A
PROSA MODERNISTA - O PÓS-MODERNISMO
-
Romance introspectivo; a psicologia dos
personagens;
-
Sem compromisso com a
“realidade real”;
-
Conflito do indivíduo
com a sociedade;
-
Realismo fantástico: fusão da realidade com a ficção;
- Prosa
regionalista: o meio e o homem rural brasileiro
1.JOÃO GUIMARÃES
ROSA
|
Nasceu em 1908 e faleceu em 1967. Formado em Medicina, foi médico em
seu estado, Minas Gerais e, depois, diplomata em vários países. Recebeu
inúmeros prêmios pelas suas obras literárias.
Seu estilo era absolutamente novo:
. Regionalismo universalista: suas obras, embora voltadas para
espaços rurais, transcendem o puro regionalismo e dão à obra um caráter
universal, pois são cheias de indagações metafísicas.
. Recriação da linguagem:
estiliza o linguajar sertanejo, inventando novas palavras, recriando
palavras misturadas com arcaísmos, linguagem erudita, latim, grego. A sintaxe
da frase é bastante original.
As obra é, sem dúvida, a mais complexa que apareceu depois de 1945.
A flora e a fauna são magistralmente apresentadas e, às vezes, humanizadas,
como em Conversa de Bois.
É o mundo do sertão a desfilar suas tradições, traições, ledas,
coragens e aventuras.
Obras principais:
SAGARANA – Contos e novelas regionalistas, mas de um regionalismo
diferente, baseado nas pesquisas e elaboração artística da linguagem,
incluindo o linguajar nacional. Entre eles se encontra o famoso A Hora e a
Vez de Augusto Matraga. O próprio título do livro (sagarana) já exemplifica a
revolução idiomática literária, pois saga
significa lenda não escrita, propriamente o que se diz ou conta apenas.
CORPO DE BAILE – Nele o novelista leva seus processos estilíisticos
às últimas consequências. É um corpo de novelas distribuídas em dois volumes.
GRANDE SERTÃO: VEREDAS -
Pode ser considerada a sua grande obra, pois ela rompe com todas as
convenções, é um romance mítico, uma obra-prima para as nossas letras. Nele o
autor criou uma linguagem inventiva, cheia de novas construções sintáticas,
tais como “a bala beija-florou”, “os
passarinhos bem-me-viam”, “os cavalos aiando gritos”.
Guimarães Rosa criou nesse romance uma galeria de personagens que
habitam mundos mágicos, procurando traçar
a história do sertão de Minas.
O principal personagem é RIOBALDO, que narra a história da época em
que fora jagunço e vingador de JOCA RAMIRO, sua longa travessia pelo sertão
mineiro em busca da sonhada vingança contra HERMÓGENES, que havia Joca. Também faz parte dobando DIADORIM, um
jovem companheiro por quem Riobaldo tem afeição especial. Na realidade,
Diadorim é Deodorina, a filha de Joca Ramiro que ingressara no bando
disfarçada de homem para poder participar da caçada e vingança contra o homem
que matara seu pai. Entre as angústias de Riobaldo estão o amor por Diadorim(
que julga impossível, pois pensa que ela é um homem), a ânsia que sente pelo
absoluto, a necessidade de explicar a razão dos acontecimentos e de uma
existência que o coloca entre Deus e o Diabo, o bem e o mal, o ser e o não ser.
Além desses personagens, temos ainda:
O SERTÃO – Espaço físico onde
decorre a ação, é usado como elemento simbólico, querendo significar o
‘subconsciente humano”
HERMÓGENES– È um jagunço-demônio, chefe do bando rival e que mata o
chefe do outro bando, Joca Ramiro, ocasionando a perseguição do bando, agora chefiado por
Riobaldo, na tentativa de vingar o líder morto.
Esta obra se insere dentro da corrente denominada REALISO MÁGICO.
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Modernismo
- A obra de Guimarães Rosa
Rosa e o Modernismo
O início da carreira literária de Guimarães
Rosa aconteceu oficialmente em 1946, com a publicação do livro de contos Sagarana, ao qual se sucederam a
reportagem "Com o vaqueiro Mariano", em 1952, (incluída depois
em Estas Estórias), o volume de novelas Corpo de Baile e
o romance Grande Sertão:
Veredas, em
1956; Primeiras
Estórias, em
1962, Tutaméia (Terceiras Estórias), em 1967. Em 1969,
após a morte do escritor, foram publicados os contos de Estas Estórias,
que ele vinha preparando antes de morrer. Em 1970, foram reunidos em Ave,
Palavra, textos de diversas naturezas (crônicas, discursos etc) escritos
durante toda a sua vida.
O livro Corpo de Baile é publicado atualmente em três volumes
independentes: Manuelzão e Miguilim, No
Urubuquaquá, no Pinhém e Noites do Sertão.
Como já visto, a
obra de Guimarães Rosa tem início na terceira fase do Modernismo e se impõe
como um marco na evolução da literatura brasileira. Os textos regionalistas até
então costumavam abordar os problemas brasileiros de uma maneira superficial,
transportando para a literatura diversos preconceitos. Nesse aspecto, além de
Guimarães Rosa, são também exceções Graciliano Ramos e José Lins do Rego.
O regionalismo de Guimarães
Rosa deixa de dar ênfase à paisagem para focalizar o ser humano em conflito com
o ambiente e consigo próprio. Dessa maneira, as personagens revelam tanto suas
particularidades regionais como sua dimensão universal, ou seja, o que elas têm
em comum com o restante da humanidade.
A valorização da cultura
sertaneja num momento histórico em que predominava um discurso desenvolvimentista
coloca o escritor na contramão da literatura brasileira que, praticamente desde
seu início, defendeu a modernização do país. Por trás da atitude de Guimarães
Rosa está a percepção de que o progresso condenaria ao silêncio o mundo dos contadores
de histórias.
"Está no nosso sangue
narrar estórias; já no berço recebemos esse dom para toda a vida. Desde
pequenos, estamos constantemente escutando as narrativas multicoloridas dos
velhos, os contos e lendas, e também nos criamos em um mundo que às vezes pode
se assemelhar a uma lenda cruel. Deste modo a gente se habitua, e narrar
estórias corre por nossas veias e penetra em nosso corpo, em nossa alma, porque
o sertão é a alma de seus homens."
É possível comparar as
diferentes relações que Guimarães Rosa e Graciliano Ramos têm com suas
personagens e com o ambiente que elas habitam. Graciliano Ramos aparece como
uma consciência crítica, ajudando as personagens a enxergar a miséria de sua
condição material e a exploração a que estão sujeitas. Guimarães Rosa tem uma
relação de simpatia e identificação com as personagens e a paisagem.
Na obra de Guimarães Rosa, as
dualidades e antíteses são comuns para que o conflito do sentimento seja
enfatizado. Desse modo, homem e mundo, realidade e devaneio, mundano e divino
aparecem sempre em contraste e nos colocam diante de muita angústia, aridez e
ceticismo; mas a poesia que perpassa tal obra nos remete a momentos do próprio
mundo interior daquelas personagens que, por vezes, retratam nosso desejo de lutas,
perdas e glórias.
O sertão e o mundo
Os contos e romances escritos
por João Guimarães Rosa ambientam-se quase todos no chamado sertão brasileiro.
A sua obra destaca-se sobretudo pelas inovações de linguagem, sendo marcada
pela influência de falares populares e regionais. Tudo isso, unindo à sua
erudição, permitiu a criação de inúmeros vocábulos a partir de arcaísmos e
palavras populares, invenções e intervenções semânticas e sintáticas.
Em Guimarães Rosa transparece
todo o misticismo do sertão, uma religiosidade quase medieval, baseada apenas
nos dois extremos e marcada pelo medo, pelo pavor, em que há até mesmo a
preocupação de não invocar o demo, para que ele não "forme forma";
daí o diabo ser tratado por "o que não existe" ou "o que não é
mas finge ser" e expressões semelhantes.
Assim é o sertão de Rosa: ora
particular, pequeno e próximo; ora universal e infinito, pois "o sertão é
o mundo" ou, melhor ainda, "o sertão é dentro da gente". Por
isso, logo na abertura de Grande sertão: veredas, o autor nos situa
diante do problema:
"O senhor tolere, isto é o
sertão. Uns querem que não seja: que situado sertão é por os campos-gerais a
fora a dentro, eles dizem, fim de rumo, terras altas, demais do Urucúia.
Toleima. Para os de Corinto e do Curvelo, então, o aqui não é dito sertão? Ah,
que tem maior! Lugar sertão se divulga: é onde os pastos carecem de fechos;
onde um pode torar dez, quinze léguas, sem topar com casa de morador; e onde
criminoso vive seu cristo Jesus, arredado do arrocho de autoridade. O Urucúia
vem dos montões oestes. Mas, hoje, que na beira dele, tudo dá - fazendões de
fazendas, almargem de vargens de bom render, as vazantes; culturas que vão de
mata em mata, madeiras de grossura, até ainda virgens dessas lá há. O gerais
corre em volta. Esses gerais são sem tamanho. Enfim, cada um o que quer aprova,
o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniões... O sertão está em toda a
parte."
O sertão aparece como um lugar político e econômico, mas também como um
lugar metafórico e metafísico, refletindo as perturbações interiores das
personagens e seus grandes questionamentos. Mais do que um lugar no espaço,
entretanto, o sertão rosiano é uma região criada na linguagem, como observou o
crítico Antonio Candido.
"Lugar sertão se divulga:
é onde os pastos carecem de fechos [...] O gerais corre em volta. Esses gerais
são sem tamanho. Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães,
é questão de opiniães... O sertão está em toda parte."
Em Guimarães Rosa, os
elementos próprios do sertão são apenas condutores para uma abordagem dos
grandes problemas do homem. Suas estórias extraem do regional a elaboração de
temas universais, revelando uma visão global da existência: indagações sobre o
destino, o significado da vida e da morte, a existência ou não de Deus etc.
As disputas de terra, a
utilização de mão-de-obra escrava ou semi-escrava, as gritantes diferenças
sócioeconômicas e culturais permeiam toda a obra de Rosa, contemporânea a
questões sobretudo relativas a meio-ambiente e sustentabilidade. Em Grande
sertão: veredas, Riobaldo, narrador do romance, explica a seu entrevistador
que, se ele foi conhecer as potencialidades ambientais e culturais do sertão,
havia chegado tarde, pois, naquele momento, tudo já se achava em estado de
degradação, em vias de desaparecimento.
Revolução na linguagem
"A música da linguagem
deve expressar o que a lógica da linguagem obriga a crer [...]. O melhor dos
conteúdos de nada vale, se a linguagem não lhe faz justiça."
A maior inovação nos livros de Guimarães Rosa é a linguagem: criativa,
que explora a sonoridade das palavras, incorpora a fala regional, cria termos
adaptando expressões de outras línguas. Essa novidade obriga o leitor a
refletir sobre o significado das palavras para compreender a nova dimensão dada
a conteúdos já conhecidos.
Sobre esse aspecto da obra de
Rosa, o professor Eduardo Coutinho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
esclarece: "Como tudo na vida, as formas da linguagem também envelhecem e
se tornam completamente inexpressivas após uso prolongado: palavras perdem o
seu significado originário, expressões se tornam obsoletas, construções
sintáticas inteiras caem em desuso e são substituídas por outras. Cabe, então,
ao escritor, consciente de sua missão, refletir sobre cada palavra ou
construção que utiliza e fazê-la recobrar sua energia primitiva, desgastada
pelo uso. Em outras palavras, ele tem que revitalizar a linguagem".
A fala do povo é utilizada na
obra de Guimarães Rosa como linguagem literária, aparecendo não só na fala do
sertanejo, mas na própria voz do narrador. Assim, o autor rompe com a tradição
em que o narrador escreve "certo" e as personagens falam
"errado".
"Escrevo, e creio que
este é o meu aparelho de controle: o idioma português, tal como o usamos no
Brasil; entretanto, no fundo, enquanto vou escrevendo, eu traduzo, extraio de
muitos outros idiomas. Disso resultam meus livros, escritos em um estilo
próprio, meu, e pode-se deduzir daí que não me submeto à tirania da gramática e
dos dicionários dos outros."
A princípio, percebe-se uma
revalorização da linguagem; a seguir, a universalização do regional. O valor da
linguagem particular de Guimarães Rosa não está no rebuscamento das palavras no
uso de arcaísmos, mas sim nos neologismos, na recriação, na invenção das
palavras, sempre tendo como ponto de partida a fala dos sertanejos, suas
expressões, suas particularidades. Com isso, as palavras recriadas ganham força
e significado novos, como afirma o crítico português Oscar Lopes:
"As metáforas de
Guimarães Rosa são tantas e tão originais que produzem um efeito poético
radical: o efeito de ressaca do significado novo sobre o significado corrente.
A gente lê, por exemplo, que `o sabiá veio molhar o pio no poço, que é bom
ressoador', e não fica apenas com uma admirável vocação acústica; as palavras
`molhar' e `poço' descongelam-se, libertam-se da sua hibernação dicionarística
ou corrente, e perturbam como um reachado todavia surpreendente."
O mesmo estranhamento que a
linguagem de Guimarães Rosa provocou no crítico lusitano, podemos perceber em
passagens como:
"Joãozinho Bem-Bem se sentia preso a Nhô Augusto por uma simpatia
poderosa, e ele nesse ponto era bem-assistido, sabendo prever a viragem dos
climas e conhecendo por instinto as grandes coisas. Mas Teófilo Sussuarana era
bronco excessivamente bronco, e caminhou para cima de Nhô Augusto. Na sua voz:
- Êpa! Nomopadrofilhospritossantamêin!
Avança, cambada de filhos-da-mãe, que chegou minha vez! ...
E a casa matraqueou que nem panela de assar pipocas, escurecida à fumaça
dos tiros, com os cabras saltando e miando de maracajás, e Nhô Augusto gritando
qual um demônio preso e pulando como dez demônios soltos.
- O gostosura de
fim-de-mundo!..."
Trânsito livre da prosa à poesia
Guimarães Rosa aboliu as fronteiras entre
prosa e poesia: seus textos são sempre em prosa, mas apresentam inúmeras
características que se costumam considerar próprias da poesia, como as rimas,
aliterações, eetc. É certamente reflexo disso o fato de que as duas narrativas
que constituem o livro Manuelzão e
Miguilim (Campo geral e Uma estória de
amor) são
anunciadas no índice como poemas, porque para Guimarães Rosa importa tanto o que é dito (conteúdo) quanto como é dito (forma).
Mesmo a pontuação em seus
textos não desempenha uma função ortográfica, mas estética, procurando fazer a
escrita se aproximar do ritmo da fala, com travessões, reticências,
exclamações, interrogações e, muitas vezes, vírgulas que separam sujeito e
predicado, o que evidencia o rompimento do autor com os padrões gramaticais
tradicionais, para aderir a uma estética da liberdade.
É importante ressaltar, no
entanto, ainda com Eduardo Coutinho, que criando novas formas para a língua
portuguesa, Guimarães Rosa "não ultrapassa, em momento algum, as barreiras
impostas pela sua estrutura".
Trabalhador detalhista, Rosa
estava atento a cada palavra que compunha suas criações e um testemunho de seu
processo criativo são os inúmeros cadernos, cadernetas e diários em que anotava
fragmentos de realidade que depois usaria na ficção: nomes de animais e
plantas, expressões, nomes de lugares e pessoas, tudo.
"Você conhece os meus
cadernos, não conhece? Quando eu saio montado num cavalo, por Minas Gerais, vou
tomando nota de coisas. O caderno fica impregnado de sangue de boi, suor de
cavalo, folha machucada. Cada pássaro que voa, cada espécie, tem vôo diferente.
Quero descobrir o que caracteriza o vôo de cada pássaro, em cada momento."
Todo esse trabalho com a linguagem confere mais força ao imaginário
mágico criado em suas "estórias". Aproximando-se do que está além da
realidade, o contista explora os mistérios do pré-consciente e dos mitos
inseridos no ser humano. A linguagem – recriada – do sertão ajuda a revelar
esse espaço como um espelho do mundo. Partindo da fala peculiar do sertanejo, o
autor a submete a um processo de reelaboração e invenção que a leva a atingir
significados absolutamente inesperados. Sem dúvida, identifica-se como
matéria-prima o sertão brasileiro com sua fauna, flora, o sertanejo e sua
cultura. Mas a magia que desabrocha desse espaço é o que garante a
universalidade. O espaço torna-se uma extensão das personagens, que estão sob
minuciosa investigação psicológica do autor.
Vale lembrar que João
Guimarães Rosa juntamente com Clarice Lispector foram dois grandes destaques da
prosa na terceira fase do Modernismo. Extremamente preocupados com a elaboração
da linguagem em seu grau máximo de expressão, são chamados pela crítica de
romancistas instrumentalistas. Une-os ainda o caráter de sondagem psicológica
que insere suas obras entre outras grandes de cunho universalista – isto é, de
abordagem de temas atemporais, que refletem a alma humana. Mas as aproximações
param por aí: enquanto Clarice Lispector intensificava a abordagem psicológica,
afastando seus personagens de um enredo tradicional, Guimarães Rosa
preocupou-se em trabalhar enredo e suspense, descobrindo o místico em
acontecimentos do cotidiano.
A musicalidade na obra de Guimarães Rosa
G “Sou precisamente um escritor que cultiva a idéia antiga, porém sempre moderna, de que o som e o sentido de uma palavra pertencem um ao outro. Vão juntos. A música da língua deve expressar o que a lógica da língua obriga a crer”, afirmou João Guimarães Rosa, dialogando com o crítico alemão Günter Lorenz. As confissões de Rosa a Lorenz evidenciam como o escritor pensava (e sentia) a tensão dinâmica que rege a musicalidade das palavras. O que quer dizer essa musicalidade? Todos os seus significados apresentados pelo Dicionário Houaiss – “caráter, qualidade ou estado do que é musical”; “talento ou sensibilidade para criar ou executar música”; “sensibilidade para apreciar música; conhecimento musical”; “expressão do talento musical de alguém”; e “cadência harmoniosa; ritmo” (Houaiss, 2001) – se mostram oportunos para motivar uma leitura original da obra de Guimarães Rosa.
A prosa do Corpo de
Baile, ao encontrar-se tão próxima da poesia em sua essência e origem,
contém uma disposição musical que transparece e faz soar sentidos inauditos.
Quase desnecessário afirmar que é preciso gostar para dar um acolhimento
amoroso. Gostar, verbo que vem da mesma raiz do grego geúo, quer dizer provar
ou experimentar. Ler em voz alta ou silenciosamente. Circular na tríade que
envolve o leitor, a leitura e o ato de ler. Musicar a obra literária na medida
em que o ritmo da leitura venha trazer inevitáveis sugestões melódicas e
harmônicas. Aproximar-se da sonoridade de cada palavra.
O encadeamento, a abertura das
vogais e a alternância consonantal, por si sós, são elementos que têm como
propriedade dar ao leitor a musicalidade do texto. No entanto, a obra de Rosa
oferece mais. Faz vibrar a celebração poética dos sons constituídos nas palavras.
Sons que prescindem da apreensão representacional do mundo. Palavras que
confluem “na alegria de tudo, como quando tudo era falante, no inteiro dos
campos-gerais...” (Rosa, 1965, p. 67). Poética no transe de sua sagração
sonora, onde o nome e a coisa nomeada se fundem. Unificam-se concomitantemente
no mesmo destino cósmico a presença e o som. Consagram-se.
O papel de Guimarães Rosa na Literatura Brasileira
Críticos como Antônio Cândido,
Cavalcanti Proença e Benedito Nunes perceberam, desde as primeiras publicações
de Rosa, a exuberante e inovadadora riqueza temática, linguística e estrutural
das obras do escritor. Em Grande sertão: veredas, a narrativa radicalmente
inovadora se estrutura como um grande diálogo resultante da entrevista
concedida pelo ex-jagunço Riobaldo a um homem culto que vem de fora para saber
notícias do sertão no tempo da jagunçagem, de suas guerras geradas pelas
truculentas disputas de poder e terras. Trata-se de diálogo, ou monodiálogo, em
que se houve apenas a voz do entrevistado, como se essa fosse a hora e a vez de
um sujeito subalterno pronunciar sua versão da história.
Do ponto de vista linguístico,
Guimarães Rosa operou grandes transformações na sintaxe, na morfologia, nos
usos literários em geral, tendo em vista a forma como tais padrões eram
empregados até então na literatura brasileira. Além de fragmentar a linearidade
das frases para, por exemplo, sugerir a descontinuidade do tempo ou da
linguagem oral, ele cria neologismos ou recupera arcaísmos já esquecidos da
língua portuguesa. Vale-se, ainda, de construções de palavras que implicam a
aglutinação de dois ou mais idiomas no sentido de obrigar sua língua literária
a dizer e significar mais do que o habitual, de criar situações inusitadas, de
instituir uma espécie de princípio, de inteligibilidade universal, não apenas
para sua língua, mas também para os espaços e contextos em que personagens
estrangeiros conseguem interagir.
Fonte: José
Vinícius Pessoa, Mestre e doutorando em Letras pela UFRJ
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