1.RUBEM BRAGA
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RUBEM BRAGA
Rubem Braga (Cachoeiro de Itapemirim, 12
de janeiro de 1913 — Rio de Janeiro, 19 de dezembro de 1990) foi um escritor
lembrado como um dos melhores cronistas brasileiros.[1] Era irmão do poeta e
jornalista Newton Braga.
Biografia
Iniciou-se no jornalismo profissional
ainda estudante, aos 15 anos, no Correio do Sul, de Cachoeiro de Itapemirim,
fazendo reportagens e assinando crônicas diárias no jornal Diário da Tarde.
Formou-se bacharel pela Faculdade de Direito de Belo Horizonte em 1932, mas
não exerceu a profissão. Neste mesmo ano, cobriu a Revolução
Constitucionalista deflagrada em São Paulo, na qual chegou a ser preso.
Transferindo-se para Recife, dirigiu a página de crônicas policiais no Diário
de Pernambuco. Nesta cidade, fundou o periódico Folha do Povo. Em 1936 lançou
seu primeiro livro de crônicas, O Conde e o Passarinho, e fundou em São Paulo
a revista Problemas, além de outras. Durante a Segunda Guerra Mundial, atuou
como correspondente de guerra junto à F.E.B. (Força Expedicionária
Brasileira).
Rubem Braga fez diversas viagens ao
exterior, onde desempenhou função diplomática em Rabat, a capital do
Marrocos, atuando também como correspondente de jornais brasileiros. Após
seu regresso, exerceu o jornalismo em várias cidades do país, fixando
domicílio no Rio de Janeiro, onde escreveu crônicas e críticas literárias
para o Jornal Hoje, da Rede Globo de Televisão. Sua vida como jornalista
registra a colaboração em inúmeros periódicos, além da participação em
várias antologias, entre elas a Antologia dos Poetas Contemporâneos.
- CaracterÍsticas:
-
Resgate dos pequenos momentos do cotidiano e seu potencial de vida e
significado oculto e humano;
-
Forte lirismo reflexivo;
-
Linguagem despojada, direta, sem adjetivações e enfeites, ágil, viva, com
refinado senso de humor, às vezes melancólica.
Homenagem
Foi inaugurada no dia 30 de junho de 2010
a terceira saída da estação General Osório do Metrô em Ipanema, na Zona Sul
da cidade do Rio de Janeiro. O novo acesso, que conta com duas torres com
dois elevadores ligando a Rua Barão da Torre ao Morro do Cantagalo, recebeu o
nome de Complexo Rubem Braga, em homenagem ao escritor que por anos morou na
cobertura do prédio vizinho à estação.
Obras
Crônicas:
O
Conde e o Passarinho, O Morro do Isolamento, Com a FEB na Itália, Um Pé de
Milho, O Homem Rouco, 50 Crônicas Escolhidas,Três Primitivos, A Borboleta
Amarela, A Cidade e a Roça,100 Crônicas Escolhidas, Ai de ti, Copacabana, O
Conde e o Passarinho e O Morro do Isolamento, A Cidade e a Roça e os Três
Primitivos, A Traição das Elegantes, Crônicas do Espírito Santo, As Boas
Coisas da Vida,O Verão e as Mulheres, 200 Crônicas Escolhidas, Casa dos
Braga: Memória de Infância (destinado ao público juvenil), Um episódio em
Porto Alegre (Uma fada no front), Histórias do Homem Rouco, Os melhores
contos de Rubem Braga (seleção David Arrigucci), O Menino e o Tuim, Recado de
Primavera, Um Cartão de Paris, Pequena Antologia do Braga, O Padeiro.
Adaptações
O
Livro de Ouro dos Contos Russos
Os
Melhores Poemas de Casimiro de Abreu (Seleção e Prefácio)
Coleção
Reencontro Audiolivro - Cirano de Bergerac - Edmond Rostand
Coleção
Reencontro: As Aventuras Prodigiosas de Tartarin de Tarascon Alphonse Daudet
Coleção
Reencontro: Os Lusíadas - Luis de Camões (com Edson Braga)
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Rubem Braga: o
maior cronista brasileiro do século 20
Conheça mais sobre a vida e a obra do jornalista e escritor de Cachoeiro
de Itapemirim, cujo centenário de nascimento é comemorado no dia 13 de janeiro
de 2013. Para os críticos, Braga é sinônimo do gênero literário que consagrou,
a crônica.
Há 23 anos, o escritor
capixaba Rubem Braga recebeu a chegada da morte, assim como escolheu passar a
vida. Em seu apartamento em Ipanema, o cronista e jornalista convidou alguns
amigos, despediu-se aos poucos e morreu sozinho, vítima de um tumor na laringe
que optou por não tratar nem cirúrgica, nem quimicamente. Em um de seus últimos
textos,
Rubem escreveu:
Hoje venta noroeste, amanhã é
lua cheia. Depois virão outras luas e outros ventos, mas isso também é fútil.
Pois um dia as luas podem girar no céu e os ventos rodarão na terra com
meiguice ou fúria, e isso não te importará, como também, tudo o que foi. Por
que, então, te afliges agora? Que a brisa do mar invente espumas, e depois
venham as chuvas frias, o sol e depois no céu limpo suba, imensa, a lua - não
pense que isto tenha a ver contigo. Não existes. Nada tem a ver contigo.
A amostra dá uma pequena noção do
potencial narrativo do escritor, considerado o maior cronista brasileiro de
todos os tempos. No século 19 Machado de Assis escreveu crônicas
imprescindíveis para um bom leitor, mas o fez em número menor que Braga, o que
torna o capixaba quase sinônimo do gênero literário que o consagrou.
Formado em Direito, Rubem
Braga jamais exerceu a profissão, devotando-se às crônicas e ao jornalismo -
atividades que o acompanharam até os últimos dias de vida. O escritor chegou a
ser correspondente da Revolução Constitucionalista de 1932 para o jornal mineiro
"Diários Associados", do grupo de Assis Chateaubriand.
Em 1961, Braga deixou o Brasil
por três anos para se tornar embaixador do país em Marrocos, sem nunca parar de
escrever. Ao todo, em sua vida, foram mais de 15 mil crônicas, todas elas
marcadas pela linguagem coloquial e por temas simples, como a vida no campo e a
natureza, em contraposição à urbanidade e aos compromissos sociais da vida
adulta.
Na crônica Natal, publicada no
livro A Borboleta Amarela (Editora Record, 160 páginas), Rubem
Braga demonstra uma das principais características de sua personalidade,
refletida em toda a obra: a vida solitária, que conferiu a ele o estigma de um
homem introspectivo e avesso ao convívio social. "Sinto uma grande ternura
pelas pessoas; sou um homem sozinho, numa noite quieta, junto de folhagens
úmidas, bebendo gravemente em honra de muitas pessoas", escreveu.
Quando o assunto é crônica, Braga foi um divisor de águas
Para o escritor e professor de
literatura da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), no Paraná, Miguel
Sanches Neto, "a crônica literária no Brasil divide-se em antes e depois
de Rubem Braga". Até o século 19, a crônica era vista como um gênero
literário menor, e os escritores dedicavam-se muito pouco a este tipo de texto.
"Rubem Braga fez da crônica o gênero da sua vida, com excelência",
comenta o professor.
A obra de Braga conferiu um
novo status à crônica. Depois de seus textos, o gênero passou a ser reconhecido
mesmo entre os críticos. "As crônicas de Machado e, de boa parte dos
escritores do século 19, tinham um tom mais seco, quase jornalístico e eram
cheias de referências históricas, próximas do gênero que hoje conhecemos como
jornalismo literário. Rubem Braga conferiu à crônica o lirismo, a poesia e a
leveza que antes não existiam", explica Sanches Neto.
A crônica como gênero
literário
Após o Modernismo e com a ascensão da
chamada geração de 1930 - de Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Moraes,
Graciliano Ramos, Cecília Meirelles, Rachel de Queirós, Jorge Amado, entre
outros -, escritores, ficcionistas e poetas brasileiros passaram a valorizar
características da oralidade e do cotidiano na prosa e na poesia. Esta mudança
de estilo contribuiu para que a crônica passasse a ser cada vez mais aceita
como gênero. E Braga soube capitanear essa mudança, ao levar para as páginas
dos jornais uma literatura mais prosaica.
Rubem Braga não quis ser outra coisa além de cronista. Colocou em seus
textos um ideal de simplicidade literária, que o torna o maior expoente do seu
gênero e uma das grandes influências da literatura brasileira - mesmo as
poesias de Drummond e Mário Quintana bebem das crônicas, colocando-as em verso.
acervo.novaescola.org.br/.../rubem-braga-maior-cronista-brasileiro-seculo-20-730755.
MODERNISMO E
CONTEMPORANEIDADE NAS CRÔNICAS DE RUBEM BRAGA E ARNALDO JABOR
Cleber
José de Oliveira (CV)
Rogério Silva Pereira
cleberolivera@hotmail.com
RESUMO:
Esse
trabalho compara crônicas de Rubem Braga e Arnaldo Jabor, respectivamente,
cronistas modernista e contemporâneo. Assume que seus textos são crônicas de
momentos histórico-discursivos diferentes, e de relações de comunicação
literárias diferentes – realizando isso à luz de Bakhtin (2002); mostra as
especificidades e continuidades desses momentos em um e outro autor, tentando
contribuir para uma hipótese geral, a saber: em que medida é possível demarcar
fronteiras críticas entre a literatura modernista e a literatura contemporânea.
Palavras-chave: crônica brasileira,
modernismo, contemporaneidade, fronteiras
RUBEM BRAGA E A
CRÔNICA MODERNISTA
O Modernismo, tradicionalmente e segundo a
crítica, inicia-se no Brasil a partir da Semana de Arte Moderna de 1922, sob a
bandeira da valorização do nacional, principalmente da cultura popular, e sob
uma tensa relação com as manifestações artísticas, culturais e ideológicas advindas
da Europa (CANDIDO, 1975). Nesse contexto, germinam diversas obras literárias,
entre elas Macunaíma (1928) de Mario de Andrade, no qual o autor reúne a
miscigenação do povo brasileiro e sua cultura em torno do personagem que dá
nome ao romance (ANDRADE,1928), com intuito de, junto a outras expressões
artísticas, consolidar uma identidade brasileira, dentro de um projeto de nação
(CANDIDO, 2000) em que a cultura popular tem status de alicerce da
nacionalidade. Para que isso se tornasse um fato, o outro Andrade, Oswald,
entendia que era “preciso manter e exaltar os caracteres brasileiros e destruir
os importados”(ANDRADE, In: Manifesto Antropofágico, 1928).
Diante
disto, e sob a luz de alguns teóricos (CANDIDO, 2000; MICELI 2001, WALTY,
2001), sabemos que o modernismo brasileiro esteve ligado de várias formas à
consolidação da nação brasileira ao longo do séc. XX. Seus artistas estiveram
ligados ao Estado Brasileiro, e as linhas gerais dos vários projetos do
Modernismo estando também ligados à constituição de um conceito de povo
brasileiro, projeto ideológico e nacional por definição (MICELI, 2001; CANDIDO,
2000). Entendemos que alguns escritores modernistas, em nome deste projeto,
assumiram determinadas funções, sendo representar o povo e mediar as relações
entre povo e poder algumas dessas funções.
De posse dessas informações, e, por meio da
analise das crônicas, “A Palavra” (1959); e
“O Padeiro” (1956) que estão reunidas no livro Ai de ti, Copacabana
(1999). Buscaremos obter indícios a respeito dessas características modernistas
presentes em Rubem Braga. E também como são construídas as relações de mediação
e representação entre o que aqui chamaremos de “o cronista”, sendo este, a voz
que se manifesta nas crônicas citadas, e, seu publico leitor. Comecemos com um
trecho da crônica “A Palavra”:
Tanto que tenho
falado, tanto que tenho escrito – como não imaginar que, sem querer feri
alguém? Às vezes sinto, numa pessoa que acabo de conhecer, uma hostilidade
surda, ou uma reticência de magoas. Imprudente ofício é este, de viver em voz
alta. (BRAGA, 1999,p 157, grifo nosso).
Neste primeiro trecho de “A Palavra” o
cronista com seu olhar treinado no jornal para flagrar as “insignificâncias” do
cotidiano (Cf.ARRIGUCCI,1987), tenta intuir a hostilidade e a magoa em alguns
de seus leitores. Agindo reflexivamente
o cronista chega a afirmar que seu oficio é imprudente às vezes, vide grifo.
Num tom de lamento e com certa angustia tenta nos convencer que, tendo
eventualmente magoado esse ou aquele leitor, não o fez com intenção: “Como não
imaginar que sem querer feri alguém”. Aqui aparece um cronista preocupado com
seu leitor, ansioso por se comunicar com esse leitor da melhor maneira
possível; um cronista que acaba explicitando essa preocupação.
Vejamos
este segundo trecho da mesma crônica:
Às vezes, também a gente tem o consolo de
saber que alguma coisa que se disse por acaso ajudou alguém a se reconciliar
consigo mesmo ou com a sua vida de cada dia; a sonhar um pouco. Agora sei que
outro dia disse uma palavra que fez bem a alguém [...] (BRAGA, 1999,p 157).
Aqui, segue o tom. O cronista continua se
manifestando como alguém preocupado com o bem estar das pessoas, dos leitores.
Ressalta que seu objetivo é trazer um pouco mais de alegria e sonho a vida
destes, por meio deste mesmo oficio de cronista. O que se vê, nesse sentido é
que o cronista vai constituindo uma relação de empatia com seu leitor e, além
disso, a todo o momento realça o contato entre ambos.
A pergunta que ressalta neste ponto é:
“quem é esse leitor?” Podemos dizer, genericamente que esse leitor é o público
consumidor de jornais dos anos 50 e 60, que é o período em que Braga escreve. O
tom de preocupação não é casual e isolado. Ao contrário, perpassa todo o conjunto das crônicas presentes em Ai
de ti Copacabana. O que veremos mais à frente é que Braga é mais do que figura
preocupado em entreter seu leitor; sua preocupação não é mera retórica. Braga é
figura central, “empenhada” em construir e consolidar uma sociedade brasileira
em que pobre o excluído social tenham lugar – e isso na esteira do Modernismo
político-literário daquele período. Essa discussão fica mais clara à frente.
Ainda em “A Palavra” constatamos o caráter
de mediação assumido pelo cronista, sobre isso observemos essa passagem:
Tenho uma amiga que certa vez ganhou um
canário [...] Mas o canário não cantava [...] Um dia minha amiga estava sozinha
em casa, distraída, e assobiou uma pequena frase melódica de Beethoven – e o
canário começou a cantar alegremente. Uma frase espontânea e distraída [...]
agora sei que alguma coisa que eu disse distraído – talvez palavras de algum
poeta antigo – foi despertar melodias dentro da alma de alguém [...] E isso
fizesse bem ao coração do povo; iluminasse um pouco as suas pobres choupanas e
as suas remotas esperanças [...] (BRAGA, 1999,p 157)
Note-se que toda a representação textual se
constrói de forma a parecer displicente, despretensiosa, vide o uso recorrente
do vocábulo “distraído”. Porém, se atentarmos um pouco mais, buscando a
profundidade do texto, podemos perceber o empenho do cronista para se
configurar como espécie de mediador e representante do povo. Podemos ver isso
representado no quadro abaixo:
Povo e
Canário Cronista
e Amiga
Poeta Antigo e Beethoven
Cultura Popular Mediador Cultura Erudita
Observe-se as correspondências. Entre o
canário mudo que deveria cantar melodias simples e Beethoven, aquele que compõe
grandes sinfonias, está a Amiga, espécie de estimuladora e de mediadora que
levaria a sinfonia de Beethoven até o canário. Da mesma forma, entre o povo que
tem o coração desesperançado e o Poeta Antigo que compôs versos de esperança,
está o cronista, também figurando como espécie de estimulador e de mediador e
que traria os versos de esperança até o povo. Num esquema mais amplo, podemos pensar
no canário (o passarinho amarelo) e no povo como dimensões da cultura popular,
enquanto que Beethoven e o Poeta Antigo seriam os representantes da cultura
Erudita – e que estariam eventualmente distante do povo. Nesses termos, o
cronista, aqui entendido como mediador, tomaria para si a função de aproximar
as duas culturas, de fazer a mediação entre a cultura popular e a cultura
erudita. Não é preciso ir muito longe para se concluir que estamos diante de
uma síntese central da ideologia nacionalista do Modernismo de 22 e de seus
desdobramentos. Nessa ideologia o intectual tinha a função de mediar, como
vimos, as relações entre as diversas classes sociais e entre povo e poder
(Estado). A se pensar com Antonio Candido isso é verdadeiro. Essa função auto-atribuída
pelo cronista, em seu ponto de vista, é uma virtude. O cronista, assim, como
muitos dos intelectuais modernistas engajados no projeto de nação brasileira,
seria também uma espécie de missionário empenhado com o desenvolvimento
(político, social, econômico) de sua comunidade ( CANDIDO, 1975). Dentre suas
funções estaria a de mediar às relações entre povo e poder. Ou como diz
Arrigucci Jr, o cronista através de seu texto faz da solidariedade social um
valor básico ( ARRIGUCCI, 2001).
Em
boa parte de sua produção, Braga quer sugerir que está na mesma condição do
povo, como se pode observar no trecho seguinte da crônica O Padeiro:
[...] me lembro de um
homem modesto. Que quando vinha deixar o pão à porta do apartamento [...]
avisava gritando: -Não é ninguém, é o padeiro! Interroguei-o uma vez: “então
você não é ninguém?”. Explicou: -Muitas vezes ouvia a pessoa que o atendera
dizer: “não é ninguém, é o padeiro” [...]
Eu não quis detê-lo para explicar que estava falando com um colega,
ainda que menos importante. Naquele tempo eu também, como os padeiros, fazia o
trabalho noturno [...] E recebi dentro do meu coração a lição de humildade
daquele homem entre todos útil e entre todos alegre; “ não é ninguém é o
padeiro!.”[...] Era pela madrugada que deixava a redação de jornal [...] muitas
vezes saia levando na mão um dos primeiros exemplares rodados, o jornal ainda
quentinho da maquina, como pão saído do forno [...] além de reportagens ou
notas que eu escrevera sem assinar, ia uma crônica com meu nome. O jornal e o
pão estariam bem cedinho na porta de cada lar [...] (BRAGA, 1999, p 37).
Aqui, Braga coloca em evidência a vida de
um simples e anônimo homem do povo - no caso um padeiro, que entendemos ser a
representação de toda uma classe social, a dos trabalhadores mais humildes.
Esta postura é assumida por Rubem Braga e pela grande maioria dos cronistas que
escreveram entre as décadas de 50 e 80 ( ARRIGUCCI, 1987), momento da vida
brasileira entendido como sendo a fase de ouro da crônica nacional (SIMON, 2006). Momento em que se
propõem várias discussões em torno da inclusão social na esteira do modernismo
literário, do populismo, do desenvolvimentismo, etc. Nesse período circulam
além das crônicas de Rubem Braga, as de Carlos Drummond de Andrade, Stanislaw
Ponte Preta, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, dentre outros, escritores de
estilo reconhecidamente modernista, e que têm a referida preocupação de
inclusão expressa acima.
A crônica em questão se estrutura de modo
coerente com o restante das crônicas de Rubem Braga e com o projeto
estético-político em que está inserido – nesse caso, o Modernismo brasileiro e
essa sua preocupação com a inclusão.Ainda sobre o trecho, vemos que o cronista
tenta uma aproximação com o padeiro, buscando afinidade e empatia.
Pode-se
aqui também ser esboçado um quadro de correspondências entre cronista e
padeiro, crônica e pão , e, de oposições.
Padeiro
Homem do povo Trabalhador humilde / braçal O pão:bem concreto Útil
Artesão
Cronista Elite
Trabalhador intelectual A
crônica: bem imaterial supérfluo Escritor
O esforço de Braga é o de relativizar as
diferenças milenares entre os ofícios. O padeiro artesão, ligado ao trabalho
braçal, se opõe ao artista, o escritor cronista, ligado ao trabalho
intelectual; o útil, “o pão nosso de cada dia”, se opõe ao supérfluo que é a
arte (sobretudo a crônica, cujo caráter artístico se põe sempre em questão) –
etc. Aproximando ofícios, Braga também aproxima classes sociais: padeiro e
cronista pertencem a classes sociais distintas, uma pertence ao mundo do
trabalho mal remunerado das classes sociais subalternas, o outro, ainda que,
eventualmente empobrecido, ou mesmo pobre, circula nas classes sociais médias e
altas. Um, não raro é não-letrado; o outro, por definição deve se letrado.
Sobretudo nos anos 50, quando essa crônica é escrita, essas diferenças são
muito mais expressivas que nos dias de hoje. De resto, o letramento no Brasil
sempre foi índice de pertencimento à elite cultura, econômica e material – claro
que com raríssimas exceções.
A crônica ganha, por outro lado status de
bem necessário, tanto quanto “o pão nosso de cada dia”. A crônica então aparece
como o alimento do espírito, assim como o pão é o alimento do corpo. A crônica
é balsamo ligeiro que aquece o espírito e traz alivio e esperança ao coração do
povo, como vimos em “A palavra”, analisada acima. O que se vê também, é o
cronista tentando fazer-se útil, como se sua tarefa não fosse meramente a de
entreter e divertir. No limite, o pão, metonímia da comunhão entre homens
(lembremos o pão da eucaristia cristã), empresta à crônica sua capacidade de
unir, de tornar “colegas” padeiro e cronista, de torná-los “companheiros”
(lembremos aqui também que na palavra “companheiro” está a palavra “pão”; a etimologia
de “companheiro” remonta a “compartilhar o pão”).
Além disso, no trecho, destaca-se a
reflexão sobre a humildade. O cronista recebe do padeiro uma lição de humilde:
o padeiro é ninguém – e o cronista, escritor-autor de reportagens que por vezes
sequer assina, é também figura anônima. O cronista, nessa linha, permite-se
aprender com o homem do povo e transmite a lição que aprende ao seu leitor.
Outro aspecto importante. O cronista
aprende “por acaso”, aprende de ouvido. O padeiro, sem ser um especialista, de
repente ensina ao cronista. E este tem a sensibilidade de aprender, de perceber
nas palavras do padeiro uma lição. Aqui, novamente uma ética do acaso, que
vemos em crônicas acima analisadas (ex., “A Palavra”). As lições que recebe
vêem-lhe quase sempre por acaso, através das coisas e das pessoas mais simples;
aprende-se sem que pessoas e coisas queiram dar lições ao cronista.
Por
meio das analises feitas até aqui, já se pode esboçar um perfil da voz que fala
nas crônicas de Rubem Braga. Pode-se dizer que Braga fora influenciado pelos
preceitos modernistas da década de 20 e 30, principalmente no que diz respeito
à estilização de uma linguagem simples, criada para comunicar à moda Brasileira
(CANDIDO, 1981-4). Braga nesse aspecto é o cronista por excelência; conseguindo
reconhecimento como literato exclusivamente por suas crônicas, conseguiu também
imprimir em suas crônicas um tom displicente, de quem esta falando coisas sem
maior conseqüência, como se pusesse de lado à preocupação com o lado verídico
do assunto abordado em sua crônica e do veiculo que a projeta (ARRIGUCCI,
1987). Com isso tornou-se o referencial da crônica nacional despertando a
admiração na critica literária nacional como afirma Davi Arrigucci Junior:
[...] A sensibilidade
de Braga para a poesia das coisas parece ter-se aguçado no trato profundo com o
próprio meio moderno que escolheu para se exprimir, como se o jornal lhe
tivesse afinado o senso do instantâneo e do perecível. É muito raro ver um
cronista descrever seu dia de caminhada sob o céu azul, à maneira de um Braga
[...] (ARRIGUCCI JR. 1987, p. 49).
Em síntese, as crônicas, até aqui
analisadas, configuram a visão social de um autor que colocou seu talento em
prol de um projeto que valoriza o popular e tenta atenuar as diferenças entre
as classes. Pois, num país como o Brasil, onde se costuma identificar
superioridade intelectual e literária devido ao nível de requinte gramatical
utilizado na escrita, Braga por meio de suas crônicas operou facetas de
simplificação e naturalidade neste gênero discursivo. Neste sentido Rubem Braga
é um legitimo intelectual comprometido com o projeto ideológico modernista dos
anos 50 e 60. Por isso, em suas crônicas é recorrente a tentativa de amenizar
as diferenças entre classes sociais distintas, ou seja, o cronista em Rubem
Braga escreve sob a perspectiva de um projeto que tentou concretizar uma
comunidade nacional, uma nação brasileira.
ARNALDO JABOR E A CRÔNICA CONTEMPORÂNEA
Segundo
alguns críticos a crônica contemporânea brasileira ao se distanciar de algumas
características, perdeu parte do êxito que fora conquistado entre as décadas de
50 a 80 (ARRIGUCCI JR., 2001; SIMON, 2006). De fato, passando os olhos pela
produção atual, vemos que alguns cronistas contemporâneos abdicaram destas características.
Tomemos como exemplo as crônicas de José Simão publicadas diariamente na Folha
de São Paulo:
Buemba!
Buemba! Macaco Simão Urgente! Direto do
País da Piada Pronta! Dólar esta derretendo, afirma Guido Mantega! O dólar está
‘desmantegando’! E olha a declaração do ministro Jobim: “Vira copos é o
objetivo do governo federal” E o Lula: “ Então vira mais um ai”. Rarará! E, se
é pra relaxar e gozar, muda o nome para Viracopulas [...] É mole? É mole mas
sobe. Ou como diz aquele outro, é mole, mas trisca pra ver o que acontece!
Rarará. (simão@uol.com.br) (SIMAO, FOLHA DE SÃO PAULO, 2007, grifo nosso)
Este trecho ilustra a afirmação dos
críticos no que diz respeito às diferenças entre crônica modernista e crônica
contemporânea. A primeira diferença (a) se refere à linguagem que, em Braga, é
permeada pela literariedade e pela ficcionalidade, como vimos em Braga e como
atestam alguns importantes críticos (CANDIDO, 1981; ARRIGUCCI JR., 1987).
Diferentemente, em Simão, essas características são exoneradas e substituídas
pelo sarcasmo, coloquialismo vulgar, pela sátira e pelas acidas criticas ao
sistema social e seus governantes, atingindo quase o escracho inconseqüente.
Neste sentido, pode-se afirmar que José Simão, em suas crônicas, não é
comprometido com o literário, já que esta característica também é excluída de
sua escrita, como um todo.
A segunda diferença (b) é a forma de
contato entre cronista e leitor, agora mais dinâmica graças à Internet. Prova
disto é o endereço eletrônico disponibilizado para contato, vide grifo. Com
isso, Simão configura, a seu modo, uma “mão dupla” em sua crônica, no sentido
de contato com o leitor. Se em Braga, como vimos, o esforço do cronista é o de
trazer o leitor para dentro da própria crônica, isso não desaparece em Simão,
mas com nuances bem típicas da contemporaneidade – caso do e-mail ali grafado.
Porém,
na produção de alguns cronistas que escrevem na contemporaneidade, pode-se
notar um esforço para manter em suas crônicas certas características
modernistas, entre elas a literariedade, como informa Simom “Cabe reconhecer
que a concepção de uma crônica que mantém características literárias e/ou
ficcionais sobrevive nos dias atuais, ainda que com menos intensidade” (SIMOM,
2006, p.164). Diante disso, pode-se dizer que alguns cronistas contemporâneos
acabaram sendo (e/ou deixando-se ser) influenciados a escreverem à moda
modernista, talvez por beberem na fonte de cronistas como Rubem Braga, Carlos
Drummond de Andrade, Fernando Sabino, entre outros.
Depois destas ponderações, partiremos em
busca de possíveis indícios que nos ajudem a descortinar se Arnaldo Jabor pode
ser considerado um contemporâneo que escreve à moda modernista ou se o mesmo
distancia-se destes. Para isso analisaremos algumas de suas crônicas. Mas,
antes disso, observemos o que diz Joaquim Ferreira dos Santos sobre o autor:
[...] Jabor é
reconhecidamente um cronista político, seus textos são tão exaltados quanto
seus discursos anti-Bush, têm o poder de despertar, inquietar, polemizar.
Ácidos, vorazes, estão sempre sintonizados com os assuntos que mexem com a vida
dos brasileiros e brasileiras. Mas em alguns de seus textos o autor revela um
lirismo, rodriguiano. Aposta ele, que “mais que o poder, o amor é uma ilusão
sem a qual não podemos viver” (SANTOS, 2007, p.77).
A crônica de Jabor, a se pensar com
Santos, e tendo em vista os títulos de seus dois últimos livros de crônica Amor
é prosa sexo é poesia (2004) e Pornopolítica:paixões e taras na vida brasileira
(2006),indicam isso, é, sem dúvida, uma crônica político-cultural. Um de seus
motes favoritos é comparar a contemporaneidade política e cultural com sua
experiência pessoal como militante nos anos 60 e 70.
Ainda,
seguindo Santos, Jabor sempre fala do seu tempo – e isso é marca da crônica de
Jabor. Ele é contemporâneo. Sua crônica é de fato política e desce fundo ao
rés-do-chão ao tocar em assuntos a quente, assuntos que pouco duram no
noticiário. Entretanto, seus livros publicados (são dois até agora) dão
testemunha de uma crônica que, apesar de presa a seu tempo, tem intenção de
permanecer. Nesses termos, é preciso perguntar se Jabor abdica como Simão disso
que estamos chamando de literariedade e se de fato o tempo presente é sua
exclusiva preocupação. Com esse espírito abordaremos algumas delas.
De posse desta consideração, analisaremos
trechos de “O mandacaru na sala de jantar”:
[...] O leitor já viu
um mandacaru? Esse deve ter um metro e setenta, com três braços abertos [...] à
noite, quando chego no apartamento e o vejo em sua discreta vigília me
esperando. Dou-lhe um “olá” [...] durmo e sei que há dois viventes em casa. Eu
e ele [...] aprendo com ele a resistir
aos ataques que têm me ferido pela incompreensão do amor virado em ódio (JABOR, 2006, p. 37, grifo nosso).
Note-se no grifo que o cronista traz o
“leitor” para dentro do seu texto, ao modo aliás de muitas crônicas
modernistas. Incita este leitor a participar de seu texto e ao mesmo tempo a
refletir sobre o objeto em questão, neste caso o mandacaru. Pode-se dizer que
se estabelece um “diálogo” entre cronista e leitor, e que este diálogo (contato
com leitor) se configura diferente do proposto por José Simão, apesar de
escreverem no mesmo contexto, a contemporaneidade. Diante disso, pode-se dizer
que Jabor procura manter um diálogo horizontal com seu leitor, ao modo de Rubem
Braga. Além disso, o cronista explicita a condição de isolamento do homem
contemporâneo em relação ao outro. No trecho, o cronista apresenta-se como
alguém que vive em meio à solidão do cotidiano metropolitano. Com isso
espera-se uma identificação do leitor com ele (cronista), já que esse é o
cotidiano de muitos leitores que moram nos grandes centros urbanos.
Um
outro trecho da mesma crônica no qual aparecem outras características:
[...] não é um cáctus
qualquer; é um personagem do Nordeste [...] À sua volta abre-se um Nordeste em
minha sala, lembrança de retirantes, vaqueiros, cangaço, Lampião e Graciliano.
Ele me religa com uma natureza sem exuberâncias, sem românticas esperanças
ecológicas, mas uma natureza viril, discreta, [...] me trazendo um sentimento
de coragem para enfrentar essa paralisia nacional que finge ser dinâmica, mas
que apenas roda no mesmo erro, como um aleijado caído no chão, girando em volta
de si mesmo” ( JABOR, 2006, p.38)
Difícil não ver aqui um diálogo com o
Modernismo, sobretudo, nas imagens que lembram o poema “O Cacto” (1925), de
Manuel Bandeira, e o romance Vidas Secas (1938), de Graciliano Ramos - neste
ultimo, na evocação de imagens do sertão nordestino, na miséria decorrente daí,
além dos seus retirantes. Tudo isso no quadro de uma discussão a respeito da
inclusão e de um olhar sobre o marginal. Neste sentido, Jabor apresenta mais
uma característica recorrente em Braga, a saber, a identificação e o contato
com a cultura popular e, consequentemente, com o povo.
O misto de literatura e jornalismo é outra
característica que se destaca nesta crônica, pois ao mesmo tempo em que o
cronista descreve, com certo lirismo, sua relação com o mandacaru e o ambiente
nordestino, critica a uma pretensa “paralisia” da vida brasileira. Em suma,
nesta crônica o mundo real é traduzido sob um olhar literário, assim Jabor se
configura, além de jornalista, como homem que conhece grandes autores e obras
da literatura brasileira, esta última especificidade, como constatamos
anteriormente, está ausente em José Simão, porém muito presente em Rubem Braga.
O híbrido de gêneros discursivos (literatura e jornalismo) é uma característica
marcante do gênero crônica, como vimos no início deste trabalho.
Vejamos o que nos mostra este fragmento de
“1964: o sonho e o pesadelo”:
[...] 1964, enquanto
a UNE arde em fogo penso: Ali estão queimando nossos sonhos, a libertação do
proletariado, queima um Brasil cordial que me parecia fácil de mudar, um Brasil
feito de slogans, idéias prontas e esperanças românticas [...] agora cercado de
carros de combate, vejo que o mundo mudou. Me sinto como se tivesse acordado de
um sonho para um pesadelo ( JABOR, 2006, p. 29, grifo nosso)
Aqui a linguagem literária se faz presente
de modo significativo em contraste com a linguagem jornalística, que, sabemos,
convivem dentro da crônica. Note-se o uso das categorias temporais, sobretudo
os verbos, nos grifos: “arde”, “penso”, “vejo”, etc. Um texto jornalístico
raramente é escrito assim. Ele usaria, no caso dos verbos, o pretérito
perfeito, um presente acabado, ou seja: “ardeu”, “pensei”, “vi”. Note-se também
o uso da data “1964” e do dêitico “ali” (vide grifo). A crônica em questão foi
escrita em 2005 e publicada em 2006. Quando escreve “1964”, o cronista obriga o
leitor a voltar ao passado. O discurso literário se faz presente na medida em
que o cronista organiza o fato passado como estando ocorrendo no presente. Os
fatos estão sendo representados como se tivessem acontecendo logo “ali”. Enfim,
cronista e leitor estão, através da crônica habitando tempo e espaço iguais.
Vê-se aqui os recursos lingüísticos – é
preciso dizer: literários – que usa o cronista para apresentar-se como
testemunha ocular de dois fatos que marcaram a história de nosso país, o
incêndio do prédio da UNE em 31 de março 1964 e a instalação do regime militar
no mesmo dia. Jabor, de fato, foi militante de esquerda nos idos dos anos 60 e
secundou várias das manifestações políticas importantes contra o regime
militar. Na crônica, presente e passado, o Jabor jovem e o maduro, o
ex-militante e o cronista se tornam pelo uso literário da linguagem um só.
Note-se que, a se depender da linguagem jornalística isso dificilmente poderia
ser realizado. Este tipo de linguagem faz questão de separar com linhas muito
claras sujeito e objeto, presente e passado, para delimitar com a dita
objetividade jornalística o fato literário.
Dando seqüência à análise. No trecho, o
cronista deixa claro que tem consciência das mudanças sociais que estão
acontecendo ao seu redor naquele momento e entende que essas mudanças se dão à
revelia do povo. Exprime com melancolia a perda de ideais que pareciam estar
prestes a serem concretizados tal como a igualdade e liberdade social para o
povo. As frustrações em relação ao
passado ficam evidentes. Esse sentimento de frustração com a não concretização
de certas utopias se faz muito presente nas crônicas de Jabor, como se o
cronista refletisse em suas crônicas as desilusões provocadas pelo declínio do
projeto modernista.
De fato, Jabor vê o presente brasileiro à
luz do passado vivido por ele próprio. Porém mais que isso, há um esforço, como
visto acima, de justapor passado e presente até no nível da linguagem.
Entretanto, seu Brasil presente surge degrado – ou seja, pior do que o Brasil
de seu passado.
Continuemos a analise, agora com um trecho
de “A miséria está fora de moda”:
A miséria armada está
nos fazendo esquecer da miséria indefesa. Com a onda de violência, perdemos a
compaixão pelos pobres [...] o erro dos que desejam acabar com a miséria é
achar que ela está do “lado de fora” de nossa vida. A miséria não está nas periferias
e favelas; está no centro de nossa vida brasileira. Somos uns miseráveis
cercados de miseráveis por todos os lados. (JABOR, 2006, p. 143, grifo nosso)
Como se vê, nos trechos acima, o cronista
demonstra preocupação com a condição do “proletariado”, dos “pobres” e dos
“miseráveis” do qual ele diz fazer parte. Nessa perspectiva, pode-se dizer que
aquele esforço de se parecer com o povo, entrevisto em Braga, está também
presente em Jabor, vide grifos. “Somos
uns miseráveis”, ele diz. Novamente vemos a fórmula: um homem de classe média,
letrado, olhando para o povo e se medindo com ele – como na crônica “O padeiro”
de Braga, vista acima. Mas aqui é preciso marcar diferenças.
Os contextos sociais de Braga e de Jabor
são muito diferentes. Aquilo que se idealizava no tempo de Braga acabou por não
se concretizar no presente – este sendo o próprio contexto de Jabor. No
contexto de Braga, assemelhar-se a um padeiro, metonímia das classes baixas,
era uma forma de atenuar diferenças visando um projeto de nação – Braga, como
vimos, visava aplainar (ao menos no seu discurso) as diferenças sociais. Em
Jabor, assemelhar-se com os miseráveis é atestar a decadência da vida
contemporânea, em que a nação idealizada pelos modernistas, uma nação em que
pobres e ricos se confraternizariam, acabou por não se configurar. Em que o
homem se tornou máquina e é obrigado a produzir como máquina, ou nas palavras
do próprio Jabor: “a tecnologia nos enfiou uma lógica de fábricas, fábricas
vivas (JABOR, 2006, p. 163). Quando pode, Jabor traz o lirismo, a poesia, as
belas imagens cunhadas pelos “grandes autores”; mas isso é raro. O que o leitor
quase sempre vê é um Jabor cáustico que usa o passado literário para enfatizar
até a náusea as mazelas de um presente (a vida brasileira contemporânea)
decaído.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao entrevermos algumas especificidades da
crônica modernista em relação à chamada crônica contemporânea constatamos
rupturas e continuidades. O exemplo mais gritante é o contraste entre a crônica
de José Simão e a de Rubem Braga.
Em
Simão vemos sobretudo o trocadilho pornográfico, a referência grotesca aos
órgãos sexuais, o amalgama entre política e erotismo (que, é fato, não são
exclusividade de Simão, mas, como vimos, estão intensamente presentes na sua
crônica). Além disso, Simão afasta de si
qualquer vínculo com o literário. O referido vínculo com o literário, que
caracteriza a produção de alguns cronistas modernistas, a exemplo Rubem Braga
(Cf. CANDIDO, 1981; ARRIGUCCI JR., 1987), se perde. A referência aos grandes nomes
da literatura, a ficcionalidade narrativa, o lirismo, dentre outros, parecem
estar ausentes de sua crônica. No limite, é preciso perguntar sobre a crônica
de Simão se ela é de fato crônica como a concebemos – questão que fica para
outra investigação.
Braga
e Jabor, em suas crônicas são muito diferentes. Em Braga, salta aos olhos sua
preocupação (central para o Modernismo) de inclusão social. Seja do ponto de
vista do conteúdo, seja do ponto de vista do interlocutor, seja na configuração
do enunciador, sempre há uma preocupação em trazer o outro para dentro da
crônica de modo insistente. No conteúdo, Braga está sempre falando de um povo
ideal. Um padeiro, com sua humildade, ou um leitor comum que fala um português
cotidiano e não o português elitista de certos gramáticos. Nas metáforas de
Braga, um canário que, de repente, canta é imagem de um povo que se alegra com
sua princesa. E, para além disso, nos seus textos o leitor é construído como
co-escritor – sinal do valor que o autor dá a esse leitor. Dentro dos textos,
as marcas textuais que indicam a presença desse leitor são recorrentes. Braga
evoca, aliás com insistência, a participação do leitor, nomeando-o, ou trazendo
seu discurso marcado por aspas. O esforço de comunicação é enorme. Braga, ao
modo dos modernistas, e na esteira das lições de Mário de Andrade e Graciliano
Ramos, dentre outros, quer fazer de seu texto uma espécie de reflexo da utopia
de uma nação em que pobres e ricos, negros, índios e brancos, etc, viveriam
como iguais na sociedade brasileira.
Nesse
sentido, ao se construir como enunciador dentro de suas crônicas, Braga quer
passar a idéia de que é uma espécie de mediador. Media a relação entre povo e
elite, media a relação entre leitor comum e literatura erudita. Sua crônica é
gênero que está a serviço da constituição da nação assim como o escritor de
crônica parece ter função social semelhante. Há em Braga um otimismo quanto ao
presente e, sobretudo, quanto ao futuro. Um otimismo que reflete o auge da
coesão do projeto modernista de integração entre povo e elite.
Jabor não procede assim. Se em Braga temos
um cronista que se esforça por conversar com seu leitor, em Jabor o que
transparece é uma espécie de solidão melancólica. De resto, falta pouco para
que Jabor manifeste seu asco pelo leitor que o lê. Suas crônicas, entretanto,
se sucedem como textos que lamentam o presente como momento de dissolução da
vida verdadeira, aquela que corresponde aos anos em que o escritor foi jovem,
isto é, os anos 50 e 60, momento do auge da utopia modernista. Se em Braga há
aquela função de levar beleza e encanto ao povo, de buscar beleza e encanto
nesse mesmo povo, Jabor se mostra distanciado desse povo. De resto, ainda que
evoque esse ou aquele “leitor” dentro do texto, isso é uma considerável exceção.
A incomunicabilidade é recorrente entre Jabor e seu leitor. No limite, o mundo
parece intangível para Jabor. Numa crônica sobre a mulher, o cronista desiste
de tentar conhecer esse ser, “a mulher”.
O
literário está ali, entretanto, não aparece, como em Braga, como sinal
ostensivo do “literário”, como marca de literatura em si. Nesse sentido,
cita-se aqui e ali esse ou aquele autor, faz-se aqui e ali uma referência
erudita para que se evoque ou se permita uma alusão ao “literário”. Em todo
caso, como vimos na crônica que fala sobre o incêndio da UNE, “1964 o sonho e
pesadelo”, Jabor se permite colocar em questão a linguagem jornalística e
mesclar presente e passado. Aqui, ponto auto de sua crônica, aquilo que podemos
entrever como sendo linguagem literária se manifesta. Isto é, uma linguagem em
que as regras e fronteiras do discurso referencial permitindo que objeto e
sujeito se integrem. Nesse ponto, Jabor deixa entrever seu uso do passado. Para
ele o passado serve como um conjunto de categorias para que se possa fazer o
cotejo com o presente. Como vimos, o presente sempre sai perdendo nesse caso.
Nesse ponto Jabor se distancia enormemente de Simão e vai buscar refúgio em
procedimentos literários que se pode encontrar em muitos autores modernistas.
Dessa maneira, portanto, pode-se dizer que
Jabor pode ser considerado um modernista tardio (aspecto que talvez mereça
melhor análise no futuro), devido a sua explicita admiração e nostalgia ao
projeto modernista de nação brasileira. Vimos o quanto é recorrente em Jabor
certa amargura em relação a um presente que parece deterioração do mundo em que
as relações de comunicação literárias típicas do modernismo eram a regra do
gênero crônica.
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