MODERNISMO: 1ª FASE - OSWALD DE ANDRADE

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    José Oswald de Sousa Andrade (São Paulo, 11 de janeiro de 1890 — São Paulo, 22 de outubro de 1954) foi um escritor, ensaísta e dramaturgo brasileiro.[1] Era filho único de Jose Oswald Nogueira de Andrade e de Inês Henriqueta Inglês de Sousa Andrade. Seu nome pronuncia-se com acento na letra 'a' (Oswáld).
   Foi um dos promotores da Semana de Arte Moderna que ocorreu 1922 em São Paulo, tornando-se um dos grandes nomes do modernismo literário brasileiro. Foi considerado pela crítica como o elemento mais rebelde do grupo,[1] sendo o mais inovador entre estes.
   Um dos mais importantes introdutores do Modernismo no Brasil, foi o autor dos dois mais importantes manifestos modernistas, o Manifesto da Poesia Pau-Brasil e o Manifesto Antropófago, bem como do primeiro livro de poemas do modernismo brasileiro afastado de toda a eloquência romântica, Pau-Brasil.
   Muito próximo, no princípio de sua carreira literária, da pessoa de Mário de Andrade, ambos os autores funcionaram como um dínamo na introdução e experimentação do movimento, unidos por uma profunda amizade que durou muito tempo.]
   Porém, possuindo profundas distinções estéticas em seu trabalho, Oswald de Andrade foi também mais provocador que o seu colega modernista, podendo hoje ser classificado como um polemista. Nesse aspecto não só os seus escritos como as suas aparições públicas serviram para moldar o ambiente modernista da década de 1920 e de 193Foi um dos interventores na Semana de Arte Moderna de 1922. Esse evento teve uma função simbólica importante na identidade cultural brasileira. Por um lado celebrava-se um século da independência política do país colonizador Portugal, e por outro consequentemente, havia uma necessidade de se definir o que era a cultura brasileira, o que era o sentir brasileiro, quais os seus modos de expressão próprios. No fundo procurava-se aquilo que Herderja én natal definiu como alma nacional (volksgeist).[2] Esta necessidade de definição do espírito de um povo era contrabalançada, e nisso o modernismo brasileiro como um todo vai a par com as vanguardas europeias do princípio do século, por uma abertura cosmopolita ao mundo.
   Na sua busca por um caráter nacional (ou falta dele, que Mário de Andrade mostra em Macunaíma),Oswald, porém, foi muito além do pensamento romântico, diferentemente de outros modernistas. Nos anos vinte, Oswald voltou-se contra as formas cultas e convencionais da arte. Fossem elas o romance de ideias, o teatro de tese, o naturalismo, o realismo, o racionalismo e o parnasianismo (por exemplo Olavo Bilac).[1] Interessaram-lhe, sobretudo, as formas de expressão ditas ingênuas, primitivas, ou um certo abstracionismo geométrico latente nestas, a recuperação de elementos locais, aliados ao progresso da técnica.
   Foi com surpresa e satisfação que Oswald de Andrade descobriu, na sua estada em Paris na época do Futurismo e do Cubismo, que os elementos de culturas até aí consideradas como menores, como a africana ou a polinésia, estavam a ser integrados na arte mais avançada. Assim, a arte da Europa industrial era renovada com uma revisitação a outras culturas e expressões de outros povos. Oswald percebeu-se que o Brasil e toda a sua multiplicidade cultural, desde as variadas culturas autóctones dos índios até a cultura negra representavam uma vantagem e que com elas se poderia construir uma identidade e renovar as letras e as artes.[1] A partir daí, volta sua poesia para um certo primitivismo e tenta fundir, pôr ao mesmo nível, os elementos da cultura popular e erudita.

Manifesto da Poesia Pau-Brasil (1924)
   O Manifesto da Poesia Pau-Brasil é do mesmo ano que o Manifesto Surrealista de André Breton, o que reforça a tese de que o Brasil estava a acompanhar plenamente o movimento das vanguardas mundiais. Tinha deixado definitivamente de ser uma forma de expressão pós-portuguesa para se afirmar plena e autonomamente. Neste manifesto Oswald defende uma poesia que seja ingênua, mas ingênua no sentido de não contaminada por formas preestabelecidas de pensar e fazer arte. “Poetas. Sem reminiscências livrescas. Sem pesquisa etimológica. Sem ontologia.”
   O manifesto desenvolve-se num tom de paródia e de festa, de prosa poética pautada com frases aforísticas. Nele se expressa que o Brasil passe a ser uma cultura de exportação, à semelhança do que foi o produto pau-brasil, que a sua poesia seja um produto cultural que já não deve nada à cultura europeia e que antes pelo contrário pode vir a influenciar esta. Oswald defende uma poética espontânea e original, as formas de arte estão dominadas pelo espírito da imitação, o naturalismo era uma cópia balofa. "Só não se inventou a máquina de fazer versos — já havia o poeta parnasiano". Afirma assim uma poesia que tem que ser revolucionária.[2] "A poesia existe nos fatos". “O trabalho contra o detalhe naturalista — pela síntese, contra a morbidez romântica. — pelo equilíbrio geômetra, e pelo acabamento técnico, contra a cópia, pela invenção e pela surpresa”.
   Talvez não seja muito errado afirmar que este manifesto poderia ser considerado como um futurismo tropicalista. “Temos a base dupla e presente — a floresta e a escola. A raça crédula e dualista e a geometria, a álgebra e a química logo depois da mamadeira e do chá de erva doce...”
   O manisfesto propõe, sem perder o humor e a ingenuidade, a descolonização de seu país pelas vias de um levante popular, e acima de tudo negro, quando expõe uma sugestão de Blaise Cendrars : "– Tendes as locomotivas cheias, ides partir. Um negro gira a manivela do desvio rotativo em que estais. O menor descuido vos fará partir na direção oposta ao vosso destino."

Manifesto Antropófago (1928)
   O Manifesto Antropófago foi publicado no primeiro exemplar da Revista de Antropofagia. Os exemplares desta publicação eram numerados como primeira dentição, segunda dentição, etc.
  Este manifesto constitui-se numa síntese de alguns pensamentos do autor sobre o Modernismo Brasileiro. Inspirou-se explicitamente em Marx, Freud, André Breton, Montaigne e Rousseau e atacava explicitamente a missionação, a herança portuguesa e o padre Antônio Vieira: Antes de os portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade; Contra Goethe (que simboliza a cultura clássica europeia).[2] Neste sentido, assina o manifesto como tendo sido escrito em Piratininga (nome indígena para a planície de onde viria a surgir a cidade de São Paulo), datando-o esclarecedoramente como ano 374, da Deglutição do Bispo Sardinha, o que denota uma recusa radical, simbólica e humoristicamente, do calendário gregoriano vigente.
   Por outro lado, a técnica de escrita explorada no Manifesto, bem como em todos os poemas mais significativos do autor antes e após este, aproximam-se mais das chamadas vanguardas positivas, mais construtivas que o Surrealismo de Breton e continuam propondo uma língua nacional diferente do português. O desejo de criar uma língua brasileira se manifestaria em sua obra, principalmente, por um vocabulário popular, explorando certos "desvios" do falante brasileiro (como sordado, mio, mió), intentando o "erro criativo". Este sonho somente se pareceria concretizar posteriormente, no entanto, na prosa de Guimarães Rosa e na poesia de Manoel de Barros.
   Há várias ideias que estão implícitas neste manifesto, onde Oswald se expressa de maneira poética. Estas não são exploradas com o sistemático do seu amigo Mário de Andrade. Uma destas ideias é conhecida da antropofagia e tem a ver com o papel simbólico do canibalismo nas sociedades tribais/tradicionais. O canibal nunca come um ser humano por nutrição, mas sim sempre para incluir em si as qualidades do inimigo ou de alguém. Assim o canibalismo é interpretado como uma forma de veneração do inimigo. Se o inimigo tem valor então tem interesse para ser comido porque assim o canibal torna-se mais forte. Oswald atualiza este conceito no fundo expressando que a cultura brasileira é mais forte, é colonizada pelo europeu mas digere o europeu e assim torna-se superior a ele: Perguntei a um homem o que era o Direito. Ele me respondeu que era a garantia do exercício da possibilidade. Esse homem chamava-se Galli Matias. Comi-o.
   Outra ideia avançada é a de que a maior revolução de todas vai se realizar no Brasil: Queremos a revolução Caraíba.
   Outra ideia é a de que o Brasil, simbolizado pelo índio, absorve o estrangeiro, o elemento estranho a si, e torna-o carne da sua carne, canibaliza-o. Oswald, metaforicamente, recusa as religiões do meridiano que são aquelas de origem oriental e semita que deram origem ao cristianismo. Sendo a favor das religiões indígenas, com a sua relação direta com as forças cósmicas.
   O manifesto insiste muito nas ideias de Totem e Tabu, expressas em um trabalho de Freud de 1912. Segundo Freud o Pai da tribo teria sido morto e comido pelos filhos e posteriormente divinizado. Tornado Totem e por isso mesmo sagrado, consequentemente criaram-se interdições à sua volta.
   Citando o manifesto: Antropofagia. A transformação permanente do Tabu em totem. A antropofagia segundo Oswald é uma inversão do mito do bom selvagem de Rousseau, que era puro, inocente, edênico. O índio passa a ser mau e esperto, porque canibaliza o estrangeiro, digere-o, torna-o parte da sua carne. Assim o Brasil seria um país canibal. O que é um ponto de vista interessante porque subverte a relação colonizador (ativo)/colonizado (passivo). O colonizado digere o colonizador. Ou seja, não é a cultura ocidental, portuguesa, europeia, branca, que ocupa o Brasil, mas é o índio que digere tudo o que lhe chega. E ao digerir e absorver as qualidades dos estrangeiros fica melhor, mais forte e torna-se brasileiro.
Assim o Manifesto Antropófago, embora seja nacionalista não é xenófobo, antes pelo contrário é xenofágico: Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago.. Por isso, o antropófago Oswald seria um vanguardista, e teria sido o primeiro brasileiro, cronologicamente, a influenciar o movimento literário brasileiro de maior repercussão internacional, o concretismo, bem como, talvez indiretamente, ao poeta brasileiro mais aclamado nos círculos literários da atualidade, Manoel de Barros, o qual se diz um poeta da "vanguarda primitiva".

Representações na cultura
   Oswald de Andrade já foi retratado como personagem no cinema e na televisão, interpretado por Colé Santana no filme Tabu (1982); Flávio Galvão e Ítala Nandi, no filme O Homem do Pau-Brasil (1982); Antônio Fagundes, no filme Eternamente Pagu (1987); e José Rubens Chachá, nas minisséries Um Só Coração (2004) e JK (2006).
As ideias de Oswald de Andrade influenciaram também diversas áreas da criação artística: na música, o tropicalismo; na poesia, o movimento dos concretistas; e no teatro, grupos como Teatro Oficina e Cia. Antropofágica têm sua trajetória ligada ao poeta. ele também foi retratado por tarsila do amaral, que retratou seu irmão

Principais obras
   Além dos manifestos Poesia Pau-Brasil (1924) e Antropófago (1928), Oswald escreveu:
Poesia
   Sendo o mais inovador da linguagem entre os modernistas, abriu caminhos que influenciaram muito a poesia brasileira posterior (como a de Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Mello Neto, o Concretismo e Manoel de Barros), bem como a obra do poeta francês Blaise Cendrars, considerado um dos 10 maiores poetas franceses do século XX pelo poeta Paul Eluard.
1925: Pau-Brasil
1927: Primeiro Caderno do Aluno de Poesia Oswald de Andrade
1942: Cântico dos Cânticos para Flauta e Violão[3]
1946: O Escaravelho de Ouro[3]
1947: O Cavalo Azul
1947: Manhã
1950: O Santeiro do Mangue
Romance
Seus romances ainda não são devidamente conhecidos, porém "Memórias Sentimentais de João Miramar", por exemplo, foi escrito antes de 1922, antecipando toda a linguagem do modernismo brasileiro.
1922-1934: Os Condenados (trilogia)
1924: Memórias Sentimentais de João Miramar
1933: Serafim Ponte Grande
1943: Marco Zero à Revolução Melancólica
[editar]Teatro
1916: Mon Couer Balance e Leur Ame (parceria com Guilherme de Almeida)
1934: O Homem e o Cavalo
1937: A Morta pelo homem "
1937: O Rei da Vela; primeira encenação de seus textos em 1967, pelo Teatro Oficina de São Paulo.
Outros
1954: Um homem sem profissão. Memórias e confissões. I. Sob as ordens de mamãe[5], com capa de Nonê e prefácio de Antonio Cândido.
1990: Dicionário de bolso[6], publicação póstuma organizada por Maria Eugênia Boaventura a partir de manuscritos do espólio do autor contendo verbetes jocosos.
pt.wikipedia.org/wiki/Oswald_de_Andrade

OSWALD DE ANDRADE - POEMAS

Quando o português chegou
Debaixo de uma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português.

A descoberta
Seguimos nosso caminho por este mar de longo
Até a oitava da Páscoa
Topamos aves
E houvemos vista de terra
os selvagens
Mostraram-lhes uma galinha
Quase haviam medo dela
E não queriam por a mão
E depois a tomaram como espantados
primeiro chá
Depois de dançarem
Diogo Dias
Fez o salto real
as meninas da gare
Eram três ou quatro moças bem moças e bem gentis
Com cabelos mui pretos pelas espáduas
E suas vergonhas tão altas e tão saradinhas
Que de nós as muito bem olharmos
Não tínhamos nenhuma vergonha.

Aceitarás o amor como eu o encaro ?...
Aceitarás o amor como eu o encaro ?...
...Azul bem leve, um nimbo, suavemente
Guarda-te a imagem, como um anteparo
Contra estes móveis de banal presente.

Tudo o que há de melhor e de mais raro
Vive em teu corpo nu de adolescente,
A perna assim jogada e o braço, o claro
Olhar preso no meu, perdidamente.

Não exijas mais nada. Não desejo
Também mais nada, só te olhar, enquanto
A realidade é simples, e isto apenas.

Que grandeza... a evasão total do pejo
Que nasce das imperfeições. O encanto
Que nasce das adorações serenas.

Pronominais
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro.

Vício da fala
Para dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mió
Para pior pió
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhados.

Como poucos, eu conheci as lutas e as tempestades.
Como poucos, eu amei a palavra liberdade e por ela briguei.

Canto de regresso à pátria
Minha terra tem palmares
Onde gorjeia o mar
Os passarinhos daqui
Não cantam como os de lá
Minha terra tem mais rosas
E quase que mais amores
Minha terra tem mais ouro
Minha terra tem mais terra
Ouro terra amor e rosas
Eu quero tudo de lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte pra São Paulo
Sem que veja a Rua 15
E o progresso de São Paulo.

pensador.uol.com.br › autores

OSWALD  DE ANDRADE
    José Oswald de Sousa Andrade nasceu em São Paulo em 1890. Fez o curso secundário no Ginásio de São Bento e formou-se em Direito em 1919. Viajou pela primeira vez à Europa em 1912, retornando, diversas vezes, no período de 1922 a 1929. Essas visitas lhe possibilitaram entrar em contato com o futurismo ítalo-francês e a conhecer, mais profundamente, as vanguardas surrealistas francesas. Antes, em 1911, fundou o semanário humorístico O Pirralho, publicando aí ensaios; em 1920, criou outro jornal: Papel e Tinta 
    Nos anos que antecederam a Semana de Arte Moderna, foi um ativo organizador, clamando pela ruptura com a tradição européia por meio de rebelião estética, o que estimulou o meio artístico a buscar novos rumos. Ao encontrar-se, em 1920, com Mário de Andrade, o apresenta ao público como "o meu poeta futurista", marcando a luta pela renovação. Em l924, iniciou o movimento Pau-Brasil, cujo programa era libertar a poesia "das influências nefastas das velhas civilizações em decadência", apontando o primitivismo como caminho a ser seguido. Em 1928, lançou outro movimento, o Antropofágico. Com o "crack" da Bolsa e a Revolução de 30, a fortuna familiar passa por grave crise. O escritor assumiu posição esquerdista, filiando-se ao Partido Comunista. 
   Participou da luta operária e antifascista, nos anos que antecederam o golpe de Estado de l937, ao mesmo tempo em que era redator do jornal O Homem Livre. Em 1943 e 1946, publicou dois volumes da obra inacabada Marco Zero, dedicada à análise da crise econômica de 1930 e à sociedade burguesa paulista. Em 1945, tornou-se livre-docente em Literatura Brasileira na Universidade de São Paulo. De acordo com Antonio Candido, pode-se afirmar que a "importância histórica [de Oswald de Andrade] de renovador e agitador (no mais alto sentido) foi decisiva para a formação da nossa literatura contemporânea". Morreu, em São Paulo, em 1954.Oswald de Andrade manteve-se sempre fiel ao projeto do Modernismo e, sobretudo, às rupturas com os cânones do passado. Sua poesia "pau-brasil" prima pela linguagem reduzida, telegráfica, coloquial e repleta de humor; uma "poesia brasileira original, de exportação". Sua prosa pode ser dividida em três momentos: crepuscular, relativa ao período de transição para o Modernismo, apresentando já o embrião de uma "prosa cinematográfica", mas um tanto incerta, revelando imaturidade; parodística e cubista, encontrada no "romance-invenção" Memórias Sentimentais de João Miramar (1924), composto de frases curtas, fragmentos justapostos, montagens, poemas intercalados e emprego da paródia ("canto paralelo"), marcando as peripécias dos heróis e o período experimental do movimento.
Memórias Sentimentais de João Miramar em especial, encerra simultaneísmo, exposição das "ordens do subconsciente", riqueza de neologismos, estilo telegráfico e quebra da ordem sintática Seus capítulos são curtíssimos com a condensação de sensações, numa técnica próxima do cinema, representada pelo processo de "colagem rápida de signos". Essa "técnica cubista" dá "ao estilo de Oswald o que ele tem de mais inesperado e intrigante", e por ser concentrada se aproxima da poesia, representando o "primeiro passo do Modernismo". 
  O último momento corresponde à prosa de tese, aplicada ao romance cíclico inacabado,Marco Zero, espécie de romance mural. Contudo, os romances-invenções, de 1924 e 1933, são representativos do bom Modernismo praticado por Oswald, cuja obra é definida por Alfredo Bosi como "um leque de promessas realizadas pelo meio ou simplesmente irrealizadas".
   As obras poéticas do Pau-Brasil e da Antropofagia representam, também, esse Modernismo, satirizando a vida burguesa levada pelos "aristocratas" do café nas grandes capitais. Em Pau-Brasil, o escritor se utiliza da síntese para unir além da vida pré-colonial e colonial brasileira o espaço moderno e essa união, nas palavras de Alfredo Bosi, "define a visão do mundo e a poética de Oswald"

Oswald de Andrade - Passeiweb
www.passeiweb.com/saiba.../oswald_de_andrade 

OSWALDE DE ANDRADE - CRÍTICO E IRREVERENTE
   Ao afirmarmos que o artista em questão é considerado um revolucionário, tal posicionamento revela que ele, de maneira singular, esteve à frente de sua produção no sentido de materializar todos os propósitos firmados pela “nova concepção” de arte, sobretudo protagonizada pela Semana de Arte Moderna.Para que possamos compreender toda a ideologia que compõe o perfil deste hábil autor, enfatizaremos acerca dos pressupostos inerentes ao referido acontecimento histórico, ocorrido em fevereiro de 1922, no qual Oswald de Andrade e tantos outros, brilhantemente, revelaram seus talentos.Atendo-nos ao dinamismo que nutre todos os movimentos literários, os quais ora se completam, ora se refutam, uma das características propostas pela Semana foi a ruptura com a gramática normativa. Os que assim se dispuseram, tinham por finalidade romper com o academicismo literário, atribuindo-se aos moldes parnasianos, envoltos por uma completa erudição. Assim, almejavam fazer uma arte voltada para a liberdade de expressão, na qual o erudito cederia lugar para o trivial, o prosaico. Como bem identificamos nas construções que seguem:


RISCO
Um poema livre

da gramática, do som
das palavras
livre
de traços
Um poema irmão
de outros poemas
que bebem a correnteza
e brilham
pedras ao sol

Um poema
sem o gosto
de minha boca
livre da marca
de dentes em seu dorso
Um poema nascido
nas esquinas nos muros
com palavras pobres
com palavras podres
e
que de tão livre
traga em si a decisão
de ser escrito ou não

Pronominais
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro

  Mais um exemplo condiciona-nos a outra relevante característica – a liberdade formal, representada pelo emprego do verso livre, pelas formas de composição totalmente irregulares, muitas vezes destituídas de pontuação. Conjuntamente a esta concepção, identificamos também uma “marca registrada” de Oswald de Andrade – o instinto crítico e irreverente. No caso em questão, explicitamente identificamos a crítica feita à Carta de Pero Vaz de Caminha, quando este se deparou com os nativos que aqui se faziam presentes. As índias, segundo a concepção do autor, eram “saradinhas”, bem ao gosto popular. E eles, ao contrário do que ocorreu no documento original, “não tinham nenhuma vergonha” – representado uma linguagem bem despojada.
(...) Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que cobrisse suas vergonhas. [...] -Trecho da Carta de Caminha.

As meninas da gare
Eram três ou quatro moças bem moças e bem gentis
Com cabelos mui pretos pelas espáduas
E suas vergonhas tão altas e tão saradinhas
Que de nós as muito bem olharmos
Não tínhamos nenhuma vergonha
Oswald de Andrade

     Todas essas inovações não param por aí, haja vista a importância de salientarmos para o fato de que Oswald foi um mestre na arte de parodiar, isto é, realizar uma intertextualidade tendo como referência uma outra criação, embora visando à crítica. É o que podemos conferir em:

Canto de regresso à pátria
Minha terra tem palmares
Onde gorjeia o mar
Os passarinhos daqui
Não cantam como os de lá
Minha terra tem mais rosas
E quase que mais amores
Minha terra tem mais ouro
Minha terra tem mais terra
Ouro terra amor e rosas
Eu quero tudo de lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte pra São Paulo
Sem que veja a Rua 15
E o progresso de São Paulo.

   Percebemos que o autor, envolto pelo instinto crítico, se atém ao sentimento ufanista extremamente cultuado pelos artistas do Romantismo, em especial por Gonçalves Dias, em A canção do exílio. Mediante tal constatação, surge-nos uma dúvida: o porquê da crítica, se o Modernismo também foi um movimento voltado para as raízes, para uma construção de uma identidade verdadeiramente nacional. Resta-nos inferir que ambas as concepções, mesmo sendo semelhantes, se divergiram em um aspecto: o nacionalismo moderno não possui o estandarte do nacionalismo romântico - ufanista por excelência.
   Arraigados por um conhecimento mais amplo acerca das características de sua temática, vamos então conhecer um pouco mais sobre a trajetória artística de Oswald de Andrade.
Nasceu no ano de 1890 e morreu em 1954, na cidade de São Paulo. Provindo de uma família ilustre, cursou a faculdade de Direito do Largo São Francisco, formando-se em 1912. Fez sua primeira viagem à Europa em 1912 e, quando lá retornou, em 1924, lançou o livro de poemas, introdutor do Movimento Pau-Brasil. Em 1931 filiou-se ao Partido Comunista, conservando tal ideologia até o final de sua vida.
   Dentre as suas criações de cunho inovador, destacam-se: Pau-Brasil (1925); Cântico dos cânticos para flauta e violão (1945); O escaravelho de ouro (1945); Os condenados (1922); A escada vermelha (1934); Memórias sentimentais de João Miramar (1924); Serafim Ponte Grande (1933); e no teatro – O homem e o cavalo (1934), A morta (1934) e O rei da vela (1937).

www.portugues.com.br/.../oswald-andrade---mode... 

FORMA E MEMÓRIA: O PROJETO ESTÉTICO DE OSWALD DE ANDRADE EM SUA AUTOBIOGRAFIA   - Alex Alves Fogal (PG/ UFMG)
Introdução
   A importância de Oswald de Andrade para a literatura brasileira é algo muito fácil de ser constatado. Para isso, basta observar a produção romanesca, poética e ensaística do autor e os estudos críticos realizados sobre elas. Porém, um ponto pouco discutido em relação à totalidade da obra do autor é a escrita de sua autobiografia, intitulada Um homem sem profissão: sob as ordens de mamãe, obra que teve sua primeira edição em 1954. Apesar do considerável volume de trabalhos que abordaram a obra de Oswald, poucos se dedicaram exclusivamente às suas memórias, talvez pelo fato de existir uma tendência muito forte em se considerar as produções autobiográficas simplesmente como documentos que possuem importância apenas no que tange a biografia do autor.
   No presente artigo, parto de um pressuposto um pouco diferente a respeito dessa obra. Pretendo demonstrar aqui, como as memórias do autor são constituídas a partir de um projeto poético identificável na totalidade de sua obra, ou seja, como a sua autobiografia segue dentro de seu projeto estético, mantendo o mesmo estatuto poetológico que o escritor utiliza em outras criações. A partir disso, torna-se importante tentar abordar Um homem sem profissão como obra que vai além de um simples auxílio para a compreensão da vida e da obra de Oswald, mas sim como mais uma construção literária onde o autor emprega seu estilo. Ou seja, não pretendo estabelecer uma hierarquia entre as produções do escritor abordando sua autobiografia apenas como um tipo de chave para que seus romances e poesias sejam compreendidos de modo mais eficiente, mas sim entendê-la como mais um objeto artístico no qual os elementos memorialísticos aparecem estilizados, dramatizados ficcionalmente pelo narrador. 
   Para atingir tal intuito, torna-se indispensável lidar com suas produções romanescas e também parte de sua poesia, para que o paralelo seja estabelecido de maneira mais pertinente e fundamentada. Assim sendo, serão de grande valia algumas considerações sobre os dois romances mais conhecidos do autor, que formam o chamado par Miramar-Serafim, respectivamente Memórias sentimentais de João Miramar (publicado em 1924) e Serafim Ponte Grande (publicado em 1933). Será relevante também a observação de alguns aspectos de sua poética na obra Pau-Brasil, lançada em 1925. Será buscada, portanto, uma perspectiva de análise que objetivará apreender a autobiografia de Oswald como obra que utiliza a memória como elemento estruturado pelo movimento da ficção, o que cria a necessidade de entender como se dá a transposição do plano real para o ficcional na estética oswaldiana, ou seja, é importante observar como os fatos que dão origem à narrativa são deformados pela performance mimética do narrador. O estudo de tal técnica narrativa permitirá entender as memórias dentro do plano da invenção estética a partir de uma noção dialética da mimesis (WAIZBORT, 2007, p. 23-25). 

2. Relação entre memória e poética

  A estrutura formal observada na totalidade da obra de Oswald já foi relacionada anteriormente com a estética observável em Um homem sem profissão, no entanto, nenhum dos estudos que fizeram isso se preocuparam em investigar essa relação um pouco mais a fundo.
   No prefácio das memórias, Antonio Candido afirma que Oswald “fez da vida romance e poesia, e fez do romance e da poesia um apêndice da vida”, o que demonstra a forte relação existente entre o elemento memorialístico e a construção estética do autor (CANDIDO, 2002, p.12). Nota-se que no livro em questão, o autor  não se preocupa em estabelecer um traçado totalmente coerente de seu próprio eu, o que exigiria uma forte confluência entre vivido e acontecido. Nem ao menos as impressões do autor sobre a vida ou as pessoas que o cercam são observadas num sistema fechado e estabelecido. Na obra, tudo se encontra mesclado, não há independência entre o pólo do eu e o pólo do mundo. O próprio escritor não vê sua vida separada da obra, pois exibe plena consciência do processo de estilização que transpõe os fatos vividos para o plano literário. Um exemplo disso é a afirmação do autor no segundo prefácio que escreveu para Serafim Ponte Grande sobre o conteúdo do romance: “Epitáfio do que fui” (ANDRADE, 1996, p.39.) 

3. A forma sempre presente 

   A forma poética desenvolvida por Oswald de Andrade tem como principais traços o caráter de inovação e a ânsia de ruptura, o que já foi suficientemente apontado por muitos estudiosos. Assim sendo, torna-se importante entender como tal método de composição pode ser desenvolvido pelo autor. Pensando nisso, é relevante lembrar do contato de Oswald com as vanguardas européias, um tema que aparece em quase todos os estudos críticos sobre o escritor, sendo realmente um ponto visível em suas obras. 
   O crítico Haroldo de Campos chega a dizer que a influência de tal conceito artístico na obra do autor é tão grande, que vai além da assimilação da prática literária futurista, uma vez que ao lermos os textos de Oswald, parece que observamos a “transposição imediata de suas descobertas pictóricas nas exposições de Paris” (CAMPOS, 1999, p.31-32). 
   O estilo chega a ser denominado pelo crítico como “cubo-futurismo-plástico-estilístico” (CAMPOS, 1999, p.32). Esse método de narrativa altamente relacionado às vanguardas européias é uma constante na estrutura dos romances de Oswald. Vide o seguinte trecho de Memórias sentimentais de João Miramar :
   Um cão ladrou à porta barbuda em mangas de camisa e uma lanterna bicor mostrou os iluminados na entrada da parede. O cachorro deitado tinha duas caras com uma de esfinge e cabelos bebês. Mas a calçada rodante de Pigalle levou-me sozinho por tapetes de luzes e de vozes ao mata-bicho decotado de um dancing com grogs cetindas pernas na mistura de corpos e de globos e de gaitas com tambores (ANDRADE, 1999, p.60). 
   Na visão de Haroldo de Campos, esses são trechos nos quais as cláusulas se encontram e se interceptam como planos, os atributos saltam do engaste e efetuam um deslizamento de uma superfície semântica à outra (CAMPOS, 1999, p.32). É interessante notar também o trabalho com as imagens se seccionam como se fossem providas de arestas.
    No romance Serafim Ponte Grande também pode ser observada uma construção narrativa parecida: 
   Mulheres fendidas colocam pandeiros nos corações dançarinos, com cabelos de peopaias, sob as árvores degoladas do verão. No espaço das mesas bem toalhadas, mulheres sincopam como bandeiras, como dínamos nos braços esmaltados de São Guido (ANDRADE, 1996, p.111). 
     Esse tipo de uso da linguagem também é muito comum na escrita da autobiografia do modernista. Assim como se observa nas idéias contidas no manifesto futurista do italiano Marinetti, o texto de Oswald faz uso de um simultaneísmo que aponta como objetivo trabalhar com as palavras em liberdade. Segue abaixo um exemplo desse traço constante da prosa oswaldiana:
     Na Calábria, no fundo do grande mar triste e silencioso, o sol estava envolvido de roxo como um Cristo de Semana Santa. E dos desmaios violetas dispersos em redor, criou-se um momento uma figura de mulher céu acima, alongou o braço fantástico, chamou. Pensei em mamãe. (ANDRADE, 2002, p.112.)
   Nesse trecho fica explícito o movimento agressivo e acelerado da narrativa, além de uma ânsia de desconstrução da sintaxe. O próprio autor revela em suas memórias: “mesmo as coisas mais espantosas nunca me espantaram. Encaixo tudo, somo, incorporo”. (ANDRADE, 2002, p.61.) Nessa passagem é como se o narrador de si mesmo da autobiografia revelasse a sua própria poetologia, misturando a maneira de enxergar a vida com o método de escrever as obras. Nesses trechos é observável também a rica orquestração de imagens empreendida pelo narrador, dispostas a partir de um movimento de desordem. Aliás, esse trabalho com a composição imagética é outro ponto constante na estética empregada pelo autor, uma vez que se observa em suas obras um método peculiar de montagem. 
   Apesar da aparente ordenação caótica, os fragmentos imagéticos das obras podem ser agrupados em estruturas que se reúnem de acordo com uma determinada lógica. Essa lógica, que é fundamentada a partir do plano visual, pode ser definida como uma junção de imagens muitas vezes heterogêneas num todo formado por movimentos de combinação ou justaposição, arranjados para ilustrar uma associação de idéias (JACKSON, 1978, p.20). 
   O crítico Kenneth Jackson (1978) compara a composição fragmentária de Oswald com um álbum de fotografias, que revelariam as experiências do narrador em circunstâncias diversas, algo como uma prosa cinematográfica. Nesse sentido, quem estabelece um interessante paralelo é Haroldo de Campos, que define o estilo de narrar do autor a partir de um método eisensteiniano. A referência nesse caso é ao cineasta russo Sergei Eisenstein, conhecido por ter aplicado um método de montagem revolucionário no plano da estética, pois suas considerações não se limitam ao cinema. Para Eisenstein, um realizador forma uma nova idéia a partir da fusão ou colisão de planos até então vistos como independentes demonstrando um ideal de estética muito próximo àquele que pode ser observado no autor de Um homem sem profissão, uma vez que considera a idéia segundo a qual a arte é o conflito entre a lógica da forma orgânica e a lógica da forma racional (EISENSTEIN, 2002). 
    Podemos ver esse movimento na narrativa de Oswald quando o narrador de suas obras não se preocupa em aparar as arestas que resultam de sua junção de imagens vistas como incongruentes, mas que são associadas justamente para ressaltar o conflito. Um exemplo de tal construção é o seguinte trecho das memórias: 
     O transporte do corpo para a câmara funerária armada na sala. Estamos morando numa casa grande de esquina da Rua Augusta. Faço a barba à gilete, sem perceber bem o que se passa. Cornélio Pires e outros amigos compareceram (ANDRADE, 2002, p.189). 
    Apesar dessa montagem baseada no conflito, há uma lógica que organiza a escrita do autor, como foi dito anteriormente. Apesar do próprio autor afirmar que “Este livro é uma matinada” (ANDRADE, 2002, p.33), a forma adotada não é fundamentada pelo caos puro. Isso pode ser observado em Serafim Ponte Grande, no qual a desconstrução do modelo habitual em capítulos é capaz de produzir um efeito desagregador, sem que, no entanto, deixe de existir um tênue – mas efetivo – fio condutor (CAMPOS, 1996, p.7). 
   Tudo isso nos leva a reconhecer uma unidade macrosintagmática da narrativa. Novamente é válido lembrar das técnicas de montagem de Eisenstein, que nos mostra que numa obra de arte construída a partir do método de montagem intelectual, como a de Oswald, os elementos que sustentam a obra como um todo, perpassam todas as suas partes constituintes. A partir da perspectiva de Engels, o cineasta russo demonstra como um mesmo critério formal é capaz de impregnar cada área que se coloca como constituinte da obra. As leis artificiais ou estéticas passam a se assemelharem às leis naturais (EISENSTEIN, 2002, p.147-149). Tais características são comuns não apenas ao plano da prosa de Oswald, mas podem ser observadas também em sua produção poética. Vera Lúcia de Oliveira afirma que as imagens nas obras do escritor nunca são estáticas, mas sim apresentadas de maneira dinâmica, como no cinema: 
     O que imediatamente ressalta aos olhos, em Pau-Brasil, é o estilo telegráfico, epigramático, das breves e incisivas poesias, em que as imagens são montadas por um processo de justaposição e a pontuação é totalmente abolida. Nunca se vira na poesia brasileira uma tal síntese de concisão (OLIVEIRA, 2002, p.109). Observa-se, portanto, que o autor realmente possuía um projeto estético abrangente, uma vez que não fica apenas no plano da sua produção em prosa. Essa estética do fragmentário, (mas não puramente caótico) empregada pelo escritor é capaz de realizar uma representação da realidade que a coloca como mutável e assimétrica. Tendo a metonímia como tropo privilegiado, tal construção formal favorece a percepção de seres e coisas, não em sua plenitude e totalidade, mas a partir de segmentos e de pequenas partes (OLIVEIRA, 2002, p.111). Na autobiografia, nota-se o mesmo método de composição nas descrições realizadas pelo narrador: O pano se levantou e eu vi a Grécia, não a Grécia livresca dos sonetões de Bilac que toda uma subliteratura ocidental vazava para a colônia inerme. Eu vi de fato a Grécia. E a Grécia era uma criança seminua que colhia pedrinhas nos atalho, conchas nas praias e com elas dançava (ANDRADE, 2002, p.150.) Nesse trecho da obra, observa-se como a descrição da Grécia inteira pode ser resumida em apenas uma imagem de criança seminua, instaurando assim, uma linguagem metonímica também na produção em prosa. A partir disso, é notável a habilidade com que o autor plasma uma fusão entre prosa e poesia. Pode-se dizer que a técnica de escrita de Oswald representa de maneira efetiva alguns pressupostos da lírica moderna, como por exemplo, a utilização dessa desarmonia dos fragmentos (apesar de ser apenas aparente) para aliviar-nos do contato com uma beleza tradicionalmente concebida e nos afastar da monotonia. Nota-se a preponderância da vontade da forma sobre a vontade da simples expressão (FRIEDRICH, 1978, p.33-40). 
    Ainda no que diz respeito às técnicas de construção da forma textual nas memórias, pode-se notar um outro elemento que configura a poetologia de Oswald de Andrade no todo de sua obra: a mescla ou a justaposição de gêneros. O crítico Kenneth Jackson chama tal tendência de paródias estilísticas, como quando aponta tal tipo de técnica no romance Serafim Ponte Grande: “Os quarenta e seis fragmentos em que se contam aventuras de Serafim na Europa são únicos por sua justaposição de cartas, diálogos, poesia e teatro, numa colagem crítica” (JACKSON, 1978, p.71.). 
    O texto oswaldiano é entendido como uma construção capaz de incorporar em si materiais literários bastante heterogêneos, como, por exemplo, colocar dentro de um mesmo espaço textual paródias de convenções e normas, fusão de poesia e prosa, termos chulos, imagens grotescas, o erro gramatical ao lado do pedantismo letrado, discursos, cartas e outros mais (FARINACCIO, 2001, p.195-196.). 
   Muitas vezes associada ao estilo de James Joyce (claro, sempre com as devidas ressalvas), essa trama babélica do texto pode ser observada de modo bem explícito também no romance Memórias sentimentais de João Miramar. Um exemplo pode ser tomado quando o narrador anuncia o casamento da sogra do protagonista por meio da inserção direta de uma paródia estilística dos convites para a cerimônia: “O conde José Chelinini Della Robia Grecca e D. Gabriela Miguela da Cunha participam a V. Exa. O seu casamento. Nice” (ANDRADE, 1999, p.76.). Esse hibridismo estilístico observável nos romances pode ser encontrado também na poesia do autor, que através de efeitos parodísticos e satíricos, realiza o pastiche de materiais retirados dos mais diferentes setores, como textos jornalísticos, fragmentos de cartas, anúncios publicitários e vários outros (OLIVEIRA, 2002, p.113.). 
   No poema a seguir, contido na obra Pau-Brasil, nota-se uma paródia em relação à linguagem das cartas do período do descobrimento do Brasil: As fontes que ha na terra sam infinitas Cujas águas fazem crescer a muytos e muy grandes rios Que por esta costa Assi da banda do Norte como do Oriente Entram no mar oceano (ANDRADE, 2003, p.110). Da mesma forma observada nos romances e na poesia, o narrador de Um homem sem profissão coloca sem aviso prévio, o bilhete de um amigo sobre sua amante bem no meio de uma narrativa que falava de um passeio com seu pai, sua mulher e seu filho: “Falei com Cyclone pelo telefone. Está impossível” (ANDRADE, 2002, p.178.) 
    Outro ponto-comum da forma poética de Oswald é a satirização da sociedade burguesa e das literatices de salão, típicas dessa classe. Tanto nos romances quanto nas memórias, a sátira como elemento de desconstrução do ideal beletrista da literatura sofre achaques. No romance Serafim Ponte Grande o narrador promove sua sátira em relação ao padrão literário conservador da época através das ações e das frases de um personagem chamado Pires de Melo. No trecho a seguir, nota-se como o narrador ironiza verbalmente o comportamento do literato, que por sua vez, demonstra uma postura bem dentro dos moldes dos escritores românticos de salão: 
    O Manso apresenta-me ao literato Pires de Melo. Vamos pela garoa até um bar pitoresco do Anhangabaú. Aí, ele expôs-nos a sua vida que é um verdadeiro chef- d’oeuvre. Precisava de uma mulher para inspirá-lo. Achou-a. Mostrou- nos uma carta e uma fotografia. A carta terminava assim: “Agora a nossa encantada aventura jaz embelezada pela distância” (ANDRADE, 1996, p.65). 
   Vale ressaltar que tal personagem, além de exibir esse tipo de postura melodramática, é o escritor de um romance chamado Recordações de um ósculo, cujo título remete ao ideal estético combatido por Oswald. 
    Em Memórias Sentimentais de João Miramar, também podem ser encontrados alguns exemplos de tal postura crítica em relação à literatura de salão. Os personagens Machado Penumbra (que, aliás, é quem escreve o prefácio do livro em estilo rebuscadíssimo) e Dr. Pilatos, são bons exemplos da postura do burguês retórico, pedante e que acredita ser detentor do bom gosto em relação aos padrões artísticos. Vide o trecho a seguir, no qual o narrador descreve uma cena desempenhada por Dr. Pilatos:
    O Dr, Pilatos com ohs e ahs emitira a Célia entre duas bananainhas uma opinião a meu respeito. - Seu marido, minha senhora, parece Telêmaco segundo o Fénelon na tradução portuguesa em quem era de admirar tanta facúndia em tão verdes anos. Como lisonjeada matrimonialmente ela insistisse por outra bananinha o sábio da Grécia entre um oh e um ah eruditou, ser todo homem depois dos quarenta anos responsável pela sua fisiologia. (ANDRADE, 1999 p.68.) 
     Como foi dito um pouco acima, a estilização de tais tipos de discursos e mentalidades é uma constante na forma literária adotada por Oswald em suas obras, o que, evidentemente, também aparece na sua autobiografia, cuja forma se encontra em consonância à dos romances e das poesias. No seguinte trecho das memórias, nota-se a seguinte passagem, na qual o alvo é Olavo Bilac: 
   Este aparecera com versos frouxos e ardentes que a Corruxa adolescente de Caxambu e com ela todas as Corruxas do Brasil recitavam gemendo. Mas breve enveredou para o Parnasianismo que teve seu recorde de consagração na leitura da “Tarde” pelo próprio Bilac aqui em São Paulo (ANDRADE, 2002, p.125.). 
   Após tais apontamentos, é possível dizer que a identificação de um mesmo projeto formal na obra de Oswald é algo que possa ser elucidado após a análise de alguns elementos em comum que perpassam os diferentes gêneros aos quais o autor se lançou. A análise de tal questão ainda poderia ser mais explorada, no entanto, é importante passar também por outros pontos. 

4. A memória como ficção

    Nessa parte do trabalho será analisada uma questão que está diretamente ligada ao que foi discutido no tópico anterior, buscando uma linha de interpretação que possibilite entender de que maneira as memórias, que seriam factuais, são estilizadas no plano literário. Ou seja, como ocorre a transposição daquilo que, inicialmente, está situado no plano concreto para o plano literário, estético.
    Para compreendermos bem o que aqui se argumenta, basta observar que, ao entendermos a produção literária de Oswald como uma estrutura organizada segundo um mesmo método de composição, enquadramos também sua autobiografia dentro de sua produção estética e artística, deixando um pouco de lado a perspectiva considera a obra memorialística simplesmente como documento ou registro. Assim sendo, nada mais lógico do que tentar entender seu mecanismo de funcionamento, ou seja, como se dá a estilização em sua composição formal. Mais uma vez será possível identificar uma certa uniformidade do desempenho do narrador no que tange o conjunto da obra. O modo mais pertinente de introduzir tal questão é através de alguns apontamentos de Antonio Candido: “Nas presentes memórias de Oswald de Andrade, não se deve procurar auto-análise nem retrato do tempo. Nada, com efeito, menos próprio a nos dar conhecimento da sociedade ou do espírito” (CANDIDO, 2002, p.12). 
   O que Antonio Candido nos mostra é que a autobiografia do modernista não se constitui como instrumento adequado para interpretações historicistas dos períodos ou do meio que aparecem na obra sob o olhar deformador e altamente subjetivo do autor. É o próprio Oswald quem esclarece esse dispositivo no prefácio de Serafim Ponte Grande: “Transponho a vida, não copio igualzinho. Nisso residiu o mestre equívoco naturalista. A verdade de uma casa transposta na tela é outra que a verdade na natureza”.(ANDRADE, 1996, p.34). 
     Ainda tendo como base a opinião bem fundamentada do crítico e a questão da estilização, nota-se que o fato de o autor nos apresentar em suas memórias a humanidade própria de alguns personagens saídos de sua pena – como José Chelinini, Pantico, Pinto Calçudo, Dona Lalá e outros mais – não espanta os leitores (CANDIDO, 2002, p.14). 
     Ainda com base na opinião de Antonio Candido, são importantes as considerações sobre o modo de construção de Um homem sem profissão, que segundo o crítico, é permeada pelo método de composição das outras obras do autor. A citação é longa, porém importante:
     No tocante a esta solidariedade da obra e da vida, bem como a soberania da impressão sobre a construção, enquanto técnica literária, vale notar, no presente volume, certa dualidade do autor em face de duas reminiscências.
     Na primeira parte, quando a pesquisa do passado vai encontrar o próprio nascedouro das emoções, percebemos um trabalho da inteligência, organizando os dados os dados do passado da memória num sistema evocativo mais inteiriço. À medida porém, que vai passando à idade adulta, e o material evocado corresponde a uma fase de sua personalidade já constituída, a elaboração sistemática cede lugar à notação. O impressionismo se desenvolve, por vezes, de modo a superar a verossimilhança, fragmentando a realidade na poalha dos dados da sensibilidade e desta maneira dando acesso a um mundo tornado equivalente ao imaginário da ficção (CANDIDO, 2002, p.14).      
       Após essa colocação, reafirma-se o que já havia sido dito acima acerca do método de constituição das memórias de Oswald: torna-se visível o caráter de construção ficcional que predomina nas memórias. 
    Assim como ocorre nos romances do par Miramar-Serafim, a técnica narrativa se assemelha bastante ao que se entende como a posição do narrador no romance contemporâneo, já que o subjetivismo hipertrofiado de tais construções não tolera nenhuma matéria sem transformá-la, jogando por terra o preceito da objetividade (ADORNO, 2003, p.55.). A partir disso, torna-se interessante pensar como identificar um desempenho mimético do narrador em uma obra autobiográfica cuja premissa é a transfiguração do real. 
   Antes de pensar em tal questão, é preciso deixar claro que abordo o conceito de mimesis como Mimesthai e não como imitatio. A distinção reside no fato de que o conceito de imitatio limita o significado de mimesis uma vez que o primeiro se refere apenas à representação, enquanto o segundo diz respeito à representação e à expressão. 
   Dentro do sentido mais adequado, considerar que um narrador possui um desempenho mimético é considerar que este não se empenha apenas em representar algo, mas também – ou principalmente – em dramatiza algo e dramatizar a si mesmo, assumindo uma postura de mutação constante (SOUZA, 2006, p.17). A prova disso vem do fato de que Oswald de Andrade trabalha um processo de desidentificação de si mesmo para narrar, assumindo outras identidades: em Um homem sem profissão, ora o narrador-memorialista se apresenta como Miramar e ora como Serafim, estabelecendo assim um tipo de paralelo entre as obras as quais tais narradores-personagens aparecem. 
     Miramar, de rabona, fala. Está quase comovido. Quase treme. Precipita, engole, joga períodos. Estaca. Terminou. Tijucópolis hesita. Aristides hesita. Mas Miramar sentou-se. Então despenca sobre ele a mais bem entoada das salvas de palmas.(ANDRADE, 2002, p.183). 
       Percebe-se, na autobiografia, uma estrutura narrativa comumente encontrada no processo de construção romanesca, o que demonstra que se trata de um livro de memórias que adota uma forma estética nada convencional, bem ao estilo de seu autor. Para melhor compreender uma autobiografia que utiliza tal método de composição, é preciso pensar a relação entre literatura e realidade de modo próximo ao de Erich Auerbach, para quem a realidade que se cria na literatura é constituída por meio de um processo estético, sem o qual a relação entre vida e obra não pode ser compreendida em sua dinâmica dialética. 
       É preciso entender que o ficcionista estiliza os fatos e os homens, já que a realidade que este expõe não é real no sentido do mundo empiricamente considerado, mas sim estilizada (WAIZBORT, 2007, p.14). Um homem sem profissão pode ser considerada uma obra que se constitui como ficção irônica, tendo como fundamento de sua composição a memória crítica do narrador (JACKSON, 1978, p.33). 
    Desse ponto de vista é interessante observar as memórias de Oswald como uma composição que tem por base o princípio da ironia, mas não como tropo retórico e sim como elemento estrutural. Nesse sentido pode ser dito que a ficção narrativa se focaliza na consciência da ilusão ao invés de apenas dar suporte à ilusão da consciência, realizando uma reflexão sobre a própria estrutura na qual se apresenta (SOUZA, 2000, p.30). Tal afirmativa fica mais clara se observarmos o seguinte trecho:
      Seu Andrade com um instinto terrível sente o meu desligamento crescente da francesa. E o impacto do ciúme ele o atira sobre Landa Kosbach, que é mamãe Macbeth nas roupagens carnais de Ofélia. Esta dublagem persiste e se desenvolve numa atração de crime. Eu quero certezas para repicar e somente colho dúvidas e desesperos. Sinto delírios auditivos. Desce sobre mim uma vaia lúgubre. Há grilos fora de casa (ANDRADE, 2002, p.135). 
     Nesse trecho o narrador realiza reflexões sobre sua própria situação no desenvolvimento da narrativa deixando a estrutura do que se narra totalmente exposta. O ápice é o movimento de parábase no final do trecho, quando o narrador se dramatiza numa cena teatral onde recebe vaias da platéia por suas atitudes e realiza o desnudamento do plano ficcional (SOUZA, 2000, p.27-37). Essas estratégias narrativas aplicadas num livro de memórias tornam a obra peculiar, já que esta não assume a forma padrão do que seria uma autobiografia. Vale deixar claro que, quando se diz que a obra não segue a estrutura tradicional de um livro memorialístico, não se está dizendo que encontraremos nos exemplos padrões um modo de representação não-transfigurador e objetivo da realidade. A diferença dessas realizações para a de Oswald é que estas se preocupam em esconder esse processo mimético realizado pelo narrador, enquanto as outras buscam expor seu método de construção. 
    Após tais considerações, acredito que seja pertinente afirmar que a autobiografia oswaldiana se estrutura a partir de uma estilização diversa da esfera concreta da vida e dos fatos, ou seja, pode-se dizer que as memórias do autor se apresentam na forma de ficção. Visto isso, seria praticamente impossível situar a obra simplesmente no âmbito do registro, como se tal produção do escritor fosse apenas um apêndice para entender o montante de sua obra ou de sua formação como escritor. Um homem sem profissão, claro, pode ser visto sob essa perspectiva, mas não apenas dela.

Conclusão
    A título de conclusão, é possível afirmar que a forma que se apresenta como fundamento estético das produções literárias de Oswald de Andrade como um todo pode ser identificada também na estrutura de sua autobiografia, o que nos permite esboçar uma linha de interpretação que constrói uma perspectiva um pouco distinta daquela que considera as obras de tom memorialístico apenas no âmbito do testemunho. Além disso, nota-se também que Um Homem sem profissão não deve ser uma obra interpretada apenas como ferramenta para a exegese das outras obras do autor ou estudo de sua formação intelectual, uma vez que pode ser valorizada também pela sua forma estética. Para finalizar, é importante deixar claro que existem também algumas distinções na autobiografia de Oswald em relação às suas outras obras, pois apesar de se estruturarem de forma parecida, sabemos que nenhuma obra é igual à outra, mesmo sendo constituídas por métodos semelhantes. Entretanto, nesse trabalho, procurei focar apenas as semelhanças, o que estava mais em consonância com o objetivo do empreendimento.

A importância de Oswald de Andrade para a literatura
-Anais2010anais2010.cielli.com.br/downloads/19.pdf
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Um comentário

  1. MMMMuito obrigada! Seu texto foi muito útil para a execução de nossa tarefa.
    Mariana e Luciana

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