O BARROCO NO BRASIL
O Barroco no Brasil foi
introduzido no início do século XVII pelos missionários católicos,
especialmente
jesuítas, que trouxeram o novo estilo como instrumento de
doutrinação cristã.
A
vasta maioria do legado barroco brasileiro está na arte sacra: estatuária,
pintura e obra de talha para decoração de igrejas ou para culto privado. Grande
número de edificações e peças individuais de arte barroca já foram protegidas
pelo governo brasileiro em suas várias instâncias, através de tombamento ou
outros processos, atestando o reconhecimento oficial da importância do Barroco
para a história da cultura brasileira. Centros históricos barrocos como os de
Ouro Preto e Salvador, e conjuntos artísticos como o do Santuário do Bom Jesus
de Matosinhos, receberam o estatuto de monumentos da humanidade pela chancela
da UNESCO, e esse precioso legado é um dos grandes atrativos do turismo
cultural no país, ao mesmo tempo em que se torna ícone identificador do Brasil,
tanto para naturais da terra como para os estrangeiros.
Apesar
de sua importância, boa parte da arquitetura e das obras de arte barrocas do
Brasil ainda estão em mau estado de conservação e exigem restauro urgente e
outras medidas conservadoras, verificando-se frequentemente perdas ou
degradação de exemplares valiosíssimos em todas as modalidades artísticas; o
país ainda tem muito a fazer para preservar parte tão importante de sua
história, tradição e cultura. Por outro lado, parece crescer a conscientização
da população em geral sobre a necessidade de proteger um patrimônio que é de
todos e que pode reverter em benefício de todos, até econômico, se bem manejado
e conservado. Museus nacionais a cada dia se esforçam por aprimorar suas
técnicas e procedimentos, a bibliografia se avoluma, o governo têm investido
bastante nesta área e até mesmo o bom mercado que a arte barroca nacional
sempre encontra ajuda na sua valorização como peças merecedoras de atenção e
cuidado, forças atuantes que oferecem perspectivas promissoras para sua
sobrevivência para as gerações futuras.
O modelo
europeu e sua transferência para o Brasil
O
Barroco foi um estilo de reação contra o classicismo do Renascimento, cujas
bases conceituais giravam em torno da simetria, da proporcionalidade e da contenção,
racionalidade e equilíbrio formal. Assim, sua estética primou pela assimetria,
pelo excesso, pelo expressivo e pela irregularidade, tanto que o próprio termo
"barroco", que nomeou o estilo, designava uma pérola de formato
bizarro e irregular. Além de uma tendência puramente estética, esses traços
constituíram uma verdadeira forma de vida e deram o tom a toda a cultura do
período, uma cultura que enfatizava o contraste, o conflito, o dinâmico, o
dramático, o grandiloquente, a dissolução dos limites, junto com um gosto
acentuado pela opulência de formas e materiais, tornando-se um veículo perfeito
para a Igreja Católica da Contra-Reforma e as monarquias absolutistas em
ascensão expressarem visivelmente seus ideais. As estruturas monumentais
erguidas durante o Barroco, como os palácios e os grandes teatros e igrejas,
buscavam criar um impacto de natureza espetacular e exuberante, propondo uma
integração entre as várias linguagens artísticas e prendendo o observador numa
atmosfera catártica e apaixonada.Essa estética teve grande aceitação na
Península Ibérica, em especial em Portugal, cuja cultura, além de
essencialmente católica e monárquica, estava impregnada de milenarismo e do
misticismo herdado dos árabes e judeus, favorecendo uma religiosidade
caracterizada pela intensidade emocional. E de Portugal o movimento passou à
sua colônia na América, onde o contexto cultural dos povos indígenas, marcado
pelo ritualismo e festividade, forneceu um pano de fundo receptivo.
O
Barroco apareceu no Brasil quando já se haviam passado cerca de cem anos de
presença colonizadora no território; a população já se multiplicava nas
primeiras vilas e alguma cultura autóctone já lançara sementes. O Barroco não
foi, assim, o veículo inaugural da cultura brasileira, o Maneirismo cumpriu o
papel de iniciador, mas rapidamente o Barroco o sucedeu e então floresceu ao
longo da maior parte de sua curta história "oficial" de 500 anos, num
período em que os residentes lutavam por estabelecer uma economia
auto-sustentável - contra uma natureza ainda selvagem e povos indígenas nem
sempre amigáveis - até onde permitisse sua condição de colônia pesadamente
explorada pela metrópole. O território conquistado se expandia em passos largos
para o interior do continente, a população de origem lusa ainda mal enraizada
no litoral estava em constante estado de alerta contra os ataques de índios
pelo interior e piratas por mar, e nesta sociedade em trabalhos de fundação se
instaurou a escravatura como base da força produtiva.
Nasceu
o Barroco, pois, num terreno de luta, mas não menos de deslumbramento diante da
paisagem magnífica, sentimento que foi declarado pelos colonizadores desde
início. Florescendo nos longos séculos de construção de um novo e imenso país,
e sendo uma corrente estética e espiritual cuja vida está no contraste, no
drama, no excesso, talvez mesmo por isso pôde espelhar a magnitude continental
da empreitada colonizadora deixando um conjunto de obras-primas igualmente
monumental. Significativa parte desta herança em arte, tradições e arquitetura
hoje é Patrimônio da Humanidade.
É
preciso lembrar que o contexto econômico em que o Barroco se desenvolveu na
colônia era completamente diverso daquele que lhe dava origem na Europa. Aqui o
ambiente era de pobreza e escassez, com tudo ainda "por fazer". Por
isso o Barroco brasileiro já foi acusado de pobreza e incompetência quando
comparado com o europeu, de caráter erudito, cortesão, sofisticado, muito mais
rico e sobretudo branco, apesar de todo ouro nas igrejas nacionais, pois muita
coisa é de execução tecnicamente tosca, feita por mão escrava ou morena de
pouco estudo mas muita vontade de se expressar. Mas esse rosto impuro, mestiço,
é que o torna único e inestimável.Também é preciso assinalar que o Barroco se
enraizou no Brasil com certo atraso em relação à Europa, e este descompasso,
que se perpetuou por toda sua trajetória, por vezes ajudou a mesclar, de forma
imprevista, elementos estilísticos que se desenvolviam localmente com outros
externos mais atualizados que estavam em constante importação. Os religiosos
ativos no país, muitos deles literatos, arquitetos, pintores e escultores, e
oriundos de diversos países, contribuíram para esta complexidade trazendo sua
variada formação, que receberam em países como Espanha, Itália e França, além
do próprio Portugal. O contato com o oriente, via Portugal e as companhias
navegadoras de comércio internacional, também deixou sua marca, visível,que se
encontra ocasionalmente nas decorações, em pinturas e nas estatuetas em marfim.
Como
exceção interessante, existe um pequeno acervo de obras de arte realizadas ou
exclusivamente por índios, ou em colaboração com padres catequistas, fenômeno
ocorrido no âmbito das Reduções jesuíticas do sul e em casos pontuais no
Nordeste. Por fim, mas não menos importante, está o elemento popular e inculto,
evidente em boa parte da produção local, já que os artistas com preparo sólido
eram poucos e os artesãos autodidatas ou com pouco estudo eram a maioria do
criadores, pelo menos nos primeiros dois séculos de colonização. Neste cadinho
de tendências são detectados até elementos de estilos já obsoletos como o
gótico na obra de mestres ativos até no início do século XIX, como o
Aleijadinho É do resultado de todos estes entrecruzamentos e mesclas de influências
aparentemente disparatadas que nasceu o original e riquíssimo Barroco que hoje
se vê espalhado em praticamente todo o litoral do país, desde o extremo sul no
Rio Grande do Sul até o norte, tocando o Pará. Para dentro, o estilo
derramou-se por São Paulo e Minas Gerais, onde se exprimiu com uma elegância
característica, e alcançou o Centro-Oeste deixando jóias como as encontradas em
Goiás.
No
início do século XVIII, o Barroco brasileiro conseguiu uma face relativamente
unificada, no chamado "estilo nacional português", cujas raízes eram
de fato italianas, sendo adotado sem grandes variações nas diversas regiões, e
a partir de 1760, por influência francesa, se transformou no Rococó, traço bem
evidente nas igrejas de Minas Gerais. No fim do século XVIII o Barroco
brasileiro já estava perfeitamente aclimatado ao contexto nacional, tendo dado
inumeráveis frutos anteriores de alto valor, e aparecem, ambos em Minas Gerais
- um dos maiores pólos culturais e econômicos do Brasil daquela época - as duas
figuras célebres que o levaram a uma culminação, e que iluminaram também o seu
fim como corrente estética dominante: Aleijadinho na arquitetura e na
escultura, e na pintura Mestre Ataíde. Eles sintetizam uma arte que havia
conseguido amadurecer e se adaptar ao ambiente de um país tropical e dependente
da Metrópole, ligando-se aos recursos e valores regionais e constituindo um dos
primeiros grandes momentos de originalidade nativa, de brasilidade genuína. Demonstrando
possuírem grande força plástica e expressiva, tornaram-se ícones da cultura
nacional - mas advirta-se: o chamado "Barroco mineiro" mais típico,
que eles representam tão bem, para muitos críticos respeitados já não é mais
propriamente Barroco, e sim seu estilo sucessor, o Rococó; mas se o Rococó é um
estilo independente ou se é a fase final do Barroco é uma polêmica ainda não
decidida entre a crítica
O papel da
Igreja Católica
Na
Europa, a Igreja Católica foi, ao lado das cortes, a maior mecenas de arte
neste período. Na imensa colônia do Brasil não havia corte, a administração
local era confusa e morosa, assim um vasto espaço permanecia vago para a ação
da Igreja e seus batalhões de intrépidos, capazes e empreendedores
missionários, que administravam além dos ofícios divinos uma série de serviços
civis como os registros de nascimento e óbito, estavam na vanguarda da
conquista do interior do território servindo como pacificadores dos povos
indígenas e fundando novas povoações, organizavam boa parte do espaço urbano no
litoral e dominavam o ensino e a assistência social mantendo muitos colégios e
orfanatos, hospitais e asilos.
Construindo
grandes templos decorados com luxo, encomendando peças musicais para o culto e
dinamizando imensamente o ambiente cultural como um todo, e é claro ditando as
regras na temática e na maneira de representação dos personagens do
Cristianismo, a Igreja centralizou a arte colonial brasileira, com rara
expressão profana notável. No Brasil, então, quase toda arte barroca é arte
religiosa. A profusão de igrejas e escassez de palácios o prova. Costa faz
lembrar ainda que o templo católico não era apenas um lugar de culto, mas era o
mais importante espaço de confraternização do povo, um centro de transmissão de
valores sociais básicos e amiúde o único local seguro na muitas vezes
turbulenta vida da colônia. Gradativamente houve um deslocamento neste
equilíbrio em direção a uma laicização, mas não chegou a se completar no
período de vigência do Barroco. As instituições leigas começaram a ter um peso
maior por volta do século XVIII, com a multiplicação de demandas e instâncias
administrativas na colônia que se desenvolvia, mas não chegaram a constituir um
grande mercado para os artistas, não houve tempo. A administração civil ganhou
força com a chegada da corte portuguesa em 1808, que transformou o perfil
institucional do território, mas impediu uma continuidade do Barroco pelo seu
apoio declarado ao Neoclassicismo.
Assim
como em outras partes do mundo onde existiu, o Barroco foi no Brasil um estilo
movido pela inspiração religiosa, mas ao mesmo tempo de enorme ênfase na
sensorialidade e na riqueza dos materiais e formas, num acordo tácito e ambíguo
entre glória espiritual e êxtase carnal. Este pacto, quando as condições
permitiram, criou algumas obras de arte de enorme complexidade formal, que nos
fazem admirar a perícia do artesão e a inventividade do projetista - amiúde
anônimos e de extrato popular. Basta uma entrada num dos templos principais do
Barroco brasileiro, seja em Minas, seja em Salvador, para os olhos de pronto se
perderem numa explosão de formas e cores, onde as imagens dos santos são
emolduradas por resplendores, cariátides, anjos, guirlandas, colunas e entalhes
em volume tal que em alguns casos não deixam um palmo quadrado de espaço à
vista sem intervenção decorativa, com ouro a cobrir paredes e altares. Como
disse Germain Bazin, "para o homem deste tempo, tudo é
espetáculo".
Entenda-se
essa prodigalidade decorativa na perspectiva da época, quando o religioso
educava as almas em direção à apreciação das virtudes abstratas buscando
seduzí-las antes pelos sentidos materiais, especialmente através da beleza das
formas. Mas tanta riqueza também era um tributo devido a Deus, por Sua própria
glória. Apesar da denúncia do luxo excessivo pelos Reformistas, e da
recomendação de austeridade pelo Concílio de Trento, o Catolicismo na prática
ignorou as restrições, pois compreendia que "a arte pode seduzir a alma,
perturbá-la e encantá-la nas profundezas não percebidas pela razão; que isso se
faça em benefício da fé"'.
Esse cenário luxuriante era parte da própria
essência da catequese católica durante o Barroco, então largamente influenciada
pelos preceitos dos Jesuítas, os mais ativos paladinos da Contra-Reforma. A
retórica era base para todo o ensino, e durante o Barroco adquiriu um forte
sentido cenográfico e declamatório, expressando-se cheia de hipérboles e outras
figuras de linguagem, num discurso de largo vôo e minuciosa argumentação, às
vezes excessiva e rocambolesca para o gosto moderno. Tal característica se
traduziu plasticamente na extrema complexidade da obra de talha e na agitada e
convoluta movimentação das formas estatuárias e arquiteturais das artes
barrocas em todos os países onde o estilo prosperou, pois era uma faceta básica
do prolixo espírito da época expressa visualmente, e que no Brasil se
manifestou do mesmo modo, como não poderia deixar de fazê-lo.
Além da
beleza das formas, durante o Barroco, o Catolicismo se valeu enfaticamente do
aspecto emocional do culto. O amor, a devoção e a compaixão eram visualmente
estimulados pela representação dos momentos mais dramáticos da história
sagrada, e assim abundam os Cristos açoitados, as Virgens com o coração trespassado
de facas, os crucifixos sanguinolentos, e as patéticas imagens de roca,
verdadeiros marionetes articulados, com cabelos, dentes e roupas reais, que se
levavam em procissões solenes e feéricas, onde não faltavam as lágrimas e os
pecados eram confessados em alta voz. Mas essa mesma devoção, que tantas vezes
adorou o trágico, plasmou também inúmeras cenas de êxtase e visões celestes, e
outras tantas Madonnas de graça ingênua e juvenil e encanto perene, e doces
Meninos Jesus, cujo apelo ao coração simples do povo era imediato e sumamente
efetivo. Novamente Bazin captou a essência do processo dizendo que "a
religião foi o grande princípio de unidade no Brasil. Ela impôs às diversas
raças aqui misturadas, trazendo cada uma um universo psíquico diferente, um
mundo de representações mentais básico, que facilmente se superpôs ao mundo
pagão, no caso dos índios e dos negros, através da hagiografia, tão adequada
para abrir caminho ao cristianismo aos oriundos do politeísmo".
Arquitetura
Em
Minas destacam-se a Matriz de Nossa Senhora da Conceição, a Matriz de Nossa
Senhora do Pilar, a Igreja de São Pedro dos Clérigos, a Igreja de Nossa Senhora
do Carmo e a Igreja de São Francisco, obra de Aleijadinho e Francisco de Lima
Cerqueira, com torres circulares de coruchéu em forma de capacete, óculo
obturado por relevo, e frontispício imponente. Além de Ouro Preto, o núcleo
mais rico, diversas cidades mineiras possuem exemplares significativos de
arquitetura rococó, entre elas Sabará, Serro, Mariana, Tiradentes, e também
Congonhas, onde existe o grande complexo arquitetônico do Santuário do Bom
Jesus de Matosinhos, local que abriga ainda o mais importante grupo de esculturas
de Aleijadinho.
Os
conjuntos dos centros históricos de algumas cidades (Salvador, Ouro Preto,
Olinda, Diamantina, São Luís e Goiás), declarados Patrimônio Mundial pela
UNESCO, ainda permanecem em boa parte intactos, apresentando uma paisagem
ininterrupta extensa e valiosíssima de arquitetura urbana do barroco, com farta
ilustração de todas as adaptações do estilo aos diferentes estratos sociais e
às suas transformações ao longo dos anos. Do reduzido número de exemplos civis
significativos se destacam a antiga Casa da Câmara e Cadeia de Ouro Preto, hoje
o Museu da Inconfidência, com uma rica e movimentada fachada onde há um pórtico
com colunas, escadaria de acesso, uma torre, estátuas ornamentais e estrutura
em pedra, a Casa da Câmara e Cadeia de Mariana, a Câmara de Salvador, e o Paço
Imperial no Rio, que foi a residência da família real.
O caso mineiro
Minas
teve a peculiaridade de ser uma área de povoamento mais recente, e pôde-se
construir em estéticas mais atualizadas, no caso, o Rococó, e com mais
liberdade, uma profusão de igrejas novas, sem ter de adaptar ou reformar
edificações mais antigas já estabelecidas e ainda em uso, como era o caso no
litoral, o que as torna exemplares no que diz respeito à unidade estilística. O
conjunto rococó das igrejas de Minas tem uma importância especial tanto por sua
riqueza e variedade como por ser testemunho de uma fase bem específica na
história brasileira, quando a região foi a "menina dos olhos" da
Metrópole por suas grandes jazidas de ouro e diamantes. A arquitetura barroca
mineira é interessante por se realizar geralmente em um terreno acidentado,
cheio de morros e vales, dando uma forma atraente à urbanização das cidades.
Mas não é isso o que torna o Barroco mineiro especial, já que a construção
civil segue modelos formais comuns a toda arquitetura colonial brasileira.
Entretanto, o caso mineiro tem o atrativo de constituir o primeiro núcleo no
Brasil de uma sociedade eminentemente urbana. De qualquer forma, suas
características estilísticas distintivas são mais claramente expressas na
arquitetura religiosa, nas igrejas que proliferam em grande número em todas
essas cidades.
Aleijadinho,
junto com Cerqueira, se tornaram os arquitetos mais importantes da região e de
todo o Barroco brasileiro, e suas obras são a súmula das novidades que distinguem
o Barroco de Minas Gerais. Aliás, a contribuição de Cerqueira tem sido
recentemente reavaliada, concedendo-lhe a ele um papel muito importante na
arquitetura barroca de Minas, talvez maior mesmo que o de Aleijadinho. A Igreja
de São Francisco de Assis em Ouro Preto é atribuída ao Aleijadinho, embora não
haja documentação a respeito. Sabe-se porém que o plano original sofreu
alterações de Cerqueira, e de certeza é do Aleijadinho apenas a escultura da
portada. De qualquer forma o templo é uma jóia de harmonia entre exterior e
interior, e suas soluções são de grande originalidade, incorporando até mesmo
traços de estilos antigos como o Gótico e o Renascentista. De qualidade
semelhante é a Igreja de São Francisco de Assis em São João del-Rei, da qual sobrevive
um traçado do Aleijadinho que não corresponde exatamente ao que se vê hoje,
tendo havido intervenção novamente de Francisco Cerqueira.
Pintura e
escultura
A
pintura e a escultura barrocas se desenvolveram como elementos auxiliares,
embora fundamentais, para obtenção do efeito cenográfico total da arquitetura
sagrada que era erguida, todas as especialidades conjugando esforços em busca
de um resultado sinestésico arrebatador. Uma vez que a arte barroca é
essencialmente narrativa, cabe mencionar os principais grupos temáticos
cultivados no Brasil. O primeiro é extraído do Antigo Testamento, oferecendo
visualizações didáticas da cosmogênese, da criação do Homem e dos fundamentos
da fé dados pelos patriarcas hebreus.
O
segundo grupo deriva do Novo Testamento, centralizado em Jesus Cristo e sua
doutrina de Salvação, temática elaborada através de muitas cenas mostrando seus
milagres, suas parábolas, sua Paixão e Ressurreição, elementos que consolidam e
justificam o Cristianismo e o diferenciam da religião judaica. O terceiro grupo
gira em torno dos retratos de autoridades da Igreja, os antigos patriarcas, os
mártires, santos e santas, os clérigos notáveis, e por fim vem o grupo temático
do culto mariano, retratando a mãe de Jesus em suas múltiplas invocações.
Pintura
As
primeiras pinturas criadas do Brasil foram realizadas sobre pranchas de
madeira, em um estilo proto-barroco ou maneirista, e subsidiárias à decoração
em talha. Apareceram em meados do século XVII em edifícios das ordens
religiosas, como o Convento de Santo Antônio no Rio de Janeiro, e o Convento de
São Francisco, em Olinda, dos mais antigos do país, mas a maioria destes
primeiros trabalhos se perdeu em incêndios ou em modernizações posteriores.
Sobrevivem também, da mesma época, alguns raríssimos exemplos da técnica do
afresco no Mosteiro de São Bento no Rio, redescobertos durante uma restauração
recente, e na Igreja dos Terésios em Cachoeira do Paraguaçú, estes do jesuíta
Carlos Belleville, mas não há registro de disseminação da técnica ou de continuadores.
Algumas dessas obras pioneiras eram ex-votos, de fatura rústica, encomendados
pelos devotos a artesãos populares em paga por alguma graça recebida ou em
penhor de alguma promessa. Os ex-votos tiveram um papel importante no primeiro
desenvolvimento da pintura colonial por constituírem uma prática frequente, o
que se explica pelo cenário ainda selvagem onde as povoações se organizavam, e
onde não faltavam perigos de várias ordens contra os quais a invocação aos poderes
celestes para a ajuda e proteção era constante.
Em
Minas trabalharam muitos artistas, como Manuel Rebelo e Souza, Joaquim José da
Natividade, Bernardo Pires, João Nepomuceno Correia e Castro, e a presença
maior foi Mestre Ataíde, o último grande mestre da pintura barroca brasileira e
um nome importante do Rococó internacional. É interessante ainda o belo acervo
remanescente de azulejaria pintada, em boa parte importado de Portugal, mas que
não obstante deu uma nota característica em inúmeros conventos, igrejas e
casarios barrocos brasileiros.
Escultura
O
Barroco originou uma vasta produção de estatuária sacra, disseminada por todo o
litoral e em algumas regiões do interior do Brasil. Parte integral da prática
religiosa, a estatuária devocional encontrava espaço tanto no templo como no
domicílio privado. A partir do século XVII começaram a se formar escolas
conventuais locais de escultura, compostas principalmente por religiosos
franciscanos e beneditinos, mas com alguns artesãos laicos, que trabalhavam
principalmente o barro. Já os jesuítas deram preferência à madeira. Índios
reduzidos também deram sua colaboração como santeiros, especialmente nas
reduções do sul e em algumas do nordeste, e nesses casos muitas vezes traços
étnicos índios são encontrados no rosto das imagens, como se verifica em
algumas esculturas dos Sete Povos das Missões. Criados aqui ou não,
dificilmente haveria uma casa que não possuísse ao menos algum santo de devoção
esculpido: a estatuária se tornou um bem de largo consumo, quase onipresente,
com exemplares de grande porte até peças miniaturizadas para uso prático em
viagens. Salvador em especial tornou-se um centro exportador de estatuária para
os mais distantes pontos do país, criando uma escola regional de tanta força
que não conheceu solução continuidade senão no século XX. Outra escola
nordestina importante foi a de Pernambuco, com produção de alta qualidade mas
ainda pouco estudada.
Aleijadinho
representa o coroamento e a derradeira grande manifestação de escultura barroca
brasileira, com obra magistral espalhada na região de Ouro Preto, especialmente
as obras no Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas, compondo uma
série de grandes grupos escultóricos nas capelas das estações da Via Crucis e
os célebres Doze Profetas, no adro daquela igreja.
A
estatuária barroca por regra era pintada com cores vivas e não raro com
douramentos, e decorada com ornamentos acessórios como coroas e resplendores em
prata e ouro, que podiam ser cravejados de pedras preciosas. Também podiam ser
colocados olhos de vidro, dentes de marfim e vestidos de tecido, e as grandes
estátuas de roca, que se levavam em procissões, podiam ter cabelos reais, a fim
de enfatizar seu aspecto ilusionístico, e membros articulados, para
possibilitar seu uso em representações teatrais sacras.
Música
A música é a arte cuja trajetória durante o Barroco
no Brasil é das menos conhecidas e das que deixou menos relíquias. Da produção
musical nativa só sobrevivem obras significativas a partir do final do século
XVIII, ou seja, quando o Barroco já estava dando lugar às escolas Rococó e
Neoclássica. Não que não tivesse havido vida musical na colônia nos séculos
anteriores; houve, e importante - embora não possa ser comparada à de outros
centros coloniais americanos como o Peru e o México, ou à da própria Metrópole
portuguesa - apenas as partituras infelizmente se perderam, mas testemunhos
literários não deixam dúvida sobre a intensa atividade musical brasileira desde
o início do Barroco, especialmente no Nordeste.[55]
Além disso, a Escola Mineira de música, o mais
célebre grupo de compositores do Brasil colonial e o que o grande público
conhece mais já não é, como se tem divulgado erroneamente chamando-a de
"música do Barroco colonial", uma escola barroca. Apesar de se
realizar em um cenário todo barroco, estilisticamente é pré-clássica, e em
muitos momentos decididamente classicista, afim das escolas de Boccherini e
Haydn. Porém é inegável uma herança barroca mais ou menos velada em sua
sonoridade e técnicas, ainda empregando em muitos casos o baixo contínuo.[55]
Música
profana
No campo
profano há registros de encenações de óperas italianas - uma voga no século
XVIII - em teatros da Bahia (1729, 1760), Rio (1767), São Paulo (1770) e se iam
organizando algumas irmandades musicais e orquestras, muitas formadas por
mulatos. No final do século XVIII havia mais músicos ativos na colônia do que em
Portugal, o que diz da intensidade da prática no Brasil desenvolvida.
Destacou-se nesta fase também o português Antônio Teixeira, que musicou as
sátiras do Judeu, Antônio José da Silva, de grande difusão e sucesso embora
escritas em Portugal.[55]
A primeira
partitura vocal profana escrita no Brasil em português que perdurou foi a
Cantata Acadêmica Heroe, egregio, douto peregrino, na verdade apenas um par
recitativo + ária de um compositor anônimo, que em 1759 saudava em música
perfeitamente rococó o dignitário português José Mascarenhas Pacheco Pereira de
Mello e deplorava as dificuldades por que ele passara nesta terra. Sua autoria
por vezes é atribuída a Caetano Melo de Jesus, mestre de capela na Sé de
Salvador e autor também de uma Escola de Canto de Órgão ("canto de
órgão" era entendido como canto polifônico), em quatro volumes, que é o
mais importante tratado de teoria musical escrito em língua portuguesa de sua
época, competindo com os de célebres musicólogos europeus.[55][56] A Cantata merece
a transcrição de um trecho do seu texto por ser também um bom exemplo da
retórica típica da época empregada na louvação dos poderosos:
(…)
"E bem que quis a mísera fortuna,
que vos fosse molesta e que importuna
a hospedagem, Senhor, desta Bahia.
"Sabem os céus e testemunha sejam,
que dela os naturais só vos desejam
faustos anos de vida e saúde,
de próspera alegria, pela afável virtude
de vossa generosa urbanidade,
com que a todos honrais, desta cidade!
(…)
"Oh! Quem me dera a voz, me dera a lira
deAnfião e de Orfeu, que arrebatava os montes
e fundava cidades, pois com elas erigira
um templo que servisse por memória
e eterno monumento à vossa glória!
(…)
"Oh! Se também tivera o canto grave
da filomela doce e cisne suave,
vosso louvor, sem pausa, cantaria,
com cláusula melhor, mais harmonia."
Música sacra
Como
grande parte da prática e do ensino era conduzida pelos religiosos, no terreno
da música erudita o que mais se produziu foi no gênero sacro, em missas,
motetos, antífonas, ladainhas e salmos, seja a cappella, seja para solistas com
coro e orquestra. É bem conhecida a participação de índios numa vida musical
intensa e de alta qualidade e complexidade técnica em algumas reduções do sul
do país, mas este foi um fenômeno isolado; no geral a música praticada pelos
missionários entre os índios era bastante simples, e a catequese empregava
basicamente o canto homofônico, inserido muitas vezes nas representações
teatrais de autos sagrados. Pouco mais tarde foi introduzido um instrumental
elementar composto basicamente pelas flautas e as violas de arame. Com o
crescimento da colônia se tornou muito mais importante musicalmente o negro
escravo. Há inúmeros relatos sobre as orquestras de negros e mulatos tocando
com perfeição peças eruditas européias e locais, e boa parte dos maiores
compositores do período são igualmente descendentes de escravos, embora traços
da cultura original de sua raça não sejam de forma alguma detectados em sua
produção, toda orientada para modelos europeus.
Em São
Luís, desde 1629 é assinalada a presença de Manuel da Motta Botelho como mestre
de capela. O frei Mauro das Chagas trabalhou um pouco antes em Salvador, e
depois dele vieram José de Jesus Maria São Paio, frei Félix, Manuel de Jesus
Maria, Eusébio de Matos e diversos outros, sobretudo João de Lima, o primeiro
teórico musical do Nordeste, polifonista, multi-instrumentista e mestre de
capela da Sé de Salvador entre 1680 e 1690, e depois assumindo a de Olinda. Uma
das figuras principais do auge musical de Salvador foi o frei Agostinho de
Santa Mônica (1633-1713), de grande fama quando viveu, e autor de mais de 40
missas, algumas em estilo policoral, e outras composições. Caetano de Melo
Jesus, já referido antes, foi outro grande personagem na música da capital
baiana.
Os outros centros principais da época, Recife,
Belém e São Paulo, só puderam manter uma atividade consistente a partir do
século XVIII, e sua qualidade então chegou a um nível que interessou até mesmo
musicólogos da Metrópole, sendo diversos autores citados no Dicionário de
músicos portugueses de José Mazza, entre eles Caetano de Melo Jesus, Eusébio de
Matos, José Costinha, Luís de Jesus, José da Cruz, Manoel da Cunha, Inácio
Ribeiro Noia e Luís Álvares Pinto.[55][56]
Apesar do grande número de músicos atuantes em todo
o Nordeste e centro do país durante o Barroco, praticamente toda sua produção
desapareceu. De Luís Álvares Pinto, mestre de capela em Recife, fundador de uma
Sociedade de Santa Cecília e autor de uma Arte de solfejar e de um Muzico e
Moderno Systema para Solfejar sem Confuzão, restam apenas pouquíssimas
composições, um notavelmente melódico e fluente Te Deum (as partes
instrumentais intermédias se perderam e nas edições modernas foram
reconstruídas), uma Salve Regina e os exemplos que deixou em sua Arte de
solfejar. A maior parte das partituras remanescentes da música colonial
brasileira data da segunda metade do século XVIII. André da Silva Gomes,
prolífico compositor, autor de uma Arte explicada do contraponto e mestre de
capela da Sé de São Paulo, é um dos autores de quem se conhecem mais obras.
Outro de quem sobreviveu um acervo apreciável é Damião Barbosa Araújo, baiano,
mas a estética de ambos já esboça um Neoclassicismo.
A produção do integrantes da Escola de Minas é bem
mais documentada, mas não pode de fato ser classificada como barroca. Ou é de
um rococó que já incorpora muitos traços neoclássicos, ou já é inteiramente
classicista. Dentre os que preservam um pouco mais nitidamente soluções
formais, técnicas e sonoridades do Barroco está Lobo de Mesquita, possivelmente
o maior de todos os mineiros e a quem se atribui a autoria de cerca de
trezentas obras, de que sobrevivem quarenta. São bem conhecidas a Antífona de
Nossa Senhora (1787), o Tractus para o Sábado Santo (1783) e a Missa em si
bemol (1783) e diversas outras. Também importantes neste grupo são Francisco
Gomes da Rocha, autor de duzentas peças entre elas as estimada Novena de Nossa
Senhora do Pilar, Inácio Parreira Neves e Manoel Dias de Oliveira.
Este rico acervo de música colonial, até há pouco
mal conhecido e menosprezado, longamente esquecido em arquivos paroquiais, tem
recebido atenção de musicólogos e intérpretes desde a atuação precursora de
Curt Lange em meados do século XX, e hoje é presença relativamente assídua em concertos
no Brasil e no exterior, já possuindo boa discografia por grupos de música de
reconstrução histórica. As pesquisas recentes continuam a revelar mais obras
dadas como perdidas, enriquecendo o conhecimento moderno sobre um campo onde
ainda há muito por resgatar e entender.
Teatro
As
primeiras manifestações teatrais importantes no Brasil ocorrem na transição do
maneirismo para o barroco, e foram realizadas em âmbito religioso, como parte
da obra missionária de catequização do gentio. Assim são as peças de José de
Anchieta, o maior e praticamente único dramaturgo do século XVI no Brasil, e
sua produção se insere na concepção jesuíta de catequese cênica, sistematizada
pelo padre Franciscus Lang em sua Dissertatio de actionescenica. Para formular
seus preceitos Lang se baseou na tradição teatral italiana, nos antigos autos
de mistérios medievais, e nas prescrições dos Exercícios Espirituais de Santo
Inácio de Loiola, que previa a composição de lugar para melhor eficiência da
meditação espiritual. No caso específico de Anchieta, o teatro de Gil Vicente
foi outra referência importante.
Os
enredos eram em geral retirados da Bíblia e da hagiografia católica, e a
história da Paixão de Cristo ao longo da Via Sacra era dos mais importantes. As
peças de Anchieta já evidenciam uma das características do teatro religioso do
barroco que permaneceria ao longo dos séculos seguintes, o sincretismo, com
personagens retirados de vários períodos históricos e misturados a figuras
lendárias. No Auto de São Lourenço, por exemplo, aparecem juntos os imperadores
romanos Décio e Valeriano, anjos, os santos Sebastião e Lourenço, uma velha,
meninos e demônios indígenas, e nesta mistura fica desde logo claro o propósito
de "relativizar o tempo e o espaço em função do referencial divino, que é
eterno e absoluto. Diante de Deus todas as coisas são concomitantes e, apesar
da existência de uma história da salvação, os verdadeiros valores não são
históricos ou lineares". No século XVII a forma do teatro sacro se
desenvolve, se enriquecem os cenários e acessórios cênicos, e o público-alvo já
não é primariamente o índio, mas toda a população.
Ainda
não havia teatros, e o local para tais representações era usualmente ao ar
livre, nas praças diante das igrejas, ou ao longo das procissões, com o auxílio
de cenários móveis instalados em cima de carros alegóricos que acompanhavam o
percurso. A encenação contava com a viva participação popular, num movimento
integrado entre atores e público. Muitas vezes se fazia uso de marionetes ou
imagens sacras de um tipo especial, as estátuas de roca, vestidas como pessoas
e articuladas de modo a poderem se adaptar à ação que se desenrolava, onde
desempenhavam um papel evocativo fundamental.Era nessas ocasiões, como
expressou Sevcenko, em que o barroco revelava toda a sua força aglutinadora,
sua energia extravasante e o poder de seu encantamento:
"Então toda a cidade se move. As imagens
desfilam solenes, refletindo as cores de suas tintas, vernizes, pedrarias e
tecidos luxuosos, entre massas de velas e rolos da névoa perfumada exalada
pelos turíbulos. A multidão adquire forma, organizada na hierarquia de suas
funções, lustre e condição social. À frente, os representantes do Rei e da
Igreja com suas insígnias e trajes de gala, seguidos dos militares em
armaduras, as irmandades e confrarias com seus ícones e estandartes, e a
escravaria agregada sob a efígie da Santa Misericórdia. Todos na mesma
cadência, marcada pelos coros polifônicos e pelos clamores da fé, gritos,
vivas, lágrimas e confissões espontâneas de pecados e vícios inimagináveis.....
"À noite se davam as encenações teatrais,
recitações, cantos, danças e mascaradas. As coreografias formais dos minuetos e
contra-danças nos salões extravasavam para as mouriscas e lundus nas varandas e
dali para os congos, batuques e cucumbis nos quintais e terreiros. As danças
noturnas se encarregavam assim de dissolver as rígidas segregações hierárquicas
longamente ritualizadas durante o dia, reembaralhando as cartas ao acaso dos
destinos individuais. Na vertigem dos rodopios e requebros, cada um incorpora o
eixo em torno do qual gira o mundo, se lançando ao imprevisto das contingências
guiado apenas pela verdade profunda da fantasia".
Ao lado das manifestações sacras, as representações
profanas tinham lugar nos festejos públicos, oficiais ou populares, que se
acompanhavam de cortejos, música e dança, e no entretenimento privado, onde os
marionetes eram de uso freqüente e o improviso uma praxe. Salvador foi o
primeiro palco desse teatro profano; logo outros centros como o Rio e Minas
também assinalam sua ocorrência. O teatro profano erudito só começaria a aparecer
com a construção, a partir do século XVIII, de diversas casas de espetáculo
pelo litoral e em alguns centros interioranos, como Ouro Preto e Mariana.
Serviam principalmente à representação de peças musicadas, as óperas,
melodramas e comédias. Ao mesmo tempo, surgia o desejo de profissionalização do
teatro brasileiro, até então de base amadora e popular, com o resultado de os
tablados itinerantes darem lugar ao auditório fixo. O repertório era
basicamente importado da Europa, com obras de Molière, Corneille, Voltaire, e
as sátiras musicadas de António José da Silva, o Judeu, tiveram enorme
popularidade.
Das casas de teatro barrocas do Brasil, a mais
antiga ainda existente é o Teatro Municipal de Ouro Preto, de 1770, que é
também o mais antigo das Américas ainda em uso. No Rio há registro de teatros
mais antigos, como a Casa de Ópera do Padre Boaventura, erguida possivelmente
em 1747, mas esta não sobreviveu. Contudo os relatos descrevem a riqueza de
seus cenários e figurinos, o uso de títeres, e seus complexos maquinismos
cênicos, um equipamento essencial à criação dos efeitos especiais tão
apreciados na encenação barroca. O próprio Padre Boaventura regia os
espetáculos. Um outro teatro foi erguido no Rio por volta de 1755, o Teatro de
Manoel Luiz; nele se assinala a atividade de um dos primeiros cenógrafos
profissionais do Brasil, Francisco Muzzi, e um repertório com peças de Molière,
Goldoni, Metastasio, Maffei, Alvarenga Peixoto e especialmente as peças do
Judeu. Funcionou até a chegada da família real portuguesa ao Brasil.
A herança cênica do barroco perdura até os dias de
hoje em expressões populares sincréticas de longa e rica tradição que
sobrevivem em diversos pontos do país, como as ladainhas, os congados, os
ternos de Reis, e mesmo é visível no moderno carnaval, uma festa associada ao
calendário religioso e uma das expressões populares contemporâneas que
atualizam a cenografia luxuriante do auge do teatro e das festas
barrocas.
Recepção
crítica
Desde fins do século XVIII já se ensaiava a introdução da estética neoclássica, ela
logo se tornou o estilo "oficial" do reino através da presença da
Missão Francesa de 1816, e desde então outras escolas artísticas se sucederam,
fazendo com que a arte do passado fosse gradualmente esquecida e que muitas
igrejas e outros monumentos barrocos fossem destruídos ou reformados de acordo
com a nova moda vigente. Outro fator para o descrédito do Barroco foi sua
associação com a longa dominação portuguesa, numa fase em que o novo império
buscava afirmar-se como nação independente e progressista. Apesar de alguns
viajantes estrangeiros do século XIX como Auguste de Saint-Hilaire e Richard
Burton terem admirado as obras de Aleijadinho, ao longo de todo este século a
opinião geral sobre o estilo era de desprezo. Isso não impediu que vários
artistas populares, alguns deles com obra de alta qualidade, continuassem
praticando no Barroco até o fim do século XIX, especialmente em regiões
provincianas. Foi o caso do escultor mineiro Joaquim Francisco de Assis
Pereira, ativo na área de São João del-Rei e morto em 1893, e de alguns
sobreviventes da escola baiana. Uma voz de exceção entre os círculos
ilustrados oitocentistas foi o elogio que fez Araújo Porto-alegre aos artistas
coloniais da escola fluminense, considerando-os dignos de um lugar honroso na
história da arte brasileira, mas é típica a manifestação de Gonzaga Duque, um
dos críticos mais influentes do fim do século XIX:
"... a igreja dos jesuítas é uma flagrante
prova do mau gosto e da falta de inteligência que presidiam a formação de suas
obras. Os mosteiros e conventos foram edificados durante o domínio do estilo
Barroco, essa brutalidade inventada pelos fundadores da Inquisição. Nem
palácios, nem templos suntuosos possuía a colônia. Tudo era acanhadamente dessa
natureza".
Um
resgate consistente dessa herança só começou a acontecer no início da década de
1920, quando Mário de Andrade realizou os primeiros estudos sobre a arquitetura
religiosa mineira, já identificando algumas especificidades da versão
brasileira do Barroco e rejeitando a associação do exótico e do pitoresco com o
legitimamente nativo. Poucos anos depois estudou a obra de Aleijadinho,
enfatizando também aspectos sociais da contribuição negra e mulata para a
construção de uma arte que qualificava como "genuinamente
nacional".Nesta época o conceito de Barroco era mal delimitado e
sujeito a muito preconceito, até mesmo na Europa, e as contradições e
imprecisões são visíveis nos textos de Mário e de outros autores que se
ocuparam do tema mais ou menos no mesmo período, como Manuel Bandeira e Carlos
Drummond de Andrade.
Na
década de 1930, um grupo de intelectuais ligados ao governo federal, que se
encontrava empenhado em implantar uma política cultural para o Brasil, se
mobilizou para criar em 1937 o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (SPHAN), antecessor do IPHAN. O líder do grupo e então diretor do
SPHAN, Rodrigo Mello Franco de Andrade, procurou delimitar a modernidade
brasileira na literatura, nas artes e na política por meio, entre outras
coisas, da recuperação do passado colonial. "Contra o passado recente, um
salto para trás, para o passado mais 'verdadeiro', onde se podia descobrir e
inventar inclusive uma modernidade 'avant lalettre' ". Os principais focos
de atuação do SPHAN em suas primeiras décadas de existência foram a
identificação e tombamento de um rico acervo de edifícios religiosos (529 itens
tombados nos primeiros 30 anos de funcionamento do órgão), o entendimento da
importância do legado artístico do século XVIII e, nele, do fenômeno do Barroco
mineiro como central. Nesse momento, a atenção dada aos monumentos coloniais
suplantou quase completamente a que receberam os do Império e da Primeira
República.
Além
dessas atividades, o SPHAN iniciou a publicação da revista Estudos Brasileiros
e da Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, onde a
linguagem e metodologia impressionistas da crítica dos anos anteriores cedeu
lugar para abordagens mais científicas. A partir de então a questão do Barroco
brasileiro passou a ser uma presença regular nos debates acadêmicos no
país.
Logo em seguida, na década de 1940, os estudos
foram significativamente aprofundados com a contribuição de dois teóricos
estrangeiros, a alemã Hannah Levy e o francês Roger Bastide. Levy era versada
no Barroco europeu; publicou em 1941 na Revista do SPHAN o estudo A propósito
de três teorias sobre o Barroco, que se tornou uma referência para todos os
pesquisadores por sistematizar o estado da discussão teórica em nível
internacional, cotejando os trabalhos de Heinrich Wölfflin, Max Dvořák e Leo
Ballet, que representavam as três correntes principais de estudo na época, e
aplicando essa sua síntese ao caso brasileiro. Ao mesmo tempo, Bastide, que
fora diretor do Museu do Louvre, se envolveu no assunto e passou a percorrer o
interior para pesquisar fontes documentais em velhos arquivos e fazer registros
fotográficos. Com seu conhecimento anterior sobre o Barroco europeu e mais
esses dados ele pôde estabelecer uma base sociológica do Barroco nacional,
desfazer a tradicional vinculação do apogeu econômico do ciclo do ouro com o
apogeu artístico mineiro, distinguir entre as escolas regionais do nordeste e
de Minas, e traçar suas correlações com o modelo europeu, além de oferecer
paralelos entre o Barroco e a produção moderna. As aulas que ministrou na
Universidade de São Paulo atraíram diversos estudantes que mais tarde se
tornaram pesquisadores notáveis, como Antonio Candido, Lourival Gomes Machado,
Décio de Almeida Prado e Gilda de Mello e Souza, os quais reconheceram que a
contribuição de Bastide os auxiliou na focalização de seus próprios estudos
sobre a realidade brasileira, além de apresentá-los a uma metodologia intelectual
atualizada. Em 1949 Lourival Machado aproveitou a base deixada por Mário, Levy
e Bastide para seus onze artigos publicados no jornal O Estado de São Paulo,
que foram a primeira análise das relações políticas sociais da arte colonial
com o absolutismo português, e estabelecendo a legitimidade da apresentação do
Barroco mineiro como um exemplo representativo do Barroco brasileiro. A
atuação de Lourival Machado foi outro divisor de águas, e a partir dele o
Barroco nacional deixou de ser tema de artigos para ocupar livros inteiros.
Ele, mais Afrânio Coutinho e Otto Maria Carpeaux, escreveram nas décadas de
1940-1950 diversas obras sobre aspectos gerais e particulares do Barroco.Bastide deu outra contribuição importante em 1965 com seu livro Classique,
Barroque et Rococo, editado na Europa, onde apresentou o Barroco brasileiro
como um dos maiores monumentos do Barroco internacional e o Aleijadinho como
sua principal expressão. O resultado desses esforços foi que na altura das
décadas de 60-70 o Barroco brasileiro se tornara um tópico de grande interesse
entre os pesquisadores nacionais e se tornara reconhecido além das fronteiras,
um interesse que chegou a causar a perplexidade de Affonso Ávila, que
escrevendo em 1969 se perguntava o porquê de tanta curiosidade e tanta paixão
pelo assunto naquele momento.
Os
críticos mais recentes já não trabalham na linha de uma apologia quase
incondicional do Barroco brasileiro como fizeram as primeiras gerações de
estudiosos, numa fase em que o estilo surgiu como elemento necessário para a
consolidação de uma identidade nacional. Hoje já emergem visões mais
abrangentes que procuram apontar também para seus aspectos mais contraditórios,
a fim de se formar um panorama mais realista do que o fenômeno artístico-social
do Barroco brasileiro de fato representou, e denunciam a continuada apropriação
pelo Estado de processos culturais históricos com fins propagandísticos
tendenciosos. Hansen diz que se ele
".... fundiu os modelos da cultura européia
aos modelos africanos, indígenas e orientais, dando origem à figuração por
vezes bastante original de valores locais,.... a mínima reconstituição
histórica das práticas de representação desse tempo evidencia a fortíssima
censura, o anti-semitismo, os estereótipos da limpeza de sangue, a
desqualificação e a desonra do trabalho manual, a intolerância religiosa, a
perseguição das idéias, etc. Evidencia também que.... a sociedade colonial
vivia a História como uma figura providencialista de Deus, que participava nela
como fundamento teológico-político da união da Igreja e Estado e regulação
jurídica da escravidão".
Porém,
em geral não se nega o enorme impacto que o Barroco exerceu na formação da
cultura brasileira, nem se ignora o valioso legado artístico que ele deixou e que
foi em parte declarado Patrimônio Mundial pela UNESCO.Ao mesmo
tempo, para muitos pesquisadores a herança barroca permanece viva no cotidiano
do brasileiro, expressa de uma variedade de formas artísticas, sociais e
folclóricas, definindo uma maneira de ser que se confunde com a própria noção
de brasilidade.
Apesar disso, o Barroco brasileiro ainda precisa de
maior valorização e proteção. A imprensa noticia frequentemente casos de
destruição provocada ou natural de exemplares de arquitetura, estatuária,
pintura ou talha. Instâncias oficiais como o IPHAN procuram efetivar
tombamentos e executar programas de proteção, o governo também investe em
museus e restaura bens móveis e imóveis, o patrimônio já é tópico do currículo
escolar e universitário, a iniciativa privada e universidades também realizam
projetos de pesquisa e restauro, mas é pouco diante do volume do acervo
arquitetônico e artístico que precisa de medidas de conservação e proteção
urgentes.Por outro lado, em boa parte ao Barroco, tão identificado
com o Brasil, se deve o crescimento do setor do turismo cultural no país, e já
existe uma crescente conscientização da população em geral sobre a importância
artístico-cultural e o potencial de exploração econômica do legado Barroco,
desde que mantido adequadamente, e isso pode oferecer uma perspectiva de melhor
preservação do patrimônio sobrevivente para o futuro.
Nos
séculos XVII e XVIII não havia ainda condições para a formação de uma
consciência literária brasileira. A vida social no país era organizada em
função de pequenos núcleos econômicos, não existindo efetivamente um público
leitor para as obras literárias, o que só viria a ocorrer no século XIX. Por
esse motivo, fala-se apenas em autores brasileiros com características
barrocas, influenciados por fontes estrangeiras (portuguesa e espanhola), mas
que não chegaram a constituir um movimento propriamente dito. Nesse contexto, merecem destaque a poesia de
Gregório de Matos Guerra e a prosa do padre Antônio Vieira representada pelos
seus sermões.
www.soliteratura.com.br/barroco/barroco04.php
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