Por Gabriel
Diniz
O Mulato, eis o nome do romance que,
segundo alguns críticos, inaugurou o naturalismo em nosso país. O advento dessa
escola, no Brasil, ainda é controverso, haja vista que outros estudiosos
consideram a obra O Coronel Sangrado, de Inglês de Sousa, a primeira desse
estilo literário. Os que defendem essa ideia dizem que a obra de Azevedo ainda
contava com muitos cacoetes românticos. O romance de Sousa, por sua vez,
lançado quatro anos antes de O Mulato, possuía mais elementos da escola criada
pelo francês Émile Zola.
Controvérsias à parte, ater-nos-emos agora
ao romance de Azevedo.
O escritor, nascido na Província do
Maranhão, debutou na cena literária oitocentista com a obra Uma lagrima de
mulher, esta totalmente calcada nos preceitos românticos. Todavia, uma
transformação ocorreu em seu segundo romance, O Mulato. Conta-se que o autor
teve vários problemas com a Igreja no Maranhão, justamente por ter publicado
diversos artigos, nos jornais, atacando o clero. Dum certo modo, isso acabou
refletindo-se em O Mulato. Como? Vejamos!
O enredo centra-se na história dos
protagonistas, Ana Rosa e Raimundo. Os dois primos apaixonam-se, porém
encontram enormes dificuldades para concretizar o amor. O rapaz, filho de José
da Silva, é fruto dum caso de seu pai com a escrava Domingas. A jovem, por sua
vez, é filha de Manuel Pedro da Silva, o Manuel Pescada, comerciante na cidade
de São Luís. O encontro do casal se dá quando José da Silva se casa com
Quitéria, a mesma não aceita a ideia do marido ter tido um filho com uma
escrava. Sendo assim, o menino vai morar com o tio Manuel. Lá recebe o carinho
de Mariana, esposa de Pescada. Nesse mesmo tempo, Quitéria é pega por José da Silva com o cônego Diogo.
Enfurecido com a traição, Silva esgana a esposa. O clérigo, espertamente, faz um trato com o
marido traído, que consiste em não delatá-lo. Porém, José da Silva não poderia
também falar nada sobre o adultério da esposa. Desse modo, a morte de Quitéria
é atribuída a um problema natural e também à feitiçaria.
O padre Diogo, entretanto, não decide
correr nenhum risco, temendo que Silva dê com a língua nos dentes, mata-o numa estrada
que é conhecida pelo comentimento de
vários crimes atribuídos a escravos fugidos. Devido a isso, o clérigo fica
isento de ter cometido quaisquer delitos.
O tempo passa, e Raimundo viaja para a
Corte e depois para Europa. No velho continente, torna-se doutor em Direito e
conhece vários países e depois retorna para o Brasil. Fica alguns tempos no Rio
de Janeiro, e decide ir para o Maranhão para resolver seus negócios.
Na província, o rapaz é recebido com grande
alegria e hospeda-se na casa do tia. Porém, aos poucos ele vai despertando a
inveja da população. As coisas pioram, quando
demonstra, devido aos seus estudos, grande fé na ciência em detrimento
dos dogmas católicos. A sociedade
maranhense o acusa de ser um ateu.
E a situação fica mais complicada quando
Raimundo decide pedir a Manuel a mão de Ana Rosa em casamento. O tio nega o
pedido veementemente. O moço insiste em saber o porquê. Manuel reluta em
dizê-lo, porém cede às pressões do sobrinho e diz que não permite o casamento,
pois ele é um mulato. Desse modo, revela quem a mãe do jovem.
Raimundo,
entristecido, decide partir o mais rápido possível para à Corte. Entretanto, o
amor por Ana Rosa é maior. A jovem engravida, o casal decide, então, fugir.
Porém, o plano é frustrado, dado que o cônego Diogo juntamente com Dias — um
português caixeiro que trabalha para Manuel e anseia em casar com Ana Rosa —
conseguem impedir a fuga.
Raimundo desesperado com a falha do plano,
começa a deambular pela cidade e decide lançar mão da justiça para casar-se com
a amada. Porém, o clérigo incita Dias a dar cabo na vida do rapaz.
Os anos se passam, e, no final, o leitor é
supreendido com Ana Rosa e Dias casados, os dois muito felizes e com três
filhos. Um desfecho no mínimo desapontador para aqueles que almejam um final
típico das novelas românticas.
Penso, que esse é sem dúvidas um dos
melhores romances do século XIX. Mesmo com esse hibridismo, romantismo mais
naturalismo — fato esse que muitos apontam como um fator negativo —, Azevedo foi o primeiro escritor a tocar
fortemente no assunto da escravidão brasileira. É importante lembrar que nesse
período, teorias europeias condenavam fortemente a junção de diferentes etnias,
que na época recebiam o nome de raças. Por isso, a ideia da miscigenação era
vista negativamente pela ciência do século XIX. Essas ideias foram fortemente
propagadas em nosso país. O próprio termo “mulato” já é pejorativo, uma vez que
calca-se na ideia de mula.
De mais a mais, o autor também desnuda como
ninguém a hipocrísia da sociedade da provincia do Maranhão. E, além disso, O
mulato traz à tona o anticlericalismo —
um dos preceitos básicos da escola naturalista — e a visão acerca da mulher,
que era vista como uma simples procriadora, que, se não sujeitasse ao casamento
e consequentemente ao sexo, estaria fadada a sofrer crises de nervo, o
histerismo. Enfermidade essa que foi amplamente discutida em vários romances
naturalistas brasileiros. Pode-se dizer que o tema perpassou, praticamente, por
todas as obras de cunho zolista do escritor.
É válido destacar também as outras
personagens do romance. Há a figura duma velha mexiriqueira, do poeta
fracassado, da viúva louca por se casar, da moças desprovidas de beleza que
estão atrás dum marido, etc.
A descrição das cenas é também bastante
impactante. Logo no início da obra o leitor é levado pelo narrador a conhecer
as ruas de São Luís. Assim, depara-se com um leilão de escravos que é descrito
duma maneira bastante detalhista. Os diálogos também são ótimos, principalmente
alguns acerca da política brasileira.
O valor da obra de Azevedo é indiscutível,
todavia muitos críticos consideram a produção do naturalista bastante inferior
quando comparada a de Machado de Assis. A meu ver, um erro crasso, visto que as
obras de ambos escritores podem ser colocadas no mesmo patamar.
Por fim, faz-se necessário destacar que O
Mulato possui duas versões. Na primeira, lançada na década de 1870, Raimundo
não é o protagonista da obra, quem ganha esse papel é cônego Diogo. Os estudiosos
também apontam que o autor, nessa segunda versão, inseriu mais elementos
naturalistas no livro.
A dica é: leiam O Mulato! A obra é com
certeza um dos maiores clássicos de nossa literatura.
www.literaturaemfoco.com/?p=1014
O CORTIÇO - RESUMO E ANÁLISE DA OBRA
Tendo como cenário uma habitação coletiva,
o romance difunde as teses naturalistas, que explicam o comportamento dos
personagens com base na influência do meio, da raça e do momento histórico
Ao ser lançado, em
1890, O Cortiço teve boa recepção da crítica, chegando a obscurecer escritores
do nível de Machado de Assis. Isso se deve ao fato de Aluísio de Azevedo estar
mais em sintonia com a doutrina naturalista, que gozava de grande prestígio na
Europa. O livro é composto de 23 capítulos, que relatam a vida em uma habitação
coletiva de pessoas pobres (cortiço) na cidade do Rio de Janeiro.
O romance tornou-se peça-chave para o
melhor entendimento do Brasil do século XIX. Evidentemente, como obra
literária, ele não pode ser entendido como um documento histórico da época. Mas
não há como ignorar que a ideologia e as relações sociais representadas de modo
fictício em O Cortiço estavam muito presentes no país.
RIGOR CIENTÍFICO
Essa criação de Aluísio de Azevedo tem como
influência maior o romance L’Assommoir, do escritor francês Émile Zola, que
prescreve um rigor científico na representação da realidade. A intenção do
método naturalista era fazer uma crítica contundente e coerente de uma
realidade corrompida. Zola e, neste caso, Aluísio combatem, como princípio
teórico, a degradação causada pela mistura de raças.
Por isso, os dois romances naturalistas são
constituídos de espaços nos quais convivem desvalidos de várias etnias. Esses
espaços se tornam personagens do romance.
É o caso do cortiço, que se projeta na
obra mais do que os próprios personagens que ali vivem. Um exemplo pode ser
visto no seguinte trecho:
“E durante dois anos o cortiço prosperou de
dia para dia, ganhando forças, socando-se de gente. E ao lado o Miranda assustava-se, inquieto com aquela exuberância brutal
de vida, aterrado defronte daquela floresta implacável que lhe crescia junto da
casa, por debaixo das janelas, e cujas raízes, piores e mais grossas do que
serpentes, minavam por toda a parte, ameaçando rebentar o chão em torno dela,
rachando o solo e abalando tudo.”
O narrador compara o cortiço a uma
estrutura biológica (floresta), um organismo vivo que cresce e se desenvolve,
aumentando as forças daninhas e determinando o caráter moral de quem habita seu
interior.
NARRADOR
A obra é narrada em terceira pessoa, com
narrador onisciente (que tem conhecimento de tudo), como propunha o movimento
naturalista. O narrador tem poder total na estrutura do romance: entra no
pensamento dos personagens, faz julgamentos e tenta comprovar, como se fosse um
cientista, as influências do meio, da raça e do momento histórico.
O foco da narração, a princípio, mantém
uma aparência de imparcialidade, como se o narrador se apartasse, à semelhança
de um deus, do mundo por ele criado. No entanto, isso é ilusório, porque o
procedimento de representar a realidade de forma objetiva já configura uma
posição ideologicamente tendenciosa.
TEMPO
Em O Cortiço, o tempo é trabalhado de
maneira linear, com princípio, meio e desfecho da narrativa. A história se
desenrola no Brasil do século XIX, sem precisão de datas. Há, no entanto, que
ressaltar a relação do tempo com o desenvolvimento do cortiço e com o
enriquecimento de João Romão.
ESPAÇO
São dois os espaços explorados na obra. O
primeiro é o cortiço, amontoado de casebres mal-arranjados, onde os pobres
vivem. Esse espaço representa a mistura de raças e a promiscuidade das classes
baixas. Funciona como um organismo vivo. Junto ao cortiço estão a pedreira e a
taverna do português João Romão.
O segundo espaço, que fica ao lado do
cortiço, é o sobrado aristocratizante do comerciante Miranda e de sua família.
O sobrado representa a burguesia ascendente do século XIX. Esses espaços
fictícios são enquadrados no cenário do bairro de Botafogo, explorando a
exuberante natureza local como meio determinante. Dessa maneira, o sol
abrasador do litoral americano funciona como elemento corruptor do homem local.
ENREDO
O livro narra inicialmente a saga de João
Romão rumo ao enriquecimento. Para acumular capital, ele explora os empregados
e se utiliza até do furto para conseguir atingir seus objetivos. João Romão é o
dono do cortiço, da taverna e da pedreira. Sua amante, Bertoleza, o ajuda de
domingo a domingo, trabalhando sem descanso.
Em oposição a João Romão, surge a figura de
Miranda, o comerciante bem estabelecido que cria uma disputa acirrada com o
taverneiro por uma braça de terra que deseja comprar para aumentar seu quintal.
Não havendo consenso, há o rompimento provisório de relações entre os dois.
Com inveja de Miranda, que possui condição
social mais elevada, João Romão trabalha ardorosamente e passa por privações
para enriquecer mais que seu oponente. Um fato, no entanto, muda a perspectiva
do dono do cortiço. Quando Miranda recebe o título de barão, João Romão entende
que não basta ganhar dinheiro, é necessário também ostentar uma posição social
reconhecida, freqüentar ambientes requintados, adquirir roupas finas, ir ao
teatro, ler romances, ou seja, participar ativamente da vida burguesa.
No cortiço, paralelamente, estão os
moradores de menor ambição financeira. Destacam-se Rita Baiana e Capoeira
Firmo, Jerônimo e Piedade. Um exemplo de como o romance procura demonstrar a má
influência do meio sobre o homem é o caso do português Jerônimo, que tem uma
vida exemplar até cair nas graças da mulata Rita Baiana. Opera-se uma
transformação no português trabalhador, que muda todos os seus hábitos.
A relação entre Miranda e João Romão
melhora quando o comerciante recebe o título de barão e passa a ter
superioridade garantida sobre o oponente. Para imitar as conquistas do rival,
João Romão promove várias mudanças na estalagem, que agora ostenta ares
aristocráticos.
O cortiço todo
também muda, perdendo o caráter desorganizado e miserável para se transformar
na Vila João Romão.
O dono do cortiço aproxima-se da família
de Miranda e pede a mão da filha do comerciante em casamento. Há, no entanto, o
empecilho representado por Bertoleza, que, percebendo as manobras de Romão para
se livrar dela, exige usufruir os bens acumulados a seu lado.
Para se ver livre da
amante, que atrapalha seus planos de ascensão social, Romão a denuncia a seus
donos como escrava fugida. Em um gesto de desespero, prestes a ser capturada,
Bertoleza comete o suicídio, deixando o caminho livre para o casamento de
Romão.
ALEGORIA DO BRASIL
Mais do que empregar os preceitos do
naturalismo, a obra mostra práticas recorrentes no Brasil do século XIX. Na
situação de capitalismo incipiente, o explorador vivia muito próximo ao
explorado, daí a estalagem de João Romão estar junto aos pobres moradores do
cortiço. Ao lado, o burguês Miranda, de projeção social mais elevada que João
Romão, vive em seu palacete com ares aristocráticos e teme o crescimento do
cortiço. Por isso pode-se dizer que O Cortiço não é somente um romance
naturalista, mas uma alegoria do Brasil.
O autor naturalista tinha uma tese a
sustentar sua história. A intenção era provar, por meio da obra literária, como
o meio, a raça e a história determinam o homem e o levam à degenerescência.
A obra está a
serviço de um argumento. Aluísio se propõe a mostrar que a mistura de raças em
um mesmo meio desemboca na promiscuidade sexual, moral e na completa degradação
humana. Mas, para além disso, o livro apresenta outras questões pertinentes
para pensar o Brasil, que ainda são atuais, como a imensa desigualdade social.
guiadoestudante.abril.com.br/estude/literatura/materia_415646.shtml
CASA DE PENSÃO
Análise da obra
A obra foi baseada num fato real: a
Questão Capistrano, crime que sensibilizou o Rio de Janeiro em 1876/77,
envolvendo dois estudantes, em situação muito próxima à da narração de Aluísio
Azevedo. Neste livro, o autor estuda as influências da sociedade sobre o
indivíduo sem qualquer idealização romântica, retratando rigorosamente a
realidade social trazendo para a literatura um Brasil até então ignorada.
Autor fiel à tendência naturalista
difundida pelo realismo, Aluísio Azevedo focaliza, nesta obra, problemas como
preconceitos de classe, de raças, a miséria e as injustiças sociais. Descreve a
vida nas pensões chamadas familiares, onde se hospedavam jovens que vinham do
interior para estudar na capital. Diferente do romantismo, o naturalismo
enfatiza o lado patológico do ser humano, as perversões dos desejos e o
comporta-mento das pessoas influenciado pelo meio em que vivem.
Casa de Pensão é uma espécie de narrativa
intermediária entre o romance de personagem (O Mulato) e o romance de espaço (O
Cortiço). Como em O Mulato, todas as ações ainda estão vinculadas à trajetória
do herói, nesse caso, Amâncio de Vasconcelos. Mas, como em O Cortiço, a
conquista, ordenação e manutenção de um espaço é que impulsiona, motiva e
ordena a ação. Espaço e personagem lutam, lado a lado, para evitar a degradação.
As teses naturalistas, especialmente o
Determinismo, alicerçam a construção das personagens e das tramas.
Romance naturalista de 1884, em que o
autor, de carreira diplomática bastante acidentada, move personagens que se
coadunam perfeitamente com a análise dos críticos de que seus tipos são, via de
regra, grosseiros, não se distinguem pela sutileza da compreensão, nem pela
frescura dos sentimentos. São eixos de relações da estrutura da presente
narrativa a Província - Maranhão, a Corte - Rio de Janeiro, a casa paterna e a
casa de pensão.
ESTILO
O naturalismo está plenamente representado
em Casa de Pensão desde a abertura do romance, quando Amâncio aparece marcado
fatalisticamente pela escola e pela família: uma e outra o encheram de revolta.
Por causa de um castigo justo ou injusto, "todo o sentimento de justiça e
da honra que Amâncio possuía, transformou-se em ódio sistemático pelos seus
semelhantes...". O leite que o menino mamou na ama negra também está
contagiado e irá marcá-lo. O médico dizia: "Esta mulher tem reuma no
sangue e o menino pode vir a sofrer para o futuro." Amâncio é uma cobaia, um campo de
experimentação nas mãos do romancista. Nele o fisiológico é muito mais forte do
que o psicológico. É o determinismo que vai acompanhar toda a carreira do
personagem.
Está presente também na obra o sentido
documental e experimental do romance naturalista, renunciando ao
sentimentalismo e à evasão, procura construir tudo sobre a realidade. Como já
mencionado, a estória do romance se baseia num caso real.
LINGUAGEM
Uma técnica comum ao escritor naturalista
é o abuso dos pormenores descritivo-narrativos de tal modo que a estória
caminha devagar, lerda e até monótona. É a necessidade de ajuntar detalhes para
se dar ao leitor uma impressão segura de que tudo é pura realidade. Essas
minúcias se estendem a episódios, a personagens e a ambientes. Num episódio,
por exemplo, há minúcias de tempo, local e personagens. E móveis de uma sala
até os objetos mais miúdos.
Não se pode dizer que a linguagem do
romance é regionalista; pelo contrário, o padrão da língua usada é geral e o
torneio frasal, a estrutura morfo-sintática é completamente fiel aos padrões da
velha gramática portuguesa.
Como Machado de Assis, Aluísio Azevedo
também usa alguns recursos desconhecidos da língua portuguesa do Brasil,
principalmente na língua oral. Assim, por exemplo, o caso da apossínclise (é
uma posição especial do pronome oblíquo que não escutamos no Brasil, mas é
comum até na língua popular de Portugal). São exemplos de apossínclise:
"Há anos que me não encontro com o amigo." (Há anos que não me...)
"Se me não engano, você está certo." Em Casa de Pensão essa posição
pronominal é um hábito comum.
FOCO NARRATIVO
O autor escolheu o seu ponto-de-vista
narrativo: a terceira pessoa do singular, um narrador onisciente e onipotente,
fora do elenco dos personagens. Como um observador atento e minucioso dentro
das próprias fórmulas apertadas do naturalismo. No caso deste romance, Aluísio
Azevedo trabalhou muito servilmente sobre os fatos absolutamente reais.
TEMÁTICA
Como em O Cortiço, Aluísio de Azevedo se
torna excepcionalmente rico na criação de personagens coletivos: a casa de
pensão, tão comum ainda hoje, no Brasil inteiro, tem vida, uma vida estudante,
nas páginas do romance. Aluísio conhecia, de experiência própria, esse ambiente
feito de tantos quartos e tantos inquilinos, tão numerosos e tão diferentes,
nivelados pela mediocridade e em fácil decadência moral. O autor faz alguns
retratos com evidentes traços caricaturais (a sua velha mania ou vocação para a
caricatura...), mas fiéis e verdadeiros. Tudo se movimenta diante do leitor: a
casa de pensão é um mundo diferente, gente e coisas tomam aspectos novos, as
pessoas adquirem outros hábitos, informadas ou deformadas por essa vida
comunitária tão promíscua. Aí se encontram e se desencontram, se amontoam e se
separam tantos indivíduos transformados em tipos, conhecidos, às vezes, apenas
pelo número do quarto. Em O Cortiço o meio social é mais baixo; na Casa de
Pensão é médio.
Às doenças morais (promiscuidades,
hipocrisia, desonestidades, sensualismos excitados e excitantes, ódios, baixos
interesses, dinheiro...) se misturam também doenças físicas (o tuberculoso do
quarto 7 que morre na casa de pensão, a loucura e histerismo de Nini...). Foi o
que encontrou Amâncio na Casa de Pensão de Mme. Brizard. Fora para o Rio de
Janeiro, para estudar. E, num ambiente como esse, quem seria capaz de estudar?
É verdade que o rapaz já trazia a sua mentalidade burguesa do tempo: o que ele
buscava não era uma profissão, mas apenas um diploma e um título de doutor.
Ele, sendo rico, não precisaria da profissão, mas, por vaidade, de um status,
de um anel no dedo e de um diploma na parede. Essa mania de doutor, doença que
pegou no Brasil, já foi magistralmente caricaturada em deliciosa carta de Eça
de Queirós ao nosso Eduardo Prado: "A nação inteira se doutorou. Do norte
ao sul do Brasil, não há, não encontrei senão doutores! Doutores com toda a
sorte de insígnias, em toda a sorte de funções!! Doutores com uma espada,
comandando soldados; doutores com uma carteira, fundando bancos: doutores com
uma sonda, capitaneando navios; doutores com uma apito, comandando a polícia;
doutores com uma lira, soltando carnes; doutores com um prumo, construindo
edifícios; doutores com balanças, ministrando drogas; doutores sem coisa
alguma, governando o Estado! Todos doutores..." O próprio Aluísio de
Azevedo abandonou a Província para buscar sucessos na Corte (Rio de Janeiro) e,
certamente também, um título de doutor...
PERSONAGENS
Os personagens, sob nomes fictícios,
escondem pessoas reais:
Amâncio da Silva Bastos e Vasconcelos - (João Capistrano da Silva) estudante, acusado de
sedução. Foi absolvido.
Amélia ou Amelita - (Júlia Pereira) a moça seduzida, pivô da tragédia.
Mme. Brizard
- (D. Júlia Clara Pereira, mãe da moça e do rapaz, assassino) é uma viúva, dona
da casa de pensão:
João Coqueiro - Janjão - (Antônio Alexandre Pereira, irmão da moça Júlia
Pereira e assassino de João Capistrano. Foi também absolvido).
Dr. Teles de Moura - (Dr. Jansen de Castro Júnior) advogado da família da moça.
ENREDO
Amâncio (Da Silva Bastos e Vasconcelos),
rapaz rico e provinciano, abandona o Maranhão e segue de navio para o Rio de
Janeiro (a Corte) a fim de se encaminhar nos estudos e na vida. É um
provinciano que sonha com os deslumbramentos da Corte. Chega cheio de ilusões e
vazio de propósitos de estudar... A mãe fica chorosa e o pai, indiferente, como
sempre fora no trato meio distante com o filho. O rapaz tinha que se tornar um
homem.
Amâncio começa morando em casa do sr.
Campos, amigo do Pai, e, forçado, se matricula na Escola de Medicina. Ia
começar agora uma vida livre para compensar o tempo em que viveu escravizado às
imposições do pai e do professor, o implacável Pires.
Por convite de João Coqueiro,
co-proprietário de uma casa de pensão, junto com a sua velhusca mulher Mme.
Brizard, muda-se para lá. É tratado com as maiores preferências: os donos da
pensão queriam aproveitar o máximo de seu dinheiro e ainda arranjar o seu
casamento com Amélia, irmã de Coqueiro. Um sujo jogo de baixo interesses,
sobretudo de dinheiro. Naquele ambiente, tudo concorreria para fazer explodir a
super-sensualidade do maranhense.
"Ele,
coitado, havia fatalmente de ser mau, covarde e traiçoeiro: Na ramificação de
seu caráter e sensualidade era o galho único desenvolvido e enfolhado, porque
de todos só esse podia crescer e medrar sem auxílios exteriores."
A casa de pensão era um amontoado de gente,
em promiscuidade generalizada, apesar da hipócrita moralidade pregada pelo seu
dono: havia miséria física e moral, clara e oculta. Com a chegada de Amâncio, a
pensão passou a arapuca para prender nos seus laços o jovem, inesperto e rico
estudante: pegar o seu dinheiro e casá-lo com a irmã do Coqueiro. Para alcançar
o fim, todos os meios eram absolutamente lícitos. Amélia, principalmente quando
da doença do rapaz, se desdobrou nos mais íntimos cuidados. Até que se tornou,
disfarçadamente, sua amante. Sempre mantendo as aparências do maior respeito
exigido dentro da pensão pelo João Coqueiro...
O pai de Amâncio morre no Maranhão. A mãe
chama o filho. Ele pretendo voltar, logo que terminarem os seus exames de
medicina. Era preciso que o filho voltasse para vê-la e ver os negócios que o
pai deixara. Mas o rapaz está preso à casa de pensão e a Amélia: este o ameaça
e só permite sua ida ao Maranhão, depois do casamento. Amâncio prepara sua
viagem às escondidas. Mas, no dia do embarque, um oficial e justiça acompanhado
de policiais o prende para apresentação à delegacia e prestação de depoimentos.
Amâncio é acusado de sedutor da moça. João Coqueiro prepara tudo: o caso foi
entregue ao famigerado e chicanista Dr. Teles de Moura. Aparecem duas
testemunhas contra o rapaz. Começa o enredado processo: uma confusão de
mentiras, de fingimentos, de maucaratismo contra o jovem rico e desfrutável
para os interesses pecuniários de Mme. Brizard e marido. Há uma ressonância
geral na imprensa e, na maioria, os estudantes se colocam ao lado de Amâncio. O
senhor Campos prepara-se para ajudar o seu protegido, mas Coqueiro lhe faz
chegar às mãos uma carta comprometedora que Amâncio escrevera à sua senhora, D.
Hortênsia. E se coloca contra quem não soube respeitar nem a sua casa...
Três meses depois de iniciado o processo,
Amâncio é absolvido. O rapaz é levado em triunfo para um almoço, no Hotel
Paris.
"Amâncio
passava de braço a braço, afagado, beijado, querido, como uma mulher
famosa." Todo mundo olhava com
curiosidade e admiração o estudante absolvido. E lhe atiravam flores, Ouviam-se
vivas ao estudante e à Liberdade. Os músicos alemães tocaram a Marselhesa.
Parecia um carnaval carioca.
Em outro plano, Coqueiro, sozinho, vendo e
ouvindo tudo. A alma envenenada de raiva. Em casa o destampatório da mulher que
o acusava de todo o fracasso. As testemunhas reclamavam o pagamento do seu
depoimento. Um inferno dentro e fora dele. Chegaram cartas anônimas com as
maiores ofensas. Um homem acuado...
Pegou, na gaveta, o revólver do pai. E
pensou em se matar. Carregou a arma. Acertou o cano no ouvido. Não teve
coragem. Debaixo da sua janela, gritavam injúrias pela sua covardia e mau
caráter... No dia seguinte, de manhã, saiu sinistro. Foi ao Hotel Paris. Bateu
no quarto II, onde se encontrava o estudante com a rapariga Jeanete. Esta abriu
a porta. Amâncio dormia, depois da festa e da bebedeira, de barriga para cima.
Coqueiro atirou a queima-roupa. Amâncio passa a mão no peito, abre os olhos,
não vê mais ninguém. Ainda diz uma palavra: "mamãe" ... e morre.
Coqueiro foi agarrado por um policial, ao
fugir. A cidade se enche de comentários. Muitos visitam o necrotério para ver o
cadáver de Amâncio. Vendem-se retratos do morto. Um funeral grandioso com a
presença de políticos, notícias e necrológicos nos jornais, a cidade toda
abalada. A tragédia tomou conta de todos.
A opinião pública começa a flutuar, a mudar
de posição: afinal, João Coqueiro tinha lavado a honra da irmã...
Quando D. Ângela, envelhecida e enlutada,
chega ao Rio de Janeiro, se viu no meio da confusão, procurando o filho. Numa
vitrine, ela descobriu o retrato do filho "na mesa do necrotério, com o
tronco nu, o corpo em sangue. Uma legenda: "Amâncio de Vasconcelos,
assassinado por João Coqueiro, no Hotel Paris...
www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/.../analises.../casa_de_pensao
RESUMO DE
OUTRAS OBRAS
A Mortalha de Alzira
A
mortalha de Alzira é o oitavo romance de Aluísio Azevedo, já conhecido do
público leitor por obras como O mulato, de 1881. Publica A mortalha de Alzira
sob o pseudônimo de Vítor Leal, em forma de folhetim, no jornal Gazeta de
Notícias, de 13 de fevereiro a 23 de março de 1891. Em 1892 A mortalha de
Alzira será publicado em volume, alcançando muito sucesso: foram vendidos
10.000 exemplares em três anos, o que, na época, foi considerado um recorde. A
mortalha de Alzira é o único livro do autor que se passa na sua íntegra fora do
país, na França, no período do reino de Luís XV, século XVIII, nos arredores de
Paris.
Sua
história é a eterna luta entre a fé e o erótico: o padre Angelo busca
desesperadamente reprimir sua paixão pela cortesã Alzira. Mostra também Aluísio
Azevedo a corrupção da Igreja, sua ligação com a aristocracia em processo de
decadência. Aluísio Azevedo viveu num período em que a luta da fé contra o
livre pensamento estava na ordem do dia: no Brasil, o comportamento do clero,
devasso e corrupto, levava os escritores a uma posição anticlerical, e A
mortalha de Alzira pode ser considerado um documento nesse sentido. Os
romances-folhetins eram em geral romances românticos, mas, quando do início da
escola naturalista, faziam muito sucesso os elementos naturalistas que,
convivendo com a intriga romântica, passaram a aparecer nos folhetins. Neste
momento, na França, havia uma forte onda anticlerical, com a campanha pela
criação das escolas leigas.
Da
França (Zola) e Portugal (Eça de Queirós) vieram as principais influências da
escola naturalista, inaugurada por Aluísio Azevedo com O mulato. Em A mortalha
de Alzira encontramos elementos românticos (sonhos, devaneios) e naturalistas.
A corrente naturalista no Brasil seguiu o período de mudanças profundas por que
passava a sociedade brasileira: decadência da estrutura agrária; fim da guerra
do Paraguai; movimentos abolicionistas; luta da Igreja Católica contra a
Maçonaria; a vida urbana e seus trabalhadores livres; revolução nas ciências.
Em todo o mundo, houve avanços nas pesquisas científicas e na avaliação da
importância do conhecimento científico. Falava-se do mundo racional, em
oposição ao mundo fantasioso e cristão, de verdades absolutas, do período
medieval. A literatura da era "materialista" no Brasil desdenhará o
sentimento, e com ele o sentimentalismo romântico, indo buscar a
"verdade" dos fatos precisamente observados e recolhidos
documentalmente.
É neste contexto que as questões individuais de anomalias de
comportamento (como o sacerdote, de A mortalha de Alzira) tiveram um
preponderante papel: ao investigar através da ciência que se desenvolvia à
época o comportamento humano, os autores naturalistas queriam afirmar os
condicionamentos do meio sobre o indivíduo; com isso, denunciavam a injustiça
de certas instituições e mostravam alguns comportamentos perturbados ou
doentios daí decorrentes. Em A mortalha de Alzira o crítico Moisés Massaud
considera inovador o fato que o histérico seja um homem, no caso um padre;
pois, até então, eram as mulheres as histéricas, e vários romances à época
trataram do tema da histeria feminina. Também considera importante o fato de
que Aluísio Azevedo denuncia a educação recebida pelo sacerdote como a razão de
seu infortúnio, por não lhe ter permitido escolher um outro destino. A figura
do médico, muito comum nos romances naturalistas, também está presente em A
mortalha de Alzira (o dr. Cobalt), confundindo-se com o próprio romancista,
pois é quem investiga o comportamento da personagem/paciente.
Filomena Borges
É o quinto romance de Aluísio Azevedo, que
escreveu também O Mulato, O Cortiço e Casa de Pensão considerados os romances
mais importantes do autor. Por ser visto como o 'pai' do naturalismo no Brasil,
influenciado pelos escritores Eça de Queirós e Émile Zola, fundadores do
naturalismo na Europa, Aluísio Azevedo busca em seus romances uma representação
mais ou menos fiel do observado, fugindo assim da tendência romântica de
idealização da realidade. Em seus livros, o cotidiano da vida na cidade, com
alguns de seus personagens mais típicos, é elemento constante. Neste romance
encontramos o casal Borges e Filomena: esta, ambiciosa, busca através do
casamento uma forma de ascender socialmente.
Borges, no entanto, embora possua bens, é
pacato, dócil cidadão sem muitas ambições. Assim, não corresponde ao ideal de
marido que Filomena tem em mente. Esta buscará, então, modificá-lo a todo
custo. Um incidente na primeira noite mostra para Borges como será difícil seu casamento:
Filomena o expulsa do leito nupcial, obrigando-o a dormir fora do quarto.
Durante muito tempo a situação permanece sem alteração, apesar dos agrados
constantes de Borges à esposa do cumprimento de todas as exigências dela, as
quais, finalmente, acabarão por modificar profundamente o pacato marido, além
de levá-lo à ruína econômica. Borges faz tudo pelo sentimento que dedica à
esposa, mas nunca chegará a desfrutar do que deseja acima de tudo: paz e
tranqüilidade ao lado de sua Filomen
Segundo o crítico Antônio Cândido,
deve-se ler Filomena Borges "pelo viés do divertimento". De fato, o
autor cria situações hilariantes com o casal Borges e Filomena. Ainda, diz
Cândido, "este romance é importante para a compreensão da personalidade
literária de Aluísio Azevedo, que se caracteriza por uma mistura de bom humor e
melancolia". O grande número de palavras francesas de que se utiliza o
autor, decorre da tendência vigente na época, quando a nossa literatura não só
fazia uso abundante de termos franceses como tinha nela seu principal modelo.
www.resumosdelivros.com.br/a/aluisio-de-azevedo/
MULHERES NO CORTIÇO: A SEGREGAÇÃO FEMININA NA OBRA DE
ALUÍSIO AZEVEDO
Aline Cristine Vieira Lima - UNIPAM
Orientação: Prof. Dr. Luís André Nepomuceno
Resumo: Este
artigo se propõe a analisar o livro O Cortiço, de Aluísio Azevedo, que
caracteriza, pela estética naturalista, a vida e a sociedade carioca em 1890.
Embora a obra esteja destinada a uma
observação minuciosa de fatos e personagens no conjunto do romance
naturalista, nossa ênfase maior será com relação às mulheres abordadas no
livro: a mulher pobre, meretriz, lavadeira, inocente, perspicaz, amorosa, a
dedicada ao marido, a mulher sensual, a que vivia em função dos filhos,
mulheres independentes. O intuito de destacar estas mulheres é apresentar a
verdade, as emoções de tais personagens e as impressões da realidade e
simplicidade de muitas. Semelhanças no comportamento e no ponto de vida de
alguns personagens fazem com que o leitor viva o ontem e o hoje envolvido no
contexto histórico-social.
Palavras-chave: Romance Brasileiro – Naturalismo –
Aluísio Azevedo – Literatura e Mulher
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Nasce em 14 de abril de 1857 em São Luís do
Maranhão, Aluísio Tancredo Gonçalves de Azevedo, um jovem maranhense que desde
cedo tinha forte inclinação artística para o desenho e a pintura. Devido a tal
vocação, em 1876, embarca para o Rio de Janeiro a fim de matricular-se na
Academia Imperial de Belas Artes. Ainda desponta-lhe um nítido interesse pela
vocação literária, o que acaba o consagrando.
Azevedo seria um narrador perfeitamente
realizado e completamente exaurido, sendo considerado a principal figura do
romance naturalista no Brasil, devido a sua arte controlada pela observação
direta. Publica em 1890, O Cortiço, por meio do qual podemos perceber que sua
obra literária apresenta dois aspectos bem distintos: de um lado, um romance
com um propósito derealização artística e, de outro lado, que o narrador não
teve o cuidado de urdidura e da forma como teve nos primeiros.
Suas publicações lhe asseguram a sua
presença na história da literatura brasileira, já que o autor segue de perto
toda a técnica e o processo do naturalismo, deixando o melhor de seu espírito
de observação e de análise, de harmonia e preocupação da obra-de-arte
perfeitamente realizada.Substituindo o romantismo pelo naturalismo, Aluísio era
o pintor que deixava de pintar ao sabor da inspiração, para pintar diante do
modelo vivo. A realidade circundante, o cenário de sua observação direta,
permite ao romancista copiar os tipos que estão ao alcance de seus olhos. E daíadvém
a sua força e a sua originalidade. (MONTELLO, 1963, p.10)
Aluísio Azevedo mostra a realidade urbana
do Rio de Janeiro nos fins do século XIX. Destaca o problema da habitação,
precisamente em Botafogo, onde se passa toda a narrativa de O Cortiço. É neste
período que se tem o surgimento de cortiços, habitações coletivas. Há uma
transposição da realidade objetiva para o romance guardando o máximo de
fidelidade possível.
Aluísio não deixava de ser o narrador
instintivo, urdindo a trama do livro com o senso de interesse do leitor. Com
trechos expressivos, revela os seus melhores dons de romancista e aglutina os
indivíduos no romance da multidão, ressaltando o reflexo de preconceitos da
época abordados em uma rica caracterização do ambiente, com variedades de
tradições e condições semelhantes de vida. Faz um retrato e se espelha no Rio
de Janeiro, mostrando assim alguns traços marcantes da fisionomia urbana.
Só em O Cortiço Aluísio atinou de fato com
a fórmula que se ajustava ao seu talento: desistindo de montar um enredo em
função de pessoas, ateve-se à sequenciação de descrições muito precisas onde
cenas coletivas de tipos psicologicamente primários fazem no conjunto do
cortiço a personagem mais convincente do nosso romance naturalista.(BOSI, 1994,
p. 190)
Os realistas, pelos fatos e pela
tendência que possuem de encarar as coisas como na realidade são, merecem
destaque. Eles opõem-se habitualmente ao idealismo e ao Romantismo, em virtude
de sua opção pela realidade tal como é e não como deve ser. Procuram
representar a verdade, sempre que o homem prefere deliberadamente encarar os
fatos edeixar que a verdade dite a forma e subordine os sonhos ao real.
O Realismo logrou impor a pintura
verdadeira da vida dos humildes e obscuros, os homens e mulheres comuns que
estão habitualmente em torno de nós, vivendo uma vida compósita, feita de
muitos opostos, bem e mal, beleza e feiúra, rudeza e requinte, sem receio do
trivial e do monótono (COUTINHO, 1976, p. 185-186).
O realismo, com seu verdadeiro material,
busca utilizar-se da verossimilhança no arranjo dos fatos selecionados,
apontando assim uma direção essencial que se traduz no uso da emoção que deve
fugir ao sentimentalismo ou à artificialidade. Os incidentes de enredo decorrem
do caráter das personagens e dos motivos humanos que dominam as ações. O
realismo retrata e interpreta seres humanos completos, vivos, cujos motivos e
emoções fornecem uma interpretação objetiva da vida. Ele ainda tem a relação
com a Psicologia, pois coincide com o desenvolvimento da ciência da alma
humana, já que se direcionou para o corpo e a vida exterior, e para o espírito
e a vida interior.
O Realismo tem também uma técnica e um
método específico. Assim é que a precisão e a fidelidade na observação e na
pintura são essenciais características realistas. Usam-se detalhes
aparentemente insignificantes na pintura de personagens e ambientes. E esses
detalhes devem ser reunidos e harmonizados, para dar a impressão da própria
realidade. Recolhidos os fatos, há que dar-lhes certo arranjo de acordo com um
propósito artístico, a fim de criar uma unidade especial (COUTINHO, 1976, p.
187).
A escola naturalista se preocupa muito com
o espírito de observar e analisar a realidade. Esta realidade não é idealizada
ou imaginada através da razão, mas sim, através dos sentimentos, uma realidade
materialmente verdadeira. Faz uma análise em profundidade, de fatos
psicológicos e sociais que assinalam a estética do real.
Os escritores realistas até então mostram
possuir uma nova visão de mundo. Eles assumem compreender e explicar a
realidade, através de fatos para poder conhecê-los com precisão: “Preocupação
com a observação e análise da realidade. Trata-se de uma análise em
profundidade, a fim de evitar uma visão grosseira e deformada pela observação
comum; é necessário assinalar os valores morais e estéticos do real” (FILHO,
1995, p. 240).
Aluísio Azevedo destaca a preocupação com
os aspectos de inferioridade dos personagens. Com clareza, equilíbrio, harmonia
na composição, o autor se preocupa com a “perfeição formal” utilizando uma
linguagem próxima da realidade.
Os naturalistas se preocupam com a época
contemporânea, ao mesmo tempo em que analisam fielmente o interesse da
sociedade colocada em questão. Ao analisar e compreender os reflexos
socioculturais, eles demonstram as atitudes, o modo de vida, os relatos, os
comportamentos, bem como a despreocupação com a amoralidade, desde que o fato
observado e analisado tenha interesse.
Entre os naturalistas predomina uma
concepção materialista do homem que enfatiza o equilíbrio e a harmonia na visão
intencional da realidade. Algumas questões do comportamento e da cultura sobre
camadas populares merecerão destaque no artigo, tais como: miséria, adultério,
criminalidade, desequilíbrio psíquico com a intenção de reformar a sociedade.
A universalidade e fidelidade aos fatos
conduzem o Naturalismo a certo amoralismo, certa indiferença, não importando
assim a opinião sobre atos em si. O naturalismo amplia as características do
Realismo, acrescenta e acentua uma visão mais nítida do comportamento humano.
2. AS MULHERES NO CORTIÇO
A estética de Aluísio está repleta de
fatos e depoimentos femininos, hábitos estes que são desenvolvidos em
habitações populares, os cortiços. O autor procura destacar o comportamento e o
modo de vida de algumas personagens bem como as condições socioeconômicas do
universo feminino do século XIX.
Sua narrativa caracteriza o ambiente,
preocupando-se com a época e os conflitos que interessam à sociedade, sobretudo
pelas camadas mais baixas. Neste ambiente mente envolvente, o destaque maior
será dado às mulheres. Elas serão abordadas no contexto social fazendo vir à
tona a contribuição feminina no processo histórico.
Acontecimentos e sentimentos que marcaram
as mulheres serão abordados, visando a uma maior compreensão. A obra O Mulato,
também escrita por Aluísio Azevedo será colocada em questão para se contrapor a
alguns personagens que se assemelham em determinados comportamentos sociais.
A visão da própria realidade visa
interpretar e entender as razões, motivos e o caráter das personagens:
Bertoleza, Dona Estela, Leónie, Leocádia, Rita Baiana, Piedade de Jesus, Leandra, Ana das Dores, Neném e Augusta
Carne-Mole.
2.1. As solteiras
A
mulata Rita Baiana, envolvente e sensual, vivia amasiada com Firmo. Gostava de
ter sua própria autonomia. Diz a personagem: “Casar? Protestou a Rita. Nessa não cai a filha de meu pai! Casar!
Livra! Para quê? Para arranjar cativeiro? Um marido é pior que o diabo; pensa
logo que é a gente é escrava! Nada! Qual! Deus te livre!” (AZEVEDO, 1979, p.
85).
A grande maioria das mulheres populares
tinha a própria maneira de pensar e viver. Tinha um linguajar mais solto e
menos inibido que o das outras de classe social, e vivia em regime de
concubinato, já que os altos custos das despesas matrimonias as levavam a este regime.
Tal atitude representava preconceitos da
época, já que a mulher era símbolo de modelo do lar e do marido, enquanto as
solteironas eram mulheres perdidas, indignas e perigosas por servirem de
descaminho para as “filhas de família”.
Leónie era na verdade uma verdadeira
rameira em potencial, uma meretriz, prostituta. Ela, que era madrinha de
Pombinha, acaba a levando ao mundo da prostituição. “O descompasso entre a moralidade oficial e a realidade agia ainda de
outra forma para fazer vítimas entre mulheres pobres: promovia, entre as mais
ingênuas, a convicção de que se não podiam ser santas, só lhes restava ser
putas” (FONSECA, in PRIORI, 1997, p. 532).
Na verdade, o que se propunha no mercado
de emprego até então para mulheres de origem humilde e de baixa escolaridade
não era muito satisfatório. O que importava era ser jovem e bonita, a
prostituição era o que aparecia para muitas destas jovens. Muitas das
meretrizes eram casadas ou viviam amasiadas. Suas atividades não eram bem
vistas pela moral burguesa e tão pouco pelo marido. Era considerado um modo de
vida desvinculado das normas oficiais.
Pombinha era bonita, querida por todos no
cortiço. Tinha um noivo, João da Costa e era filha de Dona Isabel, uma pobre
mulher seguida de desgostos. Fora casada com um dono de casa de chapéus que
quebrou e suicidou-se. Pombinha era a flor do cortiço. A história da jovem gira
em torno do fato de ela ainda não ser moça, já que ainda não havia tido sua
primeira menstruação.
A honra da mulher constitui-se em um
conceito sexualmente localizado do qual o homem é o legitimador, uma vez que a
honra é atribuída pela ausência do homem, através da virgindade, ou pela
presença masculina no casamento. Essa concepção impõe ao gênero feminino o
desconhecimento do próprio corpo e abre caminhos para a repressão de sua
sexualidade. Decorre daí o fato de as mulheres manterem com seu corpo uma relação
matizada por sentimentos de culpa, de impureza, de diminuição, de vergonha, de
não ser mais virgem, de vergonha de estar menstruada etc. (SOIHET, in PRIORI,
1997, p.389)
A personagem sofre uma desvinculação por
parte de sua madrinha Leónie, que a leva para a prostituição. Pombinha se vê
insatisfeita com sua vida e totalmente seduzida ao que lhe é imposto. Ela nos
remete à jovem Ana, de O mulato. Apaixonada pelo jovem Raimundo, se vê obrigada
a abrir mão de seu amor, devido aos preceitos de seu pai e de sua avó. Por ele
ser negro, filho de uma escrava, o amor de ambos era impossível.Após relutar e
tentar até uma fuga, a jovem não consegue. Raimundo é assassinado por seu
“prometido”. O fim do romance é impressionante, já que Ana tem uma mudança
radical: torna-se casada e com dois filhos perante a sociedade que tanto a
questionava.
2.2 As adúlteras
Dona Estela, personagem de O Cortiço, traíra seu esposo Miranda. Este,
por sua vez, preferia manter-se perante a sociedade, evitando maiores conflitos. “O escândalo do adultério é completado
pela degenerescência moral e física de toda a espécie, jogo, doença, cor de
pele, libertinagem sexual.” (FONSECA, in PRIORI, 1997, p. 52).
Miranda prefere perdoar a esposa e fingir
que nada havia ocorrido, para manter sua
postura perante a
sociedade.
Leocádia é mulher do ferreiro Bruno.
Portuguesa, pequena, traía Bruno com Henrique. Leocádia sai de casa, enquanto
seu esposo fica totalmente sem rumo. Assim como Miranda, ele perdoa a traição
da esposa e vai até a sua procura pedindo o seu retorno. Era uma humilhação,
perder a mulher por outro homem. De acordo com o código Penal do Brasil, em
1890, só a mulher era penalizada, sendo punida. O homem era apenas considerado
como adúltero.
Outra traição merece destaque: a do
pedreiro Jerônimo, que se vê totalmente seduzido e atraído pela mulata Rita
Baiana, a quem faz de tudo para mantê-la em seus braços. Jerônimo trai sua
esposa Piedade de Jesus, que lhe tinha total submissão e dedicação. Uma mulher
dotada de sensibilidade nos seus mais diversos âmbitos, Piedade, que vivia em
dedicação ao marido e ao trabalho no lar, sofre quando Jerônimo a abandona. “A fidelidade obrigatória era impossível
de ser mantida pelo homem cuja sexualidade era excessivamente exigente,
resvalando a qualquer sedução. Julgava-se dever da esposa a compreensão de tais
fraquezas.” (SOIHET in: PRIORI, 1997, p. 384).
2.3 As lavadeiras, mulheres independentes
No Cortiço existiam aquelas mulheres que
trabalhavam nas tarefas tradicionalmente femininas, eram as lavadeiras. Na
obra, podemos destacar: Leandra “a machona”, portuguesa feroz. Tinha duas
filhas, uma que era casada e a outra separada do marido.
Ana das Dores, “a das Dores”, morava em
uma casinha à parte, mas toda a família habitava o cortiço. Neném era espigada,
franzina e forte. Já Augusta Carne-Mole era brasileira, branca e casada com
Alexandre, um mulato de quarenta anos, soldado da polícia.
O trabalho destas mulheres pobres era um
trabalho honesto, fica evidente que muitas delas eram responsáveis pelo
sustento principal da casa. E mais, muitas ficam divididas entre o trabalho
fora de casa e ser dona de casa.
A mulher pobre, cercada por uma moralidade
oficial completamente desligada de sua realidade vivia entre a cruz e a espada.
O salário minguado e regular de seu marido chegaria a suprir as necessidades
domésticas só por um milagre. Mas a dona de casa, que tentava escapar à miséria
por seu próprio trabalho, arriscava sofrer o pejo da mulher pública. (FONSECA,
in: PRIORI, 1997, p. 516).
2.4. A mulher subordinada
A personagem Bertoleza se destaca não
somente por ser a principal, mas pelo contexto da obra. Vivia “amasiada” com
João Romão, que tinha o intuito apenas de se enriquecer com o trabalho de
Bertoleza. Esta ainda vivia em estágio de escravidão, já que era totalmente
submissa a tal. Eles garantiam a sobrevivência com o trabalho de Bertoleza e
João deixava-se sustentar por ela. Além de tudo isso, João Romão tinha vergonha
de Bertoleza, por ser negra. Seu intuito era enriquecer e depois entregá-la ao
seu dono, já que era escrava. João queria uma mulher branca e da sociedade.
Seus sentimentos com relação a ela eram de pura repugnância. A cena final da
obra retrata isso. Nela, Bertoleza, em pleno trabalho descamando peixes é
surpreendida por policiais. Denunciada por aquele a quem tanto sempre dedicou
trabalho e sua vida, ela crava a própria faca em seu peito.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho teve o intuito de analisar
as diversas faces da mulher na obra O Cortiço, de Aluísio Azevedo, e mostrar
que foi mais um passo para a percepção das reflexões sobre o mundo atual. Com
diferentes personagens e uma narrativa rica, o romance tenta nos mostrar fatos
que nos remetem à metrópole moderna de hoje, analisando os valores familiares
da sociedade, bem como dinâmicas sociais e padrões de organização familiar da
sociedade atual.
Com uma linguagem simples, natural,
direta, o autor utiliza imparcialidade e objetividade para ressaltar atos, o
destino, o caráter e as motivações dos personagens.
A estrutura da obra é basicamente o
predomínio dos personagens sobre o enredo. Retrata a realidade destes
utilizando um recurso de descrição detalhada do ambiente onde a cena foi
ocorrida.
A narrativa dá ênfase à liberdade de
expressão das personagens, destacando suas condições psicológicas e morais.
O Cortiço, através de várias mulheres
apresentadas, nos remete a uma imitação da vida real, ou seja, temos os
assuntos do mundo real de maneira objetiva, documental e fotográfica sem a
participação do subjetivismo do artista. Não se tem uma visão demasiada,
ordenada da vida, o que parece artificial, já que a vida possui um ritmo
irregular.
A narrativa move-se lentamente, devido à
intensa caracterização das ações. Há uma fidelidade a todos os fatos, não
importando a opinião sobre os atos, mas os atos em si mesmos. O romance tenta
mostrar as vidas de todas as mulheres que foram destacadas como realmente são,
utilizando-se da técnica da observação e documentação.
Nenhuma atitude de tais mulheres
apresentadas não é gratuita, há sempre uma explicação lógica e cientificamente
aceitável para tais comportamentos. Uma literatura de construção à qual se
confundem os sentimentos com os dos personagens. O intuito seria denunciar as
desigualdades sociais através de uma pintura verdadeira da vida dos humildes e
obscuros, através das várias mulheres que estão habitualmente em torno de nós.
Aluísio Azevedo consegue conduzir o
drama das mulheres adúlteras, solteiras, lavadeiras, independentes e
subordinadas, fazendo com que o próprio desfecho não pareça arbitrário, mas uma
transposição dos casos reais.
Por meio de um contexto político e
social, o autor relata a situação de miséria das “camadas populares” em que
vivia boa parte da população brasileira do séc. XIX, o que de certa forma,
serve para a situação de hoje. Ele faz com que o leitor perceba deslizes entre
o ontem e o hoje. Tenta nos mostrar o óbvio, com um olhar crítico, ou seja, a
miséria escandalosa em que vive boa parte de nossa população.
Pelos valores familiares, destaca também
o aumento do número de famílias chefiadas por mulheres, ou seja, relata-nos a
autonomia da mulher.
Tem-se que uma intensa urbanização trouxe
a integração dos trabalhadores na cidade. As mulheres das camadas populares
possuíam características próprias e condições concretas de existência. Elas se
adaptavam às características dadas como universais ao sexo feminino: submissão,
recato, delicadeza, fragilidade. Eram mulheres que trabalhavam muito e tinham
sua própria maneira de pensar e agir, assim como a grande maioria delas assumia
a responsabilidade integral familiar. Temos então a compreensão sobre a
realidade vivida por estes grupos subalternos: mulheres e pobres.
www.unipam.edu.br/cratilo/images/.../MulheresNoCortiço.pdf
HOMOSSEXUALIDADE NAS LITERATURAS DE LÍNGUA PORTUGUESA
DO SÉC. XIX
Laís
Azevedo
Homossexualidade é um tabu, ainda nos
dias de hoje. Imagine esse tema sendo tratado no século XIX? No Brasil e em
Portugal, o homossexualismo foi aduzido na literatura de cunho naturalista.
Naquele período, assim como há pouco tempo (falo aqui no tocante à ciência e
não ao pensamento de determinadas camadas da sociedade), optar por alguém do
mesmo sexo era visto como uma doença, um desvio de comportamento que levava o
indivíduo a um estado degradante. A literatura naturalista, contaminada pela
ciência que estava desenvolvendo-se a todo vapor no século XIX, coadunava,
também, com a ideia de que os homossexuais eram indivíduos enfermos.
Nos Oitocentos, os ideais duma família estruturada
por: marido, mulher e filhos, foram levados ao extremo. À mulher cabia a
administração da casa, o orçamento e a educação dos filhos. O homem, por seu
turno, era o provedor. Foi no período oitocentista que as crianças ganharam um
novo olhar. Outrora, por exemplo, não havia a
adolescência; assim, os infantes eram tratados como adultos em
miniatura. Isso fica bem explícito nas pinturas renascentistas, barrocas e,
claro, nos documentos retratam o modo de vida dessas épocas.
Partindo do pressuposto que esse núcleo
familiar burguês era considerado o padrão certo para que uma nação fosse
civilizada e progredisse — no melhor espírito positivista, cada vez mais —,
tudo que não se adequava a esse pensamento familiar burguês deveria ser curado
ou eliminado do corpo social. Ora, desse modo, a literatura naturalista, que
buscava apresentar os males sociais no intuito de corrigí-los, colocava no
cerne de suas narrativas: homossexuais, prostitutas, libertinos, solteiros;
enfim, todos aqueles que, duma certa maneira, apresentavam um risco para a
unidade familiar.
No Brasil, o maior exemplo de exposição da
homossexualidade masculina, na literatura do século XIX, deu-se através da pena
de Adolfo Caminha em O Bom Crioulo.
Mas e a homossexualidade feminina? O assunto ficou a cargo de Aluísio Azevedo.
O conhecido autor de O Mulato, O cortiço
e Casa de pensão, que é apontado pelos historiadores literários como
responsável por ter trazido para o Brasil os ditames da escola de Émile Zola,
escreveu, também, romances românticos e fez, em pleno período Imperial, da pena
o seu mister. Azevedo costumava a escrever folhetins, um desses foi A Condessa Vésper. A obra, com pitadas
naturalistas e grandes doses de romantismo, expôs o safismo, isto é, o
lesbianismo na literatura brasileira.
A Condessa
Vésper traz à tona uma variedade imensa de personagens, o livro tem
reviravoltas típicas de folhetins que podem ser observadas, ainda nos dias de
hoje, nas telenovelas. As principais personas são: Gaspar, Ambrosina, Gabriel,
Gustavo e Laura.
Ambrosina, depois dum casamento frustrado
com um homem, Leonardo, que enlouquece no na noite de núpcias, torna-se amante
de Gabriel. Este último, um jovem que herdara uma boa fortuna da mãe e fora
criado por Gaspar, um médico, faz de tudo para manter Ambrosina ao seu lado;
porém, a jovem sempre consegue enganá-lo e pegar do rapaz bons contos de réis.
Laura é, tal como o grumete de O Bom Crioulo, a paixão de Ambrosina, que
conhece a garota graças a uma intervenção de Gabriel. Ambrosina, num dos seus
golpes, seduz Laura e foge para a Bahia. O interessante é que, em nenhum
momento, o narrador explícita com detalhes a relação amorosa entre as duas
mulheres.
Há, pois, sempre um jogo de palavras, um
eufemismo, para trazer a lume a questão para o leitor. Gustavo, por sua vez,
aparece na história quase no findar da obra, quando Ambrosina, depois de
retornar da Europa — Laura já havia morrido —, torna-se a Condessa Vésper. A
figura de Gustavo é interessante, uma vez que o jovem assemelha-se muito a
história de vida do próprio Aluísio. Oriundo duma província, o rapaz além de
tornar-se escritor era também caricaturista. O fato é que, tal como Gabriel,
Gaspar e outras personagens, o provinciano também, depois de travar contato com
Ambrosina, tem sua vida ceifada.
Essa característica mórbida, de
ceifadora, que Ambrosina desempenha na narrativa e sua personalidade ladina que
sempre atrapalha a vida dos outros está, implicitamente nas palavras do
narrador, ligada à sua opção sexual. A conduta homossexual de Ambrosina, que
não se regenera em nenhum momento do romance, mesmo tendo ao seu lado um
médico, que é uma figura muito utilizada nos romances naturalistas e, até mesmo
nos românticos, para colocar certas personagens no caminho considerado correto,
não funciona. A obra demonstra que a homossexualismo, se não fosse curado,
levaria não somente o indivíduo que sofria de seus males à morte, bem como
todos aqueles que o cercavam.
A história duma personagem que acaba,
devido aos vícios das paixões homossexuais, encaminhando os outros para
situações degradantes, aparece também em O Barão de Lavos, do escritor
português naturalista Abel Botelho. Influenciado, tal como Azevedo, por Émile
Zola, o autor escreveu uma série de cinco romances, cujo título é Patologia
Social. O nome da série já indica bem a proposta do escritor português. A ideia
de traçar as principais doenças que atingia Portugal no ultimar do século XIX
abre-se com a história do Barão de Lavos, a personagem Sebastião Pires de
Castro. Casado com Elvira o Barão, no decorrer da narrativa, devido sua
obsessão por pessoas do mesmo sexo, vai se degradando tanto psicologica como
fisicamente. Dono de uma boa fortuna herdada do pai, após conhecer Eugênio, um
jovem rapaz que aceita tornar-se amante do Barão de Lavos por uma boa oferta de
dinheiro, Sebastião põe tudo a perder. Elvira, sua esposa, apaixona-se por
Eugênio; desse modo, o casamento é destruído, uma vez que o Barão sente-se
traído duplamente, ou seja, tanto pelo jovem, bem como pela baronesa. A
homossexualidade que é explicada como uma doença, um mau que se dava por meio
da hereditariedade, leva o barão à falência.
A narrativa, calcada nos ideiais
naturalistas, apresenta a figura do barão de forma nauseabunda; isso tudo,
devido a homossexualidade. O narrador condena a felação, que surge de forma
surpreendente na narrativa, numa noite entre Eugênio e Sebastião. Ademais,
alerta para os riscos da masturbação, que provoca enfermidades na pele do
barão. Interessante notar como essa visão do sexo como algo feito somente para
procriar e manter a família ganha força no século XIX através das teorias
cientificistas. O ideal de procriação já era colocado pela religião católica de
forma bem explícita, porém torna-se, nos Oitocentos, uma verdade científica.
Essa mentalidade perdura, ainda, nos dias de hoje.
Nas duas narrativas que foram brevemente
comentadas neste texto, vemos que os autores naturalistas encaravam os
homossexuais como criaturas perigosas, maliciosas, que não mediam esforços para
satisfazerem, na visão dos autores, seus pérfidos desejos.
A leitura das obras supracitadas ajuda a
entender bem a mentalidade do período, além de trazer os recursos estéticos que
eram empregados para aduzir o tema.
Aconselho, fortemente, para todos que
gostam de literatura a leitura de A
Condessa Vésper e O Barão de Lavos.
Ambos, infelizmente, esgotados, mas que podem ser encontrados nos sebos.
www.literaturaemfoco.com/?p=2243
OS ROMANCES-FOLHETINS DE ALUÍSIO AZEVEDO: AVENTURAS
PERIFÉRICAS
Angela Maria Rubel Fanini
RESUMO
Este paper
constitui um resumo das conclusões a
que cheguei a partir do trabalho de doutorado sobre a obra romanesca de
Aluísio Azevedo. Na tese, empreendemos
uma releitura dos romances-folhetins -
Condessa Vésper (1882), Girândola de amores (1882), Filomena Borges (1884), Malta, Mattos
ou Mata? (1885), O coruja (1890), A mortalha de Alzira (1894) e Livro de uma
sogra (1895), escritos por Aluísio Azevedo. Esses romances têm sido
desqualificados por parte da crítica literária brasileira que os desvaloriza
por julgá-los fora dos padrões da escritura real-naturalista; por voltarem-se
para o mercado e atenderem às demandas do leitor e por instituírem-se a partir
de uma linguagem híbrida entre o romantismo e o real-naturalismo. A leitura
dessas obras revelou que o discurso híbrido não indica falta de coerência, mas
formaliza a contradição real em que vivia a sociedade brasileira oitocentista entre
o escravismo e o liberalismo, este vinculado a um projeto de renovação
conservadora e apegado ao discurso real-naturalista e aquele, ligado a um
projeto conservador passadista e atrelado ao romantismo. O hibridismo é uma
maneira de se ajustar as formas romanescas importadas ao contexto
sócio-econômico local.
Palavras chaves: hibridismo discursivo;
romance-folhetim; literatura brasileira; romantismo/realismo; Aluísio
Azevedo.
Percebemos que a obra de Aluísio Azevedo
é dividida em dois conjuntos dicotômicos por parte da crítica canônica: um
conjunto é considerado literário e
esteticamente válido. Desse conjunto, fazem parte O
mulato, Casa de pensão e O cortiço. Este se sobressai, de forma
uníssona, em qualidade estética. Mesmo dentro dessa “unanimidade”, há
divergências, pois cada linha analítica (nacionalista, formalista,
estruturalista, sociológica etc) valoriza de modo diferente essas obras,
destacando aspectos qualitativos diversos. Do conjunto desconsiderado, fazem
parte algumas obras que permanecem em uma espécie de limbo, como O homem,
O coruja e Livro de uma sogra, que são ora desqualificadas, ora qualificadas,
enquanto o restante da produção literária que analisamos - Condessa Vésper,
Girândola de amores, Filomena Borges,
Mattos, Malta ou Matta? e A mortalha de
Alzira - sofre um processo veemente de desvalorização.
Os romances-folhetins escritos por Aluísio
Azevedo foram e continuam sendo desconsiderados por parte da crítica acadêmica
e canônica. José Veríssimo constitui um discurso inaugural e de autoridade,
afirmando que essa produção é de
inspiração industrial(VERÍSSIMO, 1969), elaborada para o mercado, com o
propósito de obter meios de subsistência material. Esse posicionamento é
retomado e repetido de modo fechado e conclusivo por Lúcia Miguel Pereira, que
enfatiza que essa produção visava tão somente ao lucro (PEREIRA,1988). Ainda nessa linha de crítica à dimensão
comercial, industrial e mercadológica da obra de Aluísio Azevedo, encontramos
Nelson Werneck Sodré, para quem os romances-folhetins foram elaborados sobre a pressão da necessidade e do drama da subsistência (SODRE,1965). E, finalmente, temos Alfredo
Bosi, ainda nessa perspectiva, retomando literalmente as palavras de José
Veríssimo, destacando que os romances-folhetins se orientam por “pura
inspiração industrial”(BOSI,1984). Desse modo, percebemos que o discurso
primeiro, de autoridade do crítico oitocentista, vem sendo repetido e
reacentuado ora de forma atenuada, ora de forma desrespeitosa, ora “ipsis
litteris” .
Essa crítica depreciativa apresenta uma
visão muito simplificada e redutora das relações entre público leitor e
escritor no campo da produção de bens simbólicos para uma audiência mais ampla.
Por isso analisei essa reorientação dos romances-folhetins para um 3público
maior, evitando uma postura dicotômica que destaca apenas um pólo do discurso,
ou seja, a sua orientação única para o gosto e os valores populares, pois o
público influencia a obra, mas o escritor e a obra também exercem influências sobre o leitor. O processo de
escritura e leitura se intercambiam, auto-construindo-se e se esclarecendo.
Esse processo não é dicotômico, mas dialógico e aberto, operando por pressões e
resistências tanto do escritor quanto do público. Aluísio Azevedo faz
concessões ao público leitor, oferecendo-lhe o romantismo, o sentimentalismo, o
rocambolesco, mas também tenta manipulá-lo, ordená-lo, influenciá-lo para que
trilhe outra possibilidade de leitura que o escritor considera melhor,
introduzindo tanto a crítica ao romantismo quanto o discurso real-naturalista
nessa produção.
Nesse sentido, destacamos que a obra
considerada menor não pode ser lida como unicamente unidimensional, ou
seja, fazendo toda sorte de concessões à
audiência social dos leitores leigos a fim tão somente de que o escritor pudesse sobreviver materialmente de sua obra
considerada secundária. Aluísio Azevedo apresenta, tanto em discursos explícitos
(prefácios às obras) quanto em todo o conjunto de sua produção desconsiderada,
um projeto políticopedagógico, viabilizado por intermédio da literatura, cujo
propósito consiste em educar o leitor. Aluísio Azevedo, revelando-se um
escritor de perspectiva ilustrada e progressista burguesa, desejava com tal
projeto colocar o leitor no caminho do “bem”, da emancipação pela leitura,
fornecendo-lhe, em meio aos romances-folhetins, “boa e instrutiva literatura”.
Há aí todo um reordenamento dos romances-folhetins que passam a atender a um
projeto de leitura emancipatória que não pode ser desvalorizado e
desconsiderado. Há aí todo um projeto de poder, de disciplina, de controle do
leitor para que ele venha a trilhar “o caminho do bem”, ou seja, se liberte do
romantismo e do folhetinesco e se introduza em uma escritura madura,
científica, objetiva e racional do universo narrativo do real-naturalismo. Esse
conteúdo programático se concretiza em parte e é também revisto e
desconstruído, demonstrando toda uma trajetória de Aluísio Azevedo no sentido
de questionar os fundamentos e o alcance da linguagem real-naturalista. Esse
movimento entre o gosto popular e a
imposição de um projeto ilustrado faz desses romances-folhetins um material
literário de suma importância para o estudioso das letras, pois é nesses
romances que se localiza uma mecânica discursiva que questiona os paradigmas
discursivos do romantismo e do real-naturalismo, ora entronizandoos, ora
parodiando-os.
Essa crítica depreciativa em relação à
obra considerada menor é também extremamente aristocrática porque, nessa
perspectiva, o ofício de escrever não é vinculado à idéia de trabalho cultural.
O exercício da escrita é percebido como uma atividade paralela ao universo do
trabalho, destinando-se somente àqueles que, nas horas vagas e de ócio,
escrevem para passar o tempo, por diletantismo. Não é raro em nossa ficção encontrarmos nossos
escritores justificando que escreveram seus romances nas férias para preencher
o tempo e o ócio.
Aluísio Azevedo vai de encontro a esse
universo aristocrático. O escritor é oriundo de estratos médios da população e
não obteve, como muitos outros escritores, um cargo público que lhe
propiciasse, nas horas vagas, fazer literatura. Aluísio Azevedo é um dos
primeiros profissionais das letras no Brasil a viver da produção literária.
Essa profissionalização de Aluísio Azevedo o coloca como um trabalhador e
produtor de bens simbólicos para o mercado cultural, e isso não foi um
impeditivo para que lêssemos atentamente a produção literária considerada menor
do escritor, procurando aí encontrar qualidade estética, complexidade
discursiva, diálogo e confronto com a tradição literária local e importada, um
projeto de literatura e interações orgânicas com o contexto sócio-econômico. O
fato de Aluísio Azevedo escrever, não para a crítica, e sim para um público
mais amplo, apresenta implicações estruturais, formais e conteudísticas para a
obra do escritor, mas isso não implica que a produção literária orientada para
uma platéia mais ampliada se transforme automaticamente em subliteratura. É o
mesmo escritor quem escreve romances canonizados e romances “desqualificados”.
Como vimos, o autor, por sobreviver da literatura e nas palavras de Valentim
Magalhães “ser talvez o único escritor que ganha o pão exclusivamente à custa
de sua pena, mas note-se que ganha o pão: as letras no Brasil ainda não dão
para a manteiga,”demonstra em sua obra
preocupação com o universo do trabalho.
Essa crítica depreciativa parece também se
localizar fora da história, pois não percebe que o discurso do escritor é situado historicamente porque comunga de uma
episteme econômico-cultural ativa e específica ao contexto brasileiro. A
realidade brasileira oitocentista é contraditória, pois vive entre o escravismo
e o liberalismo. Essa contradição faz com que o romantismo não se torne
obsoleto e o real-naturalismo também possa se afirmar. Da comunhão de ambos,
surge a prosa “híbrida” de Aluísio Azevedo, destacada por ele mesmo, que tanto
se atrela ao “passado” ainda vigente dos senhores proprietários de terras e de
escravos, cuja linguagem e valores românticos idealizam a nação no intuito de
impedir quaisquer mudanças sociais que enfraqueçam o poderio da elite, quanto
se vincula ao projeto liberal, apegado ao presente e futuro da nação, cuja linguagem cientificizante e de
nomenclatura do real defende uma outra reordenação social, baseada no trabalho
formalmente livre e na República. Esse hibridismo formalizado em toda a obra de
Aluísio Azevedo, inclusive nos romances considerados literários, se estabelece
como uma “redução estrutural,” na acepção de Antonio Candido, do movimento
sócio-histórico, oscilante entre um paradigma e outro. Entretanto, se
examinarmos esses dois paradigmas
discursivos atrelados a projetos
políticos diferentes, veremos que essa diferenciação é apenas aparente porque
ambos se ligam a políticas que não visam a desarticular e modificar as estruturas sociais econômicas
verticalizadas e hierarquizadas que edificam a sociedade brasileira oitocentista.
Nesse sentido, a contradição da prosa híbrida de Aluísio Azevedo se acha na
superfície do texto, pois tanto o projeto romântico quanto o real-naturalista
são conservadores e autoritários, fortalecendo políticas
econômicas, sociais e culturais em que a hierarquia social, a hegemonia do
capital sobre o trabalho e os privilégios de classes são mantidos. É por isso
que as estéticas romântica e real-naturalista conseguem conviver dentro do
mesmo enunciado romanesco. Embora haja diferenças de tratamento da matéria
ficcional entre elas, ambas atendem a um projeto político conservador para a
sociedade brasileira.
Outro princípio fundamental que
norteia parte da crítica que
desconsidera os romances-folhetins é de caráter elitista, dividindo o público
leitor entre culto e inculto. Para Araripe Júnior, os romances-folhetins são
ruins porque satisfazem a avidez dos
leitores de rodapé, revelando-se aí um
preconceito em relação ao gosto dos leitores por romances sentimentais,
rocambolescos e folhetinescos. Temos aí a desqualificação da obra por atender a
um público social “leigo”, mais vasto, cujo gosto literário é depreciado. Essa
crítica deseja exercer um ordenamento do discurso literário, higienizando esse
discurso de tudo que possa ser vinculado ao gosto popular. Essa crítica
desconsidera que todo discurso é historicamente situado e sempre se orienta
para alguém e que essa audiência altera e, em parte, estrutura o discurso.
Nesse caso, o público leitor, ávido por narrativas rocambolescas e sentimentais,
é contemplado e interfere imanentemente na elaboração do discurso ficcional.
Essa postura negativa em relação ao gosto do leitor leigo é autoritária e
homogeneizante, pois exige que o discurso se vincule a apenas um padrão
estético (o real-naturalista), desconsiderando outros padrões discursivos de
raízes milenares que trabalham com o acaso, o sentimental, o aventuresco, o
implausível, o folhetinesco. Essa exigência última atende, certamente, a uma
crescente racionalização do pensamento ocidental que se dinamiza na Idade
Moderna, com o pensamento racional de René Descartes. O processo de
dessacralização das instituições e das relações sociais também atinge a esfera
literária que passa a banir, do universo considerado estético, as narrativas
folhetinescas. Aluísio Azevedo, ao romper, como vimos, com o projeto
pedagógico-ilustrado, reinstalando o romantismo exacerbado, escova a contrapelo
o processo de racionalização crescente, revelando-se altamente crítico em
relação ao discurso real-naturalista, cujo
objetivo era fornecer via cientificismo uma certa legitimidade ao discurso
literário. Aluísio Azevedo escapa da camisa de força cartesiana e isso assanha
a crítica muito ciosa do projeto racional burguês ocidental, fazendo com que se
volte contra o escritor.
Entretanto, os romances-folhetins, mesmo
incorporando uma arquitetônica cômica de carnavalização dos discursos oficiais
exaltativos da racionalidade, não deixam de se atrelar a um projeto
pedagógico-político que faz o elogio à racionalidade, sendo ‘enobrecidos’ a
partir da crítica à irracionalidade, ao romantismo desbaratado e à imaginação exacerbada. Desse
modo, os romances-folhetins também atendem
a um projeto burguês de instauração da racionalidade via literatura,
pois se instituem como discursos intermediários, servindo para criticar o
romantismo, atrelado a um ordenamento social que precisa ser modificado.
Percebemos que a forma romance-folhetim
importada do contexto europeu, nas mãos de Aluísio Azevedo, torna-se
diversificada, sendo filtrada (BOSI,
1992) pelo projeto pedagógico-ilustrado do escritor que insiste em
cientificizar a narrativa a fim de modernizá-la; pelo projeto literário
empenhado que visa a trabalhar a literatura em conexão imediata com o contexto
histórico nacional a fim de ilustrar o leitor; pela arquitetura cômica que
desarticula a linguagem petrificada, armando-se tanto contra a linguagem
romântica quanto a referencial e também
pelo contexto local de leitura que exige de Aluísio Azevedo um atrelamento
parcial ao universo romântico e folhetinesco que ele deseja varrer do contexto
literário brasileiro.
As estratégias de adaptação do
romance-folhetim e do romance clássico
burguês, oriundos da cultura européia
para o contexto brasileiro, que ocorrem na produção aluisiana, são pouco
estudadas. Alfredo Bosi desvaloriza a produção considerada subliterária,
afirmando que quando Aluísio Azevedo se mantém fiel a Zola e Eça de Queirós, é
um bom sinal, mas quando se afasta dos mestres europeus é um mau sinal.
Antonio Candido também vai ao encontro dessa crítica em Formação da
Literatura Brasileira: momentos decisivos quando afirma que a obra
real-naturalista de Aluísio Azevedo se constitui como mera cópia dos romances
franceses. Esse posicionamento de Antonio Candido, entretanto, se modifica
totalmente nos textos, “A passagem do dois ao três: contribuição para o estudo
das mediações na análise literária” e “ De cortiço a cortiço,” em que o crítico
enfatiza o reordenamento formal e de conteúdo que a narrativa de perspectiva zolista
sofre nas mãos de Aluísio Azevedo. O escritor reacentua as formas importadas no
romance O cortiço à medida que se estabelecem relações orgâncias entre o
discurso literário e a dimensão sócio-econômica brasileira. Essa interpretação
em que se destaca a dependência e a liberdade em relação às formas importadas
na obra de Aluísio Azevedo, no entanto, é rara.
A perspectiva crítica desfavorável à obra
folhetinesca não considera as estratégias de “filtragem”, ajustes e
descompassos por que passam as formas importadas na perspectiva aluisiana.
Vimos que a prosa híbrida presente na totalidade da produção literária de
Aluísio Azevedo foi uma tentativa de encontrar soluções para se operar um
ajuste entre os modelos literários de que faz uso. Vários outros expedientes
atestam isso, verificando-se que o discurso de Aluísio Azevedo se constitui
como uma escrita vinculada a seu país e ao seu tempo. O escritor percebe que o
contexto de leitura local é fraco e passa a monitorar o seu leitor,
principalmente em Condessa Vésper e Girândola
de Amores. Isso ocorre a partir de um narrador interferente, falante e
professoral que tutela a cada passo o leitor, guiando-o a fim de que a sua
audiência não se perca no intricado do romance–folhetim já cientificizado. Esse
discurso em tom familiar e íntimo tem por objetivo atingir um certo ordenamento
de leitura, conduzindo os leitores para a narrativa real-naturalista. As
personagens periféricas são talhadas em oposição às personagens centrais. Estas
são problemáticas, demoníacas, afetadas, trágicas, seguindo toda uma
estereotipia importada dos romances folhetinescos e hiperromânticos, soando
falsas em relação ao meio local.
Já as periféricas são estruturadas de
modo chão e prosaico, apontando para um transposição da realidade local mais
fiel e menos artificial. A narrativa policialesca nas mãos de Aluíso Azevedo afasta-se totalmente do
romance policial de enigma, sendo esvaziada de seu conteúdo e de sua forma
clássica em que impera a racionalidade detetivesca da coleta científica de
provas e do deslinde do mistério.
Essa reorientação da forma policial, que
ocorre em Girândola de Amores e Maltos, Malta ou Matta?, distanciando-se da
racionalidade científica e instrumental, ajusta-se melhor a um contexto local
em que a essência do trabalho escravo emperrava o avanço de conquistas
científicas e tecnológicas. As estratégias lógico-racionais que desmontam o
quebra cabeça dos romances policiais, deslindando os mistérios sobre o crime e
impondo a ordem, na pena de Aluísio Azevedo sofrem um deslocamento,
instaurando-se a dúvida e o universo da desordem.
Aluísio Azevedo esteve sempre atento à
relação centro e periferia e isso se confirma pelas inúmeras passagens
satíricas, paródicas e críticas, especialmente em Filomena Borges, em que se problematiza o
horror da elite nacional à cultura local. As várias passagens “metanarrativas”
também ilustram os conflitos entre formas importadas e contexto nacional.
Nessas passagens discutem-se a limitação
da linguagem romântica em dizer a realidade; a ligação do
romantismo ao mecenato imperial e,
sobretudo, o uso indevido, por parte dos escritores, da forma folhetinesca na
construção de personagens femininas extraordinárias, exaltadas e demoníacas,
distantes da realidade e do contexto local. Outra mediação nas formas
importadas encontra-se no contexto histórico local através de uma publicística da época (quebra do Banco
Mauá; quedas de gabinetes no governo imperial; Guerra do Paraguai; emergência
da classe média liberal e do trabalho intelectual oriundo de estratos médios da
população; emancipação feminina etc), que interceptam as fábulas e mudam os
destinos das personagens.
Essa orientação crítica que cola a literatura
nacional aos modelos importados ora exigindo uma fidelidade aos padrões
europeus de narrar, ora criticando os escritores nacionais por “copiarem” um
discurso alheio, não percebe que todo discurso é evêntico e vai necessariamente
estar ligado ao seu contexto e, desse modo, a reprodução ipsis litteris do discurso do outro (a
narrativa européia) é algo inexequível. O contexto brasileiro, embora
interligado cultural e economicamente ao contexto europeu, não deixa de
deslocar o discurso importado, atendendo a demandas outras de leitura e de
situação sócio-cultural. O deslocamento e a ligação das narrativas aluisianas
folhetinescas à forma importada foram investigados, resultando em leituras que desvendam alguns pontos sobre as
relações conflitantes e complexas entre literatura central e literatura de países
periféricos
.O modo de narrar proveniente de
centros europeus cuja realidade
sócio-econômica é diferente da realidade nacional encontra respaldo no meio local visto que a sociedade
brasileira é estratificada em classes sociais. A elite nacional, embora viva em
um ambiente diferenciado do europeu, mantém com a elite européia um diálogo
possibilitado por uma linguagem de valores culturais comuns. Essa linguagem, no
entanto, não se ajusta simetricamente à nossa realidade, mas passa por
adaptações, “adequando-se” com percalços e ambigüidades, ao meio local. Desse
modo, as idéias e as formas estão e não estão no lugar. Essa leitura é possível
se percebermos que nos países periféricos há centros de poder que dialogam com
os centros do poder dos países centrais.
Dentro do terceiro mundo temos também o
primeiro mundo, reforçando e mantendo as idéias e as práticas centrais. Em alguns romances-folhetins, a forma
romanesca denominada “de segunda linha” por Mikhail Bakhtin, que consiste em
perceber a realidade ficcional como um universo plurilíngue em que ocorre a
crítica das linguagens sociais e a auto-crítica do gênero romanesco, se
concretiza de modo mais feliz e em outros menos feliz.
Em Condessa Vésper e Girândola de amores, o escritor está bem apegado a seu projeto
ilustrado e pedagógico, cientificizando o folhetim, desmontando e criticando o
discurso romântico tanto a partir de longas digressões quanto de situações
narrativas que desacreditam o ideário romântico. Suicídios, bancarrotas,
assassinatos, traições e falências, atrelados a uma dimensão romântica
exaltada, demoníaca e desorientadora, contribuem para desacreditar esse
universo romântico. A estética e os valores românticos estão na berlinda para
serem substituídos pelo ideário realista-naturalista. Aluísio Azevedo não
problematiza a linguagem oficial, monológica, unificante, pois somente faz a
substituição de um paradigma discursivo por outro. O romantismo deve morrer
para viver o real-naturalismo. O centro não pode estar vazio. Nessas obras
ocorre romance de provas em que a linguagem e o herói românticos são colocados
à prova para sucumbirem, buscando adequar esses romances, sob a ótica
“ilustrada” de Aluísio Azevedo, à forma importada. O afã de modernizar a
narrativa pelo discurso cientificista não recebe contestação e o romantismo e
cientificismo se dicotomizam. Um é o vilão; o outro o herói. Essa dicotomia
fratura a narrativa, pois o real-naturalismo fica muito pedante e monológico no
texto e a crítica ao romantismo muito séria, muito didática.
Entretanto, a linguagem folhetinesca não
se apresenta como um objeto fácil de ser manipulado, e, não raras
vezes, insurge-se, tomando a cena, provocando identificação, comoção. Essas
obras também provocam identificação, sobretudo em virtude de sua maquinaria
envolvente, nas palavras de Umberto Eco(1991).
Em A mortalha de Alzira, já no prefácio, assinado por Vítor Leal,
pseudônimo de Aluísio Azevedo, o escritor desbanca com o real-naturalismo,
embora nessa obra não deixe também de cientificizar o folhetim. Entretanto, o
romantismo exacerbado irrompe em A
mortalha de Alzira de uma forma exuberante, recuperando o maravilhoso, o
fantasioso e o inverossímil, o que neutraliza o projeto-pedagógico de Aluísio
Azevedo em desacreditar o romantismo. A maquinaria envolvente da narrativa
gótica em A mortalha de Alzira seduz o leitor, mas como ela não está sozinha e
tem em sua companhia o seu oposto, ou seja, o cientificismo, esse envolvimento
é parcial. Identificação e distanciamento são os lados da mesma moeda que é
oferecida ao leitor. A obra também dialoga com a novela Noite
na Taverna, de Alvarez de Azevedo, inserindo-se em uma corrente literária
de tradição gótica, bastante distante de um projeto racional de escrita. Nessa obra, Aluísio Azevedo parece
se render ao universo da desordem (o romantismo exacerbado) em contraposição ao
seu projeto da ordem (o real-naturalismo).
Em Filomena Borges, a categoria denominada
romance de “segunda linha” se enquadra perfeitamente à medida que Aluísio Azevedo, por intermédio de uma arquitetura
cômica, destrona o romantismo, sem, contudo, substituí-lo pelo discurso
realista-naturalista. O centro não é ocupado por outro discurso monológico e
fechado. O romantismo entronizado, oficializado, convencionalizado é mostrado
em suas dimensões históricas e isso o dessacraliza como discurso natural,
estável, sempre igual a si mesmo. O riso irrompe de dentro do sério,
mostrando-lhe as fraturas. Aluísio Azevedo se
utiliza do romantismo dos heróis e de suas situações, exacerbando,
inflacionando e esse exagero se
apresenta como caricatural, revelando-se crítico. Em Filomena Borges, o leitor
contemporâneo encontra um romance em que a relação entre as palavras e as
coisas é problematizada, assemelhando-se
essa obra ao romance magistral
D.Quixote de Miguel Cervantes, como afirma Antonio Candido.
Em Mattos,
Malta ou Matta? irrompe a dualidade e a ambiguidade, problematizando-se,
sobretudo, as relações tensas entre a linguagem e o real. Aqui o projeto
real-naturalista que crê em uma linguagem transparente e de nomenclatura do
real é desnorteado. Nesse romancefolhetim,além de termos uma narrativa muito
envolvente em virtude de uma fábula recheada de peripécias à moda folhetinesca,
temos, também, a elaboração de um universo cômico em que pontos chaves como a
própria linguagem e sua pretensa neutralidade e objetividade são
carnavalizados.
Em O
coruja, o escritor se distancia completamente de seu projeto explícito de
criticar o romantismo e introduzir, mediante longas digressões didáticas, o
realismo-naturalismo. O romance é de caráter essencialmente psicológico, mas de
uma psicologia objetiva, material e
social em que a consciência de si e a prática da bondade e da vaidade vão se
formando e deformando nas intrincadas relações sociais entre as personagens.
Ocorre a carnavalização da bondade e da vaidade à medida em que essa prática
social mostra o outro dentro de si: o mal e o bem respectivamente. O bem e o
mal se forjam no social e não se dissociam, contaminandose dialogicamente.
Nesse romance, a estratificação sócio-econômica da sociedade na esfera da luta
de classes permeia toda a narrativa, definindo, sobremaneira, o destino das
personagens.
O diálogo é a tônica dessa obra, elaborando-se as
personagens em contínua articulação entre 11
si, desvelando-se a
partir de suas ações, principalmente a inter-relação das classes médias
emergentes e das classes altas no Brasil, perpassada pela ideologia de favor,
dada como uma prática que beneficia especialmente a elite que distribui
favores, fortalecendo-se. A narrativa é construída sob o signo do duplo,
captando um movimento social entre a ordem burguesa e o favor. A ação social
das personagens emergentes ora ocorre dentro de um padrão burguês, sob o signo
da autonomia, do trabalho, da meritocracia e do individualismo, ora sob a égide
do favor e da dependência das classes altas. Simbiose, parasitismo e autonomia
regem a ação das classes emergentes, sendo a ideologia do favor um limite para
a sua ascensão enquanto sujeito
e sua história.
Em
Livro de uma sogra, o projeto
pedagógico-iluminista é também desnorteado à medida que o cientificismo de tese
é parodiado. Aqui, o escritor problematiza a linguagem de autoridade e
autoritária. A narrativa, por intermédio de um discurso analítico satírico,
elabora um receituário pormenorizado e detalhado de atitudes maritais que podem
contribuir para a felicidade conjugal. Entretanto, esse receituário se torna
risível em virtude de que se mostra sempre limitado em relação às
possibilidades sempre novas e variadas de infelicidade, revelando a
complexidade e a incompletude das relações sociais.
Vinculamos a derrocada do projeto
ilustrado de Aluísio Azevedo,
especialmente em Livro de uma sogra, ao contexto histórico brasileiro. Aluísio
Azevedo pertencia à geração boêmia e realista que lutava por mudanças
significativas na sociedade. O escritor e seus amigos intelectuais criticavam o
Segundo Império e ansiavam pela República. Com a Proclamação da República veio
a decepção, pois o projeto democrático com que sonhavam não se efetivou. O
projeto desenvolvimentista-industrial que poderia inserir o pobre, o negro, os
intelectuais de classe média (professores, médicos, engenheiros, intelectuais)
é boicotado por uma elite de cafeicultores que sustentam um modelo
agro-exportador e especulativo (política emissionista de títulos do governo sem
lastro real). Segundo José Murilo de Carvalho, o projeto “dos bolchevistas de
classe média e técnicos,” do qual fazia parte
Aluísio Azevedo e a
geração-boêmia-realista, gorou, sendo vencido, segundo o historiador, por “um
espírito do capitalismo sem a ética protestante.”
Essa decepção faz com que Aluísio Azevedo
também reveja o seu projeto ilustrado-pedagógico, comprometido com a mudança
que não houve.
Concluindo este estudo, esperamos ter
contribuído para uma outra leitura da obra considerada menor escrita por Aluísio Azevedo,
resgatando-a do esquecimento e da desqualificação que tem sofrido por parte considerável
da crítica canônica. Essas obras não podem ser consideradas ilegíveis como afirma certa perspectiva
crítica porque todo o discurso, incluindo o literário, é um fenômeno aberto que
pode suscitar leituras novas e diversas. O passado pode ser resgatado a
qualquer momento, recebendo uma nova interpretação, como destacam as palavras
de Mikhail Bakhtin: “Não há nada morto de
maneira absoluta. Todo o sentido festejará um dia seu renascimento”.
www.dacex.ct.utfpr.edu.br/.../Os_romances_folhetins_de_Aluisio_Az.
A peça chave e a Casa de Pensão ou O cortiço?
ResponderExcluirPreciso de contexto historico,dados, personagens e suas características,análise,interpretação e características da escola literária do livro O coruja de Aluísio Azevedo por favor
ResponderExcluir