RACHEL  DE  
   QUEIROZ

Rachel de Queiro nasceu em Fortaleza (CE) em 1910. Teve uma infância itinerante, devido à grande seca de 1915, vivendo entre sua terra natal, a fazenda de sua família (no interior do Ceará), em Belém (PA) e, mais tarde, no Rio de Janeiro, onde se fixou definitivamente.
Tradutora, cronista, teatróloga, romancista, estreou na literatura em 1930, com o romance O Quinze, escrevendo em seguida João Miguel, obras acentuadamente regionalistas, de acordo com os padrões dos romances modernistas brasileiros e que retratam a paisagem nordestina: a seca, o flagelo, a miséria, a fome, o cangaço e o coronelismo.
Participou de atividades políticas em 1937 (início do Estado Novo de Getúlio Vargas), tendo sido presa por suas ideias esquerdistas. É dessa época Caminho de pedras, romance social e politicamente engajado. 
As três Marias, no entanto, foge ao regionalismo, ao contar as experiências de algumas adolescentes num internato religioso, que se veem, depois, diante da realidade da vida. E um romance que fala de problemas psicológicos.
Rachel de Queiroz foi a primeira mulher a ser admitida, em 1977, na Academia Brasileira de Letras.
Suas obras:
romances - O Quinze, João Miguel, Caminho de pedras, As tr~es Marias, O galo de ouro, Memorial de Maria Moura.
teatro - Lampião, A beata Maria do Egito, A sereia voadora.
crônicas - A donzela e a moura torta, Cem crônicas escolhidas, O brasileiro perplexo, Ocaçador de tatu.
literatura infantil - O menino mágico.

RAQUEL DE QUEIROZ: EXPOENTE DA LITERATURA SERTANEJA E DAS NOVAS NARRATIVAS DO BRASIL

    Mulher e nordestina. Raquel de Queiroz tinha duas características para ficar à margem de qualquer movimento intelectual e pioneiro no Brasil, nas primeiras décadas do século XX, se não fosse um detalhe: foi ela a pioneira. Isso tem um dimensão de maior importância quando esse espaço se dá na literatura, tradicionalmente dominado por escritores, ainda com suas narrativas europeizadas, onde as raízes do Brasil nordestino praticamente inexistiam.
    de e inaugura na literatura brasileira, um narrativa de um Brasil pouco - ou nada- encontrado nas linhas e entre linhas de até então. Um Brasil excluído dos enredos de grandes escritores. Um Brasil sertanejo, peculiar e especial sob a ótica e a pena de uma mulher, nordestina, intelectual e sertaneja. Foi a primeira mulher cronista na impresa brasileira; a única mulher escritora aceita como representante no movimento modernista brasileiro e a primeira mulher eleita a ocupar a cadeira imortal da Academia Brasileira de Letras, também denominada de Grande Dama da Literatura Brasileira.
   Raquel de Queiroz fixou um marco na história literária e social brasileira. Em seu romance de estreia, O quinze, cuja temática escolhida foi a grande seca que assolou o Ceará de 1915, sua prosa regionalista retrata, numa linguagem enxuta e expressiva, o nordeste brasileiro, onde consegue amalgamar a preocupação social à preocupação com traços psicológicos dos personagens, inaugurando no Brasil a vanguarda do romance sertanejo, que trouxe para nossa literatura um olhar sobre o Brasil, através de sua sensibilidade de mulher sertaneja, tornando-se a primeira porta voz do sertanejo em nossa literatura, mostrando sua preocupação com a temática social e política, como escritora nacionalista.
   A importância e contribuição dessa escritora cearense extrapolam o ambiente literário. Nesse, sua importância se traduz como pioneira e vanguardista de uma nova literatura, para formação das narrativas sobre o Brasil. Narrativas, cuja estética e valores tem no homem nordestino e sertanejo, novos significados e interpretações, revelando sua cultura, agruras e toda problemática que cerca o homem do sertão do nordeste brasileiro.
   No campo sociológico, sua importância não é menos relevante, pois contribuiu no sentido de resistir e enfrentar as disposições canônicas e a dominação masculina na literatura brasileira, onde a mulher praticamente esteve ausente, abrindo campo para atuação feminina em novos espaços de atuação no cenário intelectual do país, numa construção das relações sociais e de gênero.
   Raquel não foi apenas uma escritora; foi uma escritora de vanguarda no movimento modernista brasileiro e pioneira na literatura regionalista sertaneja. Sua importância na literatura brasileira é incomensurável, por sua autenticidade e ineditismo na forma de escrever o Brasil desde então, estabelecendo um limiar na história literária nacional. Trata-se de uma eminente escritora, professora, cronista, poeta, romancista, jornalista e teatróloga, cuja importância será lembrada nos próximos séculos ao se discutir literatura de vanguarda, ruptura de padrões masculinos e, principalmente, o sertão do nordeste brasileiro. Talveaz as palavras que melhor traduzam a importância de Raquel sejam de Carlos Heitor Cony:" a literatura regional nasceu com Raquel de Queiroz, sozinha, sem padrinhos, no serão do Ceará".

renanentrelinhas.blogspot.com/2010/04/raquel-de-queiroz-expoente-da.html

RACHEL  DE  QUEIROZ

   Rachel de Queiróz (Fortaleza CE 1910 - Rio de Janeiro 2003). Romancista, cronista, contista e dramaturga. As raízes literárias da autora estão na própria origem familiar. Descende de José de Alencar (1829 - 1877)por parte materna, Rachel de Queiróz pertence a família tradicional de Quixadá (Ceará), embora ela tenha nascido, na cidade de Fortaleza. Em 1917, muda para o Rio de Janeiro, onde a família procura desvencilhar-se do evento traumático da seca de 1915, mas retorna anos depois à cidade natal. A partir de 1927, colabora para o jornal O Ceará. Em 1930, com apenas 20 anos, publica o romance O Quinze, rapidamente considerado pela crítica como um divisor de águas na literatura regionalista, como salienta o crítico Otto Maria Carpeaux (1900 - 1978). Por sua primeira incursão literária, recebe, no ano seguinte, o prêmio da Fundação Graça Aranha. Nessa  época, vincula-se ao Partido Comunista, experiência que a frustra, sobretudo quando tem seu segundo romance, João Miguel (1932), censurado pelo partido. Participa, em 1933, do grupo trotskista liderado pelo crítico de arte Mário Pedrosa (1900 - 1981). Quatro anos depois é detida em Fortaleza, sob a acusação de subversão. Do ocorrido, resulta o romance Caminho das Pedras (1937), narrando a trajetória de um casal de ativistas políticos. Após a publicação do intimista e quase autobiográfico As Três Marias(1939), e já residindo no Rio de Janeiro, passa a dedicar-se principalmente à crônica jornalística, colaborando, inicialmente, com o Diário de Notícias e, mais tarde, com o Última Hora e o Jornal do Commercio. Em 1950, escreve um folhetim intitulado O Galo de Ouro, publicado em capítulos na revista O Cruzeiro. No ano de 1953, faz sua primeira incursão no gênero dramático, e recebe o Prêmio Saci, pela peça Lampião. Em 1957, outra peça da autora,Maria do Egito, é premiada. No campo literário, Rachel volta ao gênero romance somente em 1975, com Dora Doralinda. Até esse ano, no entanto, muitas de suas crônicas são publicadas em volumes. Em 1977, torna-se a primeira mulher a integrar a Academia Brasileira de Letras (ABL). No início da década de 1990, lança Memorial de Maria Moura (1993), saga que se torna bastante conhecida em sua adaptação para TV. No mesmo ano da publicação, recebe o Prêmio Camões, conferido pelos governos de Portugal e do Brasil, por sua contribuição à literatura.

Comentário Crítico
   A autora é considerada, juntamente com José Américo de Almeida, autor de A Bagaceira (1928), uma entre os precursores do romance regionalista de temática social, que também passa a ser denominado, por alguns críticos, como "romance de tese". Diferentemente da ingenuidade e da idealização românticas, e do determinismo redutor e preconceituoso naturalista, esse novo tipo de romance não trata o sertanejo de modo pitoresco nem como objeto de análise científica, mas sim a partir de uma perspectiva próxima de sua realidade e favorável à sua causa.
   Esse é o caso de O Quinze (1930), primeiro romance, escrito quando ainda é uma jovem de 20 anos, sobre a forte seca que se abate no Nordeste brasileiro, no ano de 1915. Trata-se de uma narrativa em terceira pessoa, repleta de descrições bem vívidas, basicamente composta de dois planos, que, como nota o crítico português Casais Monteiro, se cruzam próximo do término: o primeiro é de um grupo de pequenos proprietários (a professora Conceição e a sua avó dona Inácia, assim como Vicente e sua mãe, dona Idalina); o segundo, uma família de retirantes, liderada pelo sertanejo Chico Bento, que, após passar por diversas agruras em sua viagem para a capital, resolve migrar para São Paulo.
   A linguagem, ao contrário da retórica exagerada e do sentimentalismo presentes em A Bagaceira, é simples e crua: traços de oralidade salpicam na medida certa o português culto no qual se tece a prosa, ao mesmo tempo que são construídas metáforas e comparações com base em elementos pertencentes ao campo semântico do universo sertanejo (os "cotos de galhos como membros amputados" ou o comboio que, na curva, "era como uma cobra que fugisse sobre o borralho ainda quente de uma coivara"). As cenas, na maior parte das vezes curtas, sucedem-se como pequenas crônicas, algumas das quais até podem ser lidas de maneira independente, um expediente que, mais tarde,
Graciliano Ramos (1892 - 1953) utiliza para escrever Vidas Secas (1938).
   Outro ponto forte do romance, ainda aproveitando os argumentos de Casais Monteiro, é justamente a ausência de certo maniqueísmo ingênuo, bastante comum em algumas obras realistas da década de 1930. Em O Quinze, nem todos os proprietários são vistos como "personagens maldosos", indiferentes ao sofrimento dos retirantes, Conceição, prima de Vicente, por exemplo, costuma distribuir mantimentos e cuidar dos retirantes que chegam à capital; no entanto, sua própria condição social e seu trabalho intelectual, de certo modo, funcionam como elemento diferenciador em relação aos flagelados e trabalhadores rurais com quem ela convive.
   Essa distância entre o trabalho intelectual e o mundo sertanejo reflete uma contradição inerente aos escritores regionalistas do período: apesar de desejarem abordar o universo peculiar às suas origens, do ponto de vista regional e cultural, estão ao mesmo tempo apartados dessa perspectiva, pois são oriundos de uma formação sociocultural muito distinta. É o caso da prosa de autores como José Lins do Rego e das primeiras obras de Jorge Amado, escritas com a objetividade de um narrador realista, sem, todavia, participar do cientificismo redutor dos pensadores naturalistas. Essa contradição só será mais bem resolvida na obra de Guimarães Rosa (1908 - 1967), pois mesmo em Graciliano Ramos, é possível detectar esse tipo de afastamento intelectual, como nota Alfredo Bosi (1936), em artigo no qual compara os dois escritores.
    No caso de O Quinze, é Conceição que encarna em si esse dilema: de acordo com Davi  Arrigucci Jr., a personagem encontra-se dividida entre sua subjetividade, calcada principalmente em seus estudos, leituras e ideias, e o mundo exterior, deformado pela miséria que se alastra por conta da seca que invade o sertão. Não à toa, sua escolha é por permanecer solteira, renegando a possibilidade de casar-se com o vaqueiro Vicente, o que constituiria um elo entre os dois mundos. Por outro lado, Benjamin Abdala Junior (1940) lê essa escolha da personagem como reflexo das ideias de emancipação feminina presentes nos textos por ela lidos.
   No romance seguinte, João Miguel (1932), Rachel de Queiroz procura utilizar-se de recursos semelhantes aos de sua obra de estreia: uma subjetividade que precisa lidar com uma situação adversa (no caso, o protagonista e o seu cotidiano na cadeia, após cometer um assassinato). Contudo, como aponta o crítico Massaud Moisés, o resultado não é semelhante: há diálogos por demais longos e a narrativa transcorre "sem clímax nem cenas dramaticamente significativas". Nos romances seguintes, a escritora aposta cada vez mais na introspecção, como se percebe, sobretudo, em As Três Marias (1939), romance de tendência proustiana, com forte acento autobiográfico, que narra a história de três moças em um internato religioso.
   No entanto, é nas crônicas publicadas em jornais que as características mais interessantes de seu romance de estreia comparecem: nelas, a simplicidade da linguagem soma-se a uma percepção bastante aguda dos acontecimentos cotidianos. Não à toa, a própria Rachel, em entrevistas, afirma considerar-se uma cronista que se aventura na escrita de romances.
   Sua última grande obra, Memorial de Maria Moura (1992), recupera a "tradição da donzela guerreira" (presente em romances como Luzia-Homem, 1903, de Domingos Olímpio, e Grande Sertão: Veredas, 1956, de Guimarães Rosa): uma personagem feminina, vestida como homem, parte em busca de vingança contra criminosos que assassinam seus familiares. Como uma longa saga, esse texto tem grande repercussão, em parte pelo sucesso de sua adaptação para a televisão.

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O Quinze, de Rachel de Queiroz


Análise da obra

   Publicado em 1930, o romance O Quinze, de Rachel de Queiroz, renovou a ficção regionalista. Possui cenas e episódios característicos da região, com a procissão de pedir chuva, são traços descritivos da condição do retirante. O sentido reivindicatório, entretanto não traz soluções prontas, preferindo apontar os males da região através de observação narrativa.
   Em O Quinze, primeiro e mais popular romance de Rachel de Queiroz, a autora exprime intensa preocupação social, apoiada, contudo, na análise psicológica das personagens, especialmente o homem nordestino, sob pressão de forças atávicas que o impelem à aceitação fatalista do destino. Há uma tomada de posição temática da seca, do coronelismo e dos impulsos passionais, em que o psicológico se harmoniza com o social.
   A obra apresenta a seca do nordeste e a fome como consequência, não trazendo ou tentando dar uma lição, mas como imagem da vida. 
   Não percebe-se uma total separação entre ricos e pobres, e esta fusão é feita através da personagem Conceição que pertence realmente aos dois mundos. Evitando assim o perigo dos romances sociais na divisão entre "bons pobres" e "maus ricos", não condicionando inocentes ou culpados.

Estrutura da obra
   O título do livro evoca a terrível seca do Ceará de 1915. A própria família de Rachel foi obrigada a fugir do Ceará: foi para o Rio de Janeiro, depois para Belém do Pará. Compõe-se de 26 capítulos, sem títulos, enumerados.
   A classificação de O Quinze é, sem dúvida, de romance regionalista de temática social. Mas com uma visão que foge ao clichê tradicional. Não há, na história, a divisão batida de \"pessoas boas e pobres\" e de \"pessoas más e ricas\". A autora registrou no papel a sua emoção, sem condicionar o romance a uma tese ou à preocupação de procurar inocentes e culpado pela desgraça de cada um ou mesmo do grupo envolvido na história.
   A história é recheada de amarguras. Bastaria a saga da família de Chico Bento para marcar o romance com as cores negras da desgraça. A morte está por toda parte. Está no calvário da família de retirantes, está em cada parada da caminhada fatigante, está no Campo de Concentração. Morte de gente e de bichos. 
   A história de amor entre Vicente e Conceição poderia ser o lado bom e humano da história. Não é. A falta de comunicação entre os dois, o desnível cultural que os separa constituem ingredientes amargos para um desfecho infeliz. É como se a seca, responsável por tantos infortúnios, fosse causadora de mais um: a impossibilidade de ser feliz para quem tem consciência da miséria. 
   Romance de profundidade psicológica. A análise exterior dos personagens existe, mas sem relevo especial dentro do livro. A autora vai soltando uma característica aqui, outra além, sem interromper a narrativa para minúcias. O lado introspectivo, psicológico é uma constante em toda a narrativa. Ao mesmo tempo em que o narrador informa as ações dos personagens, introduz interrogações e dúvidas que teriam passado por sua cabeça, por seu espírito.

Tempo

A autora situa a história do romance no Ceará de 1915. O fato histórico importante da época era a própria seca, obrigando os filhos da terra, principalmente do sertão, a migrarem para o Amazonas ou para São Paulo, à procura de vida melhor. Não há avanços nem recuos. A história é contada em linha reta, valorizando o presente, o cotidiano das pessoas. O passado é evocado raramente, muito mais por Conceição. A passagem do tempo dentro do romance é marcada de maneira tradicional, obedecendo à seqüência de início, meio e fim. 

Cenário

O cenário do romance é o Ceará. Especificamente, a região de Quixadá, onde se situam as fazendas de Dona Inácia (avó de Conceição), do Capitão (pai de Vicente) e de Dona Maroca (patroa de Chico Bento). 
Há também, em menor escala, o cenário urbano, destacando a capital, Fortaleza, para onde migram os retirantes e onde mora Conceição.

Linguagem

   O sucesso do livro está atrelado à simplicidade da linguagem (a mais difícil das virtudes literárias!). Não há exibicionismo da autora no uso de palavreado erudito. Mesmo quando a dona da palavra é uma professora (Conceição), o diálogo flui espontâneo, normal, cotidiano.
   Sua linguagem é natural, direta, coloquial, simples, sóbria, condicionada ao assunto e á região, própria da linguagem moderna brasileira. A estas características deve-se ao não envelhecimento da obra, pois sua matéria está isenta do peso da idade. Em O Quinze, Rachel usa o que lhe deu fama imediata: uma linguagem regionalista sem afetação, sem pretensão literária e sem vínculo obrigatório a um falar específico (modismo comum na tendência regionalista). 
   A sobriedade da construção, a nitidez das formas, a emoção sem grandiloquência, a economia de adjetivos são recursos perceptíveis em todo o livro. 

Foco narrativo

O Quinze é romance narrado na terceira pessoa, ou seja, o narrador é a própria autora. O narrador é onisciente. Estando fora da história, o narrador vai penetrando na intimidade dos personagens como se fosse Deus. Sabe tudo sobre eles, por dentro e por fora. Conhece-lhes os desejos e adivinha-lhes o pensamento. 
Discurso livre indireto. Em vez de apresentar o personagem em sua fala própria, marcada pelas aspas e pelos travessões (discurso direto), o narrador funde-se ao personagem, dando a impressão de que os dois falam juntos. Isto faz com que o narrador penetre na vida do personagem, no seu íntimo, adivinhando-lhe os anseios e dúvidas.

Personagens

Conceição - Não com os alunos, mas com a própria vida. Conceição é forte de espírito, culta, humana e com idéias um tanto avançadas sobre a condição feminina. O único homem que lhe despertou desejos é o primo Vicente. Conceição tem uma admiração antiga e especial pelo rapaz, talvez porque ele é real, sem as falsidades comuns dos moços bem-educados. Ao descobrir que ele não é tão puro, a admiração esfria, criando uma barreira intransponível para a realização plena do seu amor. Tinha vocação para solteirona: "Conceição tinha vinte e dois anos e não falava em casar. As suas poucas tentativas de namoro tinham-se ido embora com os dezoito anos e o tempo de normalista; dizia alegremente que nascera solteirona". Conceição sente-se realizada ao criar Duquinha, o afilhado que lhe doaram Chico Bento e Cordulina. É uma realização íntima, preenchendo o vazio da decepção amorosa. 

Vicente - Filho de fazendeiro rico, com condições de mandar os filhos para a escola, Vicente, desde menino, quis ser vaqueiro. No início, isso causava tristeza e desgosto à família, principalmente à mãe, Dona Idalina. Com o tempo, todos passaram a admirar o rapaz. Vicente é o vaqueiro não-tradicional da região. Cuida do gado com um desvelo incomum, mas cuida do que é seu, ao contrário dos outros (Chico Bento é o exemplo) que cuidam de gado alheio. Tem boas condições financeiras, mas é humano em relação à família e aos empregados. Vicente tinha dentes brancos com um ponto de ouro. Na intimidade, quando se põe a pensar na vida e na felicidade, associa tais coisas à Conceição. Tem uma admiração superior por ela. Gradualmente, à medida que vai notando a maneira fria com que ela passa a tratá-lo, Vicente começa a descrer no amor e na possibilidade de casar e ser feliz. 

Chico Bento - Chico Bento é o protótipo do vaqueiro pobre, cuidando do rebanho dos outros. Ele é o vaqueiro de Dona Maroca, da fazenda das Aroeiras, na região de Quixadá. Ele e Vicente são compadres e vizinhos. Como é peculiar da pobreza brasileira e nordestina, Chico Bento tem a mulher (Cordulina) e cinco filhos, todos ainda pequenos. Pedro, o mais velho, tem doze anos. Expulso pela seca e pela dona da fazenda, Chico Bento e família empreendem uma caminhada desastrosa em direção a Fortaleza. Perde dois filhos no caminho: um morre envenenado (Josias), o outro desaparece (Pedro). Antes de embarcar para São Paulo, é obrigado a dar o mais novo (Duquinha) para a madrinha, Conceição. De Fortaleza, Chico Bento e parte da família vão, de navio, para São Paulo. É o exílio forçado, é a esperança de vida melhor e, quem sabe, de riqueza para quem só conheceu miséria no Ceará. 

Cordulina - É a esposa de Chico Bento. Personifica a mulher submissa, analfabeta, sofredora, com o destino atrelado ao destino do marido. É o exemplo da miséria como conseqüência da falta de instrução. 

Josias - Filho de Chico Bento e Cordulina, tem cerca de dez anos de idade. Comeu mandioca crua e morreu envenenado na estrada. 

Pedro - Filho de Chico Bento e Cordulina, é o mais velho, tem doze anos de idade. Desapareceu quando o grupo ia chegando a Acarape. 

Manuel (Duquinha) - É o filho caçula de Chico Bento e Cordulina; tem dois anos anos de idade. Foi doado à madrinha, Conceição. 

Paulo - Irmão mais velho de Vicente, ele é o orgulho dos pais (pelo menos no início). Estudou, fez-se doutor (promotor) e casou-se na cidade com uma moça branca. Depois de casado, passou a dedicar o seu tempo à família, quase não se interessando mais pelos pais e pelos irmãos. Só então os pais deram valor a Vicente. 

Mocinha - Irmã de Cordulina, ficou como empregada doméstica em Castro, na casa de sinhá Eugênia. Arranjou um filho sem pai e tudo indica que vai viver da prostituição.

Lourdinha - Irmã mais velha de Vicente. Casou-se com Clóvis Garcia em Quixadá. No final, têm uma filha, símbolo da felicidade que as pessoas simples e descomplicadas conseguem conquistar. 

Alice - Irmã mais nova de Vicente. Mora na fazenda com os pais e os irmãos.

Dona Inácia - Avó de Conceição, espécie de mãe, pois foi quem a criou depois que a mãe verdadeira morreu. É dona da fazenda Logradouro, na região de Quixadá. Não aprova as idéias liberais da neta, principalmente no que diz respeito a ficar solteirona.

Dona Idalina - Prima de Dona Inácia. Idalina é a mãe de Vicente, Paulo, Alice e Lourdinha. Vive com o marido, Major, na fazenda perto de Quixadá. 

Major - Fazendeiro rico na região de Quixadá. Entrega a administração da fazenda ao filho Vicente. Orgulha-se de ter um filho doutor: o Paulo, promotor em uma cidade do interior do Ceará.

Dona Maroca - Fazendeira, dona da fazenda Aroeiras na região de Quixadá. Na época da seca, mandou o vaqueiro, Chico Bento, soltar o gado e procurar, por conta própria, meios para sobreviver. 

Mariinha Garcia - Moça bonita, de família rica, moradora de Quixadá. Com auxílio de Lourdinha e Alice, faz tudo para conquistar Vicente, mas as tentativas resultam inúteis.

Luís Bezerra - Compadre de Chico Bento e Cordulina. Trabalhara também nas Aroeiras sob o comando de Dona Maroca. Agora, é delegado em Acarape, povoado do interior do Ceará. Foi ele quem conseguiu passagens de trem para que a família do compadre chegasse a Fortaleza. 

Doninha - Esposa de Luís Bezerra, madrinha do Josias, o filho de Chico Bento que morreu envenenado na estrada. 

Zefinha - Filha do vaqueiro Zé Bernardo. Conceição, acreditando numa conversa que tivera com Chiquinha Boa, acha que Vicente tem um caso com Zefinha. 

Chiquinha Boa - Trabalhava na fazenda de Vicente. Na época da seca, achando que o governo do Ceará estava ajudando os pobres que migravam para a capital, deixou a zona rural.

Enredo

   A obra O Quinze aborda a seca de 1915, descreve alguns aspectos da vida do interior do Ceará durante um dos períodos mais dramáticos que o povo atravessou. O enredo é interessante, dramático, mostrando a realidade do Nordeste Brasileiro e se dá em dois planos.
   No primeiro plano enfoca o vaqueiro Chico Bento e sua família, o outro a relação afetiva de Vicente, rude proprietário e criador de gado, e Conceição, sua prima culta e professora. Conceição é apresentada como uma moça que gosta de ler vários livros, inclusive de tendências feministas e socialistas o que estranha a sua avó, Mãe Nácia que é representante das velhas tradições. No período de férias, Conceição passava na fazenda da família, no Logradouro, perto do Quixadá. Apesar de ter 22 anos, não dizia pensar em casar, mas sempre se "engraçava" à seu primo Vicente. Ele era o proprietário que cuidava do gado, era rude e até mesmo selvagem. Com o advento da seca, a família de Mãe Nácia decide ir para cidade e deixar Vicente cuidando de tudo, resistindo. Trabalhava incessantemente para manter os animais vivos. Conceição, trabalhava agora no campo de concentração onde ficavam alojados os retirantes, e descobre que seu primo estava "de caso" com "uma caboclinha qualquer". Enquanto ela se revolta, Mãe Nácia à consola dizendo:

"Minha filha, a vida é assim mesmo... Desde hoje que o mundo é mundo... Eu até acho os homens de hoje melhores." 

   Vicente se encontra com Conceição e sem perceber confessa as temerosidades dela. Ela começa a tratá-lo de modo indiferente. Vicente se ressente disso e não consegue entender a razão. As irmã de Vicente armam um namoro entre ele e uma amiga, a Mariinha Garcia. Ele porém se espanta ao "saber" que estava namorando, dizendo que apenas era solícito para com ela e não tinha a menor intenção de comprometimento. Conceição percebe a diferença de vida entre ela e seu primo e a quase impossibilidade de comunicação. A seca termina e eles voltam para o Logradouro.
   O segundo plano é, sem dúvida, a parte mais importante do livro. Apresenta a marcha trágica e penosa do vaqueiro Chico Bento com sua mulher e seus 5 filhos, representando os retirantes. Ele é forçado a abandonar a fazenda onde trabalhara. Junta algum dinheiro, compra mantimentos e uma burra para atravessar o sertão. Tinham o intuito de trabalhar no Norte, extraindo borracha. No percurso, em momento de grande fome, Josias, o filho mais novo, come mandioca crua, envenenando-se. Agonizou até a morte. O seu fim está bem descrito nessa passagem: 

"Lá se tinha ficado o Josias, na sua cova à beira da estrada, com uma cruz de dois paus amarrados, feita pelo pai. Ficou em paz. Não tinha mais que chorar de fome, estrada afora. Não tinha mais alguns anos de miséria à frente da vida, para cair depois no mesmo buraco, à sombra das mesma cruz." 

   Uma cena marcante na vida do vaqueiro foi a de matar uma cabra e depois descobrir que tinha dono. Este o chamou de ladrão, e levou o resto da cabra para sua casa, dando-lhes apenas as tripas para saciarem. Léguas após, Chico Bento dá falta do seu filho mais velho Pedro. Chegando ao Aracape, lugar onde supunha que ele pudesse ser encontrado, avista um compadre que era o delegado. Recebem alguns mantimentos mas não é possível encontrar o filho. Ficam sabendo que o menino tinha fugido com comboeiros de cachaça. Notem:

"Talvez fosse até para a felicidade do menino. Onde poderia estar em maior desgraça do que ficando com o pai?" 

   Ao chegarem no campo de concentração, são reconhecidos por Conceição, sua comadre. Ela arranja um emprego para Chico Bento e passa a viver com um de seus filhos. Conseguem também uma passagem de trem e viajam para São Paulo, desistindo de trabalhar com a borracha.

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