todos os mistérios.
Do Sonho
as mais azuis diafaneidades
Que
fuljam, que na Estrofe se levantem
E as
emoções, todas as castidades
Da alma do
Verso, pelos versos cantem.
Que o
pólen de ouro dos mais finos astros
Fecunde e
inflame a rima clara e ardente...
Que brilhe
a correção dos alabastros
Sonoramente,
luminosamente.
Forças
originais, essência, graça
De carnes
de mulher, delicadezas...
Todo esse
eflúvio que por ondas passa
Do Éter
nas róseas e áureas correntezas...
Cristais
diluídos de clarões alacres,
Desejos,
vibrações, ânsias, alentos
Fulvas
vitórias, triunfamentos acres,
Os mais
estranhos estremecimentos...
Flores
negras do tédio e flores vagas
De amores
vãos, tantálicos, doentios...
Fundas
vermelhidões de velhas chagas
Em sangue,
abertas, escorrendo em rios...
Tudo! vivo
e nervoso e quente e forte,
Nos
turbilhões quiméricos do Sonho,
Passe,
cantando, ante o perfil medonho
E o tropel
cabalístico da Morte...
Antes de iniciarmos a análise interpretativa do poema
"Antífona", de Cruz e Souza, retornaremos brevemente sobre o período
do Simbolismo, tendo início no final do século XIX.
Esta fase literária inicia-se com a
publicação em 1893, de Missal e Broquéis, do poeta João da Cruz e Souza. A
linguagem simbolista se caracterizava como abstrata e sugestiva, atribuindo um
certo misticismo e religiosidade as obras. Os poetas dessa época valorizavam
muito os mistérios da morte e dos sonhos, carregando os textos de subjetivismo.
A morte é vista como uma espécie de libertação. Os principais representantes do
Simbolismo foram: Cruz e Souza e Alphonsus de Guimarães.
Segundo o dicionário da Língua Portuguesa por Evanildo Bechara, o
significado da palavra antífona é indicado como: Antífona. sf. Liturgia.
Versículo recitado no início e final de um salmo, e que o coro repete.
As antífonas se cantam a duas vozes, uma responde à outra, e pode ter
citações das escrituras cristãs. A leitura do poema, então, deve ter a
solenidade do ritual religioso, e o ritmo sagrado da música sagrada. De início
será abordado um pouco sobre a estrutura do poema, em que se fundamentava
gramaticalmente Cruz e Souza e suas principais características no plano
temático e no plano formal.
O poema é distribuído em onze estrofes, cada estrofe com quatro versos,
ou seja, em quadras. Apresenta figuras de linguagem, tais como: sinestesias
("Tudo! Vivo e nervoso e quente e forte"), aliterações (2ª estrofe) e
metáforas ("... da alma do Verso, pelos versos cantem."), uma certa
obsessão por brilhos ? metáfora da incompreensão e pela cor branca ? metáfora
da paz e da pureza. Podemos notar aspectos noturnos do Simbolismo, herdados do
Romantismo: o culto da noite, o pessimismo, a morte e etc.
A preocupação formal que o aproxima dos parnasianos, como a forma
lapidar, o gosto pelo soneto, o verbalismo requintado, a força das imagens. O
drama da existência revela uma provável influência do filósofo alemão
Schopenhauer. Cruz e Souza vivia um drama pessoal, um drama racial, um
sentimento de opressão, um profundo desejo de fugir da realidade, como podemos
notar nos versos "... Desejos, vibrações, ânsias, alentos / Fulvas
vitórias, triunfamentos acres.." .
A sua consciência girava em torno da dor de ser negro, da dor ser homem,
uma poesia com investigação filosófica e com a angústia metafísica , como
nota-se na penúltima estrofe "Flores negras do tédio e flores vagas /De
amores vãos, tantálicos, doentios... / Fundas vermelhidões de velhas chagas /
Em sangue, abertas, escorrendo em rios...".
A musicalidade também estava presente na vida do poeta e o mesmo tentava
aproximar a poesia da música, dando ênfase nos fonemas, trabalhando com as
sinestesias. Outra característica presente nesse poema como em outros poemas, é
uma predisposição para a formação de imagens através das palavras. O poeta
brinca com as palavras, nos fazendo imaginá-las em nossa mente a partir da
significação no contexto em que estão inseridas. Como quando o poeta inicia o
poema, enfatizando as formas alvas, brancas, as formas do amor. Remetem-nos
claramente ao termo Simbolismo, relacionado ao signo icônico, semiótico,
símbolo e pensamento por imagem.
No plano temático apresenta características relacionadas à morte, a
transcendência espiritual, a integração cósmica, o mistério, o sagrado, o
conflito entre matéria e espírito, a escravidão, atenção especial por brilhos e
pela cor branca, a angústia e a sublimação sexual. No plano formal, as
sinestesias, imagens surpreendentes, a sonoridade das palavras (expressam
desejos), a predominância de substantivos, utilização de letras maiúsculas, com
a finalidade de dar um valor absoluto a certos termos.
Leia mais
em: http://www.webartigos.com/artigos/analise-interpretativa-do-poema-antifona-de-cruz-e-souza/73825/#ixzz25u1WFJlx
www.webartigos.com/artigos/analise-interpretativa...cruz.../73825/
eu queria achar o polissindeto
ResponderExcluirEu procuro a análise o velho
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluiranálise morfológica do poema Sorriso interior de Cruz e Souza
ResponderExcluirQueria o inefável de cruz e Souza
ResponderExcluirquero analise do A morte porfavor
ResponderExcluirAnalise do poema "livre"? Você saberia ?
ResponderExcluirEu tbem queria
ExcluirQueria análise de Lubricidade
ResponderExcluirEu queria a analise do poema livre
ResponderExcluirNão estou achando na internet a análise do poema "CRÊ".
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