RESUMO: Este
artigo busca fazer uma leitura critica do poema em prosa Emparedado., do poeta simbolista João da Cruz e Sousa. O longo poema Emparedado. fecha o volume do livro de poemas em prosa Evocações, de 1898. Este livro, que
possui um total de 36 poemas, apresenta, trabalha e explora os problemas
sociais e humanos vivenciados pelo poeta, que busca expressa-los através de uma
nova forma literária. O Emparedado é,
segundo boa parte dos críticos, o seu testamento de poeta e de homem. E ainda
que escreva não só sobre sua situação pessoal, mas a respeito do sofrimento e
da dor de todo ser humano, o poeta enuncia conceitos de arte, para justificar a
sua atitude adotada nas letras.
PALAVRAS-CHAVE: Emparedado. Cruz e Sousa. Poema.
Leitura critica.
É consensual que Cruz e Sousa e a figura
mais importante do nosso Simbolismo. Nas palavras de Lauro Junkes2, o poeta não
é apenas uma gloria para seu estado natal,
é alto patrimônio nacional e alvo da mais elevada consideração internacional.
Para Luciana Stegagno-Picchio, ele é um ser inovador no
que concerne a uma tradição cultural não condicionante, e ao mesmo tempo
hipercorreto na aplicação de uma técnica
nova e na adoção de uma nova estética. (1997, p. 342).
Cruz e Sousa, para Andrade Muricy, é também
o mais trágico
dos poetas. (In: COUTINHO, 1979, p. 81). Essa tragicidade, segundo ele, está
presente nos seus livros póstumos: Evocações
(1898), Faróis (1900) e Últimos
Sonetos (1905), e nos textos inéditos e dispersos. Para este critico, ele é
verdadeiramente o Dante Negro, como alguns o chamavam e outros ainda o chamam, o poeta
da comédia trágica e da comédia da morte que encontramos nos seus altíssimos poemas apocalípticos: Luar de
Lágrimas., Ébrios e Cegos,Os Monges., Recorda., Velho Vento.; na prosa do Emparedado., No inferno., Intuições.,
Consciência Tranquila., supremos apogeus da sua obra.
Nas Evocações já seria suficiente o poema Emparedado, que fecha o volume, comenta
Nestor Vitor, esse
soluço que não é apenas um soluço de revolta pessoal, mas a revolta de toda uma
raça condenada pela civilização inteira. (In: COUTINHO,1979, p. 133).
O longo poema em prosa Emparedado, objeto de análise neste
artigo, é obra fundamental de Cruz e Sousa.
Assim, grande parte dos críticos afirmam que esse texto é seu testamento de
poeta e de homem. Ainda que escreva não só a propósito de sua situação pessoal,
mas a respeito do sofrimento e da dor de todo ser humano, o poeta enuncia
conceitos de arte, para justificar a sua atitude adotada nas letras. Segundo
Roger Bastide, tudo
vai explodir nesse imensurável poema, em que o poeta assinala a sua volta de um
inferno metafísico intimamente penetrado de humanidade dolorosa. Todo o seu cosmo matizado admiravelmente de nuanças,
de sugestões, de súbitas visões. (In: COUTINHO, 1979, p. 160). Tudo isso
acontece neste poema, que tem por significado estar encerrado em quatro
paredes; preso, enclausurado. Emparedado dentro do seu sonho.
Para Nereu Correa, este poema foi composto
num momento de profundo desencanto; e acrescenta com fortes palavras: é nele que assoma toda a forca repulsiva da sua náusea diante dos
homens e da vida, atingindo a mais intensa vibração dramática, como último ato de
uma tragédia. (1981, p. 22).
Este vocábulo, emparedado, é o que melhor lhe define, como um autêntico ícone, o
drama existencial e a luta para mover-se num meio social adverso. Aliás, esse
vocábulo já havia sido usado, antes, por Edgar Alan Poe, na última frase do
conto O Gato Preto: Eu
havia emparedado o monstro dentro da tumba!. (1995, p. 17). Cruz e Sousa,
inclusive, faz uma alusão a Poe no seu poema
Emparedado:
Os de
Estética emovente e exótica, os gueux, os requintados, os sublimes iluminados
por um clarão fantástico, como Baudelaire, como Poe, os surpreendentes da Alma,
os imprevistos missionários supremos, os inflamados, devorados pelo Sonho, os
clarividentes e evocativos, que emocionalmente sugestionam e acordam luas
adormecidas de Recordações e de Saudades, esses, ficam imortalmente cá fora,
dentre as augustas vozes apocalípticas da Natureza, chorados e cantados pelas
Estrelas e pelos Ventos! (CRUZ E
SOUSA, 1995, p. 668)
Convém citá-lo porque é justamente na obra
de Poe que está a origem do Simbolismo moderno de Cruz e Sousa. Fascinou-o a
preocupação pelo raro e pelo misterioso, e a procura dos motivos impenetráveis
do além, tão usados por Poe, seja pelo modo de expor o assunto, sugerindo um
clima intencionalmente criado para intensificar a sensação de mistério, seja
pela capacidade de idealizar seus personagens; ou, ainda, pelo estilo ágil,
rápido e adequado às situações. Baudelaire, ademais deste, será lembrado e
enaltecido por Cruz e Sousa, por várias vezes, no poema No inferno. (Evocações): Baudelaire [...] estava mudo, imóvel, com o seu perfil suavemente cinzelado e fino
[...]. (1995, p. 608); Charles, meu belo Charles
voluptuoso e melancólico [...] profeta muçulmano do Tédio [...]. (idem); Ó
Baudelaire! Ó Baudelaire! Ó Baudelaire! Augusto e tenebroso Vencido!
Inolvidável Fidalgo dos sonhos [...] Soberano Exilado do Oriente e do Letes [...]. (1995, p. 609). O
próprio titulo Faróis (Les Phares.), publicado
em 1900, dois anos após a sua morte, foi em homenagem a Baudelaire.
Antônio Cândido comenta que as maiores
influências que o poeta sofreu, e que o marcaram para sempre, foram a de
Baudelaire e a de Antero de Quental. Ao primeiro, deve não apenas o domínio do poema
em prosa, mas certo satanismo, o senso dos contrastes e das correspondências, o
gosto pela forma lapidar. Ao segundo deve o pendor pela poesia filosófica, o
culto da noite, a tensão meditativa e a predileção
pelo soneto. (1964, p. 394).
No poema Emparedado, encontramos páginas de
confissão, de recriminações, agressividades, análise social, escritas numa prosa
obscura, por vezes ate difícil de entender. Nele, o poeta nutrira a esperança
de romper o emparedamento formal, imposto
pela cartilha parnasiana, cultivando o poema em prosa, assim como outros
simbolistas exercitarão o verso livre, que seria prenúncio da vanguarda moderna
em poesia.
Porém, o protesto mais grave, é, conforme
Dante de Moraes,contra a ditadora ciência de hipoteses, que divide as raças em
superiores e inferiores, negando a estas a capacidade e os dons mais altos do
espírito. (In: COUTINHO, 1979, p. 271).
Nos países novos, nas terras ainda sem tipo
étnico absolutamente definido, onde o sentimento de Arte é silvícola,
local, banalizado, deve ser espantoso, estupendo o esforço, a batalha formidável
de um temperamento fatalizado pelo sangue e que traz consigo, além da condição
inviável do meio, a qualidade fisiológica de pertencer, de proceder de uma raça que a ditadora ciência de hipóteses negou em
absoluto para as funções do Entendimento e, principalmente, do entendimento
artístico da palavra escrita (CRUZ E SOUSA, 1995, p. 669).
Cruz e Sousa admite que essa arte o faz
romper, por várias vezes, com as suas origens, e assim se angustia, mas põe
também o culto da beleza acima de tudo. Ele sentia claramente que a arte era um
meio de abolir a fronteira que a sociedade colocava entre os filhos de escravos
africanos e os filhos dos brancos livres; então acaba indo ao Parnasianismo,
que lhe pareceu o estilo mais europeu de todos, expressão da raça mais
supostamente pura.
Assim, antes de se tornar simbolista, Cruz
e Sousa começou por ser parnasiano, defendendo, na voz de Bastide, os dois pontos
fundamentais do Parnaso: a arte pela arte e a necessidade de seguir as regras
técnicas mais exigentes na elaboração do poema. (In: COUTINHO, 1979, p. 157). Porém, ele percebeu que esses dogmas significavam
um meio de luta contra suas heranças africanas..
Eu trazia
como cadáveres... todos os empirismos preconceituosos e não sei quanta camada
morta, quanta raça de África curiosa e desolada que a
Fisiologia nulificara para sempre com o riso haeckeliano e papal! Surgindo de
bárbaros tinha de domar outros bárbaros ainda, cujas plumagens de aborígene
alacremente flutuavam através dos estilos... O temperamento entortava muito
para o lado da África: era necessário
fazê-lo endireitar inteiramente para o lado da Regra, até que o temperamento
regulasse a arte como um termômetro
(CRUZ E SOUSA, 1995, p. 661-2).
Bastide nos adverte que o Simbolismo é algo
mais: é uma
arte preciosa, requintada, difícil, cheia
de matizes e de delicadeza, que se dirige a uma pequena elite e classifica
consequentemente o seu adepto no recesso de uma aristocracia da aristocracia.
(In: COUTINHO, 1979, p. 159).
Visto está que os simbolistas brasileiros
encontraram um ambiente bastante desfavorável. Era a hora e a vez dos
parnasianos. A oposição chegou inclusive a ser hostil. Considera-se que
reduziram o Simbolismo porque foi uma linha estética que valorizou elementos
malditos, o que aparece evidente no Emparedado. Exaltava elementos noturnos, proibidos, ocultos, procurava
a noite, queria desestabilizar a tranquilidade do mundo do poeta Olavo Bilac.
Era o mundo da inquietação, do tormento da alma. Alfredo Bosi argumenta,
ironicamente, por que os simbolistas não se sobrepuseram aos parnasianos: Porque o Parnasianismo
era o estilo das camadas dirigentes, da burocracia culta e semiculta, das
profissões habituadas a conceber a poesia como .linguagem ornada e, conforme os padrões consagrados que garantiam
o bom gosto da imitação. (1975, p. 124).
Cruz e Sousa certamente não fazia parte desta elite literária.
Há momentos do poema em que o autor se
dirige diretamente ao leitor e aos críticos da época, aqueles que de alguma
maneira o condenam, não o entendem, não se sensibilizam com o seu poema, pois,
ao que parece, não estão preparados para ela. Mas, de uma maneira ou de outra,
acabarão lendo o seu poema.
Sim! Tu é
que não podes entender-me, não podes irradiar, convulsionar-te nestes efeitos
com os arcaismos duros da tua compreensão... Tu é que não podes ver-me,
atentar-me, sentir-me, dos limites da tua toca de primitivo... Tu não podes
sensibilizar-te diante destes extasiantes estados de alma... (CRUZ E SOUSA, 1995, p. 669)
O que tu
podes, só, é agarrar com frenesi ou com ódio a minha Obra dolorosa e solitária
e lê-la e detestá-la e revirar-lhe as folhas... Não conseguindo
impressionar-te, afetar-te a bossa intelectiva, quero ao menos sensacionar-te a
pele, ciliciar-te, crucificar-te ao meu estilo... (CRUZ E SOUSA, 1995, p. 670)
Egle Malheiros explica que o poeta sabe que está a se
dirigir a muitos poucos, os que o podem entender na sua maioria não sabem ler,
e os que o leem não o querem entender. (In: MIGUEL, 1962, p. 44).
Em outro trecho, Cruz e Sousa ataca
diretamente o parnasiano Olavo Bilac, que, como já sabemos, hostilizou o
movimento simbolista. Este poeta buscou desde o inicio a perfeição formal;
tinha a preocupação de escrever versos alexandrinos e era um poeta voltado à
Antiguidade Clássica.
O
temperamento que rugia, bramava dentro de mim, esse, que se operasse: .
precisava, pois, tratados, largos in-folios, toda a biblioteca da famosa
Alexandria, uma Babel e Babilônia de aplicações científicas e de textos latinos,
para sarar... (CRUZ E SOUSA, 1995, p. 662)
O vínculo entre a sensibilidade do
civilizado e a magia africana e bem marcado neste poema que ele afirma não
pertencer à
velha árvore genealógica das intelectualidades medidas., mas que é aquele que
compreende as Vozes que sobem do fundo mucilaginoso do
Mar ou dos mistérios da Noite, talvez acordes da grande Lira noturna do Inferno.(CRUZ E SOUSA, 1995, p. 671-672).
E por falar em mistérios da noite., a
palavra noite é de fundamental importância
na obra de Cruz e Sousa. Evaldo Pauli, em
Cruz e Sousa poeta e pensador (1977, p. 171), afirma que a noite é um dos temas
baudelairianos que influenciaram Cruz e Sousa. E Bastide nos diz que ela
apresenta dois aspectos: Ora doce e muito boa, como se fora uma caricia do céu, ou um voo de anjos brancos: é noite dos
simbolistas. Ora, a noite feiticeira, satânica, povoada de terrores e
fantasmas; a que pode ser chamada de noite africana. (In: COUTINHO, 1979, p.
166). E é justamente nessa parte de sua obra que brilha a originalidade do
poeta.
A África
arrebatada nos ciclones torvelinhantes das Impiedades supremas, das Blasfêmias
absolutas, gemendo, rugindo, bramando no caos feroz, horrido, das profundas
selvas brutas, a sua formidável Dilaceração humana! A África laocoontica, alma
de trevas e de chamas, fecundada no Sol e na Noite... (CRUZ E SOUSA, 1995, p. 672)
E ainda na genial visão de Bastide, Cruz e
Sousa, com a
intenção de assimilar a noite mais intimamente ao seu interior, a fez segundo a
sua própria expressão, a hóstia negra, que engole e que para o futuro viverá
nele, uma vida divina. (In: COUTINHO, 1979, p. 166). No entanto, hóstia, em
latim, quer dizer vítima, a vítima que
seria oferecida em sacrifício a uma divindade. Para os católicos, a hóstia é a
representação do pão na eucaristia, o pão da alma. Portanto, a noite poderia
estar associada ao próprio poeta, a sua cor, colocando-o na posição de vitima
sacrificada, em prol da sua arte, ou então o pão (negro) consagrado, que
alimenta a alma.
Porém, o mais interessante é que Cruz e
Sousa, segundo Bastide, trouxe a literatura uma nova concepção dessa poesia noturna; pretendeu
dar uma inédita e nova interpretação
visual da cor negra. (In: COUTINHO, 1979, p. 164). Provavelmente, ele só
conseguiu atingir o seu objetivo pensando a noite como africano. Emparedado é uma poesia que capta o alimento delicioso das trevas noturnas para
introduzi-lo na magia dos versos.
Continuando no raciocínio de Bastide, ele
nos fala sobre a antítese que existe no simbolismo trágico: O branco
representando o
Europeu, o cristianismo, a virtude, mas também a esterilidade, o frio, a neve
mortífera.. E o negro representando o africano, a luxúria, o
pecado, o fetichismo, mas também a vida, a fecundação, a forca criadora, a dor.
(In: COUTINHO, 1979, p. 167).
...A Africa
laocoontica, alma de trevas e de chamas, fecundada no Sol e na Noite,
errantemente tempestuosa como a alma espiritualizada e tantálica da Rússia,
gerada no Degredo e na Neve, polo branco e polo negro da Dor!... (CRUZ E SOUSA, 1995, p. 672)
Podemos ir um pouco mais além no que se
refere às cores branca e preta, pois na África negra, justamente aquela a que o
poeta se refere, a cor é um símbolo religioso carregado de sentido e de poder.
Ela se investe de valor mágico: o branco e a cor dos mortos. Sua significação
ritual vai mais longe ainda: serve para afastar a morte. Também se atribui ao
branco um imenso poder curativo. Frequentemente, nos ritos de iniciação, o
branco é a cor da primeira fase, a da luta contra a morte. Quanto ao preto, cor
da noite, é a cor também das provas, do sofrimento, do mistério.
No poema analisado, entretanto, o poeta
não se limitou a empregar somente as cores preta e branca. Já no início do
poema há uma descrição detalhada, colorida e musical de exaltação do fim de
tarde e do início da noite. O poeta usa diversas cores para minuciosamente
descrevê-las, como violácea, vermelha, cor de ouro e de prata, cinza; ou seja,
aqui as cores possuem o papel fundamental de descrever um momento não só de
tristeza, mas principalmente de singular e pura alegria. Nesse momento, de
descrição das imagens, o leitor poderia visualizar uma pintura impressionista,
que mistura e combina cores, através de pinceladas rápidas. Essa pintura representa
as sensações e recordações que a noite traz ao poeta. Percebe-se que há uma
espera ansiosa pela chegada da noite, e essa chegada é comparada ao cortejo de
Corpus Christi, procissao
lenta e pomposa. (CRUZ E SOUSA, 1995, p. 659). Aqui o autor faz alusão a uma
comemoração própria do Catolicismo, que provavelmente tenha vivido na sua infância.
Parece que o autor faz uma retrospectiva
da sua vida, ora de bons momentos: Era como que todo o
branco idílio místico da adolescência, que de um tufo claro de nuvens....; ora de maus momentos: Desdobrava-se o vasto silforama
opulento de uma vida inteira, circulada de acidentes, de longos lances
tempestuosos, de desolamentos.... (CRUZ
E SOUSA, 1995, p. 659).
Logo após, o autor fala das harmonias wagnerianas do
compositor alemão. É bom lembrar que wagnerianismo é um estilo musical baseado no cromatismo sinfônico da obra
de Wagner. Neste trecho, Cruz e Sousa repete várias vezes a palavra nervosos, associando os sonhos com a música, e o que eles têm de mais sagrado,
lembrando assim os movimentos nervosos produzidos pela boca e pelas cordas vocais, como numa sinfonia. Ele
utiliza a linguagem como matéria sonora:
[...]
harmonias wagnerianas que cresciam, cresciam, subiam em gritos, em convulsões,
em alaridos nervosos, em estrépidos nervosos, em sonoridades nervosas, em
dilaceramentos nervosos, em catadupas vertiginosas de vibrações, ecoando longe
e alastrando tudo, por entre a delicada alma sutil dos ritmos religiosos,
alados, procurando a serenidade dos Astros... (CRUZ E SOUSA, 1995, p. 659)
Esta palavra, nervoso, que tão bem representa
as sensações, os movimentos rápidos, a música, também será utilizada, várias
vezes, nos seus poemas em verso. Em O
livro derradeiro, ela será
encontrada em poemas como Nerah., Amor., Ocasos., O
botão de rosa., A espada., Julieta dos Santo, e em Soneto..
Não podemos esquecer que a musicalidade é
uma das mais destacadas características da estética simbolista. Já dizia Paul
Verlaine, um dos mestres do simbolismo francês, em seu poema Art Poétique.
(composto em 1874, porém só publicado dez anos mais tarde, na coletânea Jadis et
Naguère): De la musique avant toute
chose.... (.A música acima de tudo....).5
Das músicas wagnerianas o autor passa ao
réquiem, que é a música que dá o repouso eterno aos mortos, e retorna a dor.
Das lembranças alegres, o poeta volta-se para a tristeza, o sofrimento de nunca
conseguir alcançar o que almeja, a dor pelos que já morreram e o sofrimento do
seu não-reconhecimento como poeta, .[...]
dessa dor estranha, formidável, terrível, que canta e chora Réquiens nas
árvores, nos mares, nos ventos, nas tempestades, só e taciturnamente ouvindo:
Esperar! Esperar! Esperar!. (CRUZ E SOUSA, 1995, p. 660).
Neste poema, Cruz e Sousa não só faz
várias alusões ao Cristianismo, como Corpus Christi e Réquiens, já citados, mas
também ao próprio Messias. Ele vai se referir à trajetória e ao suplício vivido
por Cristo até chegar ao monte Calvário, em hebraico Gólgota, onde foi
crucificado. Essa trajetória é descrita lentamente, proporcionando-nos um
quadro de imagens e cores. É como se o autor passasse pelos mesmos sofrimentos
de Cristo, quando levou a cruz e também quando foi pregado nela.
De outros Gólgotas mais amargos subindo a
montanha imensa, — vulto sombrio, tetro, extra-humano! — a face escorrendo
sangue, a boca escorrendo sangue, o peito escorrendo sangue, as mãos escorrendo
sangue, o flanco escorrendo sangue, os pés escorrendo sangue, sangue, sangue, sangue,
[...] (CRUZ E SOUSA, 1995, p. 661).
O poeta faz tudo isso em favor da sua
poesia, da sua arte. E é a própria arte que vai ser aclamada como sagrada,
junto de plantas que são utilizadas em atos sagrados do cristianismo, ....o sagrado nome da Arte, virginal e
circundada de loureirais e mirtos e palmas verdes e hosanas, por entre
constelações. (CRUZ E SOUSA, 1995, p. 660). A própria palavra cruz, entendida
como um instrumento de suplício e como um símbolo da redenção para os cristãos,
é também, por ironia do destino, associada ao nome do poeta.
Entretanto, esse intertexto cristão
também será evidenciado em outros poemas em verso. Em Antífona., que abre o livro Broquéis
(1893), existe uma clara influência litúrgica, de ritos e procedimentos
religiosos, Réquiem do Sol [...], Visões,
salmos e cânticos serenos [...]. (CRUZ E SOUSA, 1995, p. 63). Não podemos
esquecer que o próprio título,
.Antífona., remete-nos aos salmos da Bíblia. Outro exemplo é .O Cristo de Bronze., pertencente ao
mesmo livro, que também fará alusão ao Cristo pregado na cruz, .Na rija cruz aspérrima pregado [...]
ensangüentados cristos dolorosos [...]., ao Cristo sagrado e profano, e ao
Cristo .Amortalhado nas fatais injúrias.... (CRUZ E SOUSA, 1995, p. 67).
O poeta vai também em busca do que seria a
essência do ser humano, aquilo que ele tem de comum com todos – a alma. E é
dela que vem a sublimação tão procurada pelos simbolistas: a oposição entre a
matéria e o espírito, a purificação, na qual o espírito atinge as regiões
etéreas, o espaço infinito. Entretanto, aqui, o poeta estará se referindo às
almas da aristocracia, daqueles que nem sequer merecem .a majestade do
Inferno!..
Almas
tristes, afinal, que se diluem, que se acabam, num silêncio amargo... Almas
lassas, debochadamente relaxadas, verdadeiras casernas onde a mais rasgada
libertinagem não encontra fundo... Almas, afinal, sem as chamas misteriosas,
sem as névoas, sem as sombras, sem os largos e irisados resplendores do
Sonho... (CRUZ E SOUSA, 1995, p. 666-7).
No entanto, em grande parte dos poemas de
Faróis é a verdadeira alma que ali estará presente. A alma que sonha, a alma
que está insatisfeita, a alma que ama, sofre e chora.
Como percebemos, a realidade objetiva, que
antes era tão marcada pelo Realismo, no Simbolismo não mais interessa; o homem
volta-se para uma realidade subjetiva. É justamente como consequência desse
subjetivismo que haverá a valorização do inconsciente e do subconsciente, dos
estudos d‘alma, como vimos acima, da busca do vago, do diáfano, do sonho e da
loucura; o desenvolvimento de uma linguagem carregada de símbolos, em que tudo
é sugestão. O poema .Emparedado. é também todo sugestivo, pois surge do
espírito irracional, não-conceptual, da linguagem, que é contrária a toda interpretação
lógica. Ele não revela, apenas sugere.
Por isso é
que essa hora sugestiva era para mim então a hora da Esperança, que evocava
tudo quanto eu sonhara e se desfizera e vagara e mergulhara no Vácuo...Tudo
quanto eu mais eloqentemente amara com o delírio e a fé suprema de solenes
assinalamentos e vitórias (CRUZ E
SOUSA, 1995, p. 660).
E Mallarmé, assim como outros simbolistas,
confirma-nos o que foi dito logo acima. A poesia é a anunciação de imagens
suspensas, oscilantes, e constantemente evanescentes; para ele, nomear um
objeto é destruir três quartos do prazer que reside no adivinhar gradual da sua
verdadeira natureza.
Há vários trechos do poema em que Cruz e
Sousa se dedica a falar como deveria ser a arte. E ele faz uma verdadeira
declaração de amor à arte, a arte como ele a via e como a sentia, e não aquela
arte que deveria ser feita sob medida aos leitores, somente para agradar, e
presa a regras e convenções. Assim é que
eu a compreendia em toda a intimidade do meu ser, que eu a sentia em toda a
minha emoção, em toda a genuína expressão do meu Entendimento – e não uma
espécie de iguaria agradável, saborosa. (CRUZ E SOUSA, 1995, p. 664).
Logo depois o poeta nos diz, de uma
maneira especial e carinhosa, como foi .arrebatado pelo desconhecido.,
desconhecido este que, sabemos, foi o Simbolismo. É contada a maneira como ele
e outros letrados foram surpreendidos pela nova estética, e como ela o foi
cativando e ganhando simpatia. .Quanto a
mim, originalmente foi crescendo, alastrando o meu organismo, numa veemência e
num ímpeto de vontade que se manifesta, num dilúvio de emoção, esse fenômeno
[...]. (CRUZ E SOUSA, 1995, p. 664). Há também um ponto em que ele se
refere ironicamente aos leitores como público
dócil e embasbacado. (CRUZ E SOUSA, 1995, p. 666), público este que se deixa
seduzir pelas formas arcaicas e ultrapassadas, provavelmente porque a sua arte
causasse admiração e espanto. Essencialmente, o que o poeta quer, segundo o
próprio Cruz e Sousa, é sentir-se livre para escrever, para sentir, para cantar
a sua arte, pois ele, assim como tantos outros artistas, sentem-se isolados,
não-adaptados ao meio .[...] mas em
completa, lógica e inevitável revolta contra ele [...]. (CRUZ E SOUSA,
1995, p. 667).
Mais adiante, fica bem claro o seu
lamento, a sua indignação e a sua revolta para com aqueles que medem a sua arte pela sua cor:
.Deus meu! Por uma questão banal da química biológica do pigmento ficam alguns mais
rebeldes e curiosos fósseis preocupados, a ruminar primitivas erudições.. E,
logo em seguida, o poeta pergunta: .Qual
é a cor da minha forma, do meu sentir? Qual é a cor da tempestade de
dilacerações que me abala? Qual a dos meus sonhos e gritos?. (CRUZ E SOUSA,
1995, p. 669).
Mas existe um breve trecho do .Emparedado. em que o poeta abre
novamente o seu coração, desta vez para o amor, o amor compreensível, o amor
tão almejado, que não só ele como também outros poetas esperam um dia
encontrar. Ele fala em nome dos poetas que esperam que um dia alguém os veja
com simplicidade e clareza, que os compreenda, que os ame e os sinta. Aqui ele
nos descreve como ficariam as almas dos poetas depois de encontrarem a sua alma
gêmea:
[...] –
uma nova torrente espiritual deriva do nosso ser e ficamos então desafogados, coração e cérebro inundados da graça de um
divino amor, bem pagos de tudo, suficientemente
recompensados de todo o transcendente Sacrifício que a Natureza heroicamente
impôs aos nossos ombros mortais [...]
(CRUZ E SOUSA, 1995, p. 671).
Entretanto, logo após esta declaração de
desejo da mulher ideal, da musa inspiradora, o poeta retorna ao seu mundo. E
finaliza o poema retratando o seu mundo real, de um poeta que se sente
completamente emparedado, trancado, oprimido pelas exigências dos padrões
literários da época, que não apenas ficavam restritas a isso, mas também ao
problema do racismo vivido por ele.
Justamente o que concorre para a grandeza
deste poema são os sentimentos contraditórios que atravessam as afirmações mais
sublimes. Desmascarando o egoísmo, a maldade e o preconceito, que tentam negar
a sua superioridade, o poeta vai demasiado longe, como se quisesse cortar as
raízes da sua natureza. É por isso que entre aqueles sentimentos não faltam os
de culpa, os de autoacusação. Nos versos finais, desdobrando-se em um
personagem ignorado, dirige a si mesmo uma advertência impressionante. Depois
de falar sobre a sua vocação patética, uma voz de censura, vinda do mar e da noite
misteriosa, grita-lhe:
Tu és dos
de Cam, maldito, réprobo, anatematizado! Falas em abstrações, em Formas, em
Espiritualidades, em Requintes, em Sonhos! Como se tu fosses das raças de ouro
e da aurora, se viesses dos arianos, depurado por todas as civilizações, célula
por célula, tecido por tecido, cristalizado o teu ser num verdadeiro cadinho de
idéias, de sentimentos [...] (CRUZ E
SOUSA, 1995, p. 672).
Assim, na voz de Nestor Vítor, dir-se-á que é
a personificação da raça que lhe fala, num tom de sarcasmo transcendente, como
a querer desaconselhá-lo de ser um ariano. E .a voz acusadora lhe aponta à
consciência culposa a grandeza dessa África original e trágica, gemente e
submissa, golpeada e supliciada, a reclamar os tercetos de algum novo e majestoso
Dante negro!. (In: COUTINHO, 1979, p. 135).
Ao
final dos últimos versos, aparecem as paredes negras e terríveis que sobem até
o firmamento, deixando o poeta .perdidamente alucinado e emparedado. dentro do
sonho.
Se
caminhares para a direita baterás e esbarrarás ansioso, aflito, numa parede
horrendamente incomensurável de Egoísmos e Preconceitos! Se caminhares para a
esquerda, outra parede, de Ciências e Críticas, mais alta do que a primeira, te
mergulhará profundamente no espanto! [...] (CRUZ E SOUSA, 1995, p. 673).
Essas paredes traduzem uma situação
causada pelo egoísmo, a mesquinhez, os preconceitos e a visão falsa dos outros.
E para acusá-los e esmagá-los, a sua indignação se levanta imponente contra
todos. Porém, para ele, a situação é irremediável, porque esta é a sua raça, e
o poeta não pode desprender-se dela. A raça é um cárcere, uma funda prisão
negra, onde ele sente-se entrevado sem poder escapar.
E
mais pedras, mais pedras se sobreporão às pedras já acumuladas, mais pedras,
mais pedras... Pedras destas odiosas, caricatas e fatigantes Civilizações e
Sociedades.... (CRUZ E SOUSA, 1995, p. 673). As tantas pedras que finalizam
este maravilhoso poema encerram, para o poeta, todo um significado, pois, como
sabemos, a pedra representa o próprio pensamento arcaico de toda uma
civilização preconceituosa, dominadora, e que não será modificada. Muito pelo
contrário, estará cada vez mais e mais firme e forte, barrando assim os sonhos,
os pensamentos, e os anseios de todos aqueles que ousarem inovar, e ousarem ser
diferentes.
Cruz e Sousa provavelmente não esperava
que a sua Arte um dia seria motivo de tantos estudos e interpretações, e, muito
menos, que hoje seria considerado e aclamado pelos críticos e estudiosos como um
dos mais importantes poetas brasileiros. Como diriam Manuel Bandeira e Evaldi
Pauli:
Dos sofrimentos físicos e morais de sua
vida, do seu penoso esforço de ascensão na escala social, do seu sonho místico
de uma arte que seria uma .eucarística espiritualização., do fundo indômito do
seu ser de Emparedado dentro da raça desprezada, tirou Cruz e Sousa os acentos
patéticos que lhe garantem a perpetuidade de sua obra na literatura brasileira
(BANDEIRA, 1966, p. 260-1).
Ali está o longo documento, preciso e eloquente,
de quanto João da Cruz e Sousa sentiu e conceituou seu problema pessoal, frente
à sociedade burguesa do seu tempo. A validade do seu drama de emparedado
continua válido em todas as sociedades em que ainda não houver prevalecido o
princípio da Revolução Francesa por ele admirado – liberdade, igualdade e
fraternidade [...]. A verdadeira revolução popular somente chegaria quando
todos os indivíduos pudessem desenvolver-se sem quaisquer limitações. Só então
deixaria de haver emparedados (PAULI, 1977, p. 187-188).
A POESIA SIMBOLISTA DE CRUZ E SOUSA E ALPHONSUS DE
GUIMARÃES
INTRODUÇÃO
Roseli Gonçalves
Charles Pierre Baudelaire, poeta francês nascido na
cidade de Paris, considerado um dos maiores poetas da literatura universal. Sua
poesia inaugura o simbolismo literário e ainda é considerada uma das maiores
fontes precursoras da poesia contemporânea. O Simbolismo surgiu em meio à
divisão social entre as classes burguesa e a proletária, as quais surgiram com
o avanço tecnológico advindo da Revolução Industrial. O mundo estava em processo
de mudanças econômicas, enquanto o Brasil passava por guerras civis como a
Revolução Federalista e a Revolta da Armada, nos anos compreendidos entre 1893
a 1895.
Há um clima de grande desordem social,
política e econômica nesse período de transição do século XIX para o século XX.
As potências estão em guerra pelo poderio econômico dos mercados consumidores e
dos fornecedores de matéria-prima, ao passo que no Brasil eclodiam as revoltas
sociais.
O simbolismo caracteriza-se pela
subjetividade, individualismo e misticismo, rejeita a realidade e a valorização
do social, e atribui um significado simbólico às palavras que usa e aos
personagens que cria.
A importância histórica da obra poética de
Baudelaire é muito significativa, e traduz-se numa mudança radical na poesia
ocidental. Herdeiro do romantismo negro de Edgar Allan Poe, Baudelaire é o
último grande romântico francês, e ao mesmo tempo, é o iniciador de uma nova
sensibilidade baseada na experiência da vida urbana e na observação das
ambivalências do mundo emotivo e imaginativo, opondo-se aos excessos
sentimentais e retóricos do romantismo. Essas características influenciaram de
maneira direta na poética dos simbolistas brasileiros como Cruz e Souza e
Alphonsus de Guimarães que será um dos focos deste artigo.
MOVIMENTO SIMBOLISTA
O Simbolismo Surgiu na França, no final do
século XIX, e teve como principais representantes Mallamé, Verlaine e Baudelaire.
Esses poetas abandonam os princípios da escola realista e parnasiana e
dedicam-se ao "culto do etéreo, do subjetivo, do obscuro, do vago, do
sugestivo"; rejeitam o mito da precisão descritiva; para eles, a palavra
poética deve antes sugerir que dominar. Em 1857, na França, Charles Baudelaire
(1821-1867) publicou As Flores do Mal e em 1866 saiu o primeiro número da
antologia Le Parnasse Contemporain.
Nesta, foram expostas tanto composições simbolistas quanto produções
parnasianas. Esse movimento literário que antecedeu a Primeira Guerra Mundial
(1913-1918), surge como reação às correntes materialistas e cientificistas da
sociedade industrial do início do século XX. A palavra simbolismo é originária
do grego, e significa colocar junto. Os simbolistas, negando os parnasianos,
aboliram o culto à forma de suas composições. O simbolismo dividiu com aquele
estilo o espaço cultural europeu entre o final do século XIX e o início do
século XX.
O período que vai de 1890 a 1915 é marcado
por inúmeras tendências literárias e filosóficas, representando , no geral, a superação das teses centrais
divulgadas pela geração de 70. Aliás, muitos autores realistas já não endossam
mais aquelas idéias radicais , como se pode ver pelo modo como Antero de
Quental e Eça de Queirós , por exemplo, revêem suas posições intelectuais.
Surgem movimentos
renovadores de cunho antimaterialista e antipositivista.A filosofia do espírito
ressurge e idéias nacionalistas começam a ganhar terreno na literatura.
Cumpre destacar que a agitação política
contra a monarquia tornava-se cada vez movimento nacionalista vinha, pois,
fomentar a exaltação de valores nacionais e, se por vezes pecou por um
sentimentalismo excessivo, constituiu um fator importante na restauração
psicológica de uma sociedade em crise.
Sobre essa renovação espiritual, assim se
manifesta o crítico Antonio Soares Amora: "O movimento de reabilitação do
espírito foi mais longo, sem cogitar de p6or em dúvida as verdades e as
possibilidades cognoscentes das ciências positivas, no que respeita a matéria,
impôs a convicção de que as verdades sobre o mundo exterior, afirmadas por
todas as manifestações da espiritualidade do homem, não são menos verdades que
as apura a inteligência com métodos científicos. Deste modo, reabilitaram-se as
verdades do idealismo, as verdades morais e sentimentos, as verdades da
imaginação, as verdades do subconsciente, enfim, as verdades da alma, que nos
dão a realidade objetiva com uma natureza e com uma significação muito
diferente de tudo o que nos oferece o racionalismo científico e
materialista".
A esse ressurgir da filosofia do espírito
e do nacionalismo, junta-se a reação ao Realismo com a proposta de uma
literatura mais voltada para as forças interiores do homem , para sua dimensão
psicológica e transcendental , beirando o místico e o irracional . Essa
tendência literária recebeu influência direta do Simbolismo francês, que em
1886 já lançara suas bases.
RELAÇÃO ENTRE A TEORIA DAS CORRESPONDÊNCIAS E OS
POETAS DECADENTISTAS
Com Baudelaire surge a teoria das
correspondências que propõe um processo cósmico de aproximação entre as
realidades físicas e as metafísicas que se expressa através das sinestesias
(metáforas que consistem na transferência ou cruzamento de percepção de um
sentido para outro, ou seja, a fusão, num só ato de percepção, de dois sentidos
ou mais - ex. música doce); teoria de que a imaginação é a faculdade essencial
do artista, porque lhe permite recriar a realidade. Dele o Simbolismo herdou: a
embriaguez das sensações, o intimismo na poesia, a proposição das
"correspondência".
Entende-se por decadentismo a fase
embrionária do Simbolismo, fase de preparação, de negação, de protesto, de
individualismo. Exprimiam os decadentistas a volúpia pela anarquia, o
satanismo, as perversões, as morbidezes, o pessimismo, o horror da realidade
banal; buscavam um universo quimérico como forma de escapar à civilização
corrupta (retomada das fugas românticas).
A
década de 70 é realista e parnasiana, ao passo que a de 80 se torna
decadentista e simbolista, cultivando uma poesia de sugestão e musicalidade,
correspondências e interrelações de sentidos, e uma vida literária marcada pela
excentricidade, artifício, insânia. A mudança é gradual, e se evidencia com a
crescente influência de Baudelaire, Mallarmé, Verlaine e Rimbaud, como os
grandes mestres da poesia não objetiva e não descritiva. Por volta de 1880,
espalha-se a idéia de decadentismo, caracterizada em 1881 por Paul Bourget em
um artigo em que ele identifica o estado de decadência com Baudelaire, místico,
libertino e analisador, típico de uma série de indivíduos "incapazes de
encontrar seu lugar próprio no trabalho do mundo", lúcidos para com
"a incurável máscara de seu destino", pessimistas e individualistas
extremos, querendo submeter o mundo às suas necessidades íntimas, e sentindo a
época como de crise e enfado, fadiga e degenerescência, dissolução e má
consciência. O decadentismo tal como foi representado em À Rebours de Huysmans,
com seu famoso personagem Des Esseintes, constituía um estado de revolta contra
a sociedade burguesa e seu falso conceito de moral familiar. Depois de 1885, e
do artigo de Moréas, o termo foi sendo substituído pelo de
"Simbolismo", que afinal prevaleceu no uso corrente, embora aqui e
ali ainda se continuasse a empregar o primeiro.
A poesia simbolista está ligada à idéia de
decadência, pois deixaram de imitar os padrões estéticos vigentes e enveredam
pela obscuridade, daí seu primeiro nome ter sido Decadentismo, só mais tarde
essa nova estética passou a chamar-se Simbolismo. Jean Moréas, teórico do
grupo, em 1886 publicou um artigo chamado O século XX, que definia o movimento
como "não tanto em seu tom decadente quanto em seu caráter
simbólico", essa publicação colocou um ponto final na nomeação da nova
estética, que passou a chamar-se Simbolismo. Os simbolistas adotaram a teoria
da correspondência através da qual a natureza se mostra como uma floresta de
símbolos. Utilizaram arcaísmos e palavras raras e adotaram a musica acima de
qualquer coisa.
SIMBOLISMO BRASILEIRO: INFLUÊNCIAS E CARACTERÍSTICAS
O Simbolismo, no Brasil, representa uma das
épocas mais importantes de nossa história literária e cultural. Este movimento
penetrou em nosso país, por intermédio de Medeiros e Albuquerque, que, desde
1891, recebia livros dos decadentistas franceses. Em 1893, Cruz e Sousa publica
Missal e Broquéis, obras que definem a história do Simbolismo brasileiro.
Entre as últimas décadas do século XIX e
princípios do século XX, os simbolistas conviveram num período em que o Brasil
procurava conquistar sua maturidade mental e sua autonomia. Mesmo depois da
independência de 1822, a Metrópole ainda continuava a exercer a sua ação
colonialista. O comércio, as transações bancárias, a imprensa estavam sob o
influxo da Metrópole. A primeira tentativa de autonomia deu-se com a Regência
(1830-1841), mas só foi com a Proclamação da República que o Brasil separou-se
definitivamente de Portugal. Esse fato levou os homens de letras do século XIX
a explorar o tema do nacionalismo. A busca de "símbolos que traduzam a
nossa vida social", afirma Araripe Júnior.
O início do movimento simbolista brasileiro
é marcado por conflitos no sul do país (1893-1895): A Revolução Federalista, a
Revolta da Armada.Características da poesia simbolista. Vejamos mais
detalhadamente algumas características do Simbolismo: O poeta simbolista
volta-se para o mundo interior; guia-se pela subjetividade (característica da
corrente romântica). O egocentrismo é um princípio fundamental do Romantismo.
Enquanto os românticos pesquisavam o interior das pessoas, suas lutas,
incertezas, num campo puramente sentimental, o simbolista penetra fundo no
mundo invisível e impalpável do ser humano;A poesia simbolista expressa o que
há de mais profundo no poeta; por isso, ele se vale de adjetivos que despertem
emoções vagas, sugestivas. A descrição é essencialmente subjetiva; é uma
espécie de pretexto para identificar o poeta com o íntimo das coisas.Os versos
são musicais, sonoros e expressivos. A poesia é separada da vida social,
confunde-se com a música, explora o inconsciente através de símbolos e
sugestões e dá preferência ao mundo invisível.A linguagem é invocadora, plena
de elementos sensoriais: som, luz, cor, formas; há o emprego de palavras raras;
o vocabulário é litúrgico, obscuro, vago.As palavras vêm ligadas ao tema da
morte.Emprego freqüente de metáforas, analogias sensoriais, sinestesias,
aliterações repetição de palavras e de versos ? tudo isso confere à poesia
musicalidade e poder de sugestão.
A primeira manifestação simbolista
brasileira deu-se no Rio de Janeiro. Um grupo de jovens, insatisfeitos com a
objetividade e com o materialismo apregoados pelo
Realismo-Naturalismo-Parnasianismo, começou a divulgar as idéias
estético-literárias vindas da França. Ficaram conhecidos como decadentistas. O
grupo decadentista era formado principalmente por Oscar Rosas, Cruz e Sousa e
Emiliano Perneta.
O primeiro manifesto do Simbolismo
brasileiro foi publicado no jornal Folha Popular, do Rio de Janeiro. O
Simbolismo é a negação do Realismo-Naturalismo-Parnasianismo. O movimento nega
o materialismo e o racionalismo, pregando as manifestações metafísicas e
espiritualistas.A influência do Simbolismo brasileiro não se limita à data de
1902 (início do Pré-Modernismo). Muitos modernistas da primeira fase adotaram
postura neo-simbolista, entre eles Cecília Meireles.
O
Simbolismo brasileiro seguiu três linhas bem distintas:Poesia
humanístico-social ? Linha adotada por Cruz e Sousa e continuada por Augusto
dos Anjos. Preocupava-se com os problemas transcendentais do ser humano.Poesia
místico-religiosa ? Linha adotada por Alphonsus de Guimarães. Preocupava-se com
os temas religiosos, afastando-se da linha esotérica adotada na Europa.Poesia
intimista-crepuscular ? Linha adotada por pré-modernistas ou modernistas como
Olegário Mariano, Guilherme de Almeida, Ribeiro Couto, Manuel Bandeira.
Preocupava-se com temas cotidianos, sentimentos melancólicos e gosto pela
penumbra.
Os simbolistas buscavam integrar a poesia
na vida cósmica, usando uma linguagem indireta e figurada. Cabe ainda ressaltar
que a diferença entre o Simbolismo e o Parnasianismo não está primeiramente na
forma, já que ambos empregam certos formalismos (uso do soneto, da métrica
tradicional, das rimas ricas e raras e de vocabulário rico), mas no conteúdo e
na visão de mundo do artista. Apesar de seguir alguns efeitos estéticos do
Parnaso, esse movimento desrespeitou a gramática tradicional com o intuito de
não limitar a arte ao objeto, trabalhando conteúdos místicos e sentimentais,
usando para tanto a sinestesia (mistura de sensações: tato, visão, olfato...).
Essa corrente literária deu atenção exclusiva à matéria submersa do
"eu", explorando-a por meio de uma linguagem pessimista e musical, na
qual a carga emotiva das palavras é ressaltada; a poesia aproxima-se da música
usando aliterações.
Os simbolistas praticam uma arte
antiburguesa, profundamente influenciada pelo idealismo, a busca constante do
inconsciente, o pessimismo. Muitas vezes os poetas simbolistas são panteístas,
encontraram refúgio no esoterismo, no ilusionismo, no satanismo, Cruz e Sousa
dedica-se a temática do Cristianismo.Movimento de relações com o Modernismo
influencia a maioria dos poetas da 1ª fase do Modernismo. Aqui surgem as
primeiras rupturas com os padrões rígidos de composição e restabelecimento da
relação entre poesia e existência, separadas pelos parnasianos. O movimento
simbolista na literatura brasileira teve força até o movimento modernista do
começo da década de 1920.
A POÉTICA E O ESTILO DE CRUZ E SOUSA E ALPHONSUS DE GUIMARÃES
O poeta João da Cruz e Sousa nasceu em
Desterro(atual Florianópolis)no dia 24 de novembro de 1861 ,filho de negros
alforriados, desde pequeno recebeu a tutela e uma educação refinada de seu
ex-senhor, o Marechal Guilherme Xavier de Sousa - de quem adotou o nome de
família. Aprendeu francês, latim e grego, além de ter sido discípulo do alemão
Fritz Müller, com quem aprendeu Matemática e Ciências Naturais. Seus poemas são
marcados pela musicalidade (uso constante de aliterações), pelo individualismo,
pelo sensualismo, às vezes pelo desespero, às vezes pelo apaziguamento, além de
uma obsessão pela cor branca. É certo que encontram-se inúmeras referências à
cor branca, assim como à transparência, à translucidez, à nebulosidade e aos
brilhos, e a muitas outras cores, todas sempre presentes em seus versos.No
aspecto de influências do simbolismo, nota-se uma amálgama que conflui águas do
satanismo de Baudelaire ao espiritualismo ligados tanto a tendências estéticas
vigentes como a fases na vida do autor.Quando Cruz e Souza diz
"brancura", é preciso recorrer aos mais altos significados desta
palavra, muito além da cor em si.
Seus versos tinham musicalidade e sutileza
para a atmosfera religiosa que inspiravam como mostra a passagem a seguir:
"Tu que és a lua da Mansão de rosa
da Graça e do supremo Encantamento,
o círio astral do augusto Pensamento
velando eternamente a Fé chorosa;"
(Cruz e
Sousa)
Também havia a busca da purificação com o
espírito atingindo regiões etéreas e integração com o espaço infinito (cosmos)
como nos versos a seguir:
"A voz do céu pode vibrar sonora
Ou do inferno a sinistra sinfonia,
Que num fundo de astral melancolia
Minh'alma com a tu'alma goza e chora;"(Cruz e Souza)
Afonso Henrique da Costa Guimarães, nasceu
em Ouro Preto, Minas Gerais, em 24 de julho de 1870 e morreu, em Mariana, a 15
de julho de 1921.
Ouro Preto foi o cenário dos primeiros anos
da vida do Poeta que desde sua infância dava sinais de extrema sensibilidade e
acentuada introversão. Considerado um dos grandes nomes do Simbolismo, e por
vezes o mais místico dos poetas brasileiros, Alphonsus de Guimaraens tratou em
seus versos de amor, morte e religiosidade. A morte de sua noiva Constança, em
1888, marcou profundamente sua vida e sua obra, cujos versos, melancólicos e
musicais, são repletos de anjos, serafins, cores roxas e virgens mortas. Seus
sonetos apresentam uma estrutura clássica, e são profundamente religiosos e
sensíveis na medida em que ele explora o sentido da morte, do amor impossível,
da solidão e da inaptação ao mundo.
Contudo, o tom místico imprime em sua obra
um sentimento de aceitação e resignação diante da própria vida, dos sofrimentos
e dores. Outra característica marcante de sua obra é a utilização da
espiritualidade em relação à figura feminina que é considerada um anjo, ou um
ser celestial, por isso, Alphonsus de Guimaraens é neo-romântico e simbolista
ao mesmo tempo, já que essas duas escolas possuem características semelhantes.
Oscila, assim, entre os indícios materiais da morte e a expectativa do
sobrenatural, como se toda a sua poesia se fizesse em variações de um mesmo
réquiem. Mas a evolução da linguagem é permanente e a tendência a um barroco
discreto -- de Ouro Preto, Mariana se flexibiliza, se inova com acentos
verlainianos, mallarmaicos, de que brotam imagens muitas vezes ousadas, não
longe da invenção surrealista.
Sua obra, predominantemente poética,
consagrou-o como um dos principais autores simbolistas do Brasil. Em referência
à cidade em que passou parte de sua vida, é também chamado de "o solitário
de Mariana", a sua "torre de marfim do Simbolismo".
Sua poesia é quase
toda voltada para o tema da Morte da Mulher amada. Embora preferisse o verso
decassílabo, chegou a explorar outras métricas.Como o dístico observadona
estrofe do poema Árias e Canções:
"A suave castelã das horas mortas
Assoma à torre do castelo, As portas,"
Outra temática observada em suas poesias é
a morte como forma de evasão e de fuga do plano terreno, o amor é abordado de
forma platônica e idealizante, pois não há lugar para o sensualismo e erotismo.
A figura feminina aparece de forma divinizada, distante, fria e morta. Como na
estrofe a seguir:
"Hirta e branca... Repousa a sua áurea cabeça
Numa almofada de cetim bordada em lírios.
Ei- la morta afinal como quem adormeça
Aqui para sofrer Além novos martírios."
(Alphonsus
Guimaraens)
CONCLUSÃO
A temática da morte é uma constante na
obra dos poetas estudados, para Alphonsusa morte é como forma de evasão e de
fuga do plano terreno e para Cruz a morte é a libertação da alma do corpo em
busca do celestial, como observado nos poemas analisados. Nesses poemas ocorre
uma prisão no plano abstrato e espiritual, os símbolos revelam a condição
humana, a libertação da alma só é possível através do sonho e da morte. Em
relação a temática ambos utilizam as formas do parnasianismo, já que eles
empregam certos formalismos (uso do soneto, da métrica tradicional, das rimas
ricas e raras e de vocabulário rico. Apesar de seguir alguns efeitos estéticos
do Parnaso, esse movimento desrespeitou a gramática tradicional com o intuito
de não limitar a arte ao objeto, trabalhando conteúdos místicos e sentimentais,
usando para tanto a sinestesia (mistura de sensações: tato, visão, olfato...).
Portanto, o simbolismo buscou o sentimento de variação e de rapidez compreender
que o mundo não é estático e de que a vida é uma luta constante em busca de
mudanças, e representa a revisão dos conceitos e das promessas propagadas pelo
materialismo cientifico.
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