JORGE AMADO
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Jorge Amado
nasceu em Itabuna, região cacaueira da Bahia, em 1912. Fez seus primeiros
estudos em Ilhéus e formou-se em Direito no Rio de Janeiro. Colaborou na
imprensa, estreando na literatura em 1932, com O País do Carnaval. Participou da luta política do país, filiou-se
ao Partido Comunista Brasileiro, sendo preso e, como outros prisioneiros
políticos, submetido a humilhações na prisão.
Jorge Amado é o
grande representante do regionalismo baiano. Suas obras apresentam uma linguagem
aparentemente "incorreta" e simples - pois ele retrata o falar do
povo - e um conteúdo humano e social cheio de elementos folclóricos, de
tradições e crenças da Bahia. Criou tipos marginalizados, utilizando-se deles
para analisar toda a sociedade.
Até 1950, seus
romances são marcadamente políticos e sociais e, a partir daí, inicia uma
fase mais lírica, em que trata, com humor, das coisas do cotidiano. Por essa
razão, alguns críticos literários classificaram sua obra em:
• romances proletários: O País do Carnaval, Suor e Capitães da Areia. Seus temas são: o
negro, as crianças abandonadas e delinquentes, a miséria do cais do porto,
enfim, a vida urbana em Salvador.
. romances
do ciclo do cacau: Cacau, Terras do
Sem Fim e São Jorge dos Ihéus.
Seus temas são: o cangaço, a exploração do trabalhador nas fazendas de cacau,
ou seja, os problemas sociais, econômicos e políticos da zona rural.
• romances líricos e crônicas de costumes: Jubiabá, Mar Morto e Gabriela, cravo e canela.
Outras obras: Seara
Vermelha; O amor de Castro Alves (reeditado como O amor do soldado); Os
Subterrâneos da Liberdade; A morte e A morte de Quincas Berro D'Água; Os
velhos marinheiros; Os pastores da noite; Dona Flor e seus dois maridos;
Tenda dos milagres; Bahia de Todos os Santos; ABC de Castro Alves; O
cavaleiro da esperança; O mundo da paz; O gato malhado e a andorinha sinhá;
Teresa Batista cansada de guerra; Tieta do Agreste; Farda, Fardão e camisola
de dormir; Tocaia grande; O sumiço da santa; Navegação de cabotagem.
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A
importância de Jorge Amado
para a Literatura
Brasileira
Jorge Amado e o Brasil
José Castello
Quando
pensamos no Brasil, costumamos imaginar um mundo solar e exuberante, habitado
por mulheres fortes e sensuais e por homens para quem a luta não exclui a
alegria. Um país de sons melodiosos, ritmos hipnóticos e de cores abundantes,
com paisagens ardentes em que se vive para celebrar a vida.
Essa é a imagem oficial de nosso país,
espalhada hoje pelos quatro cantos do planeta, em folhetos de publicidade,
fôlderes de companhias aéreas e guias de viagem. Um mundo complexo e dominado
pelas misturas, celebrizado como poucos pelo sociólogo pernambucano Gilberto
Freyre (1900-87), o autor do célebre Casa-grande & senzala, de 1933. Mundo
em que coexistem raças, crenças e tradições distintas, e no qual mesmo o mais
humilde dos homens — pensemos no Jeca Tatu, personagem que Monteiro Lobato
(1882-1948) criou em Urupês; em Macunaíma, o herói sem caráter de Mário de
Andrade (1893-1945); e em um cineasta como Amácio Mazzaropi (1912-81), o
inventor do cinema caipira —, mesmo esse homem primitivo e tosco encontra seu
lugar. Essa imagem oficial de um Brasil vibrante é vendida, em todo o mundo,
por agências de viagens, empresas de turismo, ministérios e companhias de
aviação; aparece nos festivais de cultura, nas feiras internacionais da indústria
e do comércio, nos grandes eventos esportivos, nos megashows de música; está
presente em selos, embalagens e etiquetas de nossos produtos de exportação.
Chega a materializar-se no amarelo ouro da camisa da seleção brasileira de
futebol. Já está, enfim, nas cores de nossa bandeira nacional. Parece existir
desde sempre.
Mas tal
imagem do Brasil é antes de tudo uma construção moderna. Uma invenção coletiva,
incentivada por movimentos culturais como o Modernismo, de 1922, e o
Tropicalismo no final da década de 1960, e que hoje se concretiza nas escolas
de samba, nos grupos de afoxé, nas bandas de pífaro nordestinas e também nas
paisagens promocionais dos pampas gaúchos e da floresta amazônica. É uma imagem
que teve muitos inventores. Talvez nenhum tenha sido tão importante quanto o
escritor baiano Jorge Amado.
Não é
exagero dizer: Jorge Amado foi o inventor do Brasil moderno. Não há escritor
brasileiro que tenha a imagem pessoal tão ligada à de nosso país quanto ele. As semelhanças começam já em sua figura.
Quem não se lembra de sua presença farta e calorosa e de seu jeitão informal e
vivaz de existir? Bonachão e sorridente, Jorge guardava em sua figura um tanto
da inocência do Brasil profundo em que nasceu — a fazenda Auricídia, em
Ferradas, distrito de Itabuna, sul da Bahia. Com um sorriso amplo de quem
levava a vida com leveza e displicência, atributos que se materializavam em
seus modos lentos e seus quilinhos a mais, parecia não ter pressa, pois era
dono de si. Camisas coloridas um tanto fora de moda, mas em sincronia com seu
temperamento tropical. Maneiras falantes, mas sem rodeios e sem poses, de quem
via a literatura como aventura, tão gostosa quanto as brincadeiras de menino, e
não como exercício de nobreza intelectual. Para Jorge, os escritores podiam ser
tudo, menos literatos. Literato é o homem letrado e que gosta de exibir
erudição, ele pensava. Jorge, ao contrário, era apenas um homem que gostava de
escrever. Dizia ser um escritor e mais nada.
Quando
Jorge Amado publicou seu primeiro romance, O país do carnaval, em 1931, era só
um rapazote de dezenove anos de idade. O livro conta a história de um jovem,
Paulo Rigger, perplexo diante das dificuldades do mundo e ainda indeciso quanto
ao caminho a tomar. Reflete, com nitidez, a alma agitada e inquieta do jovem
Jorge, que, desejando entregar-se à literatura, se sentia desorientado e
escrevia para dar ordem a essa confusão. Romance de formação, O país do
Carnaval é um livro juvenil, que guarda alguns dos melhores atributos da
juventude: a busca frenética do novo, uma forte efervescência interior e o
desejo obstinado de acertar. E sobretudo uma grande inquietação. Jorge ainda
era um autor “universal”. O Brasil que o jovem Rigger reencontra quando retorna
de Paris é um país que lhe parece estranho e mesmo incompreensível. Um país que
lhe inspira mais dúvidas que certezas. É uma imagem trêmula, indefinida, de um
país que ainda está por construir. E caberá a ele, Jorge Amado, fazer isso.
O Brasil
começa a aparecer com mais nitidez em seu segundo romance, Cacau, de 1932. O
livro descreve a dura vida dos trabalhadores das plantações de cacau da vila de
Pirangi, na região de Ilhéus, Bahia. Aqui, os dois elementos fundamentais de
sua literatura — memória pessoal e retrato do Brasil — começam a se misturar, e
mesmo a se confundir. Quando resolve discorrer sobre o país, é de si e sua
origem existencial que ele fala. Jorge escreveu Cacau depois de uma viagem a
Ilhéus em Jorge Amado e Caetano Veloso, Salvador, busca de suas raízes familiares. A partir do
impacto do reencontro com o passado, ainda cheio de dúvidas, Jorge começou a
esboçar uma imagem do Brasil.
Esse
Brasil mais pobre e mais infeliz continuará a desfilar pelas obras seguintes.
Em 1934, quando lança Suor, desloca o foco da vida no campo para as ruas das
cidades — no caso, a cidade de Salvador. O romance conta a vida miserável de
moradores de um sobrado do bairro histórico do Pelourinho. De certa forma,
muito torta, evoca O cortiço, o famoso romance que o escritor maranhense
Aluísio Azevedo (1857-1913) publicou em 1890. Tanto no campo como na cidade, as
adversidades — e a luta dos homens simples para superá-las — desenham uma
imagem áspera, mas calorosa, da vida brasileira. Mais uma vez Jorge se inspirou
em uma experiência pessoal: na adolescência viveu algum tempo em um dos casarões
do Pelourinho. De sua vida e de sua memória ele arranca, agora, uma fotografia
do Brasil. Mais uma vez, literatura e vida se misturam e se alimentam.
Publicado
em 1936, o romance Mar morto é outro exemplo da relação íntima entre Jorge
Amado e nosso país. Cada vez que escreve sobre si, ele escreve sobre o Brasil.
Cada vez que retorna às lembranças íntimas em busca das conexões perdidas no
passado, são fios da vida brasileira que puxa para perto de si. Depois de
tratar da vida no campo e nos bairros populares da cidade, Jorge se debruça, em
Mar morto, sobre a vida no mar. O livro conta a história e os amores de
heroicos pescadores que, em precários saveiros, sobrevivem enfrentando o
oceano. A cada madrugada a morte os espera no mar imenso. Nesse livro, a imagem
destemida do homem brasileiro se engrandece ainda mais. Ele agora não é só um
lutador, mas um homem que — como o herói Guma, que se afoga no mar — se
aproxima do mito. Um herói que, reencenando os relatos da Odisseia, de Homero,
enfrenta as forças da natureza e as armadilhas do destino nelas guardadas, e
sai fortalecido.
Mais um
salto se dá quando, em 1937, Jorge Amado publica Capitães da Areia, livro em
que os personagens são meninos abandonados, que vagueiam pelas ruas da cidade,
lutando — como Robin Hoods de calças curtas — para sobreviver. O romance
reafirma as qualidades que Jorge Amado atribui aos filhos de nosso país —
coragem, capacidade de extrair força da adversidade, imaginação vigorosa. Ele
sugere ainda que elas não são apenas uma conquista, mas algo que já existe
naturalmente em nós. Algo que trazemos desde o berço — como a cicatriz que o
líder dos meninos, Pedro Bala, tem no rosto. Torna-se mais forte ainda, aqui, o
otimismo com que Jorge Amado vê o Brasil, quase sempre, é verdade, temperado
pela violência. À medida que os livros se sucedem, esses atributos positivos se
tornam mais profundos e essenciais, como se estivessem infiltrados no sangue
brasileiro.
Além
dessas, mais uma característica da literatura de Jorge (qualidade, também, de
sua vida pessoal) amadurece: a consciência social e o engajamento político.
Publicado em 1935, Jubiabá reafirma, ainda com mais força, que o espírito
lutador do brasileiro desemboca, necessariamente, na rebeldia e, logo depois,
no combate e na luta política. No romance, o herói Antônio Balduíno leva uma
vida de malandro típico, boêmio e arruaceiro. A proteção de um pai de santo e o
sofrimento, porém, o transformam em um rebelde. Deixa a vida errante e se
torna, em seguida, um líder. Jubiabá mostra como as adversidades se ligam à
consciência social.
Essa
combinação de elementos leva Jorge Amado a escrever, mais à frente, livros de
forte espírito didático e baseados em alguns maniqueísmos — isto é, a divisão
do mundo entre os adeptos do bem e os do mal. Escrito em 1943, Terras do
sem-fim faz uma dura descrição da vida miserável nos grandes latifúndios da
Bahia. São Jorge dos Ilhéus, de 1944, também trata das disputas políticas, em
um cenário dominado pelo regime de semiescravidão. Escreve ainda livros de
grande importância histórica, embora de menor valor literário, como O cavaleiro
da esperança, biografia do líder comunista Luís Carlos Prestes, em que
trabalhou no ano de 1945, durante um breve exílio na Argentina e, depois, no
Uruguai. No mesmo ano, unindo de vez literatura e política, Jorge se tornou
vice-presidente do I Congresso dos Escritores, que fez duras críticas ao Estado
Novo. Ainda nesse ano, com o fim do Estado Novo, tornou-se deputado federal
pelo pcb e se casou com Zélia Gattai.
Essa radicalização
política de sua literatura se prolonga durante o exílio de Jorge e Zélia em
Praga, na Tchecoslováquia, no início dos anos 1950, quando escreveu O mundo da
paz, livro de reportagens sobre o socialismo. Até que, em 1954, pouco depois de
publicar os três volumes de Os subterrâneos da liberdade — romance ambientado
na resistência ao Estado Novo — Jorge viveu um grande golpe pessoal. Naquele
ano, durante o xx Congresso do Partido Comunista Soviético, o secretário-geral
do partido, Nikita Khruchióv (1894-1971), denunciou publicamente as atrocidades
cometidas pelo ditador Iossif Stálin, que esteve no poder Com a medalha do
Prêmio Internacional Stálin, Moscou, de 1922 até 1953, ano de sua morte. A
revelação foi uma grande decepção para Jorge — que em 1951 recebera, em Moscou,
o Prêmio Internacional Stálin. Uma radical metamorfose íntima o afastou então
de uma visão internacionalista, pautada pela doutrina do comunismo, e o
aproximou ainda mais do Brasil e da realidade brasileira, ampliando seu olhar
sobre nosso país.
Essa
reviravolta se refletiu, cinco anos depois, no romance Gabriela, cravo e
canela, livro que marca sua ruptura com uma visão mais ortodoxa do mundo e que
foi um de seus maiores sucessos internacionais. O romance o lança, de vez, em
uma nova visão do Brasil e do mundo, agora não mais esquemática, ou
programática, mas viva, cheia de contradições e de incongruências — como a
realidade, de fato, é. Outro sinal dessa mudança aparece na novela A morte e a
morte de Quincas Berro Dágua, que ele publica em 1959 e que é, nos aspectos
literários, seu livro mais sofisticado. Nela, Jorge enterra de vez a visão mais
esquemática do real que caracterizou seus primeiros romances. Quincas Berro
Dágua é um personagem que desafia a morte. Arremeda, assim, os escritores que,
com sua imaginação e sua liberdade interior, ultrapassam os limites da
realidade e desafiam as leis da natureza. Ele não é um resignado, mas um
insubmisso. Contudo, sua revolta vai muito além da rebeldia contra as mazelas
sociais e se expande para uma revolta contra os limites da condição humana e as
determinações do destino.
Em
1961, mais próximo ainda das coisas brasileiras, Jorge Amado foi eleito para a
Academia Brasileira de Letras. Em 1964, com Os pastores da noite, a presença do
candomblé e do misticismo afro-brasileiro se tornam ainda mais presentes em sua
literatura. Se com Gabriela ele reforça as tintas no retrato de um Brasil
sensual e otimista, habitado por gente que tem uma alegria absolutamente
indiferente às contingências sociais, em Os pastores ele volta a enfatizar a
figura de um país no qual o espiritualismo e a religiosidade se agigantam. As
forças místicas e irracionais se tornam, em definitivo, mais potentes que as
circunstâncias sociais e políticas.
Mas é
com a publicação de Dona Flor e seus dois maridos, em 1966, que Jorge Amado se
consagra de vez como o grande retratista do Brasil. Com uma tiragem inicial de
75 mil exemplares, o romance o consagra também como um fantástico vendedor de
livros. A simples assinatura de Jorge Amado, a essa altura, basta para atrair
multidões de leitores. Com Dona Flor, a história de uma professora, Florípedes,
dividida entre o falecido e sensual Vadinho e a nova paixão pelo metódico Teodoro, Jorge põe em cena uma heroína que não
precisa mais escolher entre o bem e o mal. Entre Vadinho e Teodoro, ela fica
com os dois. Com esse livro, toda a estética comunista, que via o mundo como um
ringue no qual lutavam forças opostas e inconciliáveis, se arruína. Em Dona
Flor, Jorge mistura não só o mundo material com o espiritual, mas apresenta
personagens que, em vez de lutar para resolver contradições e dilemas íntimos,
aceitam os paradoxos e as incoerências que definem o humano, abrigando em si
elementos opostos e até, na aparência, incompatíveis. E, justamente porque se
recusam a fazer escolhas e aceitam a vida como experiência múltipla e
incoerente, eles se fortalecem como seres humanos.
A
partir daí Jorge Amado passa a pintar a imagem de um Brasil afirmativo e cheio
de otimismo, em que nem mesmo as contradições mais fortes e os sofrimentos mais
graves atrapalham os projetos de felicidade. Ao contrário: justamente porque é
cheio de facetas e de opostos — como se fosse muitos países dentro de um só —,
que ele se torna um grande país. Ele se torna o Brasil. Ricos e miseráveis,
pudicos e devassos, brancos e negros, místicos e descrentes, todos convivemos
em uma mesma terra. E é essa mistura que nos define como nação.
Os
romances de Jorge Amado foram sempre um grande sucesso de vendas. A partir de
Dona Flor, as traduções se multiplicam, ultrapassando a faixa de quarenta
países. Mas no mundo de hoje, dominado pela imagem e pelos audiovisuais, como o
cinema, a tv e a internet, eles romperam e ultrapassaram as páginas dos livros.
Em 1946, Jubiabá e, logo em seguida, São Jorge de Ilhéus foram adaptados pela
Rádio São Paulo. Três anos antes, Eddi Bernoudy e Paulo Machado levaram Terras
do sem- -fim para o cinema — rebatizado como Terras violentas. Em 1961, a
extinta tv Tupi levou ao ar uma adaptação de Gabriela dirigida por Maurício
Sherman.
A
primeira adaptação de um romance de Jorge Amado no exterior aconteceu no ano de
1941, quando Mar morto se tornou uma radionovela na Radio El Mundo, da
Argentina — e que ajudou os argentinos a entender um pouco mais seus vizinhos
brasileiros. Dez anos mais tarde, consequência das fortes ligações de Jorge com
o movimento comunista internacional, O cavaleiro da esperança se tornou uma
radionovela na rádio oficial da Tchecoslováquia. Mas a essa altura a literatura
de Jorge Amado estava presente muito além das fronteiras do socialismo. Em
1961, a Metro-Goldwyn-Mayer comprou os direitos de adaptação de Gabriela,
projeto que no entanto fracassou. O romance foi adaptado para o cinema em 1983,
com direção de Bruno Barreto e com a atriz Sônia Braga no papel-título. O ator
italiano Marcello Mastroianni interpretou Nacib. Entre outras adaptações no
exterior estão a de Capitães da Areia, realizada, em 1970, pelo diretor de
cinema americano Hall Bartlett, com Kent Lane e Tisha Sterling. Em 1975 o
cineasta francês Marcel Camus — que já adaptara o Orfeu da Conceição, de
Vinicius de Moraes, para o cinema, conquistando a Palma de Ouro do Festival de
Cannes — levou Os pastores da noite para as telas. A cada lançamento, não é só
a literatura de Jorge Amado que se dissemina — é uma imagem do Brasil que ela
carrega e difunde.
Em 1977
Tenda dos Milagres foi transposto para o cinema sob a direção de Nelson Pereira
dos Santos, com Hugo Carvana e Anecy Rocha. Mais recentemente, em 1996, foi a
vez de o cineasta Cacá Diegues dirigir Tieta do Agreste, mais uma vez com Sônia
Braga no papel-título.
Nesse
ponto as adaptações dos romances de Jorge já tinham se espalhado pela
televisão. Em 1975 Walter George Durst realizou para a tv Globo uma segunda
adaptação de Gabriela, com Sônia Braga como a protagonista. Terras do sem-fim,
adaptada por Walter George Durst, em 1981, Tieta, por Aguinaldo Silva, em 1989,
e Tocaia grande, por Duca Rachid, em 1995, se tornaram também telenovelas da
Globo. Em 2001, a emissora lançou a novela Porto dos milagres, dirigida por
Fabrício Mamberti e Luciano Sabino e inspirada em dois livros de Jorge Amado:
Mar morto e A descoberta da América pelos turcos, seu último romance, de 1994.
Tenda
dos Milagres, adaptada por Aguinaldo Silva, em 1985, Capitães da Areia, por
José Louzeiro e Antonio Carlos Fontoura, em 1989, Tereza Batista, por Vicente
Sesso, em 1992, Dona Flor, por Dias Gomes, em 1997, e Pastores da noite, por
Maurício Farias e Sérgio Machado, em 2002, se transformaram em minisséries.
Atores do porte de Sônia Braga, Nelson Xavier e Betty Faria tiveram
interpretações consagradoras de personagens de Jorge Amado. Enquanto assistia
na tv às encenações das histórias de Jorge, o Brasil via a si mesmo, e aprendia
quem estava predestinado a ser.
A forte
identidade entre Jorge Amado e o Brasil também chegou às escolas de samba. Em
1989 o Império Serrano, do Rio, levou para a avenida o enredo “Jorge Amado,
axé, Brasil”.
Logo
depois de lançar Gabriela, Jorge recebeu o título de obá Arolu do Axé Opô
Afonjá, uma das mais altas condecorações do candomblé da Bahia. Quando em 1961
ele foi eleito para a cadeira da Academia Brasileira de Letras, esse
reconhecimento da elite literária do país vinha apenas ratificar a consagração
Jorge popular. No mesmo ano, o presidente Juscelino Kubitschek o convidou para
ser embaixador de nosso país na República Árabe Unida, criada três anos antes,
com a união política entre o Egito e a Síria. delicadamente recusou o convite.
A essa altura, ele já era o embaixador brasileiro não para esse ou aquele país,
mas para o mundo.
As
traduções no exterior ajudaram a aproximar as imagens de Jorge Amado e do
Brasil. Já em 1937, aos 25 anos, mesmo ano em que o Estado Novo queimou seus
livros em praça pública, teve dois de seus primeiros romances, Suor e Cacau,
traduzidos para o russo. Em 1984, quando recebeu a Legião de Honra, a maior
condecoração francesa, o nome de Jorge Amado já era uma espécie de etiqueta de
qualidade das coisas e dos temas brasileiros. Três anos depois, com a criação
da Fundação Casa de Jorge Amado, em Salvador, ele se tornou, em definitivo, uma
instituição nacional. No ano seguinte, reafirmando a força desse vínculo entre
o escritor e o país, a editora norte-americana Bantam Books lhe pagou o maior
adiantamento já destinado a um escritor brasileiro: 250 mil dólares. Mesmo
quando, em 1993, depois de sofrer um infarto, sua saúde começa a declinar, seu
nome continuou a valer ouro. O título de doutor honoris causa que recebeu em
1998, da Universidade Sorbonne, França, apenas três anos antes de sua morte,
foi mais uma reafirmação eloquente disso.
Ao se
inventar como escritor, Jorge Amado reinventou o Brasil. A partir dele não
podemos mais pensar em nosso país sem as cores e o sensualismo, a mestiçagem e
o sincretismo, a fibra e a alegria que norteiam suas narrativas. Nós, que
nascemos a partir da metade do século XX, somos filhos e herdeiros dessa
literatura. Somos, de alguma forma, seus personagens também. Se o Brasil tem um
autor, ele se chama Jorge Amado.
www.jorgeamado.com.br/professores2/02.pdf
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