5. LYGIA FAGUNDES
TELLES
|
Lygia Fagundes Telles,
nascida Lygia de Azevedo Fagundes ComIH (São Paulo, 19 de abril de 1923), é
uma escritora brasileira, galardoada
com o Prêmio
Camões em 2005
É membro da Academia Paulista de Letras desde
1982, da Academia Brasileira de Letras desde
1985 e da Academia das Ciências de Lisboa desde
1987.
Biografia
É a quarta filha do casal
Durval de Azevedo Fagundes e Maria do Rosário Silva Jardim de Moura, tendo
nascido na rua Barão do Bananal, na capital paulista. Por causa da profissão do
pai, delegado e promotor público, passa a infância em cidades do interior do
estado: Sertãozinho, Apiaí, Descalvado, Areias e Itatinga.
Em 1938, dois anos depois da
separação dos pais, Lygia publicou o seu primeiro livro de contos, Porão e
sobrado, com a ajuda de seu pai com o pagamento da edição e assinando como
Lygia Fagundes. Em 1939 terminou o curso fundamental no Instituto de Educação Caetano de Campos. No ano
seguinte, ingressou na Escola Superior de Educação Física, também em São Paulo,
ao mesmo tempo que frequentou um curso pré-jurídico, preparatório para a Faculdade de Direito do Largo
de São Francisco.
Em 1941, iniciou o curso de
Direito na Faculdade do largo de São Francisco e concluiu o curso de Educação
Física. Começou a participar ativamente nos debates literários, onde
conheceria Mário e Oswald de Andrade, Paulo Emílio Salles Gomes, entre
outros nomes da cena literária brasileira. Fez, então, parte da Academia de
Letras da Faculdade e escreveu para os jornais Arcádia e A
Balança. Ao mesmo tempo, trabalhou no Departamento Agrícola do Estado de
São Paulo para pagar os estudos e para a sua própria subsistência. Foi na
faculdade do Largo de São Francisco que conheceu a poeta que veio a ser a sua
melhor amiga, Hilda
Hilst.
Em 1944, publicou Praia
Viva. Em 1947, casou com o jurista Goffredo da Silva Telles Jr. (filho
de Gofredo da Silva Telles), assim
passando a assinar Fagundes Telles em seu sobrenome. Conheceu seu marido na
escola, já que ele era seu professor na Faculdade de Direito e deputado
federal, o que a levou a mudar-se para o Rio de Janeiro, onde
funcionava a Câmara Federal.
Em 1954, nasceu seu único
filho Goffredo da Silva Telles Neto.. De volta à sua cidade natal, no mesmo ano
escreveu o seu primeiro romance, Ciranda de Pedra
Em 1960, separou-se de
Goffredo. No ano seguinte, começou a trabalhar como procuradora do
Instituto de Previdência do Estado de São Paulo. Em 1962, reata com Paulo Emílio Sales Gomes e
volta com ele, ainda formalmente casada, o que gerou um escândalo na sociedade.
Em parceria com Paulo Emílio,
fez uma adaptação para o cinema do romance de Machado de Assis, Dom Casmurro, para o
cineasta Paulo César Saraceni - adaptação
que adotaria a alcunha da personagem principal: "Capitu".
Em 1970, recebeu o Grande
Prêmio Internacional Feminino para Estrangeiros, na França, pelo seu
livro de contos Antes do baile verde. Em 1973,
publica o romance As Meninas. Com o livro ganha o Prêmio Coelho Neto, da Academia Brasileira de Letras; o Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro; e o prêmio
de Ficção da Associação Paulista de Críticos de Arte. Em
1977, foi galardoada pelo Pen Club do Brasil na
categoria de contos, pela sua coletânea Seminário dos Ratos.
Ficou viúva em 1977, e assumiu
a presidência da Cinemateca Brasileira, fundada
por seu marido.
Em 1982 foi eleita para a
cadeira 28 da Academia Paulista de Letras e, em
1985, por 32 votos a 7, foi eleita em 24 de outubro para ocupar a cadeira 16
da Academia Brasileira de Letras, na vaga
deixada por Pedro
Calmon, tomando posse em 12 de maio de 1987. A 26 de Novembro de 1987 foi
feita Comendadora da Ordem do Infante D. Henrique de Portugal.
Em 1995 Emiliano Ribeiro apresentou
o filme As Meninas, baseado no romance da
escritora. Em 2001 voltou a receber o Prêmio Jabuti, na categoria de ficção,
pelo seu livro Invenção e Memória. Em março
de 2001 recebeu o título de Doutora Honoris Causa pela Universidade de Brasília.[8]
Em 13 de maio de 2005 recebeu
o Prêmio
Camões pelo conjunto da obra,[2] distinguida
pelo júri composto por Antônio Carlos Sussekind (Brasil), Ivan Junqueira (Brasil), Agustina Bessa-Luís (Portugal), Vasco Graça Moura (Portugal), Germano de Almeida (Cabo Verde) e José Eduardo Agualusa (Angola).
Em fevereiro de 2016 foi
indicada ao Prêmio Nobel de Literatura pela União Brasileira de Escritores. O anúncio
oficial da premiação será em outubro de 2016 em Estocolmo, na Suécia. Se vencer,
será a primeira vez que o prêmio é concedido a um brasileiro.[9]
Obras
Romances
·
Ciranda de Pedra, 1954
·
Verão no Aquário, 1964
·
As Meninas, 1973 (Prêmio Jabuti)
·
As Horas Nuas, 1989
Livros de Contos
·
Porão e sobrado, 1938
·
Praia viva, 1944
·
O cacto vermelho, 1949
·
Histórias do desencontro, 1958
·
Histórias escolhidas, 1964
·
O Jardim Selvagem, 1965
·
Antes do Baile Verde, 1970
·
Seminário dos Ratos, 1977
·
Filhos pródigos, 1978
(reeditado como A Estrutura da Bolha de Sabão, 1991)
·
A Disciplina do Amor, 1980
·
Mistérios, 1981
·
A noite escura e mais eu, 1995
·
Oito contos de amor, 1996
·
Invenção e Memória, 2000 (Prêmio Jabuti)
·
Biruta, 2004
·
Conspiração de nuvens, 2007
·
Passaporte para a China, 2011
·
Um coração ardente, 2012
Antologias
·
Seleta, 1971
(organização, estudos e notas de Nelly Novaes Coelho)
·
Lygia Fagundes Telles, 1980
(organização de Leonardo Monteiro)
·
Os melhores contos de Lygia F.
Telles, 1984 (seleção de Eduardo Portella)
·
Venha ver o pôr-do-sol, 1988
(seleção dos editores - Ática)
·
A confissão de Leontina e
fragmentos, 1996 (seleção de Maura Sardinha)
·
Oito contos de amor, 1997
(seleção de Pedro Paulo de Sena Madureira)
·
Pomba enamorada, 1999
(seleção de Léa Masima).
Prêmio Coelho Neto, da Academia Brasileira de Letras (1973)
Prêmio Pedro Nava, de Melhor Livro do Ano (1989)
Melhor livro de contos, Biblioteca Nacional
Prêmio APLUB de
Literatura
Prêmio Bunge (2005)
Prêmio Jabuti
Prêmio Camões (2005) |
LYGIA FAGUNDES
TELLES, TESTEMUNHA LITERÁRIA
A
escritora relembra momentos marcantes de sua trajetória, como a amizade com
Clarice Lispector e Hilda Hilst, a viagem à China em 1960, o encontro com
Montero Lobato e a agonizante espera pela liberação de “As meninas” pela
censura.
Ubiratan
Brasil ,
Para
João Ubaldo Ribeiro, é a grande dama da literatura brasileira. Milton Hatoum
destaca a magnitude e a perenidade dos contos de Antes do Baile Verde e
Seminário dos Ratos, livros publicados nos anos 1970. Já Ignácio de Loyola
Brandão garante não "existir, na literatura brasileira, uma pessoa mais
adorável". Próxima dos 90 anos (completa na sexta-feira, dia 19), a
escritora Lygia Fagundes Telles é praticamente uma unanimidade. Autora de uma obra de estilo elegante,
ecos machadianos e um permanente estado de espírito que permite manipular a
escrita com firmeza e serenidade, Lygia sempre oferece ao leitor a oportunidade
de pensar sobre suas existências.
Basta conferir sua obra, reeditada com esmero
pela Companhia das Letras desde 2009. Muitos livros se tornaram clássicos, como
o romance As Meninas, de 1973, "livro até hoje muito lido nas escolas,
pois reflete o impasse de jovens que viveram numa época obscura", observa
Milton Hatoum. "O destino das personagens é, de algum modo, o destino de
uma geração movida por sonhos de liberdade sexual e política, ou por um desejo
de ascensão social. É um romance que opera com o equilíbrio entre o
psicológico, o social e o político. Sem dúvida, um dos melhores livros da
autora."
De
fato, a literatura sempre foi, para Lygia Fagundes Telles, um caminho para
mudar o mundo. Pelas letras, ela transmite aos leitores a aventura de novos
conhecimentos - seja pelos detalhes do cotidiano, pelo devaneio particular ou
mesmo pela vida da imaginação. "É uma escritora que se dedica aos temas
universais: a loucura, o amor, a paixão, o medo, a morte", observa o
crítico José Castello, autor do posfácio da nova edição de Seminário dos Ratos.
Mesmo
assim, é uma mulher ligada ao cotidiano. Em seu apartamento, em São Paulo, vive
rodeada de boas lembranças: fotos dos dois maridos (Goffredo da Silva Telles e
Paulo Emílio Salles Gomes), do filho querido Goffredinho, de amigos e de
viagens inesquecíveis. Nos últimos meses, Lygia recebeu o Sabático para
reavivar lembranças, escrevendo ou falando, como as que vêm a seguir.
Clarice Lispector
Era
uma grande amiga, além de excepcional escritora. Sempre me dizia:
"Liginha, não sorria nas fotos. Ninguém leva a sério mulher que aparece
sorrindo na fotografia!". Também era ótima companhia em viagens. Certa
vez, em Cali, na Colômbia, abandonamos os debates para ficar no bar, bebendo
champanhe (ela) e vinho tinto, enquanto ríamos gostosamente e ela pedia a minha
opinião sobre quem era mais indiscreto nas suas traições, o homem ou a mulher.
Aliás, na viagem de ida, quando o avião balançava muito e eu estava preocupada,
Clarice se voltou para mim e disse: "Não tenha medo porque o avião não vai
cair. Minha cartomante disse que eu morreria deitada, portanto, fique
tranquila". Esse misticismo era contagiante. Certa noite, quando eu dormia
em um hotel da cidade de Marília, onde participava de um seminário, fui
acordada por uma andorinha desgarrada, que entrou voando no meu quarto. Levei
um susto, mas logo estranhei a forma como o animal me encarava, muito amigável.
Logo, consegui que o pássaro saísse pela janela. No dia seguinte, fui informada
que Clarice morrera naquela noite. Só consegui dizer, baixinho: "Eu já sabia".
Ato da escrita
Para
escrever, você precisa se dedicar de corpo e alma a seu personagem, a seu
enredo e à sua ideia. É preciso que seja um ato de amor, uma doação absoluta, e
é impossível sair do transe enquanto não dá a história por acabada, enquanto
não decifra o humano. O detalhe é que o ser humano é indefinível. Por mais que
tente, você não consegue defini-lo totalmente. O ser humano é inalcançável,
inacessível e incontrolável, ele está sujeito a esses três 'Is'.
Mao Tsé-tung
Era
um homem atarracado, com os olhos muito puxados e uma expressão quase imutável.
Em nossa visita à China (éramos vários escritores), nos presenteou com um livro
de poemas, escrito por ele mesmo, em francês e chinês. Os versos até que eram
bons.
Monteiro Lobato
No
longo corredor que me pareceu sombrio, o carcereiro avisou que a visita teria
que ser breve, mesmo porque já tinha um visitante lá dentro. Entrei na saleta
fria. Uma mesa tosca, algumas cadeiras de palhinha. Em torno da mesa, Monteiro
Lobato de sobretudo preto, um longo cachecol de tricô enrolado no pescoço.
Sentado ao lado, o visitante de terno e gravata, calvo, os olhos azuis.
Monteiro Lobato levantou-se abotoando o sobretudo e veio ao meu encontro com um
largo sorriso. Era mais franzino e mais baixo do que eu imaginava. Tinha os
cabelos grisalhos bem penteados e o tom da pele era de uma palidez meio
esverdeada, mas os olhos brilhavam joviais sob as grossas sobrancelhas negras.
Ofereceu-me a cadeira que estava entre ambos. "Este aqui é um caro
editor", apresentou-o e disse o nome do editor que não guardei. Sem saber
o que dizer, fui logo enumerando os seus livros que já tinha lido e que
ocupavam uma prateleira da minha estante, "ah! as paixões da minha
adolescência": Narizinho Arrebitado, Tia Nastácia, o Jeca Tatu, as memórias
daquela boneca de pano, a Emília, o Saci-pererê...
Ele
me interrompeu com um gesto afetuoso, eu sabia que era avesso às homenagens e
assim entendi a razão pela qual desviou a conversa, afinal seus personagens não
eram culpados pela sua prisão, mas sim as cartas que andou escrevendo, ou
melhor, as denúncias que andou fazendo através dessas cartas porque livros os
governantes não liam mesmo. Deviam ler, mas não liam e daí a ideia das cartas
curtas e diretas. "Estou aqui no meio de bandidos, tinha que me calar ao
invés de avisar que o petróleo é nosso. A mocinha já entendeu, hein? Sei que é
estudante, mas o que está estudando?" Quando contei que estava na
Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, ele abriu os braços num gesto
radiante: "Pois foi lá que eu me formei!". Só que na nossa turma não
tinha meninas, só marmanjos. "Ah! Se tivesse aqui um vinho a gente poderia
brindar estes doutores! Quer dizer que a mocinha vai advogar?" Comecei
gaguejando, bem, era difícil explicar, eu era uma estudante pobre, queria me
formar para ter um diploma e assim anunciar um bom emprego. Na realidade queria
ser escritora, escrever contos, romances...
Monteiro
Lobato voltou-se para o editor e tocou-lhe no ombro. "Olha aí, a mocinha é
vidente! Já está sabendo que escrever neste país não dá dinheiro, escritor
morre pobre e ignorado. Então ela é uma vidente!", disse e tirou do bolso
do sobretudo um pequeno bloco e uma caneta. "Vamos, deixe o seu nome e
endereço, o meu amigo aqui vai lhe enviar algumas reedições dos meus livros,
vamos, diga logo antes que o carcereiro apareça."
Faculdade de Direito
Decidi
ser advogada por causa do meu pai, Durval, que também se formou na São
Francisco. Era um homem lindo, adorável, mas que tinha um grande pecado: era um
jogador contumaz. Adorava roleta. Ele me levava a um cassino em Santos e,
enquanto eu, pequena, tomava uma enorme taça de sorvete, meu pai jogava as
fichas e as perdia, uma a uma. Quando íamos embora, derrotados, ele sempre
dizia: "Hoje perdemos, mas amanhã a gente ganha". Eu o admirava
muito. Mas não foi fácil estudar na São Francisco. Na minha turma, éramos
apenas seis mulheres entre mais de cem homens. Todas virgens! Certa vez, um dos
meus colegas me perguntou: 'O que vocês, mulheres, querem aqui na faculdade?
Casar?' Respondi, de bate-pronto: 'Também!' Mal sabia ele que me casaria com um
dos professores (Goffredo da Silva Telles).
Hilda Hilst
Verão
de 1952. Eu já estava casada com Goffredo quando a Hilda foi nos visitar no
Rio. Ficou hospedada no Hotel Olinda, em Copacabana. Ela usava um maiô claro de
tecido acetinado, inteiriço, na moda, os discretos maiôs inteiriços. Lembro que
tinha no pescoço um longo colar de conchinhas. Falou-me dos novos planos,
tantos. Estava amando e escrevendo muito, quando ela se apaixonava a gente já
sabia que logo viria um novo livro celebrando o amor. Nesse sábado, tínhamos
marcado no nosso apartamento um encontro com alguns amigos, Carlos Drummond de
Andrade, Cyro dos Anjos, Breno Accioly, José Condé... Hilda Hilst chegou toda
de preto, os cabelos dourados soltos até os ombros. Falou em Santa Teresa
d'Ávila, a do "amor duro e inflexível como o inferno". Pedi-lhe que
dissesse o seu poema mais recente. Então, eu me lembro, Cyro dos Anjos
cumprimentou-a com entusiasmo e começou a examinar a pequena palma da mão que
ela lhe estendeu, ele sabia ler o destino nas linhas da mão.
Livraria Jaraguá
Segunda
Guerra Mundial, ano de 1944. Eu era uma mocinha de boina, morava com a minha
mãe num apartamento na Rua Sete de Abril e duas vezes por dia passava pela Rua Marconi,
quando ia para as aulas na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. E
quando retornava no final da tarde, emendava a manhã com o meu expediente de
trabalho na Secretaria da Agricultura, onde colava retratos, era uma estudante
pobre.
Nessa
Rua Marconi ficava a bela Livraria Jaraguá, de Alfredo Mesquita, e onde se
reuniam as mais importantes personalidades da tranquila cidade de São Paulo,
comoção da minha vida! - no desabafo ardente de Mário de Andrade. Esse mesmo
Mário de Andrade que foi um dos primeiros frequentadores da livraria nos
encontros no fim da tarde, ele o Oswald de Andrade. A esses intelectuais mais
velhos (Sérgio Milliet, Lívio Xavier, Sérgio Buarque de Hollanda) foi se
juntando um grupo de jovens, os fundadores com Alfredo Mesquita da revista
Clima: Antonio Candido, Lourival Gomes Machado, Paulo Emilio Salles Gomes,
Décio de Almeida Prado e Ruy Coelho, ah, tanta gente e tantos projetos. Tantos
planos. Era a elite intelectual da Faculdade de Filosofia, os jovens herdeiros
da Semana de 22 e aos quais Oswald de Andrade apelidou de chato-boys: "Com
oito anos eles começaram a ler Marcel Proust e com dez já discutiam Spengler,
ai! não aguento tamanha precocidade!", disparava Oswald de Andrade e
Alfredo Mesquita dava aquela risadinha cascateante.
Paulo Emílio Salles
Gomes
Meu
segundo marido era um homem encantador, inteligente, vibrante, irônico. Ele me
apelidou de Cuco, brincadeira com o relógio de uma velha tia cujo cuco sempre
cantava as horas com atraso - eu sempre me atrasava para nossos compromissos.
Também apelidou meu filho Goffredinho de Cré, pois, nas aulas de francês,
quando o garoto errava feio, Paulo disparava: 'Crétain!" (cretino). Paulo
sempre foi um grande incentivador da minha obra, especialmente nos momentos
mais difíceis. Como em 1973, quando publiquei As Meninas. Era época pesada da
ditadura militar e eu me inspirei, entre outras coisas, num panfleto que
detalhava a violência física sofrida por um preso político. Coloquei isso no
meio da trama e fiquei apreensiva quando o livro foi enviado para a censura.
Enquanto aguardava, nervosa, o veredicto, fui surpreendida pela chegada,
alegre, de Paulo, em nosso apartamento. Ele trazia uma garrafa de vinho e
estava muito disposto a comemorar. Logo explicou: aborrecido com uma história
em que não acontecia nada, o censor só lera algumas páginas, não chegara àquele
ponto da tortura e liberava a obra.
Dom Casmurro
Eu
estava na Faculdade de Direito quando li pela primeira vez Dom Casmurro, uma
edição que comprei em um sebo. Achei, então, que Capitu era uma santa, uma
pobrezinha; e ele, Bentinho, um neurótico, um doido varrido, histérico.
Conversei com as minhas colegas, éramos seis mulheres, sobre a leitura, e eu
dizia: "Não pode isso, esse homem é um louco, neurastênico, desesperado, casado
com uma santa em que via a traição." Enfim, não li mais o livro. A segunda
leitura foi na maturidade. Estava casada com o Paulo Emílio e preparávamos
Capitu (roteiro filmado por Paulo César Saraceni e lançado pela Cosac Naify).
Reli o livro e disse ao Paulo: "Mudei completamente de ideia, a mulher
traiu ele, sim, o filho não era dele". E ele me perguntou: "Você tem
certeza? Cuco, você não pode ser juiz, temos que suspender o juízo, como o
próprio Machado queria." E eu: "Mas eu não posso suspender, esse
homem é um doido, coitada dessa mulher". "Cuco, não vista a toga de
juiz. Vamos apresentar o roteiro como está no livro. Você está ficando com a
cara do Bentinho!" "E você então está me traindo!" Capitu traiu
Bentinho? Eu já não sei mais. Minha última versão é essa, não sei. Acho que,
enfim, suspendi o juízo. No começo, ela era uma santa; na segunda, um monstro.
Agora, na velhice, eu não sei.
cultura.estadao.com.br/.../geral,lygia-fagundes-telles-testemunha-literaria-imp-,10204
10 LIVROS DE LYGIA FAGUNDES TELLES QUE VOCÊ PRECISA
LER
"As meninas", "Um
coração ardente" e "Passaporte para China" são alguns dos
títulos que merecem destaque.
Se você ainda não conhece Lygia Fagundes Telles ou nunca leu um de seus
livros, pare o que estiver fazendo para ler esta matéria e escolha uma das
obras abaixo para conhecer o mais rápido possível.
Para quem ainda não sabe, Lygia foi uma das primeiras mulheres a
consquistar o diploma de Direito no Largo São Francisco e é uma das maiores
escritoras brasileiras. Este ano, no alto de seus 92 anos, ganhou mais um
prêmio, o Prêmio Fundação Conrado Wessel 2015,
na categoria Cultura, sendo agraciada com R$ 300 mil.
Sua
obra é hoje internacionalmente reconhecida, e para que você saiba
mais sobre sua trajetória profissional e se apaixone por sua escrita,
listamos 10 livros incríveis que você precisa ler. Confira:
AS MENINAS
Num
pensionato de freiras paulistano, em 1973, três jovens universitárias começam
sua vida adulta de maneiras bem diversas. A burguesa Lorena, filha de família
quatrocentona, nutre veleidades artísticas e literárias. Namora um homem
casado, mas permanece virgem. A drogada Ana Clara, divide-se entre o noivo rico
e o amante traficante. Lia, por fim, milita num grupo da esquerda armada e
sofre pelo namorado preso. "As Meninas" colhe essas três criaturas em
pleno movimento, num momento de impasse em suas vidas.
SEMINÁRIO DOS RATOS
Em
"Seminário dos Ratos", publicado pela primeira vez em 1977, a autora
lança mão de toda a sua maestria narrativa para explorar regiões recônditas da
psique e do comportamento humanos. Em várias das suas catorze histórias, ela se
aventura pelo fantástico como modo privilegiado de acesso ao real. Mas o
fantástico de Lygia recusa as facilidades do chamado realismo mágico,
apresentando-se a cada vez de maneira diversa e surpreendente. Alternando
tempos narrativos, passando com desenvoltura da primeira à terceira pessoa,
usando com destreza o discurso indireto livre, Lygia Fagundes Telles atinge
neste livro a proeza de conciliar uma construção literária altamente complexa
com uma capacidade ímpar de comunicação com o leitor.
DURANTE AQUELE ESTRANHO CHÁ
Estes
textos de origens, naturezas e épocas diversas, compõem um painel de memórias
de Lygia Fagundes Telles, com destaque para seus encontros e diálogos com
personalidades literárias que, de um modo ou de outro, marcaram a sua formação
como escritora. A autora passa em revista as conversas com Simone de Beauvoir e
Jean-Paul Sartre, as visitas a Jorge Amado e Zélia Gattai, a amizade com Hilda
Hilst, um diálogo com Jorge Luis Borges e uma entrevista concedida à amiga
Clarice Lispector.
UM CORAÇÃO ARDENTE
Os
dez contos reunidos neste livro foram publicados entre 1958 e 1981. Em "Um
Coração Ardente", um rapaz se apaixona por uma moça sem saber que ela é
prostituta e, depois, tenta regenerá-la. Em "Biruta", um menino órfão
cujo único consolo e companhia é seu cão de estimação vê-se traído pela família
que o adotou como uma espécie de agregado. Em "Emanuel", o amante
inventado por uma moça solitária em um mecanismo de defesa contra as zombarias
das amigas acaba por ganhar existência real. "As Cartas", por sua
vez, narra o empenho de uma mulher para proteger a correspondência
comprometedora de uma amiga com um político casado. Já o entrecho de "A
Estrela Branca" é o transplante de olhos que devolveu a um cego a visão -
mas não o controle sobre ela.
PASSAPORTE PARA A CHINA
Em
1960, delegações de todo o mundo participaram da festa do 11º aniversário do
socialismo chinês. Embora não se considerasse comunista, Lygia foi incluída no
grupo brasileiro e resolveu enfrentar o pânico dos 'aviões a jato'. Antes de
embarcar, ela recebeu outra proposta - enviar relatos da viagem para o jornal
'Última Hora'. Daí surgiram 29 crônicas, que formam um diário de bordo,
ambientado em várias cidades. O olhar da autora se demora em paisagens,
monumentos, roupas, costumes. Mas as crônicas também nascem do convívio com o
povo e com detalhes do cotidiano. Além das anotações de viagem, encontram-se
evocações literárias, recordações de infância e reflexões sobre o país natal. O
livro conta ainda com um pequeno caderno de fotos tiradas durante a viagem.
A ESTRUTURA DA BOLHA DE SABÃO
Os
protagonistas destas histórias encontram-se, em geral, numa relação crítica com
as pessoas e ambientes que os cercam. Secretos podres familiares, desenganos
amorosos, vocações frustradas, o desejo extraviado, nada é confortável nessas
narrativas, que alternam descrição objetiva, discurso indireto livre e fluxo de
consciência.
A DISCIPLINA DO AMOR
Ao
publicar "A disciplina do amor", em 1980, a autora já era consagrada.
Apesar de seu êxito como romancista, muitos críticos tinham apontado a ficção
curta como o território de maior maestria da escritora. Agora ela ressurgia
experimentando uma escrita mais livre, que despreza as fronteiras entre a
ficção e a realidade, a invenção e a memória, o conto e o relato
autobiográfico. Estava lançado o desafio à separação rígida dos gêneros
literários. O resultado foi um dos livros mais bem-sucedidos, vencedor do
Prêmio Jabuti e do prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte. Espécie
de paródia amadurecida de um discurso da intimidade juvenil, o livro estende
sobre o mundo um olhar atento, às vezes desencantado, mas sempre compreensivo e
terno, na busca incessante da única hipótese de sabedoria cabível nos tempos
modernos: “controlar essa loucura razoável”, seguindo o exemplo da “disciplina
indisciplinada” dos apaixonados.
AS HORAS NUAS
Rosa
Ambrósio, uma atriz de teatro decadente, passa em revista, entre generosas
doses de uísque, os amores de sua vida. O primo Miguel, sua paixão adolescente,
morreu de overdose por volta dos vinte anos. Gregório, seu marido, virou um
homem taciturno depois que foi torturado pela ditadura militar. Diogo, seu
amante e último companheiro, trocou-a por moças mais jovens. Alternando vozes e
pontos de vista, passando do fluxo interno de consciência à narrativa em
terceira pessoa, Lygia Fagundes Telles põe em cena temas como - o movimento
feminista, a cultura de massa, a aids e as drogas.
INVENÇÃO E MEMÓRIA
Um
baile de faculdade em São Paulo quase no final da Segunda Guerra Mundial; um
galo que se deixa morrer de fome depois que seu amigo peru é sacrificado para
uma ceia; as relações equívocas entre um velho e um garoto vistos num
restaurante; um vampiro norueguês que atravessa os séculos em busca de sua
amada, uma índia brasileira. Essas são algumas das histórias narradas neste
livro singular, em que uma das maiores escritoras da língua portuguesa
entrelaça as potências criativas da memória e da invenção. Com um misto de
serenidade e inquietação, Lygia Fagundes Telles passa em revista descobertas,
projetos e desencantos vividos ou imaginados ao longo das décadas. Na linguagem
cálida e fluente que a tornou uma das escritoras brasileiras mais amadas pelos
leitores, ela funde o cômico e o comovente da experiência humana.
VERÃO NO AQUÁRIO
No
verão mais quente e abafado de sua juventude, Raíza oscila entre a memória do
pai, que entregara sua vida ao alcoolismo, e a figura um tanto alheia de sua
mãe, Patrícia, escritora madura que se dedica à criação de mais um romance. O
sentimento de rejeição e rivalidade que se apossa de Raíza aumenta diante da
ligação misteriosa de Patrícia com o ex-seminarista André - um rapaz tão tímido
quanto atraente. Serão amantes? Forma-se assim, na imaginação angustiada de
Raíza, o triângulo amoroso que prenderá o leitor da primeira até a última
página.
www.guiadasemana.com.br/.../10-livros-de-lygia-fagundes-telles-que-voce-precisa-ler
Boa tarde!! Passando apenas para parabenizar pelo site, tem me auxiliado bastante! Bjs
ResponderExcluir