A
CRÍTICA RELIGIOSA E SOCIAL
Pode-se dizer que o teatro popular de Gil Vicente expressa uma visão
extremamente crítica da sociedade da época .
Sem fazer distinção entre as classes sociais, coloca o autor em cena os
erros e vaidades de ricos e pobres , nobres e plebeus ; censura a hipocrisia
dos frades que não fazem o que pregam ; denuncia os exploradores do povo ,
sejam eles juízes ou sapateiros ; desnuda a imoralidade das alcoviteiras e
satiriza os velhos sensuais ; ridiculariza os supersticiosos e os charlatães .
No conjunto, seu teatro apresenta um vasto painel crítico das classes sociais
do fim da Idade Média portuguesa. Tentando alcançar a consciência de cada
homem, Gil Vicente deixa explícito em suas peças que seu objetivo não é apenas
divertir, mas sim destacar os vícios de uma sociedade cada vez mais
materialistas e corrupta para reconduzi-la ao caminho do Bem .
«O
Auto da Barca do Inferno» é um exemplo perfeito da sátira social de Gil Vicente
aos costumes da sociedade portuguesa do século XVI, fazendo jus à fórmula
latina « ridendo castigat mores » ( a rir corrigem-se os costumes). A sua
crítica tem, pois, uma função moralizadora que, nesta peça, é facilmente
detectada pelas réplicas contundentes do Anjo.
Gil
Vicente fará alvos da sua crítica os poderosos, os materialistas e os
corruptos. No entanto, em Gil Vicente não há só perversos. Nele encontramos
também aqueles que não usam de malícia nos seus atos e falas como é o caso do
Parvo e o caso dos Quatro Cavaleiros que são merecedores da paz eterna porque
morreram nas cruzadas em defesa do Cristianismo.
O AUTO DA BARCA
DO INFERNO
O Auto da Barca do Inferno é a primeira parte da trilogia das Barcas, considerada
a obra-prima de Gil Vicente. O
escritor é um daqueles caras que, de tão ancestral, não se tem certeza em que
ano nasceu (provavelmente 1465). Aliás, Gil Vicente é o considerado o primeiro
grande nome da dramaturgia lusitana, chamado de “o pai do teatro português”.
A peça é uma sátira do período que marca a transição
entre a Idade Média e o Renascimento. A história acontece basicamente sobre o
dualismo religioso entre o bem e o mal. Os personagens são entrevistados pelo Anjo e pelo Diabo. Suas
respostas os levam ou à Barca da Glória ou à Barca do Inferno. Como você pode
adivinhar pelo nome da obra, a maioria dos personagens não leva muita sorte.
A alegoria do pecado e do paraíso (de origem
bíblica) atravessou séculos e continua sendo muito popular, por exemplo, em
desenhos animados. Quem não se lembra de um diabinho e um anjinho murmurando em
algum ouvido ficcional.
As barcas para o inferno ou para o céu lembram-nos
Caronte, o barqueiro, demonstrando também a influência da literatura clássica
antiga ainda existente no período vivido por Gil Vicente. No contexto do Auto,
porém, a simbologia é, mais do que tudo, para o Juízo Final.
Escrita em 1517, durante a transição entre Idade Média e Renascimento, o Auto
da Barca do Inferno, é uma das obras mais representativas do teatro
vicentino. Como em tantas outras peças, nesta o autor aproveita a temática
religiosa como pretexto para a crítica de costumes.
É uma das peças mais famosas do dramaturgo. Segundo a edição original, foi
composto paracontemplação da sereníssima e muito católica rainha Lianor,
nossa senhora, e representado por seu mandado ao poderoso príncipe e mui alto
rei Manuel, primeiro de Portugal deste nome.
Gil Vicente, ao apresentar seu Auto da Barca do Inferno, utiliza a expressão "auto de moralidade", com a qual os historiadores da literatura designam algumas produções do final da Idade Média em que os personagens (alegóricos) personificam exclusiva ou predominantemente idéias abstratas dispostas entre o Bem e o Mal. Pouco tempo antes, a palavra francesa moralité era empregada para designar obras poéticas de caráter didático-moral, tal como, a nosso ver, o termo deve ser entendido na obra.
Em seguida, o escritor julga necessário declarar o argumento utilizado para compor a trama. As almas, após se libertarem de seus corpos terrestres, dirigem-se a um braço de mar onde dois barcos as esperam: um deles, conduzido por um Anjo, levará as almas ao Paraíso e outro, tripulado pelo Diabo e seu Companheiro, dirige-se ao Inferno. E de se supor que o porto em que estão as barcas seja o Purgatório.
Primeira das três "barcas" escritas por Gil Vicente, a do Inferno tem como personagens almas de representantes das variadas classes sociais e de algumas atividades diversas, além de quatro cavaleiros cruzados. Cada personagem é julgada e condenada ao seu destino, embarcando em companhia do Diabo ou do Anjo.
Foi escrita em versos rimados, fundindo poesia e teatro, fazendo com que o texto, cheio de ironia, trocadilhos, metáforas e ritmo, fluísse naturalmente. Faz parte da trilogia dos Autos da Barca (do Inferno, do Purgatório, do Céu).
Temática
Sátira social - Esta obra tem dado margem a leituras muito resumidas, que grosseiramente nela só veem uma farsa. Mas se Gil Vicente fez a análise impiedosa das "doenças" que corroíam a sociedade em que viveu, não foi para ficar por aí, como nas farsas, mas para propor um caminho decidido de transformação.
Esta obra é normalmente classificada como "auto de moralidade", mas muitas vezes aproximando-se da farsa. Esta obra retrata um pouco do que era a sociedade portuguesa do século XVI, e apesar de este auto se designar como o Auto da Barca do Inferno, este é mais o auto do julgamento das almas. Talvez tenha este nome pois quase todas as personagens têm como destino a Barca do Inferno.
Na peça, é clara a inteção do autor em expor de forma satírica e despojada os grandes vícios humanos. A forma encontrada para isso reside nos personagens, ou melhor, nas almas que se apresentam no porto em busca do transporte para o outro lado, dentro da visão católica e platônica de céu e inferno.
Ela proporciona uma amostra do que era a sociedade lisboeta das décadas iniciais do século XVI, embora alguns dos assuntos discorridos sejam pertinentes à atualidade.
Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente, é um auto onde o barqueiro do inferno e o do céu esperam à margem os condenados e os agraciados. Os que morrem chegam e são acusados pelo Diabo e pelo Anjo, mas apenas o Anjo absolve.
Estilo
Obra escrita em versos heptassílabos, em tom coloquial e com intenção marcadamente doutrinária, fundindo em algumas passagens o português, o latim e o espanhol. Cada personagem apresenta, através da fala, traços que denunciam sua condição social.
Estrutura
Como já citado, a peça se caracteriza como um auto, designação genérica para peças cuja finalidade é tanto divertir quanto instruir; seus temas, podendo ser religiosos ou profanos, sérios ou cômicos, devem, no entanto, guardar um profundo sentimento moralizador. O auto não tem uma estrutura definida, não estando dividido em atos ou cenas, é uma peça teatral em um único ato, subdividido em cenas marcadas pelos diálogos que o Anjo ou o Diabo travam com os personagens.
Cenário
Um ancoradouro, no qual estão atracadas duas barcas. Todos os mortos, necessariamente, têm de passar por esta paragem, sendo julgados e condenados ou à barca da Glória ou à barca do Inferno.
A peça tem seu início quando as almas chegam subitamente a um rio (ou braço de mar) que, forçosamente, todos os mortos terão de atravessar, não sem antes sofrerem um julgamento.
Ao que tudo indica, o cenário da peça era rudimentar, possivelmente um salão (quarto) e alguns poucos móveis e panos. A mímica tem lugar de destaque, servindo de marcação e de direcionamento da ação.
Gil Vicente, ao apresentar seu Auto da Barca do Inferno, utiliza a expressão "auto de moralidade", com a qual os historiadores da literatura designam algumas produções do final da Idade Média em que os personagens (alegóricos) personificam exclusiva ou predominantemente idéias abstratas dispostas entre o Bem e o Mal. Pouco tempo antes, a palavra francesa moralité era empregada para designar obras poéticas de caráter didático-moral, tal como, a nosso ver, o termo deve ser entendido na obra.
Em seguida, o escritor julga necessário declarar o argumento utilizado para compor a trama. As almas, após se libertarem de seus corpos terrestres, dirigem-se a um braço de mar onde dois barcos as esperam: um deles, conduzido por um Anjo, levará as almas ao Paraíso e outro, tripulado pelo Diabo e seu Companheiro, dirige-se ao Inferno. E de se supor que o porto em que estão as barcas seja o Purgatório.
Primeira das três "barcas" escritas por Gil Vicente, a do Inferno tem como personagens almas de representantes das variadas classes sociais e de algumas atividades diversas, além de quatro cavaleiros cruzados. Cada personagem é julgada e condenada ao seu destino, embarcando em companhia do Diabo ou do Anjo.
Foi escrita em versos rimados, fundindo poesia e teatro, fazendo com que o texto, cheio de ironia, trocadilhos, metáforas e ritmo, fluísse naturalmente. Faz parte da trilogia dos Autos da Barca (do Inferno, do Purgatório, do Céu).
Temática
Sátira social - Esta obra tem dado margem a leituras muito resumidas, que grosseiramente nela só veem uma farsa. Mas se Gil Vicente fez a análise impiedosa das "doenças" que corroíam a sociedade em que viveu, não foi para ficar por aí, como nas farsas, mas para propor um caminho decidido de transformação.
Esta obra é normalmente classificada como "auto de moralidade", mas muitas vezes aproximando-se da farsa. Esta obra retrata um pouco do que era a sociedade portuguesa do século XVI, e apesar de este auto se designar como o Auto da Barca do Inferno, este é mais o auto do julgamento das almas. Talvez tenha este nome pois quase todas as personagens têm como destino a Barca do Inferno.
Na peça, é clara a inteção do autor em expor de forma satírica e despojada os grandes vícios humanos. A forma encontrada para isso reside nos personagens, ou melhor, nas almas que se apresentam no porto em busca do transporte para o outro lado, dentro da visão católica e platônica de céu e inferno.
Ela proporciona uma amostra do que era a sociedade lisboeta das décadas iniciais do século XVI, embora alguns dos assuntos discorridos sejam pertinentes à atualidade.
Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente, é um auto onde o barqueiro do inferno e o do céu esperam à margem os condenados e os agraciados. Os que morrem chegam e são acusados pelo Diabo e pelo Anjo, mas apenas o Anjo absolve.
Estilo
Obra escrita em versos heptassílabos, em tom coloquial e com intenção marcadamente doutrinária, fundindo em algumas passagens o português, o latim e o espanhol. Cada personagem apresenta, através da fala, traços que denunciam sua condição social.
Estrutura
Como já citado, a peça se caracteriza como um auto, designação genérica para peças cuja finalidade é tanto divertir quanto instruir; seus temas, podendo ser religiosos ou profanos, sérios ou cômicos, devem, no entanto, guardar um profundo sentimento moralizador. O auto não tem uma estrutura definida, não estando dividido em atos ou cenas, é uma peça teatral em um único ato, subdividido em cenas marcadas pelos diálogos que o Anjo ou o Diabo travam com os personagens.
Cenário
Um ancoradouro, no qual estão atracadas duas barcas. Todos os mortos, necessariamente, têm de passar por esta paragem, sendo julgados e condenados ou à barca da Glória ou à barca do Inferno.
A peça tem seu início quando as almas chegam subitamente a um rio (ou braço de mar) que, forçosamente, todos os mortos terão de atravessar, não sem antes sofrerem um julgamento.
Ao que tudo indica, o cenário da peça era rudimentar, possivelmente um salão (quarto) e alguns poucos móveis e panos. A mímica tem lugar de destaque, servindo de marcação e de direcionamento da ação.
Personagens
Diabo: condutor das almas ao Inferno, conhece muito bem cada um dos
personagens que lhe cai às mãos; é zombeteiro, irônico e bom argumentador. Gil
Vicente não pinta o Diabo como responsável pelos fracassos e males humanos; o
Diabo é um juiz, que exibe às claras o lado mais recôndito dos personagens,
penetrando nas consciências humanas e revelando o que cada um deles procura
esconder.
Fidalgo: representa a nobreza, e chega com um pajem, tem uma roupagem
exagerada e uma cadeira de espaldar, elementos característicos de seu status
social. O diabo alega que o Fidalgo o acompanhará por ter tido uma vida de
luxúria e de pecados, sendo portanto, condenado pela vida pecaminosa, em que a
luxúria, a tirania e a falta de modéstia pesam como graves defeitos. Ao
Fidalgo, nada lhe valem as compras de indulgências, ou orações encomendadas. A
figura do Fidalgo, arrogante e orgulhoso, permite a crítica vicentina à
nobreza, e é centrada nos dois principais defeitos humanos: o orgulho e a
prática da tirania.
Onzeneiro: o segundo personagem a ser inquirido é o Onzeneiro, usurário que ao chegar à barca do Diabo descobre que seu rico dinheiro ficara em terra. Utilizando o pretexto de ir buscar o dinheiro, tenta convencer o Diabo a deixá-lo retornar, demonstrando seu apreço às coisas mundanas. O Diabo não aceita que o Onzeneiro volte à terra para reaver suas riquezas, condenando-o ao fogo do Inferno.
Parvo: um dos poucos a não ser condenado ao Inferno. O Parvo chega desprovido de tudo, é simples, sem malícia e consegue driblar o Diabo, e até injuriá-lo. É uma alma pura, cujos valores são legítimos e sinceros. Ao passar pela barca do Anjo, diz ser ninguém. Então, por sua humildade e por seus verdadeiros valores, é conduzido ao Paraíso. Em várias passagens da peça, o Parvo ironiza a pretensão de outros personagens, que se querem passar por "inocentes" diante do Diabo.
Sapateiro: representante dos mestres de ofício, que chega à embarcação do Diabo carregando seu instrumento de trabalho, o avental e as formas. É um desonesto explorador do povo. Habituado a ludibriar os homens, procura enganar o Diabo, que espertamente não se deixa levar por seus artifícios e o condena.
Frade: como todos os representantes do clero, focalizados por Gil Vicente, o Frade é alegre, cantante, bom dançarino e mau-caráter. Chega acompanhado de sua amante, e acredita que por ter rezado e estar a serviço da fé, deveria ser perdoado de seus pecados mundanos. Dá uma lição de esgrima ao Diabo (que finge não saber manejar uma arma), o que prova a culpa do espadachim, já que frades não lidam com armas. E contra suas expectativas, é condenado ao fogo do inferno. Deve-se dosar que Gil Vicente desfecha ardorosa crítica ao clero, acreditando-o incapaz de pregar as três coisas mais simples: a paz, a verdade e a fé.
Brísida Vaz: agenciadora de meretrizes, misto de alcoviteira e feiticeira. Por sua devassidão e falta de escrúpulos, é condenada. É conhecida de outros personagens que utilizaram em vida seus serviços. Inescrupulosa, traiçoeira, cheia de ardis, não consegue fugir à condenação. Personagem que faz o público leitor conhecer a qualidade moral de outros personagens que com ela se relacionaram.
Judeu: entra acompanhado de seu bode. Detestado por todos, até mesmo pelo Diabo que quase se recusa a levá-lo, é igualmente condenado, inclusive por não seguir os preceitos religiosos da fé cristã. Bom lembrar que, durante o reinado de D. Manuel, houve uma perseguição aos judeus visando à sua expulsão do território português; alguns se foram, carregando grandes fortunas; outros, converteram-se ao cristianismo, sendo tachados cristãos novos.
Corregedor e o Procurador: ambos representantes do judiciário: juiz e advogado. Deveriam ser exemplos de bom comportamento e acabaram sendo condenados justamente por serem tão imorais quanto os mais imorais dos mortais, manipulando a justiça de acordo com as propinas recebidas, pois faziam da lei sua fonte de recursos ilícitos e de manipulação de sentenças. A índole moralizadora do teatro vicentino fica bastante patente com mais essa condenação, envolvendo a Justiça humana, na figura dos representantes do Direito.
Enforcado: chega ao batel acreditando ter o perdão garantido por seu julgamento terreno e posterior condenação à morte. Isso teriam lhe redimido dos pecados, mas é condenado também a ir para o Inferno.
Cavaleiros Cruzados: finalmente chegam à barca quatro cavaleiros cruzados, que lutam pelo triunfo da fé cristã e morrem em poder dos mouros. Obviamente, com uma ficha impecável, serão todos julgados, perdoados e conduzidos à Barca da Glória.
Onzeneiro: o segundo personagem a ser inquirido é o Onzeneiro, usurário que ao chegar à barca do Diabo descobre que seu rico dinheiro ficara em terra. Utilizando o pretexto de ir buscar o dinheiro, tenta convencer o Diabo a deixá-lo retornar, demonstrando seu apreço às coisas mundanas. O Diabo não aceita que o Onzeneiro volte à terra para reaver suas riquezas, condenando-o ao fogo do Inferno.
Parvo: um dos poucos a não ser condenado ao Inferno. O Parvo chega desprovido de tudo, é simples, sem malícia e consegue driblar o Diabo, e até injuriá-lo. É uma alma pura, cujos valores são legítimos e sinceros. Ao passar pela barca do Anjo, diz ser ninguém. Então, por sua humildade e por seus verdadeiros valores, é conduzido ao Paraíso. Em várias passagens da peça, o Parvo ironiza a pretensão de outros personagens, que se querem passar por "inocentes" diante do Diabo.
Sapateiro: representante dos mestres de ofício, que chega à embarcação do Diabo carregando seu instrumento de trabalho, o avental e as formas. É um desonesto explorador do povo. Habituado a ludibriar os homens, procura enganar o Diabo, que espertamente não se deixa levar por seus artifícios e o condena.
Frade: como todos os representantes do clero, focalizados por Gil Vicente, o Frade é alegre, cantante, bom dançarino e mau-caráter. Chega acompanhado de sua amante, e acredita que por ter rezado e estar a serviço da fé, deveria ser perdoado de seus pecados mundanos. Dá uma lição de esgrima ao Diabo (que finge não saber manejar uma arma), o que prova a culpa do espadachim, já que frades não lidam com armas. E contra suas expectativas, é condenado ao fogo do inferno. Deve-se dosar que Gil Vicente desfecha ardorosa crítica ao clero, acreditando-o incapaz de pregar as três coisas mais simples: a paz, a verdade e a fé.
Brísida Vaz: agenciadora de meretrizes, misto de alcoviteira e feiticeira. Por sua devassidão e falta de escrúpulos, é condenada. É conhecida de outros personagens que utilizaram em vida seus serviços. Inescrupulosa, traiçoeira, cheia de ardis, não consegue fugir à condenação. Personagem que faz o público leitor conhecer a qualidade moral de outros personagens que com ela se relacionaram.
Judeu: entra acompanhado de seu bode. Detestado por todos, até mesmo pelo Diabo que quase se recusa a levá-lo, é igualmente condenado, inclusive por não seguir os preceitos religiosos da fé cristã. Bom lembrar que, durante o reinado de D. Manuel, houve uma perseguição aos judeus visando à sua expulsão do território português; alguns se foram, carregando grandes fortunas; outros, converteram-se ao cristianismo, sendo tachados cristãos novos.
Corregedor e o Procurador: ambos representantes do judiciário: juiz e advogado. Deveriam ser exemplos de bom comportamento e acabaram sendo condenados justamente por serem tão imorais quanto os mais imorais dos mortais, manipulando a justiça de acordo com as propinas recebidas, pois faziam da lei sua fonte de recursos ilícitos e de manipulação de sentenças. A índole moralizadora do teatro vicentino fica bastante patente com mais essa condenação, envolvendo a Justiça humana, na figura dos representantes do Direito.
Enforcado: chega ao batel acreditando ter o perdão garantido por seu julgamento terreno e posterior condenação à morte. Isso teriam lhe redimido dos pecados, mas é condenado também a ir para o Inferno.
Cavaleiros Cruzados: finalmente chegam à barca quatro cavaleiros cruzados, que lutam pelo triunfo da fé cristã e morrem em poder dos mouros. Obviamente, com uma ficha impecável, serão todos julgados, perdoados e conduzidos à Barca da Glória.
Cada um dos personagens focalizados adentram a morte com seus instrumentos
terrenos, são venais, inconscientes e por causa de seus pecados não atingem a
Glória, a salvação eterna. Destaque deve ser feito à figura do Diabo,
personagem vigorosa que, como vimos, conhece a arte de persuadir, é ágil no
ataque, zomba, retruca, argumenta e penetra nas consciências humanas. Ao Diabo
cabe denunciar os vícios e as fraquezas, sendo o personagem mais importante na
crítica que Gil Vicente tece de sua época.
Surgem ao longo do auto três tipos de cômico, o de caráter, o de situação e o
de linguagem. O cômico de caráter é aquele que é demonstrado pela personalidade
da personagem Parvo, que devido à sua pobreza de espírito não mede suas palavras,
não podendo ser responsabilizado pelos seus erros. O cômico de situação é o
criado à volta de certa situação, como o Fidalgo, em que é zombado pelo Diabo,
e o seu orgulho pisado. Por fim, o cômico de linguagem é aquele que é proferido
por certa personagem, como as falas do Diabo.
Análise do personagem "Diabo"
Ao ler Auto da Barca do Inferno, nota-se a importância do papel do
personagem Diabo, criado por Gil Vicente em seu mais conhecido auto. De acordo
com o autor é um “auto da moralidade”, sua intenção era exemplificar como se
dava o comportamento de algumas pessoas que trabalhavam em determinados setores
da época (décadas iniciais do século XVI), sendo assim, todos os personagens da
obra são alegóricos e de narração dramática.
No auto, o autor faz o Diabo – sujeito/protagonista – parecer-se com um
vendedor, ou seja, ele conhece bem as pessoas e é um ótimo argumentador, e
busca obter o maior número de objetos, ou seja, de almas. Porém, como o próprio
nome da personagem já diz, para enfatizar os mitos, o Diabo age como zombeteiro
e irônico em certos momentos da peça, exibindo o lado mais errado dos
personagens e revelando o que cada um deles deseja esconder, seus vícios e suas
fraquezas. Como competência, ele tem o poder de retrucar, argumentar e penetrar
nas consciências humanas, e como performance acaba por levar cada personagem ao
ato de refletir sobre seus feitos, para que percebam que não foram bons em
vida, destacando assim o Teocentrismo medieval. Nesse momento, o diabo age como
um terapeuta espiritual, mesmo sabendo que os personagens tentarão entrar na
barca com o Anjo – seu oponente. Como sanção de sua competência, o Diabo
consegue encher sua barca e segue em direção ao inferno.
Enredo
A peça inicia-se num porto imaginário, onde se encontram as duas barcas, a
Barca do Inferno, cuja tripulação é o Diabo e o seu Companheiro, e a Barca da
Glória, tendo como tripulação um Anjo na proa.
A obra apresenta um conjunto de personagens, as almas dos mortos, que, após o
traspasse, deparam-se com um braço de mar onde barcas as aguardam.
O primeiro a embarcar é um Fidalgo, que chega acompanhado de um Pajem, que leva
a calda da roupa do Fidalgo e também uma cadeira, para seu encosto.
O Diabo mal viu o Fidalgo e já lhe falou para entrar em sua barca, pois ele
iria levar mais almas e mostrar que era bom navegante. Antes disso, o
companheiro do Diabo, começou a preparar a barca para que as almas dos que
viessem, pudessem entrar.
Quando tudo estava pronto, o Fidalgo dirigiu a palavra ao Diabo, perguntando
para onde aquela barca iria. O Diabo respondeu que iria para o Inferno, então o
Fidalgo resolveu ser sarcástico e falou que as roupas do Diabo pareciam de uma
mulher e que sua barca era horrível. O Diabo não gostou da provocação e disse
que aquela barca com certeza era ideal para ele, devido a sua impertinência. O
Fidalgo espantado, diz ao Diabo que tem quem reze por ele, mas acaba recebendo
a notícia de que seu pai também havia embarcado rumo ao Inferno.
O Fidalgo tenta achar outra barca, que não siga ao Inferno, então resolve
dirigir-se a barca do céu. Ele resolve erguntar ao Anjo, aonde sua barca iria
e se ele poderia embarcar nela, mas é impedido de entrar, devido a sua tirania,
pois o Anjo disse que aquela barca era muito pequena para ele, não teria espaço
para o seu mau caráter.
O Diabo começa a fazer propaganda de sua barca, dizendo que ela era a ideal, a
melhor. Assim, O Fidalgo desconsolado, resolve embarcar na barca para o
Inferno. Mas antes, o Fidalgo queria tornar a ver sua amada, pois ele disse que
ela se mataria por ele, mas o Diabo falou que a mulher que ele tanto amava,
estava apenas enganando-o, que tudo que ela lhe escrevia era mentira. E assim,
o Diabo insistia cada vez mais para que o Fidalgo esquecesse sua mulher e que
embarcasse logo, pois ainda viria mais gente. O Diabo manda o Pajem, que estava junto com o Fidalgo, ir embora, pois ainda
não era sua hora. Logo a seguir, veio um onzeneiro que questionou ao Diabo,
para onde ele iria conduzir aquela barca. O Diabo querendo conduzi-lo à sua
barca, perguntou por que ele tinha demorado tanto, e o Onzeneiro afirmou que
havia sido devido ao dinheiro que ele queria ganhar, mas que foi por causa dele
que ele havia morrido e que não sobrou nem um pouco para pagar ao barqueiro.
O Onzeneiro não quis entrar na barca do Diabo, então resolveu dirigir-se à
barca do céu. Chegando até a barca divina, ele pergunta ao Anjo se ele poderia
embarcar, mas o Anjo afirmou que por ele, o Onzeneiro não entraria em sua
barca, por ter roubado muito e por ser ganancioso. Então, negada a sua entrada
na barca divina, o Onzeneiro acaba entrando na barca do Inferno.
Mais uma alma se aproximou, desta vez era um Parvo, um homem tolo que perguntou
se aquela barca era a barca dos tolos. O Diabo afirmou que era e que ele deveria
entrar, mas o Parvo ficou reclamando que morreu na hora errada e o Diabo
perguntou do que ele havia morrido, e o Parvo sendo muito sutil respondeu que
havia sido de diarréia.
O Parvo ao saber aonde aquela barca iria, começou a insultar o Diabo e foi
tentar embarcar na barca divina. O Anjo falou que se ele quisesse, poderia
entrar, pois ele não havia feito nada de mal em sua vida, mas disse para
esperar para ver se tinha mais alguém que merecia entrar na barca divina.
Vem um sapateiro com seu avental, carregando algumas fôrmas e chegando ao batel
do inferno, chama o Diabo. Ele fica espantado com a maneira na qual o sapateiro
vem carregado, cheio de pecados e de suas fôrmas.
O sapateiro tenta enrolar o Diabo, dizendo que ali ele não entraria pois ele
sempre se confessava, mas o Diabo joga toda a verdade na sua cara e o manda
entrar logo em sua barca. O sapateiro tenta lhe dizer todas as feitorias que
havia realizado, na tentativa de conseguir entrar no batel do céu, mas o Anjo
lhe diz que a "carga" que ele trazia não entraria em sua barca e que
o batel do Inferno era perfeito para ele. Vendo que nào conseguiu o que queria,
o sapateiro se dirige à barca do Inferno e ordena que ela saia logo.
Chegou um Frade, junto de uma moça, carregando em uma mão um pequeno escudo e
uma espada, na outra mão, um capacete debaixo do capuz. Começou a cantarolar
uma música e a dançar.
Ele falou ao Diabo que era da corte, mas o próprio perguntou-lhe como ele sabia
dançar o Tordião, já que era da corte. O Diabo perguntou se a moça que ele
trazia era dele e se no convento não censuravam tal tipo de coisa. O Frade por
sua vez diz que todos no convento são tão pecadores como ele e aproveitou para
perguntar para onde aquela barca iria. Ao saber para onde iria, ficou inconformado
e tentou entender porque ele teria que ir ao Inferno e não ao céu, já que era
um frade. O Diabo lhe responde que foi devido ao seu comportamento durante a
vida, por ter tido várias mulheres e por ter sido muito aventureiro. Assim, o
Frade desafia o Diabo, mas este não faz nada e apenas observa o que o Frade
faz.
O Frade resolve puxar a moça para irem ao batel do Céu, mas lá se encontraram
com o Parvo, que pergunta se ele havia roubado aquela espada que ele carregava.
O Frade completamente arrasado, finalmente se convence que seu destino é o
inferno, pois até mesmo o Parvo zombou de sua vida e de seus pecados.
Dirigiu-se a barca do Inferno, resolve embarcar junto com a moça que o
acompanhava.
Assim que o Frade embarcou, veio a alcoviteira Brísida Vaz, chamando o Diabo
para saber em qual barca ela haveria de entrar. O companheiro do Diabo lhe
disse que ela não entraria na barca sem Joana de Valdês.
Ela foi relatando o que estava trazendo para a barca e afirmava que iria para o
Paraíso, mas o Diabo dizia que sua barca era o seu lugar, que ela teria que
ficar ali.
Brísida vai implorar de joelhos ao Anjo, que esse a deixe entrar em sua barca,
pois ela não queria arder no fogo do inferno, dizendo que tinha o mesmo mérito
de um apóstolo para entrar em sua barca. O Anjo, já sem paciência, mandou-lhe
que fosse embora e que não lhe importunasse mais.
Triste por não poder ir para o Paraíso, Brísida vai caminhando em direção ao
batel do Inferno e resolve entrar, já que era o único lugar para onde ela
poderia ir.
Logo após o embarque de Brísida Vaz, veio um Judeu, carregando um bode, na qual fazia parte dos rituais de sacrifício da religião hebraica. Chegando ao batel dos danados, chama o marinheiro, que por acaso era o Diabo; perguntando a quem pertencia aquela barca. O Diabo questiona se o bode também iria junto com o Judeu, esse por sua vez afirma que sim, mas o Diabo o impede pois ele não levava para o Inferno, os caprinos.
O Judeu resolve pagar alguns tostões ao Diabo, para que ele permita a entrada do bode; disse que por meio do semifará ele seria pago. Vendo que não consegue, ele xinga o Diabo e roga-lhe várias pragas, apenas por não fazer a sua vontade.
O Parvo, para zombar o Judeu, perguntou se ele havia roubado aquela cabra, e aproveitou para xingá-lo. Afirmou também que ele havia urinado na igreja de São Gião e que teria comido a carne da panela do Nosso Senhor. Vendo que o Judeu era uma péssima pessoa, o Diabo ordenou-lhe logo que entrasse em sua barca, para não perderem tanto tempo com uma discussão tola.
Depois que o Judeu embarcou, veio um Corregedor, carregado de feitos, que quando chegou ao batel do Inferno, com sua vara na mão, chamou o barqueiro. O barqueiro ao vê-lo, fica feliz, pois esta seria mais uma alma que ele conduziria para o fogo ardente do Inferno. O Corregedor era um amante da boa mesa e sua carga era qualificada como "gentil", pois tratava-se de processos relativos a crimes, que era um conteúdo muito agradável para o Diabo. Ele era ideal para entrar na barca do Inferno, pois durante sua vida, ele era um juíz corrupto e que aceitava perdizes como suborno.
O Diabo começa a falar em latim com o Corregedor, pois era usado pela Justiça e pela Igreja, além de ser a língua internacional da cultura. Ele ordena ao seu companheiro que este apronte logo a barca e que se prepare para remar rumo ao Inferno.
Os dois começam a discutir em latim, pois o Corregedor por ser achar superior ao Diabo, pensa que só porque era um juíz prestigiado, não teria que entrar em sua barca. O Diabo vai perguntando sobre todas as suas falcatruas, até citando sua mulher no meio, que aceitava suborno dos judeus, mas o Corregedor garantiu que com isso ele não estava envolvido, que estes eram os lucros de sua mulher, e não dele.
Enquanto o Corregedor estava nesta conversa com o Arrais do Inferno, chegou um Procurador, carregando vários livros. Resolve falar com o Corregedor, espantado por encontrá-lo aí, questiona para onde ele iria, mas o Diabo responde pelo Corregedor e diz que iria para o Inferno, mas que também era bom ele ir entrando logo, para retirar a água que estava entrando na barca.
O Corregedor e o Procurador não quiseram entrar na barca, pois eles tinham fé em Deus e também porque havia outra barca em melhores condições, que os conduziria para um lugar mais ameno. Quando chegam ao batel divino, o Anjo e o Parvo zombam de suas ações, que eles não tinham o direito de entrar ali, pois tudo que eles haviam feito de ruim, estava sendo pago agora, com a ida de suas almas para o Inferno. Desistindo de ir para o paraíso, os dois ao entrarem no batel dos condenados, encontram Brísida Vaz. Ela por sua vez, se sentiu aliviada por estarem ali, pois enquanto estava viva foi muito castigada pela Justiça.
Veio um homem que morreu enforcado e ao chegar ao batel dos mal-aventurados, começou a conversar com o Diabo. Ele tentou explicar porque ele não iria no batel do Inferno, pois que ele havia sido perdoado por Deus ao ser condenado à forca e morrer, mas isso não passou de uma mentira, pois ele teria que morrer e arder no fogo do Inferno devido aos seus erros. Desistindo de tentar fugir de seu futuro, ele acaba obedecendo as ordens do Diabo para ajudar a empurrar a barca e remar, pois o horário da partida estava próximo.
Depois disso, vieram quatro Cavaleiros cantando, cada um trazia a Cruz de Cristo, pelo Senhor e também para demonstrar a sua fé, pois eles haviam lutado em uma Cruzada contra os Mulçumanos, no norte da África. Absolvidos da culpa e pena, por privilégio dos que morreram em guerra, foram cantarolando felizes indo em direção ao batel do Céu.
Ao passarem na frente do batel do Inferno, cantando, segurando suas espadas e escudos, o Diabo não resiste e pergunta-lhes porque não pararam para questionar para onde sua barca iria. Convidando-os para entrar, o Diabo recebe uma resposta não muito agradável de um dos Cavaleiros, pois esse disse que quem morresse por Jesus Cristo, não entraria em tal barca.
Tornaram a prosseguir, cantarolando, em direção à barca da Glória, e quando chegaram nela, o Anjo os recebeu muito bem e disse que estava à espera deles por muito tempo. Sendo assim, os quatro Cavaleiros embarcaram e tomaram rumo em direção ao Paraíso, já que morreram por Deus e porque eram livres de qualquer pecado.
Logo após o embarque de Brísida Vaz, veio um Judeu, carregando um bode, na qual fazia parte dos rituais de sacrifício da religião hebraica. Chegando ao batel dos danados, chama o marinheiro, que por acaso era o Diabo; perguntando a quem pertencia aquela barca. O Diabo questiona se o bode também iria junto com o Judeu, esse por sua vez afirma que sim, mas o Diabo o impede pois ele não levava para o Inferno, os caprinos.
O Judeu resolve pagar alguns tostões ao Diabo, para que ele permita a entrada do bode; disse que por meio do semifará ele seria pago. Vendo que não consegue, ele xinga o Diabo e roga-lhe várias pragas, apenas por não fazer a sua vontade.
O Parvo, para zombar o Judeu, perguntou se ele havia roubado aquela cabra, e aproveitou para xingá-lo. Afirmou também que ele havia urinado na igreja de São Gião e que teria comido a carne da panela do Nosso Senhor. Vendo que o Judeu era uma péssima pessoa, o Diabo ordenou-lhe logo que entrasse em sua barca, para não perderem tanto tempo com uma discussão tola.
Depois que o Judeu embarcou, veio um Corregedor, carregado de feitos, que quando chegou ao batel do Inferno, com sua vara na mão, chamou o barqueiro. O barqueiro ao vê-lo, fica feliz, pois esta seria mais uma alma que ele conduziria para o fogo ardente do Inferno. O Corregedor era um amante da boa mesa e sua carga era qualificada como "gentil", pois tratava-se de processos relativos a crimes, que era um conteúdo muito agradável para o Diabo. Ele era ideal para entrar na barca do Inferno, pois durante sua vida, ele era um juíz corrupto e que aceitava perdizes como suborno.
O Diabo começa a falar em latim com o Corregedor, pois era usado pela Justiça e pela Igreja, além de ser a língua internacional da cultura. Ele ordena ao seu companheiro que este apronte logo a barca e que se prepare para remar rumo ao Inferno.
Os dois começam a discutir em latim, pois o Corregedor por ser achar superior ao Diabo, pensa que só porque era um juíz prestigiado, não teria que entrar em sua barca. O Diabo vai perguntando sobre todas as suas falcatruas, até citando sua mulher no meio, que aceitava suborno dos judeus, mas o Corregedor garantiu que com isso ele não estava envolvido, que estes eram os lucros de sua mulher, e não dele.
Enquanto o Corregedor estava nesta conversa com o Arrais do Inferno, chegou um Procurador, carregando vários livros. Resolve falar com o Corregedor, espantado por encontrá-lo aí, questiona para onde ele iria, mas o Diabo responde pelo Corregedor e diz que iria para o Inferno, mas que também era bom ele ir entrando logo, para retirar a água que estava entrando na barca.
O Corregedor e o Procurador não quiseram entrar na barca, pois eles tinham fé em Deus e também porque havia outra barca em melhores condições, que os conduziria para um lugar mais ameno. Quando chegam ao batel divino, o Anjo e o Parvo zombam de suas ações, que eles não tinham o direito de entrar ali, pois tudo que eles haviam feito de ruim, estava sendo pago agora, com a ida de suas almas para o Inferno. Desistindo de ir para o paraíso, os dois ao entrarem no batel dos condenados, encontram Brísida Vaz. Ela por sua vez, se sentiu aliviada por estarem ali, pois enquanto estava viva foi muito castigada pela Justiça.
Veio um homem que morreu enforcado e ao chegar ao batel dos mal-aventurados, começou a conversar com o Diabo. Ele tentou explicar porque ele não iria no batel do Inferno, pois que ele havia sido perdoado por Deus ao ser condenado à forca e morrer, mas isso não passou de uma mentira, pois ele teria que morrer e arder no fogo do Inferno devido aos seus erros. Desistindo de tentar fugir de seu futuro, ele acaba obedecendo as ordens do Diabo para ajudar a empurrar a barca e remar, pois o horário da partida estava próximo.
Depois disso, vieram quatro Cavaleiros cantando, cada um trazia a Cruz de Cristo, pelo Senhor e também para demonstrar a sua fé, pois eles haviam lutado em uma Cruzada contra os Mulçumanos, no norte da África. Absolvidos da culpa e pena, por privilégio dos que morreram em guerra, foram cantarolando felizes indo em direção ao batel do Céu.
Ao passarem na frente do batel do Inferno, cantando, segurando suas espadas e escudos, o Diabo não resiste e pergunta-lhes porque não pararam para questionar para onde sua barca iria. Convidando-os para entrar, o Diabo recebe uma resposta não muito agradável de um dos Cavaleiros, pois esse disse que quem morresse por Jesus Cristo, não entraria em tal barca.
Tornaram a prosseguir, cantarolando, em direção à barca da Glória, e quando chegaram nela, o Anjo os recebeu muito bem e disse que estava à espera deles por muito tempo. Sendo assim, os quatro Cavaleiros embarcaram e tomaram rumo em direção ao Paraíso, já que morreram por Deus e porque eram livres de qualquer pecado.
ANÁLISE DA OBRA
Para se compreender o "Auto da Barca do Inferno" deve-se ter em mente que essa obra foi escrita em um período da história que corresponde à transição da Idade média para a Idade Moderna. Seu autor, Gil Vicente, se enquadra justamente nesse momento de transição, ou seja, está ligado tanto ao medievalismo quanto ao humanismo. Esse conflito faz com que Gil Vicente pense em Deus e ao mesmo tempo exalte o homem livre.O reflexo desse conflito interior é visto claramente em sua obra, pois ao mesmo tempo em que critica, de forma impiedosa, toda a sociedade de seu tempo, adotando assim uma postura moderna, ainda tem o pensamento voltado para Deus, característica típica do mundo medieval.
O "Auto da Barca do Inferno", ao que tudo indica, foi apresentado pela primeira vez em 1517 na câmara da rainha D. Maria de Castela, que estava enferma. Esse Auto, classificado pelo próprio autor como um "auto de moralidade", tem como cenário um porto imaginário, onde estão ancoradas duas barcas: uma como destino o paraíso, tem como comandante um anjo; a outra, com destino ao inferno, tem como comandante o diabo, que traz consigo um companheiro. Com relação a tempo, pode-se dizer que é psicológico, uma vez que todos os personagens estão mortos, perdendo-se assim a noção do tempo.
Todas as almas, assim que se desprendem dos corpos, são obrigadas a passar por esse lugar para serem julgadas. Dependendo dos atos cometidos em vida, elas são condenadas à Barca da Glorificação ou à do Inferno. Tanto o anjo quanto o diabo podem acusar as almas, mas somente o anjo tem o poder da absolvição. Quanto ao estilo, pode-se dizer todo Auto é escrito em tom coloquial, ou seja, a linguagem aproxima-se a da fala, revelando assim a condição social das personagens, e todos o versos são Redondilhas maiores, sete sílabas poéticas.
As
rimas obedecem, geralmente, o esquema ABBAACCA, como se pode ver na fala do
onzeneiro, transcrita abaixo:
"Olá,
ó demo barqueiro! (A)
Sabeis vós no que me fundo (B)
Quero lá tornar ao mundo (B)
E trarei o meu dinheiro (A)
Aqueloutro marinheiro (A)
Porque me vê vir sem nada (C)
Dá-me tanta borregada (C)
Como arrais lá do barreiro (A)"
Ao
longo do Auto pode se encontrar períodos em que são quebrados tanto o esquema
de rimas quanto o métrico. Como Gil Vicente sempre procurou manter um padrão
constante em suas obras, atribui-se esse fato a possíveis falhas de impressão.
Em
relação a estrutura pode-se dizer que o Auto possui um
único ato, dividido em cenas, nas quais predominam os diálogos entre as almas,
que estão sendo julgadas, com o anjo e com o diabo.
Os personagens do Auto, com exceção do anjo de do
diabo, são representantes típicos da sociedade da época. Eles raramente
aparecem identificados pelo nome, pois são designados pela ocupação social que
exercem. Como exemplo pode-se cita o onzeneiro, o fidalgo, sapateiro etc.
Abaixo
segue o resumo da obra, bem como um comentário sobre os personagens e suas
características principais.
No
começo do Auto o anjo divide o palco com o diabo e o seu companheiro. Os dois
últimos estão muito eufóricos enquanto realizam os preparativos da sua barca,
pois sabem que ela partirá repleta de almas. As posturas assumidas pelo anjo e
pelo diabo acentuam ainda mais a tradicional oposição entre Bem e Mal.
As
poucas falas, que fazem do anjo uma figura quase estática, se contrapõem a
alegria e ironia do diabo. Assim, o diabo, que conhece muito bem cada um dos
personagens que serão julgados, revelando o que cada um tenta esconder,
torna-se o centro das atenções e praticamente domina a peça.
A
primeira alma a chegar para o julgamento é o
fidalgo. Ele vem vestido com uma roupa cheia de requintes e acompanhado por
um pajem, que carrega uma cadeira, simbolizando o seu status social. Esse
representante da nobreza é
condenado à barca do inferno por ter levado uma vida tirana cheia de luxúria e
pecados. A arrogância e o orgulho do fidalgo são tantas que ele zomba do
diabo quando fica sabendo qual seria o destina do batel infernal, pois deixou
"na outra vida" quem reze por ele. O fidalgo dirigi-se então a barca
da glória e só quando é rejeitado pelo anjo percebe que de nada valem as
orações encomendadas. Só então mostra-se arrependido, mas como já era muito
tarde, embarca no batel infernal.
O
segundo personagem que sofre julgamento é o
onzeneiro ambicioso. Ao
chegar a barca do inferno o diabo o chama de "meu parente". Ao
descobrir o destino do batel infernal, ele recusa-se a embarcar e vai até a
barca da glorificação, mas o anjo o acusa de onzena(agiotagem) e não permite a
sua entrada. Condenado pela
ganância, usura e avareza, o onzeneiro retornar a barca do inferno e tenta
convencer o diabo a deixá-lo voltar ao mundo dos vivos para buscar o dinheiro
que acumulou durante a sua vida. Mas o diabo não cede a seus argumentos e ele
acaba embarcando no batel infernal.
A
próxima alma a chegar é o
parvo. Desprovido de tudo, ele é recebido pelo diabo, que tenta convencê-lo
a entrar em sua barca. Ao descobrir o destino do batel infernal, o parvo xinga
o diabo e vai até a o batel da glória. Lá chegando, o parvo diz não ser ninguém
e, por causa da sua humildade
e modéstia, a sua sentença é a glorificação.
O
outro personagem que entra em cena é o
sapateiro, que traz consigo todas as ferramentas necessárias para a
execução do seu trabalho. Ao saber o destino da barca do inferno, ele recorre
ao anjo, mas sua tentativa é vã e ele é
condenado por roubar o povo com seu ofício durante 30 anos e por sua falsidade
religiosa.
Acompanhado
pela amante, o próximo personagem a entrar em cena é o frade. Alegre, cantante e bom
dançarino, o frade veste-se com as tradicionais roupas sacerdotais e sob elas,
instrumentos e roupas usadas pelos praticantes da esgrima, esporte esse que ele
se revela muito hábil. O frade indigna-se quando o diabo o convida a entrar em
sua embarcação, pois acredita que seus pecados deveriam ser perdoados, uma vez
que ele foi um representante religioso. Então ele, sempre acompanhado da
amante, segue até o batel da glória, onde o anjo sequer lhe dirige a palavra,
tamanha a sua reprovação, cabendo ao parvo a tarefa de condenar o frade à barca do inferno
por seu falso moralismo religioso.
Depois
do frade, entra em cena Brísida
Vaz, uma mistura de feiticeira com alcoviteira. Ao ser recebida pelo diabo
ela declara possuir muitas joias e três arcas cheias de materiais usados em
feitiçaria. Mas seu maior bem são "seiscentos virgos postiços". Como
a palavra "virgo" corresponde ao hímen, pode-se dizer que a
alcoviteira Brísida Vaz prostituiu 600 meninas virgens. No entanto, o adjetivo
postiço dá margem a interpretação de que as moças não eram virgens e Brísida
Vaz enganou seiscentos homens. Ao saber qual era o destino do batel infernal,
ela vai até à barca do anjo e, com um discurso semelhante ao usado nas artes da
sedução, tenta convencer o anjo a deixá-la embarcar. Mas essa tentativa é
inútil, pois ela é condenada à
barca do inferno pela prática de feitiçaria, prostituição e por alcovitagem (Servir de intermediário em
relações amorosas).
O
próximo personagem que entra cena é o
judeu, acompanhado de seu bode, símbolo do judaísmo. Ele dirigi-se ao batel
infernal é até mesmo o diabo, que sempre mostrou-se muito desejo por almas,
recusou-se a levá-lo. Então o judeu tenta subornar o diabo, mas esse, sob
pretexto de não levar bode em sua barca, o aconselha a procurar a "outra"
barca. O judeu então tenta aproximar-se do anjo, mas o parvo o impede, alegando
que ele em vidadesrespeitou o Cristianismo.
Por
alguns instantes tem-se a impressão de que o destino do judeu é ficar vagando
sem destino pelo porto imaginário, mas o
diabo acaba levando o judeu e bode rebocados em sua barca. O motivo de
tanta discriminação ao judeu deve-se ao fato de ter existido, durante o reinado
de D. Manuel, uma intensa perseguição aos judeus e aos cristãos novos, que
tinha o objetivo de expulsa-los do território português.
Vale
lembrar que, apesar de haver um ataque aos judeus no "Auto da Barca do
Inferno", nas demais obras de Gil Vicente existe uma condenação à
perseguição sofrida pelos judeus e cristãos novos.
Depois
do judeu, entra em cena o
corregedor. Ele traz consigo vários autos (processos) e pode ser comparado
aos juizes atuais. Ao ser convidado a embarcar no batel infernal ele começa a
argumentar em sua defesa. No meio da conversação, chega o procurador, trazendo consigo
vários livros. Ao ser convidado a embarcar, ele também se recusa e os dois
representantes do judiciário conversam sobre os crimes que cometeram juntos e
seguem para a barca da glória. Lá chegando, o anjo, ajudado pelo parvo, não
permite que eles embarquem, condenando-os
ao batel infernal por usarem o poder do judiciário em benefício próprio.
Vale
lembrar que esses dois personagens utilizam em sua defesa vários termos em
Latim, misturados à Língua Portuguesa. Esse efeito de adulteração da Língua
Latina, aliado a má índole dos dois, remete a ideia de que tanto a língua dos
juristas quanto os que a usam estão sendo corrompidos.
Dentro
do batel infernal, o corregedor e o procurador fazem companhia à Brísida Vaz,
mostrando assim que eles se conheciam muito bem. Esse fato dá margem a duas interpretações:
a primeira é que Brísida Vaz respondeu a vários processos judiciais; já a
segunda remete a ideia de que Brísida Vaz ofereceu seus serviços aos
burocratas.
O próximo personagem a entrar em cena é o enforcado, que ainda traz no pescoço a corda usada no seu enforcamento. Ele acredita que a morte na forca o redime dos seus pecados, mas isso não ocorre e ele é condenado. Tudo indica que o enforcado cometeu vários crimes em nome de seu chefe Garcia Moniz. A fala de Brísida Vaz, dirigida ao corregedor, que anuncia a chegada do enforcado Pero de Lisboa, nos leva a crer que ele trabalhava no judiciário e que todos se conheciam. Dessa forma ideia de que Brísida Vaz respondeu a vários processos judiciais é reforçada e a questão da corrupção nos meios burocráticos retorna a cena. Por isso, a condenação do enforcado ao batel infernal também é a da corrupção nos meios burocráticos.
O próximo personagem a entrar em cena é o enforcado, que ainda traz no pescoço a corda usada no seu enforcamento. Ele acredita que a morte na forca o redime dos seus pecados, mas isso não ocorre e ele é condenado. Tudo indica que o enforcado cometeu vários crimes em nome de seu chefe Garcia Moniz. A fala de Brísida Vaz, dirigida ao corregedor, que anuncia a chegada do enforcado Pero de Lisboa, nos leva a crer que ele trabalhava no judiciário e que todos se conheciam. Dessa forma ideia de que Brísida Vaz respondeu a vários processos judiciais é reforçada e a questão da corrupção nos meios burocráticos retorna a cena. Por isso, a condenação do enforcado ao batel infernal também é a da corrupção nos meios burocráticos.
Os
últimos personagens a entrar em cena são os
quatro cavaleiros que morreram nas cruzadas em
defesa do Cristianismo. Eles passam cantando pelo batel infernal, o diabo os
convida à entrar, mas eles sequem em direção ao batel da glorificação, onde são
recebidos pelo anjo. O fato de
morrer pelo triunfo do Cristianismo garante a esses personagens uma espécie de
passaporte para a glorificação.
Com a
chegada dos quatro cavaleiros a peça chega a final.
kinaxa.blogspot.com/2009/10/critica-religiosa-e-social.html
papaletras.blogspot.com/2008/.../crtica-social-no-auto-da-barca-do.ht.
www.algosobre.com.br/resumos.../o-auto-da-barca-do-inferno.html
Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente -
Passeiweb
www.passeiweb.com/na_ponta.../a/auto_da_barca_do_inferno
Foi útil obrigado por me ajudares a fazer o meu trabalho de português muito obrigada mesmo a tua informação foi muito útil para fazer o meu próprio resumo para o meu trabalho vou dar 5 estrelas muito obrigado
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