(1908 – 1995) Romancista, ensaísta,
novelista, médico psiquiatra. Pessoa simples e sonhadora, começou sua
carreira aos 15 anos, escrevendo artigos políticos, oposicionistas,
libertadores e contos regionais, publicados em jornais da sua cidade. Foi um
dos autores mais produtivos do período e grande parte de sua obra está
dedicada à temática rural. Em um dos seus contos, Alma Gaudéria, revive uma das últimas carreiradas de campanha,
junto à venda de seu pai.
Seu primeiro livro publicado foi Campo Fora, onde retrata suas experiências
infantis vividas na campanha, as gauchadas, as carreiradas, os “causos” de galpão,
os tesouros e assombrações das lendas.
A literatura de Cyro Martins fala do gaúcho
que foi uma figura de grande destaque histórico, mas tornou-se marginalizado
pela evolução natural dos fenômenos sociais, econômicos e políticos. Foi um
profundo estudioso da obra humana na ficção e na realidade.
Principais obras:
Porteira Fechada – tem como tema a
tirania econômica da classe dominante (os fazendeiros) sobre a massa de trabalhadores rurais. O
problema básico é o da distribuição e da apropriação das terras e o modo de
exploração das mesmas. Esse livro, junto com Sem Rumo e Estrada Nova retrata a degradação que é imposta ao
gaúchos pobres, motivada pelo afastamento do seu habitat natural, o campo, e
a necessidade de se refugiar nas favelas das cidades grandes e forma o que é
chamada “trilogia do gaúcho a pé”.
Além disso, escreveu: A Entrevista, A
Dama do Saladeiro, O Mundo em que Vivemos, Sombras na Correnteza, Príncipe da
Vila.
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Jornal da
Câmara Riograndense do Livro - Agosto/98
Cyro Martins, escritor e psiquiatra, criador da
expressão "gaúcho a pé", completaria 90 anos em agosto. Sua
importância no panorama da literatura vem tanto do texto apurado, como da
visão profunda e original sobre as mudanças sociais e ecônomicas aoperadas no
microcosmos do pampa do Rio Grande do Sul. Contribuiu para a criação de uma
nova abordagem da temática regional, assim como para a recontextualização da
figura mítica do gaúcho.
"O ato de criação artística requer certa predisposição, que é a dimensão poética do espírito. Esse acesso às emoções que comandam sua vida interior põe o artista defronte ao outro si mesmo, assim como a associação livre do paciente e atenção flutuante do psicanalista, colaborando, produzem o insight na situação artística." Minha literatua regionalista não é saudosista. Ela tem um sentido de protesto. Fala do gaúcho que foi uma figura de grande destaque histórico, mas marginalizado pela evolução natural dos fenômenos sociais, ecônomicos e políticos. Não houve cuidado em poupar esse homem quando ele perdeu o cavalo e perdeu a distância. Sem rumo, ele foi ficando à beira das cidadezinhas, morrendo de sífilis, de tuberculose, de cachaça, de peleias inúteis.
PAINEL
REALISTA DA SOCIEDADE SULINA
Cyro Martins é um intelectual de imensa
importãncia no cenário da cultura sul-riograndese, não só por sua obra
ficcional como por sua dedicação à carreira de médico psiquiatra. Foi um dos
pioneiros no estudo e na aplicação da teoria de Sigmund Freud em nosso
estado, além de ter participado como fundador de diversas entidades ligadas
aos estudos psicanalíticos.
Seus textos literários são sempre louvados
pelo painel realista que pintam da sociedade sulina, especialmente em relação
à trajetória do homem do campo. Iniciou sua carreira com o livro de contos
Campo Fora, publicado em 1934, mas foi com o romance que se consagrou. Na
trilogia do "gaúcho a pé" (termo cunhado por ele mesmo em 1935),
composta pelos romances Sem Rumo, Porteira Fechada e Estrada Nova, Cyro
Martins desenvolve a temática da lenta expulsão dos peões da estância e seu
conseqüênte empobrecimento nos cinturões de miséria das cidades, colocando a
nú os problemas sócio-econômicos que aparecem na campanha a partir de 1910.
Nessa perspectiva, sua obra permanece atual, na medida em que tais problemas
se avolumaram com o passar do tempo.
Seu grande valor reside no fato de ter
recirado um mundo e uma época de intensas transformações sociais, as quais
mudaram o modo de encarar o papel de peão dentro dessa nova estrutura social
em que se formava. O modelo de gaúcho (o "gaúcho a cavalo") , que
reinava até então, é substituído pela figura do "gaúcho a pé": sem
rumo, marginalizado, já que sem serventia dentro do novo quadro que se
apresenta; sem possibilidade de retorno, pois a porteira está fechada; e à
procura de outras perspectivas, de uma vida autônoma, sem servilismo, de uma
estrada nova rumo à urbanização e à profissionalização.
Márcia Ivana de Lima e Silva
Doutora em Teoria da Literatura - PUCRS;
Professora do Curso de Letras da UFRGS;
Coordenadora do Acervo Literário Érico Veríssimo
LITERATURA E HISTÓRIA NA TRILOGIA DE CYRO
MARTINS: A REPRESENTAÇÃO DOS GAÚCHOS E DAS PRENDAS A PÉ
Caroline dos Santos Cardoso
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3 A
trilogia do gaúcho a pé: realidade e ficção nos romances de Cyro Martins
3.1 Sem rumo: A supremacia do Partido
Republicano Rio-Grandense
Na
obra Sem rumo, o primeiro romance que
compõe a trilogia do gaúcho a pé, o contexto histórico predominante é o
político. Do conjunto de referências aos fatos reais apresentados por Cyro Martins,
destacam-se a menção à República Velha, ao governo de Borges de Medeiros e ao
processo eleitoral da época. O primeiro elemento que podemos observar na
narrativa, acerca dos fatos históricos, é a referência à Republica Velha,
período marcado pela hegemonia do Partido Republicano Rio-Grandense e pelo
governo de Borges de Medeiros, durante o período de 1913 a 1928, presente no
diálogo entre as personagens coronel Dutra e Manuel Garcia:
” - O que eu ia dizer, e disto você deve
estar cientificado, é que teremos eleições este ano. O nosso candidato, como
sempre, será o impoluto Dr. Borges de Medeiros, presidente do Estado e chefe
incontestável do Partido Republicano Rio-Grandense. Isto não está oficialmente
assentado, mas, é claro, não se pode esperar outra coisa.”
Nesse
trecho, ao recuperar a figura de Borges de Medeiros e de seu Partido, o autor
também retoma o sistema eleitoral da época. Apesar do poder absoluto do Partido
Republicano Rio-Grandense, a oposição, mais conhecida como maragatos,
preparava-se visando à indicação de um candidato para a disputa do cargo de
presidente do Estado do Rio Grande do Sul. Para evitar a ameaça dos maragatos,
os filiados ao Partido Republicano utilizavam diferentes estratégias para impor
o poder, entre elas se destacava o controle absoluto que o partido exercia
sobre os coronéis e a capacidade que estes possuíam para mobilizar os votos em
suas localidades. Cyro Martins retrata os mesmos fenômenos na fala do coronel
Dutra, o qual defende o poder absoluto de Borges e de seu partido, além de
manipular o povo em relação ao controle dos votos da região:
“- Pois então ficamos acertados. Você será
nomeado professor rural, deixará esta vidinha miserável, própria de indivíduos
incapazes, porque a rabiça do arado não foi feita para mãos de homens da
têmpora de Manuel Garcia. E em troca dessa mudança de vida, uma verdadeira
loteria, o que lhe exigimos? Veja o nosso desprendimento – nada! Apenas o seu
voto e a sua cabala nas redondezas para o Dr. Borges de Medeiros, o maior
rio-grandense vivo!”
Outro aspecto que Cyro Martins recupera em sua
obra, no que se refere à história política brasileira e, consequentemente,
rio-grandense, é a instauração do voto secreto. O autor apresenta tal elemento
nos discursos dos candidatos da oposição, discursos estes que defendiam e
priorizavam a população menos favorecida, além de enfatizar a importância do
novo sistema de votação:
Dês do primeiro orador até o último, Chiru
vibrou, comoveu-se, indignou-se. E quando a manifestação se dissolveu, ele saiu
matutando sobre as palavras do último que discursou: “Senhores, concidadãos,
conterrâneos! O voto secreto que vamos estrear nas próximas eleições foi uma
conquista irreversível do povo. É mentira que alguém possa violar o sigilo do
voto!”.
Outro
aspecto importante foi a possibilidade do voto feminino. Cyro Martins introduz
este momento histórico nos capítulos finais de Sem rumo. Mais uma vez, através da fala da personagem Lopes:
“ - Estou fazendo tudo que posso, doutor.
Mas, o sr. sabe, o pessoal é sem-vergonha, sem palavra. Além disto, nesta eles
estão vindo de a cabresto. E com esta invenção, agora, de voto feminino, a
situação piorou muito, porque o dr. Rogério andou de casa em casa, pedindo voto
pra tudo quanto foi mulher que pariu nas mãos dele!”
A
história eleitoral do Rio Grande do Sul, especialmente na primeira metade do
século XX, foi marcada pela fraude nas eleições, principalmente no que se
refere à utilização de títulos eleitorais falsos ou de pessoas que votavam com
títulos de falecidos. Em Sem rumo, este aspecto da história também é explorada
pelo autor:
“-
Anda depressa, homem, que está na hora. Chiru mal atou as cordas dos sapatos
novos. Enfiou o casaco de carregação, novo também. Embarcou no auto. Lopes
virou-se para ele, passando-lhe ao mesmo tempo um cartão dobrado e impresso,
listrado de verde e amarelo. Chiru olhou para aquilo sem compreender. - É o
título. João Fernandes da Silva é o teu nome. Não esqueça. E isto (alcançando
outro papel) é a chapa. Tem que meter dentro do envelope que o presidente da
mesa te der. E não vai te bobear tentando trocar de chapa, porque a eleição
toda está sob controle.
Diante da análise apresentada, até o
momento, confirma-se o diálogo entre história e ficção na construção do romance
Sem rumo, verifiquemos como tal relação se dá nas demais obras que constituem a
trilogia.
3.2
Porteira fechada: os detentores do poder político perdem força
Em Porteira
fechada, dentre os fatos reais inseridos na obra, Cyro Martins apresenta o
declínio do poder do Partido Republicano Rio-Grandense, a supremacia dos chefes
políticos que perdeu força gradativamente no Estado, tanto no domínio político quanto
no âmbito social. Juntamente com a representação das transformações ocorridas
no cenário político estadual, o autor recupera mais uma vez o processo
eleitoral fraudulento que ainda permanecia no Estado, além de apresentar
novamente em sua obra fatos e personagens que caracterizam a história do Rio
Grande do Sul.
A queda do poder e a decadência de uma
política centralizadora, injusta e cruel são representadas na obra,
principalmente, através do bolicheiro Fagundes. A personagem retrata, dentro da
obra, o período de transição pelo qual o Partido Republicano passou, da ação
predominante ao declínio no cenário político estadual. Essa transição pode ser
associada à própria vida da personagem Fagundes dentro da obra, o qual passou
do cargo de subintendente, fiel ao Partido, à atividade de bolicheiro de uma
área miserável do município de Boa Ventura. Durante o período que desempenhava
a função de subintendente, Fagundes era respeitado e temido pelas demais
pessoas:
“Leandro resvalou um olhar demorado, cheio
de significação, pelas costas volumosas do capitão. Conhecia-lhe a fama, e só
de lembrar certos fatos da sua vida, arrepiava-se. Mas isso não impedia que o
tratasse com delicadeza. Demais, eram correligionários... E Fagundes não perdia
oportunidade para se vangloriar de ser homem de confiança do Coronel Ramiro, chefe
incontestável do município.”
Na
citação acima, observa-se mais uma vez as ações que caracterizavam o modo de
gestão dos republicanos, marcado pelo abuso de autoridade, pela violência e
pelo predomínio do poder dos coronéis. Verifica-se novamente que Cyro Martins
apresenta em sua obra os fatos que marcaram a história política do Rio Grande
do Sul e, através delas, dá vida às suas personagens. Os coronéis, até então
chefes incontestáveis dos municípios, deixam de exercer o poder absoluto, os
detentores do poder político perdem força no cenário estadual, fenômeno este
que é apresentado em Porteira fechada através da personagem do coronel Ramiro:
Até pouquinho antes do Coronel Ramiro apear do poder, Fagundes ainda alimentava
esperanças de um auxílio mais eficiente, em dinheiro, em crédito ou mesmo um
lugar de Guarda-Aduaneira. Mas depois que o chefe caiu... -
“Agora, meu negro, só no dia de São Nunca!
Atucanava-lhe a mulher seguidamente, com sarcasmo.”
Com
a queda do coronel Ramiro, seus aliados perderam benefícios e ajuda. A partir
do posicionamento de Fausta, esposa de Fagundes, verifica-se como o declínio do
poder político é acentuado, uma vez que não há mais esperança de auxílio por
parte dos seus líderes, já que sua ação no âmbito político não é mais
efetivamente ativa. A esperança de Fagundes por uma ajuda mais eficiente, pelo
reconhecimento do seu trabalho frente às ordens do Partido, mostra e recupera
mais uma vez características da administração política no Estado, a qual era
movimentada pela troca de favores entre chefes políticos e aliados, processo
este que, com a queda do poder político, perdeu força.
Além de representar em Porteira fechada o declínio do poder do
Partido Republicado, Cyro Martins novamente retoma o sistema eleitoral da
época, centralizado nas trocas de favores entre chefes políticos e aliados e,
também, nas fraudes nos processos de votação como, por exemplo, a efetivação de
votos através de títulos de eleitores já falecidos:
“Quevedo submetia-se a tudo, discretamente.
Aprendeu a custo a garatujar o nome, para fins eleitorais. Mas nunca chegou a
votar com título próprio, sempre se desobrigou dos deveres partidários usando
títulos de eleitores defuntos. Em duas eleições os fiscais da oposição
protestaram contra o seu voto, porém, diante da sua calma imperturbável, os
oposicionistas acabaram aceitando o seu título como legítimo. Foram duas
pequenas vitórias que ele obteve para o partido. Em paga de tamanha lealdade,
Ramiro reafirmou-lhe a promessa de que ele seria o substituto do velho André.”
A
análise dos fragmentos extraídos do romance Porteira
fechada confirma novamente, como já verificado em Sem rumo, que aspectos da história rio-grandense estão inseridos na
obra ficcional. Porém, diferentemente de Sem
rumo, Porteira fechada mostra aos
leitores o início da quebra da supremacia do Partido Republicano Rio-Grandense,
sem deixar de recuperar personagens e processos políticos que sempre estiveram
presentes nas ações políticas no Estado.
3.3
Estrada nova: uma nova perspectiva política
A
obra que faz o fechamento da trilogia do gaúcho a pé, Estrada nova, traz em sua essência as novas possibilidades políticas
inseridas no Rio Grande do Sul. Novas visões governamentais são adotadas, o
povo torna-se mais ativamente engajado na política, o que ocasiona a crítica ao
antigo sistema governamental. Ao iniciar a análise da obra, em relação aos elementos históricos
presentes em sua construção, pode-se verificar que o autor mais uma vez faz
referências a acontecimentos que marcaram política e socialmente a história do
Estado. Tais acontecimentos são introduzidos no romance através das recordações
e lembranças das personagens, as quais recuperam fatos que refletiram
diretamente em suas vidas. Continuando a análise, neste subcapítulo destacam-se
as referências os acontecimentos históricos e, mais uma vez, ao sistema
eleitoral.
Dentre os momentos históricos, o autor faz
menção ao Estado Novo através da personagem Flávio, ex-arrendatário que perdeu
suas terras, vendidas a um castelhano com grande poder aquisitivo:
“ - Arrendei aquela estância durante
quatorze anos. Todo o mundo de fora pensava que era minha a propriedade. Eu
mesmo achava que não ia sair mais dali, pois tencionava seriamente comprar o
Espinilho. Mas um belo dia, isso não foi muito antes da guerra, lá por fins de
37, no ano do Estado Novo, apareceu um castelhano endinheirado e o dono não teve
dúvida em negociar com ele.”
No entanto, a recuperação da história,
brasileira-rio-grandense, não está centralizada apenas nas referências a
momentos históricos específicos, mas também na reflexão das próprias
personagens frente às modificações que ocorreram nos processos políticos e
sociais no Estado. O Coronel Teodoro, ao comparar o período borgista com o
atual sistema em que está inserido, apresenta as características de ambos os
momentos históricos em relação aos processos eleitorais:
“Agora se fazia política a propósito de
tudo. Coisas que antes nem se falava, coisas que nem se sabia que existiam ou,
se existiam, não tinham a menor importância na eleição dum deputado, dum
prefeito ou mesmo dum presidente do Estado, estavam agora na ordem do dia. Não se
lia mais um discurso político que não falasse em energia elétrica, nos
ferroviários, nos mineiros e, sobretudo na classe operária. Francamente, não
entendia mais nada. No tempo do dr. Borges de Medeiros, no Estado, e do coronel
Januário no Município, as eleições se faziam por assim dizer no grito nomais...
Oh, eleição peleada, aquela! Que correria de próprios, de chasques, levando
cartas, bilhetes, recados, plata, promessas, ameaças...”
Apesar de já apresentar esta nova perspectiva
política no âmbito estadual, Cyro Martins ainda recupera fatos históricos que
marcaram o predomínio do Partido Republicano, os quais foram o ponto de partida
para os oposicionistas reivindicarem a análise dos processos eleitorais no
Estado, já que as fraudes eram realizadas livremente. Devido a um sistema
eleitoral fragilizado e precário, os filiados ao Partido Republicano
Rio-Grandense não encontraram, até o ano de 1922, barreiras que impedissem as
fraudes nos processos de votação. Por esse motivo os vivos eram sempre
governados pelos mortos, pois ocorria em massa a efetivação de votos em nome de
defuntos, os quais sempre elegiam o partido que já se encontrava no poder, o
Republicano.
As eleições de 1922 foram o marco para a
quebra da supremacia do Partido. A reeleição de Borges de Medeiros para o seu
5º mandato enfureceu a oposição, a qual alegava fraudes na eleição do candidato
republicano. Este período de turbulência também é apresentado em Estrada nova:
Em 22, por ocasião do pleito Assis-Borges, o Rio Grande se alvorotava de novo.
A
partir das considerações apresentadas no decorrer deste capítulo, confirma-se,
portanto, que Cyro Martins representa fatos e personagens que caracterizam a
história rio-grandense. Esse diálogo entre ficção e história se dá através da
criação de personagens que representam episódios históricos reais, ou seja, o
contexto histórico brasileiro e rio-grandense é utilizado para justificar e
caracterizar as ações realizadas pelas personagens, ações estas que visam
recuperar e denunciar a real história do homem do campo frente às
transformações políticas, sociais e econômicas. Pode-se exemplificar esta
constatação a partir da menção de personagens históricos que são recuperados na
construção interna dos romances como, por exemplo, Getúlio Vargas e Borges de
Medeiros e, também, por meio da apresentação de acontecimentos e de fatos
políticos, sociais e econômicos que marcaram a história brasileira e
rio-grandense: o sistema eleitoral fraudulento, a instauração do voto secreto e
a possibilidade do voto feminino.
www.pucrs.br/edipucrs/online/IXsemanadeletras/.../Caroline_dos_Santos_Cardoso.pdf
100 ANOS DE CYRO MARTINS: EXPULSÃO E CRIMINALIZAÇÃO
DOS ''GAÚCHOS A PÉ''
DIORGE KONRAD *
João Guedes, o gaúcho honesto e sofredor
que a garra adunca do senhor do campo lança repentinamente nas ''coroas de
miséria'' que envolvem a cidade do interior, é um homem que hoje pode ser
encontrado em centenas de reproduções em nosso Estado (Décio Frei)
"Testemunhos de
protesto como são, meus romances teriam que ser campeiros e pracistas, para
acompanhar de perto o destino dos migrantes" (Cyro Martins, no ensaio
Páginas soltas, escrito em 1994).
Em 5 de agosto de 1908, nascia o escritor e
psicanalista gaúcho Cyro Martins, morto em 1995. Natural de Quaraí , na
fronteira sudoeste do Rio Grande do Sul, foi o autor dos romances Sem Rumo
(1937), Porteira Fechada (1944) e Estrada Nova (1954), nomeados pela crítica
literária como a “Trilogia do Gaúcho a Pé”, por abordar atores
sociais em situação de pobreza no campo e marginalidade na cidade.
Ainda menino, em 1920, foi morar em Porto
Alegre a fim de estudar. Mais tarde cursaria a faculdade de Medicina,
formando-se em 1933. Ao retornar à Quaraí, foi médico por três anos. Foi ali
que conheceu mais de perto a miséria social decorrente da capitalização das
estâncias gaúchas que, abordaria em seus romances, tornando-o um dos principais
intelectuais do Rio Grande do Sul.
Filiado ao Partido Comunista do Brasil, teve
atuação destacada junto à vanguarda do pensamento gaúcho, escrevendo na revista
Rumo, em 1936, em A Tribuna Gaúcha, a partir de 1946 e também na revista
Horizonte, onde foi editor junto com Lila Ripoll.
Tragicamente, no centenário de nascimento de Cyro Martins, partiu do Rio Grande do Sul a mais recente tentativa de criminalização do movimento social que herda a tradição do “gaúcho a pé” na luta pelo acesso à terra, o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra.
Tragicamente, no centenário de nascimento de Cyro Martins, partiu do Rio Grande do Sul a mais recente tentativa de criminalização do movimento social que herda a tradição do “gaúcho a pé” na luta pelo acesso à terra, o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra.
Em 2008, assistimos a maior ofensiva
civil-militar contra os movimentos sociais, e o MST em particular, desde o fim
da Ditadura Civil-Militar. Tornou-se pública a ata n. 1.116 do Conselho
Superior do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul. Nela, fica
evidente a estratégia do governo de Yeda Crusius, através da Brigada Militar,
da FARSUL (a entidade máxima dos ruralistas gaúchos) e de parcela do Poder
Judiciário para dissolver o Movimento Sem Terra, impedir a luta pela reforma
agrária e o avanço da democracia social em nosso país.
Baseando-se no Estatuto da Terra da Ditadura,
o qual pôs na ilegalidade as Ligas Camponesas, são propostas as seguintes
medidas: designar uma equipe de promotores de justiça para promover ação civil
pública com vistas à dissolução do MST e a declaração de sua ilegalidade;
suspender as marchas, colunas ou outros deslocamentos em massa de sem-terras;
investigar os integrantes de acampamentos e da direção do MST pela prática de
crime organizado; investigar os integrantes de acampamentos e a direção do MST
no que toca ao uso de verbas públicas e de subvenções oficiais; intervenção do
Ministério Público em três escolas para a readequação à legalidade, tanto no
aspecto pedagógico quanto na estrutura de influência externa do MST com vista à
proteção da infância e juventude em relação às bases pedagógicas veiculadas nas
escolas mantidas ou geridas pelo MST, impedimento da presença de crianças e
adolescentes em acampamentos e em deslocamentos em massa; desativação dos
acampamentos situados nas proximidades da Fazenda Coqueiros bem como de todos
os acampamentos que estejam sendo utilizados como 'base de operações' para
invasão de propriedades; investigação dos assentamentos promovidos pelo Incra
ou pelo Estado do Rio Grande do Sul, de forma a verificar se a propriedade rural,
nessas áreas, cumpre sua função social; realização de investigação eleitoral
nas localidades em que se situam os acampamentos controlados pelo MST,
examinando-se a existência de condutas tendentes ao desequilíbrio deliberado da
situação eleitoral local e; formulação de uma política oficial do Ministério
Público, com discriminação de tarefas concretas, com a finalidade de proteção
da legalidade no campo.
Esse movimento reacionário não se resume
apenas ao aumento da repressão militar aos movimentos sociais. Em Carasinho, no
norte do estado, em 29 de julho, integrantes do MST tiveram a primeira
audiência onde respondem processo baseado na Lei de Segurança Nacional, a mesma
que regulou e orientou a ação da Ditadura Pós-1964.
54 anos depois de
Estrada Nova (1954), 64 depois de Porteira Fechada, 71 depois de Sem Rumo e nos
cem anos do nascimento de Cyro Martins bem que os procuradores gaúchos poderiam
ler a trilogia desse extraordinário escritor. Quem sabe, voltariam a
tirar as vendas de Themis. Assim, olhariam para a realidade
centenária de expulsão dos homens da terra no Rio Grande do Sul, formada pelas
sesmarias, consolidadas pela falta de reforma agrária com o fim da escravidão e
aprofundadas com a mecanização do campo feita pelo agronegócio sem a respectiva
partilha da terra.
O Contexto Histórico
do “Gaúcho a Pé” de Cyro Martins
Apesar do Movimento de 1930, no Rio Grande
do Sul, não houve mudança radical na estrutura agroexportadora e no modelo
histórico de desenvolvimento. Seu desenvolvimento econômico continuou
concentrado na agricultura e na pecuária, destinando-se a ser um complemento da
economia central com o papel de fornecer gêneros de subsistência ao mercado
nacional. Para as classes dominantes nacionais interessava manter aquela
dinâmica. Por isso, consolidou-se uma relação de dependência e
complementaridade.
Neste quadro, o governo central, segundo
argumenta Sandra Pesavento, “procurava de todas as maneiras resolver os problemas
das regiões econômicas periféricas, desde que os interesses destas não
entrassem em contradição com (...) a integração do mercado pela articulação das
economias regionais e a diversificação da estrutura produtiva da nação.
Ambos, em última instância, se resumiam em um único: garantir a continuidade do
processo de acumulação capitalista no país.
Sendo um estado essencialmente exportador -
o charque ainda era o principal produto - o Rio Grande do Sul dependia, de
forma geral, da política econômica do governo central, mesmo quando as
charqueadas perdiam espaço para a implantação de frigoríficos, sobretudo devido
à matéria-prima.
No caso da pecuária, a criação permanece
fundamentalmente extensiva, com a criação do gado em largas extensões de terra,
não tendo uma maior utilização de novas tecnologias para “incrementar a
produtividade”. Na produção agrícola, também, os problemas eram grandes,
impossibilitando um maior estímulo ao setor.
Esse quadro é mostrado por Sandra Pesavento.
A historiadora argumenta que do ponto de vista do proprietário da terra e gado,
a baixa capitalização limitava as chances alternativas do uso do potencial
produtivo da terra. Além disso, o elevado custo das máquinas, fertilizantes e
defensivos agrícolas, sob o controle das empresas estrangeiras, aliada à
concorrência do mercado nacional e internacional de outros produtos,
dificultava o êxito da lavoura capitalista gaúcha de exportação.
Assim, a crise agropecuária só poderia ser
revertida por um grande desenvolvimento industrial que surgisse do setor
primário. Como isso não acontecia, o Rio Grande do Sul mantinha a sua estrutura
tradicional, pois a agricultura como a pecuária, não serviam de fator gerador
da “acumulação de capital para a indústria, tal como se deu com o café no
contexto paulista”.
Por sua vez, também, essa crise
descapitalizava os setores da criação e das charqueadas, impossibilitando que a
classe dominante local renovasse a estrutura produtiva para acelerar o
desenvolvimento capitalista pleno no campo. Assim, a atividade produtiva
centrada no setor agropecuário, frente ao baixo índice de acumulação
primitiva do capital não impunha ao Rio Grande do Sul as “características
capitalistas plenamente configuradas”.
Além da indústria baseada na agricultura e
na pecuária, apenas a indústria têxtil e a indústria alimentar têm relativo
destaque, pois, no geral, suas características de produção artesanal ainda
permanecem elevadas. Esta industrialização concentrava-se em Porto Alegre,
Pelotas, São Leopoldo, Caxias, Rio Grande e Novo Hamburgo. Dessa forma, a
pequena indústria era a predominante, não exercendo mudanças revolucionárias no
desenvolvimento de forças produtivas. Assim, “o desenvolvimento industrial do
estado não foi capaz de compensar a estagnação do setor agropecuário”, fazendo
com que a fase ficasse conhecida como “crise da economia gaúcha”.
Contraditoriamente, o parco capital, frente
à crise gerada na agricultura e na pecuária não é investido na indústria, mas,
ao contrário, o capital oriundo de atividades comerciais e industriais é
aplicado para a solução dos problemas agropecuários. É nesse momento, que se
terá certa renovação e modernização do setor.
De forma combinada e desigual, se no centro
do País a industrialização era acelerada, no sul do país a economia regional
mesmo que não mudasse substancialmente, vinha aderindo a novas técnicas de
produção. Isso aumentava a capitalização do estado, tanto na cidade como no
campo, sobretudo devido à expansão do mercado rio-grandense.
Mesmo que a economia continuasse centrada na
atividade agropecuária, a crise desta última estimulava a expectativa de
desenvolvimento do parque industrial do Rio Grande do Sul, sobretudo no ramo
metalmecânico, que produzia máquinas e implementos dirigidos para as
necessidades do setor primário.
A partir desse processo, aprofunda-se a
urbanização e a industrialização, estimulando também o desenvolvimento das
relações capitalistas. Como o governo de Flores da Cunha subsidiava e favorecia
os grandes proprietários ligados à pecuária e à agricultura, os pequenos
agricultores se uniam. Aqueles que não o faziam, acabavam perdendo suas
propriedades em vista da falta de estímulo aos produtos agrícolas que tinham
seu preço mínimo reduzido. Isso fazia com que muitos buscassem o caminho das
cidades, a partir da criação de um mercado de trabalho na indústria
manufatureira e artesanal.
Por outro lado, com o término do cercamento
dos campos e a introdução de novas tecnologias na atividade agropecuária, no
Rio Grande do Sul dos anos 1930, aceleram-se os processos de expulsão de
mão-de-obra das estâncias para os centros urbanos. Com isso, passa a aumentar o
contingente do proletariado sem especialização, gerando graves problemas
sociais nas cidades, resultantes do desemprego, devido “a crise econômica
vigente e à falta de uma maior industrialização”.
Além disso, sem um processo que tornasse a
burguesia industrial gaúcha a classe dominante absoluta, o Rio Grande do Sul
passava por uma verdadeira encruzilhada, pois ao mesmo tempo em que se buscava
resolver os problemas econômicos, as contradições sociais se avolumam sem ter
soluções.
Tal realidade fez com que o proletariado
urbano começasse a se organizar política, sindical e partidariamente, a fim de
se enfrentar os problemas cada vez mais agravados devido à crise econômica. No
entanto, tal organização restringia-se às cidades, pois, no campo os peões e o
reduzido proletariado rural ainda viviam em dependência econômica, social e
política dos grandes proprietários, não possuindo organização própria,
impossibilitando uma maior expansão das reivindicações dos setores urbanos para
as zonas agrícolas do Rio Grande do Sul.
É desse universo social em transformação que
sairá boa parte da produção literária gaúcha, nomeada como “Geração de 30”,
inserida na produção modernista do romance brasileiro, também chamada de
neo-realista, tendo entre eles Dyonélio Machado, Érico Veríssimo e Cyro
Martins.
A Geração de 30 no
Rio Grande do Sul e a Obra de Cyro Martins
A prosa literária da década de 1930 deu
continuidade ao projeto modernista, dali em diante com ênfase na literatura
regionalista, abordando as desigualdades sociais do Brasil, tanto em relação à
cidade como ao campo.
Foi com A
bagaceira, obra de José Américo de Almeida, publicada em 1928, que o
movimento foi inaugurado mostrando a miséria do nordestino, a brutalização do
sertão e as relações de exploração de patrões dobre seus empregados. A
continuação dessa tradição se deu com Graciliano Ramos, autor que mostrará a
desumanização do homem nordestino em São Bernardo (1934) e a fome e a miséria
retirante com Vidas secas (1938). Com José Lins do Rego será retratada a
decadência da sociedade rural patriarcal dos senhores de engenho do Nordeste
nas obras Menino de engenho (1932), Doidinho (1933), Bangüê (1934), Usina
(1936) e, finalmente, Fogo morto (1943), mostrando o coronel decadente e
violento contraposto pelo defensor dos oprimidos. Nos romances de Rachel de
Queiróz predominam a memória e a observação dos problemas sociais do Nordeste,
sobretudo com João Miguel (1932), Caminho das pedras (1937), As três marias
(1939). Já em Jorge Amado, através de Cacau, (1933), Suor (1934), Jubiabá
(1935), Mar morto (1936) e Capitães da Areia (1937), surgem na literatura
outras denúncias das desigualdades sociais da região, sobretudo nesse último,
quando mostra a deplorável situação de crianças abandonadas de Salvador e
defende a revolução socialista.
No Rio Grande do Sul, o chamado Romance de
30 mostrará a obra de Érico Veríssimo, através de Clarissa (1933), Música ao
longe (1935) e Um lugar ao sol (1936), na qual o escritor abordará o cotidiano
da vida urbana, mostrando aos leitores o universo de Porto Alegre. Já na
trilogia O tempo e o vento, Veríssimo procurará, como já afirmou José
Hildebrando Dacanal, “abranger globalmente no tempo e no espaço” uma das zonas
agrárias, apresentando um “amplo e completo painel da formação do patriarcado
rural sul-rio-grandense, ou do grupo oligárquico-rural da fronteira gaúcha”. (14)
Com Dionélio Machado e sua obra Os ratos
(1935), o Romance de 30 terá uma marca. Nela, o retrato simbólico da realidade
de Porto Alegre e de como o dinheiro se torna a síntese das relações sociais
capitalistas e do consumismo da cidade grande, é mostrado com toda a
profundidade psicológica. Através da vida de um funcionário público, endividado
e envergonhado de olhar os credores, a visão cruel da miséria urbana aparece
com intensidade em toda a narrativa.
Já em Xarqueda (1937), o baiano Pedro Rubens
de Freitas Wayne (15)apresentou a situação precária dos operários
saladeiris, em uma das abordagens mais paradigmáticas da vida pastoril gaúcha,
marcando o Romance de 30. Como já disse Léa Masina, há neste romance uma “forte
correlação entre os dados do mundo empírico e o desejo de transformar as
representações sociais em literárias”, através da “criação de uma consciência
crítica por parte do escritor”. Nele, o autor se permite “narrar a estória das
desvalias de um fragmento específico da população do Rio Grande do Sul: os
trabalhadores da indústria da carne e do charque, então principal matéria-prima
a sustentar a economia do Estado”.
Outra obra significativa será Fronteira
Agreste (1944), escrita por Ivan Pedro de Martins, apresentando
a estrutura socialmente injusta de uma fazenda de pecuária extensiva, entre Dom
Pedrito e Bagé, no sudoeste do Rio Grande do Sul.
Como já demonstrou José Hildebrando Dacanal,
com Memórias do Coronel Falcão, escrita por Aureliano de Figueiredo Pinto no
final da década de 1930, mas só editado em 1973, com quase cinquenta anos de
atraso, teremos o elo que faltava entre a ficção sobre o campo e a cidade.
Será “a ponte entre Érico Veríssimo de O tempo e o vento – a formação, o
apogeu e o início da decadência da estrutura oligárquico-rural do estado” - com
“o aflorar da consciência crítica dos grupos médios urbanos de Porto Alegre”,
nas obras de Dyonélio Machado e Cyro Martins.
Porém, foi com Cyro Martins que o
regionalismo gaúcho mostrará o peão, o antigo agregado, o expulso do campo se
proletarizando, com toda a sua intensidade, um tema tão atual e ainda
universal. Estudante em Porto Alegre, ele mesmo confessou que
muito jovem, empolgado pela imprensa e pelos livros e pelos “discursos
ruapraieiros entusiasmados sacudindo palas”, quando voltava para casa, nas
férias, “na beira da estrada real, em plena campanha, os tipos que desfilavam
por ali eram bem diferentes daqueles fantasiados que serviam de modelos (...)
configurando um afresco da decadência e retirada que nenhuma retórica
tradicionalista conseguiria encaixar numa inventiva rósea”.
Em outra passagem, o romancista dá o tom
sobre o conteúdo da sua ficção literária: “inspirada nesse documento humano,
para ser coerente com o que os meus olhos viram e o meu coração sentiu (...)
teria que se apegar à verdade que gritava aos meus ouvidos (...) numa linguagem
singela, largada, temperada com o sal da terra e sem nenhum ufanismo”.
Para Tânia Carvalhal, com a “Trilogia do
Gaúcho a pé”, onde um livro dá continuidade ao outro, via integração temática,
Cyro Martins “desvendou o avesso de uma prática romântica, que fixara a figura
do gaúcho como ‘monarca das coxilhas’, dono de suas montarias e das distâncias
(...) idealização do homem rural”. Para a autora, contra essa idealização, Cyro
Martins vai “contrapor uma feição mais terra-a-terra e coerente com as mudanças
econômicas e sociais que passara o gaúcho, obrigado a apear do cavalo, a migrar
e a enfrentar uma realidade de horizonte aberto”.
Para Glaucia Konrad, “o discurso
regionalista tradicional do Rio Grande do Sul e a tentativa de mantê-lo
vivo” é a expressão de uma oligarquia oriunda do latifúndio pecuário ou
agrícola em decadência. Para a autora, “outro conteúdo teve o
regionalismo social, exibido nas obras de Dyonélio
Machado, Cyro Martins e Ivan Pedro de Martins,
entre outros”. Pois, “esses autores questionavam o modelo de
desenvolvimento agrário gaúcho, mostrando uma realidade decadente e a situação
do homem do campo e daquele que foi expulso das suas terras, indo para a cidade
e se constituindo em mão-de-obra para a indústria, com pouco ou nenhuma
qualificação”.
Os conselheiros do Ministério Público do
Estado do Rio Grande do Sul que produziram a ata n. 1.116, no lugar de
criminalizar os movimentos sociais, deveriam olhar para o processo histórico da
formação social do Rio Grande do Sul. Nele poderiam ver a necessidade do fim do
latifúndio, percebendo o quanto a modernização com a permanência da grande
propriedade, através do agronegócio, se não for enfrentada, continuará
produzindo os “gaúchos a pés”.
Quem sabe lendo Estrada Nova, escrito por
Cyro Martins no distante 1954, veriam que estão fazendo o papel do personagem
do velho Policarpo, símbolo da permanência de um tempo passado que expressa a
decadência do mundo rural que insiste em permanecer, pois não consegue enxergar
as transformações econômicas e os resultados sociais desse processo.
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