MODERNISMO - 1ª FASE: MÁRIO DE ANDRADE (continuação)

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 MACUNAÍMA, O HERÓI SEM NENHUM CARÁTER
 Por   Dácio Antônio de Castro e  Frederico Barbosa
 
 Mário de Andrade
 Vida e Obra
     Mário Raul de Morais Andrade nasceu na rua Aurora, na cidade de São Paulo, em 9 de outubro de 1893. Seu pai, o dr. Carlos Augusto de Andrade, de origem humilde, conseguira uma situação financeira estável através do próprio esforço e muito trabalho. Sua mãe, dona Maria Luísa, com quem Mário morou até o fim da vida, descendia de bandeirantes, mas não era rica. 
     Quando adolescente, era um estudante dispersivo, que tirava notas baixas e só se destacava em Português. Enquanto seus irmãos Carlos, mais velho e Renato, mais novo – pianista de talento, falecido ainda menino - eram elogiados,  Mário era considerado a ovelha negra da família. De repente, começou a estudar. Estudava música até nove horas por dia, lia muito e logo começou a ganhar fama de erudito. A família passou a admitir o seu talento, mas achava esquisitas sua preferências literárias. 
     Em 1917, morre seu pai. Mário conclui, neste mesmo ano, o curso de piano no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, publica seu livro de estréia Há uma Gota de Sangue em cada Poema e conhece Anita Malfatti e Oswald de Andrade.  
     Metódico e estudioso, torna-se Catedrático de História da Música, no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, em 1922, e, para sobreviver, ainda dá muitas aulas particulares de piano e escreve artigos de crítica para diversas publicações.  
     Participa, como um dos principais organizadores, da Semana de Arte Moderna, no Teatro Municipal de São Paulo, em 1922, e publica, neste mesmo ano, Paulicéia Desvairada (poesia), em que radicaliza as experimentações de vanguarda modernistas. Em 1927, publica Clã do Jabuti, em que trabalha poeticamente as tradições populares que pesquisava e o romance Amar, Verbo Intransitivo, em que critica a hipocrisia sexual da alta sociedade paulistana. 
     Em 1928, publica o romance Macunaíma, uma das obras-primas da literatura brasileira, em que reúne inúmeras lendas e mitos indígenas para compor a história do “herói sem nenhum caráter”, que, invertendo os relatos dos cronistas quinhentistas, vem da mata para a cidade de São Paulo. 
     Em 1934, é nomeado diretor do Departamento de Cultura do Município de São Paulo, onde permanece até 1938, quando muda-se para o Rio de Janeiro para ser catedrático de Filosofia e História da Arte e diretor do Instituto de Artes da Universidade do Distrito Federal. Não se adapta à mudança, vive deprimido e, “numa noite de porre imenso” bate com o punho na mesa do bar e fala para si mesmo: “Vou-me embora para São Paulo, morar na minha casa”. 
    Volta para São Paulo em 1940, trabalha no Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que ajudara a criar em 36, e viaja por todo o Estado de São Paulo, fazendo pesquisas. 
     Em 1942, publica O Movimento Modernista, famosa conferência, em que faz o balanço e a crítica de sua geração, “assinalando os erros do Modernismo, principalmente o que considera como “abstencionismo” diante dos graves problemas sociais do seu tempo”. Sua saúde, já frágil, piora a partir dessa época. Em 43, inicia a publicação das suas Obras Completas, planejada para sair em dezoito volumes.  
     Em 25 de fevereiro de 1945, aos 51 anos de idade, Mário de Andrade sofre um ataque cardíaco fulminante e morre, deixando inacabado o livro Contos Novos (1946) em que se destacam narrativas de inspiração freudiana, como “Vestida de Preto” e “Frederico Paciência”, e contos de preocupação social, como “O Poço” e “Primeiro de Maio”.  
     Como crítico literário seu legado é imenso. Em A escrava que não é Isaura (1925), por exemplo, reúne ensaios provocativos contra o passadismo. Já nos Aspectos da Literatura Brasileira (1943), aborda, de maneira bem menos passional, os mais importantes escritores da literatura brasileira.  
     Com sua morte precoce o Brasil ficou órfão de um dos seus mais fecundos, múltiplos e íntegros intelectuais que, certa feita, definiu-se como “trezentos, sou trezentos-e-cincoenta”. Números muito modestos, levando-se em conta sua importância para a cultura brasileira do século XX. 

O Brasil na década de 20
     A sociedade brasileira, no tempo em que surgiu Macunaíma, parecia bastante mudada. Já não tinha aquele ar de fazenda que respiramos durante 4 séculos. Havia muitas fábricas (principalmente em São Paulo), grandes aglomerados urbanos, com populações de quase 1 milhão de habitantes. O comércio e a indústria prosperavam rapidamente, graças ao mercado consumidor formado pelos moradores das cidades e pelos colonos de origem estrangeira. As mulheres fumavam, iam sozinhas ao cinema, exibiam as pernas. 
     Algo impressionava bastante os brasileiros daquele tempo: a velocidade dos meios de comunicação e transporte! Eram carros, bondes, trens, telégrafos, rádios, telefone… Empresas, bancos, bolsas de valores… 
     Desde 1922, o país parecia estar em ebulição: além da Semana de Arte Moderna, foi criado o Partido Comunista e iniciado o movimento tenentista, que, durante toda a década de 20, desafiou o governo federal. O clímax deste movimento foi a Coluna Prestes que percorreu 33 mil quilômetros do interior do Brasil, travando mais de 100 combates, em dois anos e meio (1924-1927). Arthur Bernardes e Washington Luís usaram todos os meios para combatê-la, lançando até o cangaceiro Lampião no seu encalço. A Coluna, porém, não teve força para derrubar o governo central, nem conseguiu rebelar o povo contra o regime. Esgotada, embora invicta, internou-se na Bolívia. No entanto, a imagem de Luís Carlos Prestes, com seus prodígios de técnica militar e de bravura pessoal, constituiu um mito que exerceu sobre os intelectuais de esquerda (entre os quais se incluíam Mário de Andrade, Murilo Mendes e Carlos Drummond de Andrade) uma grande fascinação. O tenentismo (com seus levantes ao longo da década) aliado à crise desencadeada pelo estouro da Bolsa de Nova Iorque em 1929, são fatos que se somam para derrubar a República Velha na triunfante Revolução de outubro de 1930. 

 A Semana de Arte Moderna (1922)
     A semana na realidade durou três dias. Mas nunca três dias abalaram tanto o mundo da arte brasileira. Nos dia 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922, sob o apadrinhamento do romancista pré-modernista Graça Aranha, os jovens paulistanos empenhados em revolucionar a arte apresentaram, pela primeira vez em conjunto, suas idéias de vanguarda.  
     A Semana, realizada no Teatro Municipal de São Paulo, foi aberta com a conferência A emoção estética na arte, de Graça Aranha, em que atacava o conservadorismo e o academicismo da arte brasileira. Seguiram-se leituras de poemas de, entre outros, Oswald de Andrade e Manuel Bandeira, que não pôde comparecer e cujo poema Os Sapos foi lido por Ronald de Carvalho sob um coro de coaxos e apupos.  
     Mário de Andrade leu seu ensaio “A escrava que não é Isaura” nas escadarias do teatro. Obras de Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Victor Brecheret e outros artistas plásticos e arquitetos foram expostas. Por fim, apresentaram-se a pianista Guiomar Novaes e o maestro e compositor Heitor Vila-Lobos, que não foi poupado das vaias. Como se vê, a recepção da Semana não foi tranqüila. As ousadias modernistas inquietavam e irritavam o público. 

Mário de Andrade e o Modernismo
   Foram a Semana de 22 e seus desdobramentos que projetaram Mário de Andrade como figura decisiva do movimento modernista. No processo de implantação da nova mentalidade cultural, Mário destacou-se como teorizador e ativista cultural. Com a determinação própria dos líderes que pretendem injetar uma nova consciência, multiplicou-se em músico, pesquisador de etnografia e folclore, poeta, contista, romancista, crítico de todas as artes, correspondente cultural que troca cartas com artistas novos consagrados, além de ter ocupado vários cargos na burocracia estatal, relacionados com o desenvolvimento da cultura em suas várias manifestações.  
     Era um sujeito muito sério, católico fervoroso, dotado de uma capacidade extraordinária de estudo e ação. Com carisma e afeto, conseguiu colocar a renovação modernista no trilho de um presente e de um futuro culturais marcados por um nacionalismo arejado e lúcido.  

  A síntese do romance – rapsódia
 Capítulo I - Macunaíma 
     Macunaíma, “herói de nossa gente” nasceu à margem do Uraricoera, em plena floresta amazônica. Descendia da tribo dos Tapanhumas e, desde a primeira infância, revelava-se como um sujeito “preguiçoso”. Ainda menino, busca prazeres amorosos com Sofará, mulher de seu irmão Jiguê, que só lhe havia dado pra comer as tripas de uma anta, caçada por Macunaíma numa armadilha esperta. Nas várias transas (“brincadeiras”) com Sofará, Macunaíma transforma-se num príncipe lindo, iniciando um processo constante de metamorfoses que irão ocorrer ao longo da narrativa: índio negro, vira branco, inseto, peixe e até mesmo um pato, dependendo das circunstâncias. 
 Capítulo II - Maioridade
     De tanto aprontar, foi abandonado pela mãe no meio do mato. Tremelicando, com as perninhas em arco, Macunaíma botou o pé na estrada até que topou com o Curupira e perguntou-lhe como faria para voltar pra casa. Maliciosamente, o Curupira ensina-lhe um caminho errado que Macunaíma, por preguiça, não seguiu. Escapando do monstro, o herói topou com uma voz que cantava uma toada lenta: era a cotia, que depois de ouvir o piá contar como enganara o Curupira, jogou-lhe em cima calda envenenada de mandioca. Isto fez Macunaíma crescer, atingindo o “tamanho dum homem taludo”.  
 Capítulo III – Ci, Mãe do Mato 
    Encontra Ci, a Mãe do Mato e inventa com ela lindas e novas maneiras de gozos de amor. O resultado desse idílio é o nascimento de um curumi, que morreu prematuramente depois de mamar no único peito de Ci, envenenado pela Cobra Preta. Enterrado o filho, Ci também resolveu deixar este mundo. Deu ao herói sua muiraquitã famosa e subiu pro céu por um cipó, transformando-se numa estrela. 
 Capitulo IV – Boiúna Luna 
    Tomado de tristeza, Macunaíma  despediu-se das Icamiabas e partiu rumo às matas misteriosas. No caminho, encontra Capei, monstro fantástico que abre a goela e solta uma nuvem de marimbondos. Nas lutas contra o monstro, Macunaíma perde seu talismã e fica sabendo, através de um uirapuru, que a tartaruga que engolira sua pedra tinha sido apanhada por um mariscador. Este vendera a muiraquitã a um rico fazendeiro chamado Venceslau Pietro Pietra, proprietário de uma mansão na rua Maranhão, em São Paulo. Macunaíma resolve, então, vir para a capital paulista recuperar sua muiraquitã.  
 Capítulo V - Piaimã  
     O herói junta seus irmãos e desce o Araguaia, com sua esquadra de igarités cheias de cacau. Em São Paulo, fica sabendo que Venceslau Pietro Pietra era o gigante Piaimã, comedor de gente, companheiro de uma caapora velha chamada Ceiuci, também antropófaga e muito gulosa. Esse capítulo apresenta uma das passagens mais saborosas do romance: a chegada de Macunaíma e seus irmãos à cidade de São Paulo. Nesse momento, Mário de Andrade inverte os relatos quinhentistas da Literatura Informativa. Aqui é o índio que se depara com a dita “civilização” e procura assimilá-la, digerindo-a com suas próprias enzimas culturais. 
Capítulo VI – A francesa e o gigante  
      Depois de uma tentativa de aproximação frustrada, Macunaíma resolve se vestir de francesa para conquistar Venceslau Pietro Pietra e reconquistar sua muiraquitã. O regatão não emprestou a pedra nem quis vendê-la. Mas deixou claro que poderia dá-la se a francesa resolvesse “brincar” com ele… Muito inquieto, Macunaíma foge, percorrendo, em louca correria, grande parte do território  brasileiro. 
Capítulo VII - Macumba  
     Como não tivesse força suficiente pra matar o gigante, Macunaíma vem para o Rio de Janeiro procurar o terreiro de macumba da tia Ciata. Pediu à macumbeira vários castigos pro gigante Piaimã que, além de receber a chifrada de um touro selvagem, é ferroado por quarenta mil formigas-de-fogo. 
 Capítulo VIII – Vei, a Sol  
     É também no Rio de Janeiro que Macunaíma reencontra a Vei, a deusa-sol que pretendia casar uma de suas três filhas com o herói. Embora tivesse prometido, Macunaíma não cumpriu a palavra empenhada: logo que anoiteceu, convidou uma portuguesa e brincou com ela na jangada. Depois foram descansar num  banco da avenida Beira-mar, no Flamengo, quando surgiu Mianiquê-Teibê, monstro de garras enormes com olhos no lugar dos peitos e duas bocarras nos pés, de dentes aguçados. Macunaíma saiu correndo pela praia; o monstro comeu a portuga e desapareceu. 
 Capítulo IX – Carta pras Icamiabas  
     O herói retorna a São Paulo e, saudoso, resolve escrever uma “carta pras icamiabas”, relatando como era sua vida em São Paulo. Faz, num satírico estilo beletrista, uma descrição da agitada vida paulistana, com seus arranha-céus, ruas “habilmente estreitas” cheias de gente, cinemas, casas de moda, ônibus, estátuas e jardim. Nesta pernóstica missiva, o corrupto Imperador faz questão de detalhar para as amazonas a prática constante de amores pecaminosos, tanto que ele até pensa em tirar proveito da exploração do lenocínio. Critica o capitalismo selvagem dos paulistas locomotivas e dos italianos arrivistas, destacando, horrorizado, ao final, uma curiosidade original deste povo: “falam numa língua e escrevem noutra”. Depois de abençoar as suas súditas, termina a carta, com a maior desfaçatez, pedindo mais uma “gaita” pras suas fiéis icamiabas. 
Capítulo X – Pauí-pódole  
      A surra que Venceslau Pietro Pietra recebeu de Exu foi tão violenta que ele ficou meses numa rede, travado pelos suplícios a que foi submetido. Sem poder readquirir a muiraquitã, Macunaíma ocupou-se então do complicado estudo das duas línguas da terra, “o brasileiro falado e o português escrito”. Interrompe um mulato pedante que fazia um verborrágico discurso sobre o Cruzeiro do Sul, falando que aquelas quatro estrelas que brilham no vasto campo do céu são, na verdade, o Pai do Mutum, figura zoocosmológica que teve seu corpo de ave metamorfoseado numa constelação.  
 Capítulo XI – A velha Ceiuci  
      Depois de ter passado a noite brincando com a patroa da pensão, Macunaíma falou pros seus irmãos Maanape e Jiguê que tinha achado “rasto fresco de tapir”, em pleno asfalto paulistano, junto à Bolsa de Mercadorias. Induziu seus irmãos a caçarem o animal e estes quase acabam sendo linchados pela multidão que se aglomerou pra assistir à caçada. Um estudante subiu na capota de um automóvel e discursou contra Maanape e Jiguê. Foi interrompido por Macunaíma que, tomado por um efêmero acesso de fraternidade, resolveu defender os irmãos entrando no meio da multidão e distribuindo rasteiras e cabeçadas até ser preso por um “grilo”, soldado da antiga guarda-civil de São Paulo. No meio da confusão, o herói conseguiu fugir e foi ver como passava o gigante Venceslau Pietro Pietra, ainda “convalescendo da sova apanhada na macumba”. Faz uma aposta com o curumi Chuvisco pra ver quem conseguia assustar o gigante e sua família. Perde a aposta e resolve fazer uma pescaria. Como não tivesse anzol, o herói se transforma numa “piranha feroz” pra cortar a linha de um inglês que pescava a seu lado. Acontece que a velha feiticeira Ceiuci, mulher do gigante, também costumava pescar no igarapé Tietê e prende o herói. Ao ser pescado pela tarrafa da feiticeira, Macunaíma vira um pato que devia ser logo comido. Além de brincar com a  filha mais moça de Ceiuci, ludibria-a e foge, montado “num cavalo castanho-pedrez que pra carreira Deus o fez”. É uma fuga espetacularmente surrealista: num momento está em Manaus e noutro em Mendoza, na Argentina. 
 Capítulo XII – Tequeteque, chupinzão e a injustiça dos homens  
     Desesperado porque ainda não conseguira reaver a muiraquitã, Macunaíma se disfarça de pianista e tenta, junto ao governo, uma bolsa de estudos na Europa, para onde Venceslau Pietro Pietra havia viajado. Não conseguindo a bolsa, sai a viajar com os manos pelo Brasil pra ver se acha “alguma panela com dinheiro enterrado”. Nestas andanças, encontra um macaco comendo coquinho baguaçu. Como estava com fome, o herói pergunta ao macaco o que estava comendo e ouve a seguinte resposta cínica: “-- Estou quebrando os meus toaliquiçus pra comer.” Macunaíma resolveu imitá-lo, agarrou um “paralelepípedo e juque! nos toaliquiçus. Caiu morto.” Só conseguiu ressuscitar graças à feitiçaria de Maanape, que colocou no lugar do órgão destruído dois cocos-da-baía. Depois “assoprou fumaça de cachimbo no defunto-herói” e este reanimou-se, tomando guaraná e uma dose de pinga. 
 Capítulo XIII – A piolhenta de Jiguê  
     Jiguê resolveu se amulherar com Suzi, cunhatã muito velhaca que passava todo o tempo namorando Macunaíma. Jiguê descobre, fica furioso, dá uma baita surra no herói e expulsa Suzi com uma porretada. Levada por seus piolhos, Suzi vai “pro céu virada na estrela que pula”. 
 Capítulo XIV - Muiraquitã  
      Maanape comunica ao herói a volta de Venceslau Pietro Pietra. Macunaíma enche-se de coragem e decide matar o gigante. Come cobra e, com muita esperteza, coloca Piaimã balançando num cipó de japecanga, embala-o com força e o gigante acaba caindo dentro de um buraco onde Ceiuci, a velha caapora, preparava uma imensa macarronada. O gigante cai na água fervente e o cheiro de seu couro cozido, além de matar todos os ticoticos da cidade, provoca o desmaio de Macunaíma. Quando se recupera, o herói apanha a muiraquitã e volta pra pensão. 
 Capítulo XV – A pacuera de Oibê  
       Morto Piaimã e reconquistada sua muiraquitã, Macunaíma, Maanape e Jiguê são novamente índios e resolvem voltar para o distante Uraricoera. O herói levava no peito “uma satisfação imensa”, mas não deixa de ter saudade de São Paulo. Tanto que levava consigo todas as coisas que mais o haviam entusiasmado na “civilização paulista”: um casal de legornes, um revólver Smith-Wesson e um relógio Patek. Um bando de aves forma uma grande tenda de asas coloridas que protegem o Imperador do Mato-Virgem. Nesta viagem de volta feliz, o herói teve novas aventuras amorosas, lembrando-se com saudade da vida dissoluta que levara em São Paulo: encontra-se com Iriqui (antiga companheira de Jiguê) e com uma linda princesa que tinha sido transformada num pé de carambola. Com sua muiraquitã, o herói faz uma mandinga e o caramboleiro vira “uma princesa muito chique”, com quem tem vontade de brincar, mas não pode, pois são perseguidos pelo Minhocão Oibê. Graças a uma nova mandinga, o herói transforma Oibê num cachorro-do-mato, de rabo cabeludo e goela escancarada. Como Macunaíma agora só queria brincar com a princesa, Iriqui fica tristíssima e sobe “pro céu, chorando luz, virada numa estrela”. 
 Capítulo XVI - Uraricoera  
      Finalmente, chega ao Uraricoera natal e, ao passar por um lugar chamado Pai da Tocandeira, reconhece suas raízes e chora: a maloca da tribo era agora uma tapera arruinada. Uma sombra leprosa devora seus irmãos e a princesa, e o herói fica “defunto sem choro, no abandono completo”, empaludado e sem forças para construir uma oca. Ata sua rede em dois cajueiros no alto da barranca junto do rio e assim passa seus dias “caceteado e comendo cajus”. Todas as aves também o abandonam, ficando somente um papagaio pra quem o herói conta todos os casos que lhe tinham acontecido. Graças a este papagaio é que se salvou do esquecimento a história do herói, parido por uma índia tapanhumas.  
 Capítulo XVII – Ursa maior  
       Num dia de janeiro de muito calor, o herói acorda sentindo umas “cosquinhas”, que até lhe parecem feitas “por mãos de moça”. Era a última vingança de Vei, a Sol, tramando para liquidá-lo de vez. Macunaíma lembra-se de que há muito não brincava e vai tomar banho num lagoão, pensando que a água fria viria amortecer seus desejos de amor. O herói, encaminhando-se para a água, enxerga lá no fundo “uma cunhã lindíssima”, ora branca de cabelos louros, ora morena de cabelos negros, que começa a tentá-lo com danças e meneios. Macunaíma hesita, temeroso, mas acaba mergulhando na lagoa, desvairado pelos encantos irresistíveis da uiara. Esta o mutila, devorando-lhe uma perna, os brincos, os cocos-da-baía, as orelhas, os dedões, o nariz e os beiços. Desaparece também com sua muiraquitã: o herói pula e dá “um grito que encurtou o tamanho do dia”. Tem ainda força para lançar plantas venenosas no lagoão, matando peixes, piranhas e botos que lá estavam. No afã de recuperar seus tesouros, Macunaíma abre-lhe as barrigas e o que encontra reprega no corpo mutilado, com sapé e cola de peixe. Não consegue, todavia, reconquistar a perna nem a muiraquitã, “engolidas pelo monstro Ururau”. E assim tudo se acaba. Macunaíma, mutilado, vai bater na casa do Pai Mutum, que, com dó dele, faz uma feitiçaria e transforma-o na constelação da Ursa Maior. “Ia pro céu viver com a marvada. Ia ser o brilho bonito mas inútil porém de mais uma constelação.” Neste balanço que Macunaíma faz de sua existência, ele dialoga com sua consciência e deixa sua mensagem para a posteridade: “Não vim no mundo para ser pedra”. A pedra simboliza disciplina rígida, método, lapidação de caráter, traços que Macunaíma, a própria encarnação da esperteza e da improvisação, nunca quis assumir.  
 Epílogo  
      “Acabou-se a história e morreu a vitória”. Os filhos da tribo dos Tapanhumas “se acabaram de um em um”. “Uma feita um homem foi lá” e, rompendo o “silêncio enorme” que “dormia à beira-rio do Uraricoera”, ouve-se:  
-- “Curr-pac, papac! curr-pac, papac!…”  
     Era o papagaio ao qual Macunaíma havia contado toda a sua história. “Então o pássaro principiou falando numa fala mansa, muito nova, muito!”  
“Tudo ele contou pro homem e depois abriu asa rumo de Lisboa. E o homem sou eu, minha gente, e eu fiquei pra vos contar a história. Por isso que vim aqui. Me acocorei em riba destas folhas, catei meus carrapatos, ponteei na violinha e em toques rasgado botei a boca no mundo cantando na fala impura as frases e os casos de Macunaíma, herói da nossa gente”. Era o próprio Mário de Andrade. “Tem mais não”. 

 Macunaíma - Estudo e Resumo da Obra

www.angelfire.com/mn/macunaima/

 Análise da Obra
 Macunaíma e a renovação da linguagem literária 
     Publicado em 1928, numa tiragem de apenas oitocentos exemplares (Mário de Andrade não conseguira editor), Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, é uma das obras pilares da cultura brasileira.  
     Numa narrativa fantástica e picaresca, ou, melhor dizendo, “malandra”, herdeira direta das Memórias de um Sargento de Milícias (1852) de Manuel Antônio de Almeida, Mário de Andrade reelabora literariamente temas de mitologia indígena e visões folclóricas da Amazônia e do resto do país, fundando uma nova linguagem literária, saborosamente brasileira.  
     Macunaíma - bem como Memórias Sentimentais de João Miramar (1924) e Serafim Ponte Grande (1933), de Oswald de Andrade - foram obras revolucionárias na medida em que desafiaram o sistema cultural vigente, propondo, através de uma nova organização da linguagem literária, o lançamento de outras informações culturais, diferentes em tudo das posições mantidas por uma sociedade dominada até então pelo reacionarismo e o atraso cultural generalizado.  
     Nacionalista crítico, sem xenofobia, Macunaíma é a obra que melhor concretiza as propostas do movimento da Antropofagia (1928), criado por Oswald de Andrade, que   buscava uma relação de igualdade real da cultura brasileira com as demais. Não a rejeição pura e simples do que vem de fora, mas consumir aquilo que há de bom na arte estrangeira. Não evitá-la, mas, como um antropófago, comer o que mereça ser comido.  
    O tom bem humorado e a inventividade narrativa e lingüística fazem de Macunaíma uma das obras modernistas brasileiras mais afinadas com a literatura de vanguarda no mundo, na sua época. Nesse romance encontram-se dadaísmo, futurismo, expressionismo e surrealismo aplicados a um vasto conhecimento das raízes da cultura brasileira.  

A rapsódia  
     Mário de Andrade nos conta que escreveu Macunaíma em seis dias, deitado, bem à maneira de seu herói, em uma rede na “Chácara de Sapucaia”, em Araraquara, SP. Diz ainda: “Gastei muito pouca invenção neste poema fácil de escrever (…). Este livro afinal não passa duma antologia do folclore brasileiro.”  A obra, composta em apenas seis dias, é fruto de anos de pesquisa das lendas e mitos indígenas e folclóricos que o autor reúne utilizando a linguagem popular e oral de várias regiões do Brasil.  
    Trata-se, por isso mesmo, de uma rapsódia. Assim os gregos designavam obras como a Ilíada ou a Odisséia de Homero, que reúnem séculos de narrativas poéticas orais, resumindo as tradições folclóricas de todo um povo. Para o musicólogo Mário de Andrade, o termo certamente remete às fantasias instrumentais que utilizam temas e processos de composição improvisada, tirados de cantos tradicionais ou populares, como as rapsódias húngaras de Liszt.  
Segundo Oswald de Andrade, “Mário escreveu nossa Odisséia e criou duma tacapada o herói cíclico e por cinqüenta anos o idioma poético nacional”.  
     É importante notar que, além de relatar inúmeros mitos recolhidos e diversas fontes populares, Mário de Andrade também inventa, de maneira irônica,  vários mitos da modernidade. Apresenta, entre outros,  os mitos da criação do futebol, do truco, do gesto da “banana” ou do termo “Vá tomar banho!” Há, em Macunaíma, portanto, além da imensa pesquisa, muita invenção.  

As fontes   
       Mário de Andrade nunca escondeu que tomou como fonte principal para a redação de Macunaíma a obra Vom Roroima zum Orinoco (Do Roraima ao Orenoco) de Theodor Koch-Grünberg, publicada, em cinco volumes, entre 1916 e 1924. Graças ao monumental trabalho de Manuel Cavalcanti Proença, Roteiro de Macunaíma, podemos acompanhar como o escritor paulista foi reelaborando as narrativas colhidas na obra do alemão, mesclando-a a outras fontes, como livros de Capistrano de Abreu, Couto Magalhães, Pereira da Costa ou mesmo relatos orais, como o que o grande compositor Pixinguinha lhe fez de uma cerimônia de macumba, para ir tecendo sua rapsódia.  
     Nas lendas de heróis taulipang e arecuná, apresentadas por Koch-Grünberg, Mário de Andrade encontrou o herói Macunaíma, que, segundo o estudioso alemão, “ainda era menino, porém mais safado que todos os outros irmãos.”  
 Nas palavras do poeta-crítico Haroldo de Campos:  
    “O próprio Koch-Grünberg, em sua “Introdução” ao volume, ressalta a ambigüidade do herói, dotado de poderes de criação e transformação, nutridor por excelência, ao mesmo tempo, todavia, malicioso e pérfido. Segundo o etnógrafo alemão, o nome do supremo herói tribal parece conter como parte essencial a palavra MAKU, que significa “mau” e o sufixo IMA, “grande”. Assim, Macunaíma significaria “O Grande Mau”, nome – observa Grünberg – “que calha perfeitamente com o caráter intrigante e funesto do herói”. Por outro lado, os poderes criativos de Macunaíma levaram os missionários ingleses em suas traduções da Bíblia para a língua indígena a denominar o Deus cristão pelo nome do contraditório herói tribal, decisão que Koch-Grünberg comenta criticamente”.  

   O herói sem nenhum caráter   
      Foi, portanto, na obra do etnólogo alemão que Mário de Andrade, paradoxal e muito antropofagicamente, encontrou a essência do brasileiro. O próprio autor de Macunaíma, em prefácio que nunca chegou a publicar com o livro, nos conta como ocorreu a descoberta:  
     “O que me  interessou por Macunaíma foi incontestavelmente a preocupação em que vivo de trabalhar e descobrir o mais que possa a entidade nacional dos brasileiros. Ora depois de pelejar muito verifiquei uma coisa que me parece certa: o brasileiro não tem caráter. Pode ser que alguém já tenha falado isso antes de mim porém a minha conclusão é uma novidade para mim porque tirada da minha experiência pessoal. E com a palavra caráter não determino apenas uma realidade moral não, em vez entendo a entidade psíquica permanente, se manifestando por tudo, nos costumes na ação exterior no sentimento na língua na História na andadura, tanto no bem como no mal. O brasileiro não tem caráter porque não possui nem civilização própria nem consciência tradicional.   
     Os franceses têm caráter e assim os jorubas e os mexicanos. Seja porque civilização própria, perigo iminente, ou consciência de séculos tenham auxiliado, o certo é que esses uns têm caráter. Brasileiro não. Está que nem o rapaz de vinte anos: a gente mais ou menos pode perceber tendências gerais, mas ainda não é tempo de afirmar coisa nenhuma. […] Pois quando matutava nessas coisas topei com Macunaíma no alemão de Koch-Grünberg. E Macunaíma é um herói surpreendentemente sem caráter. (Gozei)”  
     As metamorfoses pelas quais passa a personagem, de sabor surrealista, podem muito bem ser associadas à sua “falta de caráter”, assim como o fascínio que revela pela “língua de Camões”, na Carta pras Icamiabas.  
  
   Foco Narrativo  
     Embora predomine o foco da 3a pessoa, Mário de Andrade inova utilizando a técnica cinematográfica de cortes bruscos no discurso do narrador, interrompendo-o para dar vez à fala dos personagens, principalmente Macunaíma. Esta técnica imprime velocidade, simultaneidade e continuidade à narrativa. Exemplo:  
     “Lá chegado ajuntou os vizinhos, criados a patroa cunhãs datilógrafos estudantes empregados-públicos, muitos empregados-públicos! Todos esses vizinhos e contou pra eles que tinha ido caçar na feira do Arouche  e matara dois…   
     -- …mateiros, não eram viados mateiros, não, dois viados catingueiros que comi com os manos. Até vinha trazendo um naco pra vocês mas porém escorreguei na esquina, caí derrubei o embrulho e o cachorro comeu tudo.”
(Cap. XI – A Velha Ceiuci)

  Espaço e tempo
     As estripulias sucessivas de Macunaíma são vividas num espaço mágico, próprio da atmosfera fantástica e maravilhosa em que se desenvolve a narrativa. Em seu Roteiro de Macunaíma, mestre Cavalcanti Proença afirma que Macunaíma se aproxima da epopéia medieval, pois “tem de comum com aqueles heróis a sobre-humanidade e o maravilhoso. Está fora do espaço e do tempo. Por esse motivo pode realizar aquelas fugas espetaculares e assombrosas em que, da capital de São Paulo foge para a Ponta do Calabouço, no Rio, e logo já está em Guarajá-Mirim, nas fronteiras de Mato Grosso e Amazonas para, em seguida, chupar manga-jasmim em  Itamaracá de Pernambuco, tomar leite de vaca zebu em Barbacena, Minas Gerais, decifrar litóglifos na Serra do Espírito Santo e finalmente se esconder no oco de um formigueiro, na Ilha do Bananal, em Goiás”.  
     Macunaíma é um personagem outsider, enquanto marginal, anti-herói, fora-da-lei, na medida em que se contrapõe a uma sociedade moderna, organizada em um sistema racional, frio e tecnológico. Assim, o tempo é totalmente subvertido na narrativa. O herói do presente entra em contato com figuras do passado, estabelecendo-se um curioso “diálogo com os mortos”: Macunaíma fala com João Ramalho (séc. XVI), com os holandeses (séc. XVII), com Hércules Florence (séc. XIX) e com Delmiro Gouveia (pioneiro da usina hidrelétrica de Paulo Afonso e industrial nordestino que criou a primeira fábrica nacional de linhas de costura).  

Enumerações e Desregionalização  
     Chama a atenção do leitor atento, em Macunaíma, a abundância de enumerações.  
     Já na primeira página do romance encontramos a enumeração das danças tribais: “freqüentava com aplicação a murua a poracê o torê o bacorocô a cucuicogue, todas essas danças religiosas da tribo.”  
     Tais listas colocam em evidência o trabalho de pesquisa de Mário de Andrade, que nelas freqüentemente mistura elementos de diversas regiões do país, ao buscar desregionalizar sua obra, procurando “conceber literariamente o Brasil como entidade homogênea – um conceito étnico nacional e geográfico”.  A grande estudiosa da obra de Mário, Telê Porto Ancona Lopez, resume bem o problema:  
     “Mário de Andrade realizava em suas leituras, pesquisa de palavras, termos e expressões características dos diversos recantos do Brasil. Grifava e recolhia. Depois os empregava, nos conjuntos os mais heterogêneos, procurando anular as especificações do regional, e dar uma visão geral de Brasil (…). É pois, graças à coleta de palavras que Mário de Andrade desenvolve, que Macunaíma pode apresentar tão freqüentes enumerações de aves, peixes, insetos ou frutas. Essas enumerações, além de válidas para a quebra do regionalismo, contribuem para a criação de ritmo de embolada, alternando sílabas longas e breves, no trecho em que se inserem. Ritmo procurado, aliás, porque o autor não usa vírgulas.”  
     É importante ressaltar que tais listagens não devem afastar o leitor, que muitas vezes se assusta com tantos nomes “estranhos”. Eles precedem sempre uma definição generalizadora como “todas essas danças religiosas da tribo”. Assim, o leitor não deve se apavorar com a nomenclatura desconhecida e pode deixar a leitura fluir, sem necessariamente recorrer ao dicionário para verificar todos os termos – mesmo porque não vai encontrar a maioria deles.  

   A Carta pras Icamiabas  
     Precisamente no meio da narrativa, no Capítulo IX da obra, encontramos um “Intermezzo”, como o chamava o autor. Trata-se da “Carta pras Icamiabas”, sátira feroz ao beletrismo parnasiano da época. Macunaíma escreve a suas súditas para descrever-lhes a cidade de “São Paulo construída sobre sete colinas, à feição tradicional de Roma, a cidade cesárea, “capita” da Latinidade de que provimos".  Mário de Andrade inverte, aqui, portanto, os relatos dos cronistas quinhentistas, como Pero Vaz de Caminha, Gabriel Soares de Sousa ou Pero de Magalhães Gandavo. Agora é o índio que descreve a terra desconhecida para seus pares distantes. Sem caráter, Macunaíma o faz tomando emprestada a linguagem rebuscada de um Rui Barbosa ou de um Coelho Neto. A paródia torna-se hilariante devido aos erros grosseiros cometidos pelo falso erudito , que escreve asneiras como “testículos da Bíblia” por “versículos”ou “ciência fescenina” por “feminina”.  
     Com seu estilo pomposo, Macunaíma enuncia, na Carta pras Icamiabas, o slogan que irá adotar para definir os problemas do Brasil:  
     “Tudo vai num descalabro sem comedimento, estamos corroídos pelo morbo e pelos miriápodes! Em breve seremos novamente uma colônia da Inglaterra ou da América do Norte!... Por isso e para eterna lembrança destes paulistas, que são a única gente útil do país, e por isso chamados de Locomotivas, nos demos ao trabalho de metrificarmos um dístico, em que se encerram os segredos de tanta desgraça:   
 "POUCA SAÚDE E MUITA SAÚVA,   
 OS MALES DO BRASIL SÃO." 
      Este dístico é que houvemos por bem escrevermos no livro de Visitantes Ilustres do Instituto Butantã, quando foi da nossa visita a este estabelecimento famoso na Europa."  
      O slogan recupera conhecido poema de Gregório de Matos (1636-1695), em que o poeta satírico baiano enumera as vilezas do país, terminando cada estrofe com o irônico refrão: “Milagres do Brasil são.” Remete, também, à frase do cronista Saint-Hilaire: “Ou o Brasil acaba com a saúva ou a saúva acaba com o Brasil”. 
www.angelfire.com/mn/macunaima/ 

"MACUNAÍMA" - ANÁLISE DA OBRA DE MARIO DE ANDRADE
      Com uma narrativa de caráter mítico, em que os acontecimentos não seguem as convenções realistas, a obra procura fazer um retrato do povo brasileiro, por meio do “herói sem caráter”.
Rapsódia
    "Macunaíma" é fruto do conhecimento reunido por Mario de Andrade acerca das lendas e mitos indígenas e folclóricos. Dessa forma, pode-se dizer que a obra é uma rapsódia, que é uma palavra que vem do grego e designa obras tais como a Ilíada e a Odisséia de Homero. Para os gregos, uma rapsódia é uma obra literária que condensa todas as tradições orais e folclóricas de um povo. Além disso, na música (Mario de Andrade tinha formação musical também) uma rapsódia utiliza contos tradicionais ou populares de certo povo em temas de composição improvisada.
     Há, ainda, uma aproximação ao gênero épico: à medida que o livro narra, em trechos fragmentados, a vida de um personagem que simboliza uma nação. Sobre a acepção musical dada pelo dicionário, chama atenção o improviso da narrativa, que impressiona e surpreende a cada momento, tendo como pano de fundo a cultura popular.
    O enredo dessa rapsódia pode tornar-se confuso ao leitor acostumado ao pacto de verossimilhança realista. Por exemplo, é necessário aceitar o fato de o protagonista morrer duas vezes no romance; ou, então, que Macunaíma, em uma fuga, possa estar em Manaus e, algumas linhas depois, aparecer na Argentina; ou ainda o fato de o herói encontrar uma poça que embranquece quem nela se banha.
     A verossimilhança em questão é surrealista e deve ser lida de forma simbólica. A cena em que Macunaíma e seus dois irmãos se banham na água que embranquece pode ser entendida como o símbolo das três etnias que formaram o Brasil: o branco, vindo da Europa; o negro, trazido como escravo da África; e o índio nativo. Nessa cena, Macunaíma é o primeiro a se banhar e torna-se loiro. Jiguê é o segundo, e como a água já estava “suja” do negrume do herói, fica com a cor de bronze (índio); por último, Manaape, que simboliza o negro, só embranquece a palma das mãos e a sola dos pés.
Retrato do povo brasileiro
     O livro faz parte da primeira fase modernista – a fase heroica. A influência das vanguardas europeias é visível em várias técnicas inovadoras de linguagem que a obra apresenta. Por isso, "Macunaíma" pode oferecer algumas dificuldades ao leitor desavisado.
    Há inúmeras referências ao folclore brasileiro. A narrativa se aproxima da oralidade – no capítulo “Cartas pras Icamiabas”, Macunaíma ironiza o povo de São Paulo, que fala em uma língua e escreve em outra. Além disso, não existe verossimilhança realista.
    Alguns aspectos históricos motivaram Mário de Andrade a criar tais “empecilhos”. A referência ao folclore brasileiro e à linguagem oral é manifestação típica da primeira fase modernista, quando os escritores estavam preocupados em descobrir a identidade do país e do brasileiro. No plano formal, essa busca se dá pela linguagem falada no Brasil, ignorando, ou melhor, desafiando o português lusitano. No plano temático, a utilização do folclore servia como matéria-prima dessa busca.
    "Macunaíma" é, portanto, uma tentativa de construção do retrato do povo brasileiro. Essa tentativa não era nova. O autor romântico José de Alencar, por exemplo, tivera a mesma intenção ao criar, no romance O Guarani, o personagem Peri, índio de aspirações nobres, que se assemelhava, em relação a sua conduta ética, a um cavaleiro medieval lusitano. Não é exagero dizer, se compararmos Peri a Macunaíma, que esse é o oposto daquele. Enquanto o primeiro é valente, extremamente perseverante e encontra suas motivações nos valores da ética e da moral, Macunaíma, além de indolente, conduz a maioria de seus atos movido pelo prazer terreno, mundano. É “o herói sem nenhum caráter”.
    Assim, "Macunaíma" é uma obra que busca sintetizar o caráter brasileiro, segundo as convicções da primeira fase modernista. Uma leitura possível é a de que o povo brasileiro não tem um caráter definido e o Brasil é um país grande como o corpo de Macunaíma, mas imaturo, característica que é simbolizada pela cabeça pequena do herói.
Narrador
     A crítica literária contemporânea faz questão de considerar a diferença entre o autor e o narrador: esse é tido como uma criação daquele. No caso de "Macunaíma", no entanto, essa distinção pode ser questionada, quando o narrador aparece no último capítulo. No “Epílogo”, o narrador revela que a história que acabara de narrar havia sido contada por um papagaio, que, por sua vez, a tinha ouvido de Macunaíma: “Tudo ele – o papagaio – contou pro homem e depois abriu asa rumo a Lisboa. E o homem sou eu, minha gente, e eu fiquei pra vos contar a história”. Essa interferência do narrador, da forma como foi feita, aproxima-o do autor, no caso Mário de Andrade.
Tempo e espaço
    Por tratar-se de uma narrativa mítica, o tempo e o espaço da obra não estão precisamente definidos, tendo como base a realidade. Pode-se dizer apenas que o espaço é prioritariamente o espaço geográfico brasileiro, com algumas referências ao exterior, enquanto o tempo cronológico da narrativa se mostra indefinido.
Comentário do professor
     O prof. Marcílio Lopes Couto, do Colégio Anglo, ressalta que "Macunaíma" é uma obra inserida nas propostas da Semana de Arte Moderna de 1922. Mario de Andrade, assim como outros modernistas, busca resgatar a imagem do Brasil, sendo, portanto, uma obrar com caráter nacionalista. Porém, esse nacionalismo não é dado da mesma forma que o nacionalismo dos escritores do Romantismo, que usavam a figura idealizada do índio. Em Macunaíma o nacionalismo tem um caráter crítico e a figura do índio aparece causando uma reflexão sobre o que é ser brasileiro.
     Além disso, o prof. Marcílio também destaca que pretendia-se criar uma literatura brasileira, resgatando a brasilidade através das lendas e folclores de raiz latino-americana (principalmente indígenas), e moderna. O caráter “moderno” da obra se dá principalmente através do aspecto formal do texto, com uma linguagem coloquial, que foge da norma culta e de qualquer erudição vazia. Outro ponto destacado pelo professor, é que o estranhamento causado pela leitura de "Macunaíma" muitas vezes se deve ao distanciamento que temos das lendas e folclores latino-americanos.
     Por fim, o prof. Marcílio acredita que, devido à importância que o aspecto formal tem na obra, o vestibular pode exigir conhecimentos referentes a linguagem utilizada e a própria maneira como o autor escreve o livro. Um exemplo seria a utilização do famoso capítulo IX, “Carta para Icamiabas”, para discutir estes aspectos formais. Nesse capítulo, Macunaíma está em São Paulo e escreve uma carta para as Icamiabas (índias da qual Macunaíma seria o rei) utilizando o português erudito. Porém, Macunaíma não domina as normas da língua escrita e acaba cometendo alguns deslizes, o que causa um efeito cômico. O vestibular poderia pedir para o aluno justificar a presença dessa carta no livro e qual a coerência com o restante da obra.s
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MÁRIO DE ANDRADE: DA TEORIA À PRÁTICA: UMA LEITURA DA POLIFONIA POÉTICA EM POEMAS DE PAULICÉIA DESVAIRADA
Regina Célia dos Santos Alves¹
Centro de Letras e Ciências Humanas – Universidade Estadual de Londrina (UEL)

Resumo. O presente trabalho analisa alguns poemas de Paulicéia Desvairada, de  Mário de Andrade, no sentido de mostrar como alguns conceitos teóricos presentes na crítica do escritor modernista, sobretudo no que se refere àquilo que chama de “polifonia poética”, manifestam-se em seus poemas.
Palavras-chave. Mário de Andrade; Modernismo; crítica literária; polifonia poética.

    A prática da crítica literária por escritores não é algo recente. Ao contrário, como afirma Jean-Ives Tadié, “a crítica dos artistas abrange toda a história da literatura” (1987:10), tornando-se um exercício ainda mais sistemático no século XX. A intensificação desse tipo de crítica em tal século deve-se, conforme mostra Leyla
Perrone-Moisés, a um mal-estar da avaliação manifesto desde o Romantismo, quando os princípios, as regras e os valores literários deixaram de ser predeterminados pelas Academias ou por outro tipo de autoridade (1998:11). Em razão disso, a crítica dos escritores pode ser definida como uma característica da modernidade.
    Embora não seja uma atividade recente, mas em vista do crescimento da mesma no século passado, o estudo da produção crítica de escritores tem atraído os pesquisadores, ainda que vozes dissonantes possam não aceitar sua validade, como faz Malraux no prefácio para Sangue Negro, de Guilloux:
     Não acredito na crítica dos escritores. Não contam com a oportunidade  de falar, a não ser sobre alguns poucos livros; se o fazem, é, portanto, conseqüência de amor ou rancor. Às vezes, para defender seus valores.” (MALRAUX, apud TADIÉ, 1987:10)
     Mais comum que a postura de Malraux, no entanto, é o posicionamento favorável à crítica dos escritores, vistas por muitos, como T. S. Eliot, Roland Barthes,  Leyla Perrone-Moisés, Osman Lins, só para citar alguns, como, via de regra, mais lúcida, independente e funcional que aquela freqüentemente praticada pela crítica
institucional.
     Paradoxalmente, o comentário de Malraux serve-nos, ao contrário do que pretendia o autor, para mostrar a validade e alguns dos principais aspectos da crítica dos artistas, quais sejam: a parcimônia, a mobilidade e o objetivo, aspectos estes que ressoam na fala de Leyla Perrone-Moisés em defesa da crítica dos escritores:
... o discurso crítico dos escritores é o mais investido, o mais interessado, o mais implicado e o de maiores conseqüências: porque orienta a produção de suas próprias obras, dando assim continuidade à Literatura. (1982:07. Grifo da autora.)
      A tripla adjetivação usada por Leyla Perrone, “investido”, “interessado” e “implicado”, registra a funcionalidade do discurso crítico dos escritores, além do compromisso dessa crítica com a própria sobrevivência da literatura, uma vez que teria como princípio o norteamento do fazer literário.
     Em outro estudo da mesma autora, o valor e a validade da crítica dos artistas ganham ainda mais destaque à medida em que se contrapõe a crítica dos escritores à crítica institucional:
    Escrevendo sobre as obras de seus predecessores e contemporâneos, os escritores buscam esclarecer sua própria atividade e orientar os rumos da escrita subseqüente. A crítica dos escritores não visa simplesmente auxiliar e orientar o leitor (finalidade da crítica institucional), mas visa principalmente estabelecer critérios para nortear uma ação: sua própria escrita, presente e imediatamente futura. Nesse sentido, é uma crítica que confirma e cria valores. Enquanto acrítica literária institucional, na sua vertente universitária, tornou-se cada vez mais analítica (com pretensões à ciência) e cada vez menos judicativa, a crítica dos escritores lida diretamente com os valores e exerce, sem pudores, a faculdade de julgar. (1998:11)
    O posicionamento favorável à crítica dos escritores é evidente no comentário de Leyla Perrone-Moisés. Destaca-se, de seu pensamento, o fato de que o escritor é e rígido à posição de leitor e juiz privilegiado, pois o diferencial de seu discurso crítico originas e de seu envolvimento especial com a linguagem em suas várias potencialidades. Sob esse aspecto, podemos observar na crítica dos escritores o caráter artístico destacado por Jean-Ives Tadié, visto que a leitura crítica dos artistas é enriquecida pela experiência poética e marca sobremaneira seus objetivos: “a crítica dos artistas é uma obra de arte, ar e construção de um estilo por outro, a metamorfose de uma linguagem em outra”(1987:11).O comentário de Tadié vai ao encontro de uma concepção encontrada em Barthes, para quem a crítica está submetida às mesmas exigências da linguagem literária. Da mesma forma que esta não pode dizer o mundo a crítica também não pode
dizer a obra, mas apenas construir significados para a mesma. Não sendo mais que uma linguagem, uma metalinguagem, deve sempre caminhar num duplo sentido, ou seja, ser crítica da obra e crítica de si mesma para que, dessa forma, seja o “conhecimento do outro e co-nascimento de si mesmo ao mundo” (1970:160). Participa, assim, do mesmo sistema deceptivo que a literatura, pois seu sentido está, da mesma forma, suspenso.
     No Brasil, vários são os escritores que se ocuparam ou se ocupam com a atividade crítica, seja de maneira sistemática ou esporádica. Também aqui observamos uma freqüência maior desse exercício a partir do século XX, embora tenhamos, no século anterior, grandes escritores, como Machado de Assis, por exemplo, que também fizeram crítica literária.
    No presente trabalho, o objetivo é mostrar como alguma reflexões críticas e teóricas de Mário de Andrade – um dos maiores expoentes do modernismo brasileiro, senão o maior – presentes sobretudo no “Prefácio Interessantíssimo”, de Paulicéia Desvairada (1922) e em A escrava que não é Isaura (1925), obras nas quais nos centraremos, revelam-se na própria construção poética de seus textos.
    A fim de desenvolver a idéia exposta, optamos por analisar dois poemas de Paulicéia Desvairada, considerada a primeira obra de Mário em que princípios e ideais modernistas se fazem notar de maneira evidente. Em razão dos limites impostos ao trabalho, centraremos nossa atenção apenas em um dos aspectos destacados por Mário de Andrade em suas reflexões teóricas sobre a fatura da poesia modernista, a saber, a polifonia poética. Nesse sentido, selecionamos os poemas “Inspiração” e “Tietê”, nos quais o polifonismo, conforme descrito por Mário, aparece de modo contundente.
    Cabe lembrar que nossa intenção, aqui, não é julgar a qualidade estética dos poemas, mas avaliar o modo como são construídos a partir da teoria poética de Mário de Andrade no “Prefácio Interessantíssimo” e em A escrava que não é Isaura.
    Embora Mário de Andrade seja, sem sombra de dúvida, conhecido muito mais por seus escritos literários, foi, além disso, um incansável pensador da literatura e da cultura brasileiras, apresentando paralelamente à prática literária o exercício da crítica.
    De acordo com Joan Dassin, “enquanto teórico de sua geração modernista, Mário formulou as questões mais relevantes para sua própria carreira e para o artista brasileiros em geral” (1978:78). O comentário da pesquisadora ilustra com clareza a importância da as reflexões críticas e teóricas de Mário, da mesma forma que aponta para envolvimento, conforme mostramos, da crítica dos escritores com o caminhar, com o futuro da própria literatura, ou seja, a crítica passa a funcionar não apenas como um julgamento e uma interpretação de obras alheias, mas exerce a função de orientadora de fazer literário do próprio escritor e de seus contemporâneos.
    Importa notar que, não obstante o pensamento estético de Mário de Andrade ter sido marcado durante toda a sua vida por tensões e contradições das quais o autor não conseguiu se libertar, pelo menos em suas formulações críticas e teóricas, uma vez que não conseguiu encontrar, de acordo com João Luiz Lafetá (2000), uma solução dialética para o impasse que percorreu suas reflexões por toda a vida, ou seja, a conciliação entre o projeto estético e o projeto ideológico, ele representa (...) o esforço maior e mais bem-sucedido, em grande parte vitorioso, para ajustar numa posição única e coerente os dois projetos do Modernismo, compondo na mesma linha a revolução estética e a ideológica, a renovação dos procedimentos literários e a redescoberta do país, a linguagem da vanguarda e a formação de uma linguagem nacional. (2000:153)
     A despeito da importância inegável das reflexões estéticas de Mário de Andrade, por vezes a crítica acerca do escritor aponta como traço negativo de seu pensamento um forte psicologismo de clara raiz romântica, conforme mostra Luiz Costa Lima (1995).
     Tal afirmação parece apenas em parte verdadeira, pois desvincula o psicologismo, acentuado em Mário, de sua conciliação com os anseios e as exigências da modernidade. Assim, a pulsão subconsciente, exaustivamente apontada no “Prefácio” e na Escrava como força motriz do ato criador, não se esgota nela mesma e nem representa, aos moldes românticos, uma priorização da inspiração. Ao contrário, vale e adquire importância no pensamento teórico de Mário na medida em que se vincula a um projeto estético, cujos ideais estão tanto nas aspirações particulares do modernismo brasileiro quanto nas influências recebidas das orientações advindas das vanguardas européias do início do século XX.
      É nesse sentido que João Luiz Lafetá afirma que (...) registro psicológico e ruptura da linguagem não vão juntos fortuitamente: ao desmascaramento da linguagem artificiosa, o desnudamento das sensações corresponde ao desnudar-se dos procedimentos, ao strep-tease a que Rimbaud obriga a escrava que não é Isaura.
     Assim, o psicologismo se justifica e se legitima. A “grafia do lirismo” é comparável ao processo da escrita automática dos surrealistas: em ambos os casos, e apesar das diferenças que existem entre as duas técnicas, trata-se de multiplicar as significações das palavras até sentir-se esfumaçada a falsa significação unívoca.
    O “Harmonismo” e o “polifonismo” teorizados por Mário no “Prefácio” e na  Escrava abrem o texto e seu sentido à participação do leitor; (...) (2000:167)
     Tanto no “Prefácio Interessantíssimo” quanto em A escrava que não é Isaura há um esforço de Mário em definir o processo de criçação artística, tanto no que diz respeito ao criador quanto aos procedimentos técnicos de fatura do literário.
      Já no “Prefácio”, de 1922, as duas noções básicas que norteiam o pensamento de Mário, o criador e a criação, são o ponto de partida para suas discussões teóricas. Logo no início do texto, a poesia é concebida como soma de Arte e Lirismo:
  Acredito que o lirismo, nascido no
 Subconsciente, acrisolado num pensamento claro
Ou confuso, cria frases que são verso inteiros,
Sem prejuízo de medir sílabas, com
Acentuação determinada. (...)
 A inspiração é fugaz, violenta.
Qualquer
Impecilho a perturba e mesmo emudece. Arte,
Que, somada a Lirismo, da Poesia, ... (2005:63)7)
         A orientação psicologizante do pensamento de Mário revela-se com clareza em seus comentários, uma vez que, para o autor, o impulso criativo nasce no subconsciente, desvinculando-se, portanto, de uma formulação racional, orientadora em especial da concepção parnasiana de arte, a qual se opõem Mário e o movimento do qual faz parte.
      A essa idéia primeira, vemos que se une a concepção de poesia encontrada em Paul Dermée, Lirismo+Arte = Poesia. Todavia, o direcionamento psicologizante é apenas parte do processo que não nega ou exclui a atividade da inteligência, pois, como afirma Mário, a “harmonia poética”, combinação de sons simultâneos, técnica primeiramente vinculada à ação do subconsciente, “efetua-se na inteligência”, na medida em que “a compreensão das artes do tempo/nunca é imediata, mas mediata. Na arte do/ tempo
coordenamos atos de memória/ consecutivos, que assimilamos num todo final” (2005:71)
      Dessa forma, a atuação do subconsciente e da inteligência no ato de criação são momentos complementares e não excludentes. Ao contrário, é da sua interligação necessária e indissociável que resulta a poesia, ainda que a fórmula de Dermée, adotada por Mário no “Prefácio”, não aponte necessariamente para isso. Parece ser justamente em razão disso que , na Escrava, de 1925, Mário de Andrade, conforme explicita Maria Helena Grembecki, ainda que não rompa totalmente com a filiação de Dermée, distancia-se dela, colocando “em xeque a posição psicológica assim como foi adotada no início, sem anulá-la no entanto” (1969:41).
      Semelhantemente ao que se observa no “Prefácio”, guardadas algumas diferenças de orientação, também na Escrava há a preocupação do autor em traçar os pontos principais que nortearão o seu fazer poético e de toda a produção literária modernista. Todavia, se no “Prefácio” o tom psicologizante é mais acentuado, na Escrava a inter-relação de dependência entre subconsciente e consciente torna-se muito
mais clara, o que é possível vislumbrar no conceito de poesia apresentado, pois a fórmula de Dermée presente no “Prefácio”, Lirismo+Arte = Poesia, é substituída pela fórmula Lirismo puro+Crítica+Palavra = Poesia (1980:205)
       A alteração operada no conceito de poesia mostra que Mário de Andrade não incorporou simplesmente o conceito de Dermée, mas a ele acrescentou dados significativos partindo de uma orientação e de uma teoria estética particulares e de outros autores europeus que o influenciaram, como Subled, por exemplo. Além disso, o acréscimo dos termos “crítica” e “palavra”, conforme afirma Lafetá, evidencia o afastamento do pensamento de Mário do puro psicologismo, já que possibilitam “o entendimento do poema como uma estrutura verbal”, estando, portanto, a poética do autor “preocupada com o concreto da expressão, com os meios técnicos da obra de arte” (2000:165). A orientação de sua teoria poética não aponta, dessa forma, para a crença ingênua na mágica da inspiração, embora a postura psicologizante não desapareça de
todo.
     Tal fato se confirma, na Escrava, até emsmo na divisão que o autor faz da obra, destinando toda a segunda parte para a descrição e conceituação das técnicas de composição poética reclamadas pela arte modernista e que se inter-relaciona com o conteúdo da primeira parte, dedicada ao criador propriamente dito.
      É dentro da preocupação de Mário com os meios de expressão poética que se encontra o “polifonismo”, teoria formulada pelo próprio autor e que coincide com o “simultaneísmo”, de Epstein (1969:22). Tanto no “Prefácio” quanto na Escrava , Mário tece considerações acerca da “polifonia poética”.
     No “Prefácio”, o autor considera a polifonia poética uma técnica que se funda na harmonia e não na melodia, esta última definidora da poesia clássica, tradicional, com a qual o Modernismo intencionava romper:
Ora, si em vez de unicamente usar versos
Melódicos horizontais (...)
Estudos Lingüísticos XXXV, p. 1631-1640, 2006. [ 1635 / 1640 ]
Fizermos com que se sigam palavras sem ligação
Imediata entre si: estas palavras pelo fato
Mesmo de se não seguirem intelectual,
Gramaticalmente, se sobrepõem uma às outras,
Para a nossa sensação, formato, não mais
Melodias, mas harmonias.
Explico milhor:
Harmonia:combinação de sons simultâneos.
(...)
Mas, si em vez de usar só palavras soltas, uso
Frases soltas: mesma sensação de superposição,
Não já de palavras (notas) mas de frases
(melodias). Portanto: polifonia poética. (2005:68-9)
       Em A escrava que não é Isaura , o autor delimita com mais precisão os  contornos da técnica:
Denomino Polifonismo e Simultaneidade dos franceses, com Epstein por cartaz, o Simultaneísmo de Fernando Divoire, o Sincronismo de Marcelo Fabri. (1980:226)
      Obrigado por insistência de amigos e dum inimigo a escrever um prefácio para “Paulicéa Desvairada” nele despergi algumas considerações sobre o Harmonismo ao qual milhormente denominei mais tarde Polifonismo.
      Polifonismo e simultaneidade são a mesma coisa. O nome Polifonismo caracteristicamente artificial deriva de meus conhecimentos musicais que não qualifico parco, por humildade. (256)
      Por seu lado a psicologia verifica a simultaneidade.
Lembrai-vos do que chamei “sensações complexas”.
A sensação complexa que nos dá por exemplo uma sala de baile nada
mais é que uma simultaneidade de sensações (O).
.................................................................................................................................
      Ora o poeta modernista observando esse fenômeno das sensações simultâneas interiores (sensação complexa) pretende às vezes realiza-las transportando-as naturalmente para a ordem artística.
     Denominei esse aspecto da poesia modernista: POLIFONIA POÉTICA.
Razões:
    Simultaneidade é a coexistência de coisas e fatos num momento dado.
    Polifonia é a união artística simultânea de duas ou mais melodias cujos efeitos passageiros de embates de sons concorrem para um efeito final total. (1980:267-8)
      As definições de “polifonia poética” apresentadas por Mário de Andrade fundam-se tanto no enfoque psicológico quanto no estético, revelando que seu pensamento não separa, de fato, as duas orientações . Poderíamos dizer até que já está latente, ainda nesse momento inicial das reflexões teóricas, a terceira postura adotada pelo autor, a do enfoque sociológico. Analisemos com mais precisão.
      O enfoque psicológico é evidente na conceituação da polifonia na medida em que seu ponto de partida são as “sensações simultâneas interiores”, ou “sensações complexas”, resultados de um percepção subconsciente, não organizada pela inteligência. Estamos, ainda, no domínio daquilo que Mário chama de “Lirismo puro”, e que constitui o primeiro elemento de sua fórmula poética. Todavia, como ele próprio
afirma, “lirismo não é poesia” (1980:243).
     É nítido, portanto, que o processo criador não se limita às sensações advindas das do subconsciente, mas para que a arte passe a existir é preciso que seja submetida a um “máximo trabalho intelectual”. O domínio, agora, encaminha-se para o campo estético, na medida em que à “Tradução” a que se refere Mário necessita de técnicas capazes de transformar a simples percepção psicológica em arte, sendo a polifonia
poética uma dessas técnicas que, trabalha com  “a união artística simultânea de duas ou mais melodias cujos feitos passageiros de embates de sons concorrem para um efeito total final” (1980:268) É esse efeito que caracteriza o trabalho artístico, resultado da inter-relação entre as pulsões inconscientes e conscientes. Daí não se poder ver, nas reflexões de Mário, um mero psicologismo.
      O Polifonismo, assim, é, antes de tudo, técnica, tessitura artística de  superposição de idéias e imagens, cujo objetivo é expressar a sensação de  simultaneidade na representação do processo subconsciente de captação do mundo  sensível e na apreensão da dinâmica multifacetada e veloz do mundo moderno. Nesse
último aspecto, pode-se inferir, ainda que isso não seja evidente nem no “Prefácio” nem na Escrava, e muito mais em textos posteriores, que a reflexão teórica de Mário encaminha-se também para um enfoque sociológico, pois há um esforço em ver na conformação da poesia modernista uma exigência também do contexto em que ela se manifesta e das transformações por que passa.
     Nos poemas que aqui serão abordados, “Inspiração” e “Tietê”, todos de Paulicéia Desvairada, as questões levantadas mostram-se evidentes.  “Inspiração” é o primeiro poema da coletânea, e sua atenção volta-se para a “paulicéia”, ou seja, para a cidade de São Paulo, motivo em torno do qual giram todas as
composições do livro:
INSPIRAÇÃO
“Onde até na força do verão havia tempestades de ventos e frios
de crudelíssimo inverno.”
Fr. Luis de Sousa
São Paulo! Comoção de minha vida...
Os meus amores são flores feitas de original...
Arlequinal!... Traje de losangos... Cinza e ouro...
Luz e bruma... Forno e inverno morno...
Elegâncias sutis sem Escândalos, sem ciúmes...
Perfumes de Paris... Arys!
Bolfetadas líricas no Trianon... Algodoal!...
São Paulo! Comoção de minha vida...
Galicismo a berrar nos desertos da América!
        O título do poema, Inspiração, a princípio, remete para a pura expressão do eu, em especial quando o vincularmos à construção do texto, pautada pelas imagens desconexas da capital paulista, que também podem se ligar à captação subconsciente do mundo.
       Por outro lado, verificamos que essa impressão primeira não se sustenta por si, mas somente na medida em que o trabalho elabora, esteticamente, essa impressão. Para tanto,, o uso da polifonia poética é de fundamental importância, pois a superposição de imagens e idéias sem nexo lógico-causal, ora presentes na ausência de ligação entre um verso e outro, ora de uma expressão e outra no mesmo verso: São Paulo! Comoção de minha vida.../Os meus amores são flores feitas de original.../Arlequinal!... Traje de
losangos... Cinza e ouro...
      Os versos transcritos revelam com clareza o processo descrito acima. O primeiro verso, “São Paulo! Comoção de minha vida...” isola-se dos demais em termos de vínculos lógico-causais gramaticais e semânticos, assim como os demais também se apresentam isolados no mesmo sentido. Esse insulamento ocorre também entre as expressões de um mesmo verso, constituindo a construção harmônica, e não melódica, da qual fala Mário. Disso resulta, portanto, a impressão de simultaneidade e caoticidade do espaço urbano enfocado. Sob esse aspecto, o vínculo de Mário com o modernismo faz-se não apenas no âmbito formal, mas de igual maneira no que se refere ao tema, pois a preocupação é com a apresentação do presente e do cotidiano da cidade de São Paulo, como suas belezas, seu colorido, sua temperatura, o comportamento de seus habitantes, mostrado por meio de imagens metonímicas e que denuncia a preferência pelo que vem de fora, sobretudo da França:
Luz e bruma... Forno e inverno morno...
Elegâncias sutis sem escândalos, sem ciúmes...
Perfumes de Paris... Arys!
Bofetadas líricas no Trianon... Algodoal!...
São Paulo! Comoção de minha vida...
Galicismo a berrar nos desertos da América!
       Interessa observar ainda a colaboração das rimas internas freqüentes por todo o poema e que direcionam a descrição da cidade para uma imagem sonora da mesma e não apenas visual, na concretização do efeito final total, resultado da técnica polifônica.
       No poema “Tietê”, as reflexões teóricas de Mário acerca da poesia modernista são também bastante evidentes.
TIETÊ
Era uma vez um rio...
Porém os Borba-Gatos dos ultra-nacionais esperiamente!
Havia nas manhãs cheias de sol do entusiasmo
As monções da ambição...
E as giganteas vitórias!
As embarcações singravam rumo do abismal Descaminho...
Arroubos... Lutas... Setas... Cantigas... Povoar!...
Ritmos de Brecheret!... E a santificação da morte!
Estudos Lingüísticos XXXV, p. 1631-1640, 2006. [ 1638 / 1640 ]
Foram-se os ouros!... E o hoje das turmalinas!...
¾ Nadador! Vamos partir pela via dum Mato-Grosso?
¾ Io! Mai! (mais dez braçadas.
Quina Migone. Hat Stores. Meia de Seda.)
Vado a pranzare com la Ruth.
       No poema “Tietê” o próprio assunto está inscrito no título. Trata-se de uma visão do rio Tietê, maior e principal rio que corta a “paulicéia”. Da mesma forma que o poema anterior, “Inspiração”, a técnica polifônica rege todo o processo de construção do poema, pois é através de frases nominais e paratáticas, sugerindo uma sobreposição de imagens aparentemente desconexas, sem ligação gramatical, que se realiza a composição poemática.
     Interessante observar que, embora o foco de atenção seja o rio Tietê, nenhuma descrição física dele se faz nos moldes de uma composição realística. Ao contrário, tem-se uma visão subjetiva do objeto, que alterna matizes a partir de sua integração com o elemento humano, o que ocorre logo na primeira parte do poema, composta pelos dois versos iniciais: “Era uma vez um rio.../ porém os Borba-Gatos dos ultra-nacionais esperiamente!”. O primeiro verso, “Era uma vez um rio...”, já se mostra bastante curioso, pois parte de uma expressão comum aos contos de fada, “era uma vez”, sugerindo, além do universo fantasioso aí presente, também uma construção narrativa, que pretende contar uma história.
        De fato, se observado com a devida atenção, o poema realmente parece narrar uma história do rio Tietê, não nos moldes tradicionais, por meio de um discurso lógico e racional, elaborado a partir das relações de causa e conseqüência. Ao contrário, o que se tem é a concatenação de imagens e idéias superpostas, configurando o processo polifônico. Assim, os dois primeiros versos, que são o início da exposição sobre o rio, na verdade apresentam um sentido suspenso, uma vez que o primeiro verso não se completa, reduzindo-se à expressão “Era uma vez”, seguida de reticências, e o segundo verso, que se inicia com a adversativa, “porém”, não chega a complementar o verso anterior, já que se reduz a uma frase nominal, sem vínculo aparente com o primeiro verso.
      O segundo momento do poema, composto por quatro versos, focaliza sobretudoas competições realizadas no rio. Todavia, essas competições são descritas de forma difusa, pois novamente as frases superpostas sobrepõem imagens desconexas, fazendo com que o sentido pleno dos versos siga, assim como as embarcações, “rumo ao abismal Descaminho”.
      A última parte do poema parece condensar o “descaminho” do sentido único e preciso, pois a simultaneidade de idéias e imagens, construída a partir da sobreposição de termos, expressões e frases isoladas quanto ao nexo causal, completam o retrato difuso do rio, que se encerra com a blague “Vado a pranzare com la Ruth”.
      Dessa forma, a construção polifônica, conforme descrita por Mário de Andrade, ao se inscrever enquanto prática poética, enquanto recurso que move a construção do poema, desestabiliza a poética tradicional, de cunho parnasiano, que via a arte enquanto construção realística, “arabesco horizontal de vozes consecutivas, / contendo pensamento inteligível”. Contra esse pensamento inteligível, canalizador de um sentido único,, Mário propõe e utiliza regularmente nos poemas de Paulicéia Desvairada , a exemplo dos dois aqui apresentados , a técnica da polifonia poética que, ao partir da harmonia (palavras isoladas, sons simultâneos) e não da melodia (verso lógico discursivo) destaca a importância do subconsciente, daí a orientação psicologizante de sua teoria poética, mas, ao mesmo tempo, observa, no contexto modernizante do início do século XX, a ineficácia de uma poética desse próprio contexto, buscando uma forma poética adequada de representar e refletir sobre o mesmo. Assim, o simultaneísmo expresso pela adoção da técnica polifônica é não apenas imagem do mecanismo subconsciente, não orientado pela razão, mas tentativa de representação poética da caoticidade e da pluralidade da vida moderna, impossível de ser apreendida por meio de um discurso lógico-racional, de sentido fechado, sem que se torne, no mínimo falaciosa.
      Voltando à questão da crítica exercida por escritores, é possível observar em Mário de Andrade uma evidente intenção em fazer do ato reflexivo sobre a arte um esforço orientador de sua produção literária e também da de seus contemporâneos.
        Nesse sentido é, assim como afirma Leyla Perrone-Moisés, “uma crítica que confirma e cria valores”(1998:11), não se limitando à análise de obras e à orientação do leitor.

Mário de Andrade: da teoria à prática: uma leitura da polifonia ... - GEL                        

www.gel.org.br/estudoslinguisticos/.../665.pdf 

MACUNAÍMA E A FORMAÇÃO DE UMA CULTURA BRASILEIRA
 Fábio Della Paschoa Rodrigues

       “A tentativa de implantação da cultura européia em extenso território, dotado de condições naturais, se não adversas, largamente estranhas à sua tradição milenar, é, nas origens da sociedade brasileira, o fato dominante e mais rico em conseqüências. (...) Trazendo de países distantes nossas formas de convívio, nossas instituições, nossas idéias, e timbrando em manter tudo isso em ambiente muitas vezes desfavorável e hostil, somos ainda hoje uns desterrados em nossa terra. (...) Podemos construir obras excelentes, enriquecer nossa humanidade de aspectos novos e imprevistos, elevar à perfeição o tipo de civilização que representamos: o certo é que todo o fruto de nosso trabalho ou de nossa preguiça parece participar de um sistema de evolução próprio de outro clima e de outra paisagem.”
 (Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil)

 INTRODUÇÃO
     O movimento modernista da década de 20 ambicionava tornar o Brasil uma nação com forma própria, conquistando nossa individualidade cultural e um lugar no “concerto das nações”, como dizia Mário de Andrade. Nessa tarefa, o autor modernista, baseando-se em certas teorias históricas e filosóficas, empenhou-se em produzir um trabalho que afirmasse a entidade nacional e assim criou o seu Macunaíma.
Neste trabalho, discutiremos questões nacionais levantadas por Macunaíma e  as influências e analogias entre a obra de Mário de Andrade e algumas das grandes teorias históricas, particularmente as de Herder, Spengler e Keyserling. Além disso, transportaremos as imagens macunaímicas para nossa realidade atual “globalizada”, fazendo um pequeno paralelo entre Macunaíma e o Brasil dos anos 90 do século XX.

 AS INTENÇÕES DE MACUNAÍMA
Como o próprio Mário declarou, ele teve muitas intenções ao escrever Macunaíma, tratando de diversos problemas brasileiros: a falta de definição de um caráter nacional, a cultura submissa e dividida do Brasil, o descaso para com as nossas tradições, a importação de modelos socioculturais e econômicos, a discriminação lingüística etc. Mas a principal preocupação de Mário de Andrade foi buscar uma identidade cultural brasileira. O Brasil na época (e também hoje) não tinha “competência” para desenvolver uma cultura autônoma e toma emprestado modelos europeus, que não se adaptam ao nosso clima quente. A nossa cultura, então, deveria ser distinta das outras e possuir, por outro lado, uma totalidade racial; deveria provir das raízes que aqui haviam, das culturas populares existentes nos recantos do país. O Brasil, como entidade cultural, seria construído pela mistura de todas essas culturas (orais) de cada região brasileira. É justamente o que o escritor faz em Macunaíma: compõe a sua rapsódia reunindo lendas, folclores, crendices, costumes, comidas, falares, bichos e plantas de todas as regiões, não se referindo a nenhuma delas, misturando inclusive as diversas manifestações culturais e religiosas, dando assim um aspecto de unidade nacional, que não condiz com a realidade dividida de nossa cultura. Referindo-se a essa “desgeografização”, Mário de Andrade anota num de seus prefácios inéditos:
“Um dos meus interesses foi desrespeitar lendariamente a geografia e a fauna e flora geográficas. Assim desregionalizava o mais possível a criação ao mesmo tempo que conseguia o mérito de conceber literariamente o Brasil como entidade homogênea = um conceito étnico nacional e geográfico.”
Comentando esse esforço de juntar os elementos constitutivos do ser nacional, Eduardo Jardim de Moraes (In: Berriel, 1990)  nota que:
    “Na composição de Macunaíma e em seus escritos críticos da época nota-se o cuidado rigoroso de efetuar o levantamento do material que torna possível traçar o perfil do Brasil. Era intenção de Mário de Andrade, em sua perspectiva analítica, ao justapor os variados elementos culturais presentes na esfera nacional, chegar à definição de um elemento comum que qualificasse todos como pertencentes ao mesmo patrimônio cultural.”
    Para Mário de Andrade, a modernização brasileira, isto é, a conquista de uma identidade cultural só seria possível se tomássemos consciência de nossas tradições. Em entrevista concedida em 1925, o escritor afirma que “ toda tentativa de modernização implica a passadização da coisa que a gente quer modernizar”. Vai mais além: “nós só seremos de deveras uma Raça o dia em que nos tradicionalizarmos integralmente e só seremos uma Nação quando enriquecermos a humanidade com um contingente original e nacional de cultura”. Macunaíma é, portanto, uma tentativa de modernizar o Brasil através do passado, de nossas tradições; é também a tentativa de fundar a raça brasileira, estreitamente ligada ao seu ambiente geográfico, ao seu clima.
Todas essas intenções macunaímicas tomam por base conceitos de raça e cultura construídos pela filosofia européia, particularmente a alemã. Ele como que tomou emprestado certos conceitos, mas adaptando-os ao nosso clima quente. Passemos então, a analisar os pontos de convergência entre sua obra e as teorias históricas.

 MACUNAÍMA E AS TEORIAS HISTÓRICAS
    Comecemos analisando as relações entre a obra andradiana e o pensador alemão Johann Gottfried Herder (1744-1803). Para Herder, a característica mais importante da história é a pluralidade e a individualidade das nações, justamente o que buscavam nossos modernistas.
Apesar de não haver material comprovando que Mário de Andrade leu Herder – conforme aponta C. E. Berriel (1987), as idéias deste pensador são claramente notadas na obra do escritor (que podem ter vindo através de Spengler ou do Romantismo brasileiro, ambos influenciados por Herder). O filósofo acreditava que “a literatura de uma nação deve ser verdadeira para com as tradições e o caráter íntimo da mesma nação, e a sua atitude para com a natureza” (Gardiner, 1995). Ora, Macunaíma é esta literatura: busca resgatar as tradições folclóricas brasileiras e afirmar um caráter nacional (que, para Mário, supostamente não há). O pensamento herdiano enfatiza os conceitos de caráter nacional e de meio ambiente, em que há uma unidade entre geografia, cultura e raça. Lendo atentamente Macunaíma, percebemos que Mário de Andrade utiliza todos esses conceitos em seu  livro: nosso herói adquire características adequadas ao meio em que vive, ao seu espaço geográfico (que depois abandonará como sabemos), ele é a tentativa de fundar a raça brasileira a partir das “três raças tristes” que dão origem ao brasileiro e, mais ainda, é a possibilidade da criação de uma cultura nacional autêntica.
    O escritor modernista partilhava da mesma idéia de que a paisagem está dentro do ser humano, como experiência coletiva ou individual de estar em um determinado lugar, a natureza captada pelos sentidos. Na concepção de Herder, o homem se origina a partir e dentro de uma raça, que está intrinsecamente ligada à paisagem, como ele ilustra em uma metáfora:
     “Tal como a água de uma nascente recebe do solo donde brota a sua composição, as suas qualidades atuantes e o seu sabor, assim o antigo caráter dos povos proveio de traços raciais, do clima, do tipo de vida e da educação, das ocupações primitivas e das ações peculiares a cada um desses povos.”
Neste sentido, Mário traduz literariamente a filosofia de Herder. Ele acreditava que deveríamos construir uma cultura, em sentido amplo, adaptada ao nosso clima, à nossa paisagem. Em resposta a um questionário da Editora Macaulay, em 1933, Mário declarou: “Tanto o meu físico como as minhas disposições de espírito exigem as terras do Equador. Meu desejo é ir viver longe da civilização, na beira de algum rio pequeno da Amazônia...” Ele acreditava que a preguiça era uma necessidade para os povos de clima quente como o Brasil, já que o “trabalho semanal e de tantas horas diárias” era coisa de civilizações cristãs de clima frio.
Mário de Andrade problematiza em Macunaíma as idéias de Herder  segundo as quais o destino de um povo “depende primordialmente do tempo e do lugar em que nasce, das partes que o compõem e das circunstâncias exteriores que o rodearam”. Para a formação da entidade nacional é necessário superar todos esses obstáculos que se impõem diante do herói: primeiramente ele não tem caráter, não é ligado ao seu meio geográfico (que, inclusive, renega ao final do livro), as partes (raças) que o compõem são conflitantes com a opressão do componente europeu, o tempo em que o Brasil vive passa por um período de transição, início da industrialização nacional. Verificamos vários outros obstáculos que nosso herói encontra e que tem relação com a teoria herdiana. Herder acreditava que os povos incultos adquirem conhecimentos pela prática ou pelo intercâmbio com outros, mas Macunaíma (o Brasil, na verdade) só importa conhecimento, não troca, ou quando o faz troca “borboletas” por “idéias”, isto é troca o “exótico” pelo “civilizado”. Ainda para ele, os povos permanecem ligados entre si, influenciando uns aos outros, de acordo com a relação de maior ou menor poder, em que o país submisso é subjugado pelo opressor; o Brasil, nessa relação é quase totalmente submetido à cultura cristã européia e não tem forças para influenciar esse continente. Enfim, o Brasil só se consolidaria como entidade cultural se crescesse das próprias raízes, como preconizava o filósofo alemão. Macunaíma, ao invés disso, abandona suas raízes e se rende ao clima frio europeu, desprezando suas tradições e renegando sua paisagem tropical.
     Para Herder a história de um povo é orgânica (como também para Spengler, como veremos mais adiante): “uma nação, tal qual o homem, crescerá e morrerá, inevitavelmente”. Mário de Andrade descreve literariamente a nossa história orgânica, desde o nascimento da possível cultura brasileira até seu quase desenvolvimento e enfim sua morte, ou seja, a vida de Macunaíma.
A influência de Oswald Spengler (1880-1936), outro pensador alemão, na obra de Mário de Andrade é patente e reconhecida. Mário leu e se inspirou na obra “A decadência do Ocidente” e em diversas passagens de Macunaíma reconhecemos imagens spenglerianas.
Segundo P. Gardiner (1995), Spengler dá preferência “ao instinto, em oposição ao entendimento, à vida no campo em oposição à vda na cidade, a fé e o respeito pela tradição em oposição ao cálculo racional e ao interesse próprio, à intuição e à imaginação em oposição à análise e ao método científico”. Ainda para Spengler, “uma cultura nasce no momento em que uma grande alma despertar do seu estado primitivo e se surpreender do eterno infantilismo humano; quando uma forma surgir em meio do informe; quando algo limitado, transitório, originar-se no ilimitado, contínuo. Floresce então no solo de uma paisagem perfeitamente restrita, à qual se apega, qual planta”. Isto é, com algumas modificações, a descrição de Macunaíma.
    Vejamos: Macunaíma é essa alma adormecida que nasce do ilimitado (o “silêncio tão grande”) no “fundo do mato virgem”, portanto, muito longe da cidade; ele usa sua mágica (intuição) para agir e prever as coisas. Mas nosso herói ficará para sempre “carinha enjoativa de piá”, pois enganara as tradições folclóricas, que ora defende ora se afasta delas (defende o Pai do Mutum  mas foge de Capei); age sempre por interesse próprio, não tem caráter; e não se apega “qual planta” à sua paisagem.
     Percebemos no livro as diversas oposições levantadas por Spengler: destino x causalidade, cultura x civilização, história x natureza, crescimento e vida x decadência e morte. Aliás, a oposição principal de Macunaíma não é a do herói com o gigante Venceslau Pietro Pietra, mas sim a oposição entre a mata tropical e a cidade temperada, ou seja, a oposição entre cultura (tradição) e civilização, que é oposição básica de Spengler.
    No percurso do “herói de nossa gente”, Mário tenta construir a cultura brasileira, segundo os conceitos de Spengler, para quem “as massas de seres humanos fluem numa corrente sem obstáculos, da qual surge de vez em quando a Kultur autoconsciente”; porém, a falta de caráter do herói não possibilita o surgimento da cultura brasileira. Além disso, o herói de nossa gente encontra obstáculos na sua vida, quando está se desenvolvendo: ele se depara com o roubo da muiraquitã (cultura brasileira) pelo gigante Piaimã – o Brasil ao tentar construir sua unidade cultural encontra a Europa no meio do percurso.
Assim como para Herder, Spengler acredita que a força da cultura depende das raízes, da adaptação à terra, à afinidade com a natureza e a consolidação da raça. Para ele, “a História Mundial é a história da ascensão e queda de nações e raças”. E a raça é uma questão de um “sentimento comum” que une gerações sucessivas num todo. Spengler, como já dito, construiu uma concepção orgânica de história e foi além de Herder, supostamente prevendo o destino de todas as civilizações. Outro ponto de concordância entre os dois filósofos era a afirmação de que cada cultura tem o seu caráter específico ou “alma”. Na visão spengleriana “cada cultura tem as suas possibilidades de expressão, que surgem, amadurecem, decaem e não voltam a se repetir”. Já vimos que Mário utiliza essas idéias em seu livro, contando a vida do herói brasileiro, na verdade a vida da cultura brasileira.
    Mário também crê na concepção spengleriana de que a indústria (o estágio mais avançado da civilização) é o grande inimigo da Natureza. Ela destrói as nações, as culturas nacionais. A máquina altera a relação do homem com a Natureza, interpondo-se entre eles. Macunaíma se vende às máquinas, quase se tornando uma, e assim frustra-se a tentativa de se estabelecer uma cultura nacional. O herói, como não tem caráter, é facilmente comprado pelas atrações da máquina, esquece a natureza, renega as tradições. Na cidade não há espaço para o sagrado, pois “isso de deuses era gorda mentira antiga” como diz uma “filha da mandioca” para o herói. A máquina não era deus e ninguém podia brincar com ela , pois ela matava. Ao refletir sobre máquinas e homens, Macunaíma chega à conclusão de que “os homens é que eram máquinas e as máquinas é que eram homens”. Nesse momento, nosso herói começa a maquinar, ele absorve a civilização pois não tem caráter.
    Na cidade não há povo, mas uma massa. A cidade-máquina devora os homens e Macunaíma também é devorado por São Paulo. Ele não consegue mais viver e, outro solo que não esse, petrificado; a mata já lhe é estranha e  monótona, ele não compreende mais o silêncio que o originou. Assim, Macunaíma, nas palavras de Spengler, “leva a cidade constantemente comsigo (...) perdeu o campo em seu interior e nunca mais o encontrará no mundo de fora”.
    A gênese das culturas, na teoria spengleriana, é representada pelo mundo rural, o urbano é a corporificação da decadência das civilizações; a civilização “é um epílogo, a morte seguindo-se à vida, a rigidez seguindo-se à expansão (...) o mundo-cidade petrificante seguindo-se à mãe-terra.”. Macunaíma, rendendo-se à civilização, entra em decadência, petrifica-se e vê São Paulo se petrificar. Mário constrói uma imagem magnífica: para ele, São Paulo deveria se preocupar com o exercício da preguiça, mas como não tem caráter, ela se transforma em um imenso bicho preguiça de pedra.
Mas a cultura brasileira não morre de todo. Mário, de certa forma, acredita no Brasil e deixa, no final do livro, a possibilidade de construirmos a nossa cultura: Macunaíma, na verdade, não morre, sobe para o campo vasto do céu, vira tradição, que poderá ser resgatada e transmitida (como aliás, é transmitida ao próprio Mário no Epílogo).
    Essa visão otimista com relação à formação de uma nação brasileira, Mário deve a Keyserling, único pensador que teve sua influência creditada explicitamente, num dos prefácios inéditos.
Na concepção de Keyserling, o homem é uma entidade real que se manifesta através de criações culturais. A teoria dele, assim como a de Herder, afirma o particularismo das culturas e ao mesmo tempo seu lugar universal. O conceito de cultura keyserlinguiano está relacionado a um passado vivo e a cultura “é a forma da vida, como imediata expressão do espírito (...) é obrigação com relação a um passado vivo, (...) é exclusiva e, portanto, estritamente limitada no exterior; é essencialmente unitária, pelo que cada coisa particular nela pressupõe e alude à totalidade” (que, enfatizamos, é o conceito utilizado pelos modernistas de 20). Mas, diferentemente de Spengler, para ele “todas as culturas tradicionais do planeta estão em decadência”, não só a civilização ocidental. Mas se Keyserling considera que todas as culturas tradicionais estão em decadência, porque centradas “no irracional, no  impulsivo” – que é intransferível e, assim, não dando continuidade à cultura, por outro lado, a cultura pode ser perpetuada através de tradições vivas.
Mário compartilhava do otimismo de Keyserling, que acreditava que a tradição viva era a via de transmissão da cultura, a despeito da decadência inevitável das civilizações. Por isso Macunaíma, apesar de ter perdido a muiraquitã (a cultura brasileira) vira constelação (tradição). Ou seja, agora ele se transformou em instrumento de transmissão do que poderia vir a ser a entidade brasileira. O projeto andradiano, portanto, pode ser resgatado pelas gerações futuras.
    Para Keyserling uma nova cultura se desenvolve “quando da mescla se origina o equivalente a uma nova raça definida”. Esse postulado permite Mário de Andrade conceber a gênese da Raça brasileira, criando seu herói a partir da mescla das três raças tristes (índio, branco e negro). Nosso herói, infelizmente como sabemos, deixa que sua porção branca oprima as outras e se vende à civilização decadente, não definindo uma nova Raça. Cabe ressaltar aqui que a porção branca de Macunaíma – vinda dos portugueses – já era mestiça e não se constituía como Raça; citando Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil:  os portugueses apresentavam “ausência completa, ou praticamente completa de qualquer orgulho de raça (...) Essa modalidade de seu caráter explica-se muito pelo fato de serem os portugueses um povo de mestiços”.
Mário de Andrade encontra outro ponto de apoio em Keyserling, com relação à  aversão à industrialização nascente, ao capitalismo verdadeiro, como nota C.Berriel (1987):
    “Keyserling oferece uma alternativa “não-burguesa” de leitura da realidade histórica, ao rejeitar a economia e a materialidade como formas explicativas. Assim, a crise da sociedade contemporânea pôde ser vista, tanto por Spengler e Keyserling, como por Mário de Andrade, como uma crise da cultura pura e simplesmente”.
    Todas essas postulações keyserlinguianas deram base para que Mário criasse seu “poema fundador” da raça brasileira ligada à paisagem tropical, e, por conseqüência, desenvolver a cultura brasileira. Ao pessimismo de Spengler, Mário prefere a possibilidade keyserlinguiana de manter a tradição brasileira viva, na esperança de que ela venha a se despertar novamente; por isso mesmo é que escuta do papagaio a vida do herói de nossa gente e nos transmite.

 AS IMAGENS MACUNAÍMICAS E O BRASIL ATUAL
    À luz das idéias e conceitos expressos em Macunaíma, transportaremos algumas  de suas imagens para o Brasil da era globalizada. A intenção aqui não é aplicar uma teoria histórica (ou sua releitura literária) à atualidade brasileira, nem fazer uma crítica aprofundada sobre a cultura brasileira nos dias de hoje; para isso, seriam necessárias pesquisa e análise mais aprofundadas. A intenção é  mostrar pontos de contato entre obra de Mário de Andrade e nosso atual contexto cultural e econômico, é também mostrar que a tradição macunaímica se faz sentir em nossos dias, com as mesmas questões que preocupou os modernistas na década de 20.
    A Globalização implica na anulação da identidade nacional dos povos. Ela supostamente unificaria todas as nações o que, na verdade, levaria à perda da identidade cultural de cada nação. Neste sentido, a nova caminha para um objetivo contrário ao das teorias de Herder, Keyserling e da proposta modernista, em que a cultura se afirma como nação pela sua particularidade. O mundo globalizado não admite tradições e particularidades, num momento em que a palavra de ordem é “comunicação”. Comunicação virtual, a informação em alta velocidade através da máquina computador. Uma tribo africana sem e-mail ou home page ficará obsoleta, entrará em decadência, muito mais rapidamente que as civilizações preconizadas por Spengler. A civilização conquistou de tal forma uma técnica apurada – as novas tecnologias, que aceleram desenfreadamente o desaparecimento da cultura tradicional, como dizia Keyserling.
    A cultura brasileira, seduzida por essa Uiara, está cada vez mais enxertada de estrangeirismos, que passaram a ser considerados como agregados culturais que contribuiriam para o enriquecimento de nossa “cultura”. O povo (quer dizer, a massa) não se dá conta muitas vezes de que essas “contribuições” na verdade fazem parte de um processo de “lavagem cerebral” das nossas tradições, que a influência cultural e econômica continua sendo unilateral. Não há fluxo de troca entre Brasil e a nova civilização ocidental hegemônica, os Estados Unidos, por exemplo; exportamos “futebol” e importamos “tecnologia”. Cada vez mais nossa realidade é afetada pela bolsa de Nova Iorque, de Tóquio, de Hong Kong etc... Cada vez mais a nossa cultura se rende a enlatados norte-americanos, mexicanos, argentinos... pois a produção nacional (quer seja cultural, social, econômica) não tem valor.
    O atual herói se vendeu muito mais facilmente à civilização que o Macunaíma. O novo herói de nossa gente é o Sr. Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso (FHC) que, assim como Macunaíma, não tem caráter: lutou contra a ditadura militar mas entrega agora o país ao capital estrangeiro; diz estar ao lado do povo, mas no capítulo seguinte declara que os aposentados são vagabundos e  aprova um plano de previdência que prejudica os trabalhadores; diz defender os pobres para depois salvar bancos privados da falência, despendendo cifras milionárias e cobra mais impostos dos cidadãos. Ele esquece nossas “tradições” e vende nosso petróleo, nossa energia, nossas telecomunicações para os civilizados europeus e norte-americanos. Os gigantes Piaimãs ACM, Tio Sam, FMI querem devorar nosso herói que, para se salvar (entenda-se: salvar a si próprio, não a nação) se transforma em Superman ou Tio Patinhas usando sua “mágica”. A Uiara Globalização seduziu nosso herói por completo, sem a hesitação de Macunaíma.
Percebemos que há várias semelhanças entre as aventuras macunaímas e as aventuras de FHC. Talvez Mário de Andrade, Spengler e Keyserling tenham razão e a depender do novo herói, nosso quadro confirmará as teorias aqui comentadas, reiterando o que Sérgio Buarque de Holanda declarou em seu Raízes do Brasil: “somos uns desterrados em nossa terra”.

MACUNAÍMA E A FORMAÇÃO DE UMA CULTURA BRASILEIRA

www.unicamp.br/iel/site/alunos/.../m00002.htm 

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