Herculano Marcos Inglês de Sousa (Óbidos, 28 de dezembro de 1853 — Rio de
Janeiro, 6 de setembro de 1918) foi um professor, advogado, político,
jornalista e escritor brasileiro, tido por alguns como introdutor do
naturalismo na literatura brasileira e um dos membros fundadores da Academia
Brasileira de Letras. Escreveu inicialmente com o pseudônimo Luiz Dolzani.
Era filho do desembargador Marcos
Antônio Rodrigues de Sousa e de Henriqueta Amália de Góis Brito, membros de
tradicionais famílias paraenses.
Carreira literária
Publicou dois romances em 1876, O
Cacaulista e História de um Pescador, aos quais seguiram-se mais dois, todos
publicados sob o pseudônimo Luís Dolzani. Com Antônio Carlos Ribeiro de Andrade
e Silva publicou a partir de 1877 a Revista Nacional, versando sobre ciências,
artes e letras.
Foi o introdutor do naturalismo no
Brasil, porém seus primeiros romances não tiveram repercussão. A principal
características de sua obra é o enfoque no homem amazônico, acima da paisagem e
do exotismo da região.
Compareceu às sessões
preparatórias da criação da Academia Brasileira de Letras (ABL), responsável
pela fundação da cadeira 28, que tem como patrono Manuel Antônio de Almeida.
Do grupo fundador da ABL
participou outro ilustre obidense, José Veríssimo, que, juntamente com Araripe
Júnior, Artur de Azevedo, Graça Aranha, Guimarães Passos, Joaquim Nabuco, Lúcio
de Mendonça, Machado de Assis, Medeiros e Albuquerque, Olavo Bilac, Pedro
Rabelo, Rodrigo Otávio, Silva Ramos, Visconde de Taunay e Teixeira de Melo,
realizaram a sétima e última sessão preparatória em 28 de janeiro de 1897.
Nesta sessão foram incorporados
como membros aqueles que haviam comparecido às sessões preparatórias
anteriores: Coelho Neto, Filinto de Almeida, José do Patrocínio, Luís Murat e
Valentim Magalhães. Foram convidados para participar como fundadores, e
aceitaram, Afonso Celso Júnior, Alberto de Oliveira, Alcindo Guanabara, Carlos
de Laet, Garcia Redondo, Pereira da Silva, Rui Barbosa, Sílvio Romero e Urbano
Duarte.
Tornou-se conhecido com O
Missionário (1891), que, como toda sua obra, revela influência de Zola. Neste
romance descreve com fidelidade a vida numa pequena cidade do Pará, revelando
agudo espírito de observação, amor à natureza, fidelidade a cenas regionais.
Carreira política e
jurídica
Inglês de Sousa fez os primeiros
estudos no Pará, no Maranhão e no Rio de Janeiro.Em 1870 foi para a cidade de
Recife para preparar o concurso para a entrada na Faculdade de Direito do
Recife, que cursou de 1872 a 1875.
Em 1875, com a nomeação de seu pai
como juiz de direito em Santos, foi buscar as irmãs que estavam no Pará e
partiu em 1876 para São Paulo para completar o curso de direito, inscrevendo-se
para o quinto (e último ano) na Faculdade de Direito de São Paulo, onde
formou-se em 4 de novembro de 1876.
Em 1878, quando ainda morava na
cidade de Santos, onde era jornalista no Diário de Santos, de propriedade de
João José Teixeira, militava ativamente no então Partido Liberal, em oposição
ao Partido Conservador. Em 5 de janeiro de 1878 subiu ao poder o Partido
Liberal, sob a presidência do Conselheiro João Lins Vieira Cansanção de Sinimbu
e com ele Carlos Leôncio da Silva Carvalho para a pasta do Império, que nomeou
Inglês de Sousa Secretário da Relação de São Paulo, em 18 de maio de 1878.
Foi eleito deputado provincial
(equivalente aos atuais deputados estaduais) para a Assembleia Provincial de
São Paulo (hoje Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo) nas 23ª e 24ª
legislaturas (1880 a 1883).
Foi nomeado presidente da
província de Sergipe (hoje Estado) por carta imperial de 2 de maio de 1881 e
tomou posse em 17 de maio de 1881. Sua missão consistia em controlar uma
rebelião da guarnição militar local e supervisionar a aplicação da recém
promulgada Lei Saraiva em Sergipe. Após controlar a situação e supervisionar as
eleições de 1881, pediu exoneração do cargo que foi concedida por decreto de 28
de janeiro de 1882, governando até 22 de fevereiro de 1882.
Após sua exoneração de Sergipe foi
nomeado presidente da província do Espírito Santo por carta imperial de 11 de
fevereiro de 1882 e tomou posse em 3 de abril de 1882.
Pediu exoneração do posto e deixou
o cargo em 9 de dezembro de 1882 para tomar posse como deputado provincial da
24ª legislatura (1882 a 1883) da Assembleia Provincial de São Paulo.
A partir de 1892 fixou-se no Rio de Janeiro , como advogado, banqueiro,
jornalista e professor de Direito Comercial e Marítimo na Faculdade Livre de
Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro, atual Faculdade Nacional de
Direito da UFRJ.
A publicação de Os Títulos ao Portador assegura-lhe
projeção nacional e o torna jurisconsulto de fama e prestígio, sendo indicado
para diretor da Faculdades de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro e
Presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) de 1907 a 1910,
qualidade na qual presidiu o Primeiro Congresso Jurídico Nacional.
Convidado, mais de uma vez, para o
supremo Tribunal, não aceitou a indicação, "por motivos de ordem
pessoal". Foi convidado pelo ministro Rivadávia Correia para organizar o
novo Código Comercial, apresenta-o, dentro de 11 meses, com notáveis emendas
aditivas, que o transformam em Código uno de direito privado, de que era
convicto partidário. Realizou a primeira codificação integral de todo o direito
privado.[4]
Falecimento
Inglês de Sousa faleceu na capital
da República e foi sepultado no Cemitério São João Batista no dia 7 de setembro
de 1918 com "um dos maiores acompanhamentos de que há memoria",
segundo registrou o jornal "O País" no dia seguinte.
Obras literárias
O Cacaulista, publicado sob o
pseudônimo de Luís Dolzani pela Tipografia do Diário de Santos, Santos -
romance (1876)
História de um pescador, publicado pela
Tipografia do Diário de Santos, Santos - romance (1876)
O Coronel Sangrado, publicado na Revista
Nacional de Ciências, Artes e Letras, São Paulo - romance (1877) e em volume na
Tipografia do Diário da Manha, São Paulo, 1882 (sob pseudônimo de Luís Dolzani)
O Missionário, publicado sob o
pseudônimo de Luís Dolzani pela Tipografia do Diário de Santos, Santos- romance
(1891)
Contos Amazônicos, publicado pela Editora
Laemmert, Rio de Janeiro, (1893)
Obras jurídicas e artigos
Artigos e ensaios de
critica literária e filosófica - publicados no jornal Lábaro, Recife (1873)
Reforma e Regulamento da
Instrução Publica, Aracaju, Sergipe, (1881)
Relatório com que o Exm.
Sr. Dr. Herculano Marcos Inglez de Souza entregou no dia 9 de dezembro de 1882
ao Exm. Sr. Dr. Martim Francisco Ribeiro de Andrada Junior a administração da
Província do Espírito Santo.
Títulos ao portador no
direito brasileiro, Editora Francisco Alves, Rio de Janeiro, (1898)
Projeto de Código Comercial, Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, (1912)
Inglês de Sousa
– Wikipédia, a enciclopédia livre - pt.wikipedia.org
O RIGOR CIENTÍFICO NA FICÇÃO DE INGLÊS DE SOUSA
Walter Pinto
A
literatura de ficção pode expressar uma realidade? Ao responder a questão, o
professor Mauro Vianna Barreto, mestre em Antropologia pela UFPA, produziu um
importante estudo socioantropológico que traz à tona a obra literária do
escritor paraense Herculano Marcos Inglês de Sousa, o introdutor do Naturalismo
na literatura brasileira.
Há críticos
que atribuem ao maranhense Aloísio de Azevedo, com "O Mulato", livro
publicado em 1881, a primazia da introdução da nova escola, que teve em Émile
Zola e Eça de Queiróz os principais nomes da literatura universal.
Esses
críticos parecem desconhecer os três livros publicados por Inglês de Sousa
antes da obra de Azevedo, onde já estão presentes os princípios que iriam
nortear a prosa realista-naturalista no Brasil.
Inglês de
Sousa publicou cinco livros, todos de temática realista-naturalista, entre 1876
e 1893. Os três primeiros - O Cacaulista
(1976), História de um Pescador (1977) e O Coronel Sangrado (1977) - foram
publicados quando os meios literatos ainda eram dominados pelo Romantismo. Em
1891, publicaria seu livro mais conhecido, O Missionário, levando ao extremo os
princípios da escola de Émile Zola. Sua carreira literária se encerraria com
Contos Amazônicos, publicado em 1893.
Ambientados
em pequenas e desconhecidas cidades da Amazônia, os romances de Inglês de Sousa
não despertaram a atenção dos leitores do Sul, onde foram publicados. "O
pessoal lia Iracema, A Moreninha. De repente vem um cara falando sobre
exploração de trabalho lá na Amazônia, ninguém queria ver isso, a realidade nua
e crua", explica Mauro Vianna Barreto.
Essa descrição nua e crua da realidade, como, por
exemplo, o relato de uma disputa política entre conservadores e liberais em
Óbidos, um dos momentos mais brilhantes de O Coronel Sangrado, é que despertou
o interesse do pesquisador à obra do escritor. Desenvolvido como dissertação de
mestrado em Antropologia, o estudo virou o livro O Romance da Vida Amazônica -
uma leitura socioantropológica da obra literária de Inglês de Souza, publicado
pela Letras a Margem, em edição custeada pelo autor.
Cotejando
as informações de Inglês de Sousa com uma extensa bibliografia de quase 120
obras, entre as quais relatos de naturalistas e estudiosos que estiveram na
região enfocada pelos romances à época em que foram ambientados, Barreto pode
afirmar que "os cinco livros conseguem traçar um retrato fidedigno da
sociedade cacaueira da Amazônia das décadas de 60 e 70 do século XIX".
Inglês de
Sousa nasceu em Óbidos, em 1952. Viveu 15 anos na região, então dominada pelas
grandes fazendas de cacau, no momento em que a navegação a vapor começava a
transformar os costumes em algumas pequenas vilas e povoados. Utilizando a
memória da infância e adolescência e, muito provavelmente, informações de seus
pais, o escritor esquadrinha o cotidiano e retrata os hábitos e costumes
populares com precisão.
"Inglês
de Sousa é uma fonte preciosa de informações a respeito da vida social em seu
tempo, pois revela dados e minúcias que são de inestimáveis valia para uma
leitura socioantropológica da literatura", afirma o pesquisador.
Para
Barreto, o Realismo de Inglês de Sousa se distingue não tanto pela descrição do
ambiente natural, como nos romances clássicos do Naturalismo, mas
fundamentalmente pela reconstituição do modo de vida dos habitantes das margens
do rio Amazonas.
"A
todo instante há passagens pormenorizadas do modo de vida amazônico
oitocentista: os costumes, a rotina doméstica, as tarefas de subsistência, a
sociabilidade, as relações de conflito e acomodação entre diferentes segmentos
sociais, os preconceitos raciais, as manifestações folclóricas, as
particularidades do linguajar regional, as crenças e práticas religiosas, as
supertições e crendices populares, as regras de etiqueta, os padrões de
civilidade, o lazer, as festas", enumera o pesquisador, ressaltando a
importância dessas informações para o estudo socioantropológico da vida na
Amazônia perlustrada por Inglês de Sousa.
Vilas e povoados amazônicos na segunda metade do
século XIX
Das
cidades paraenses à margem do Amazonas, Óbidos, terra natal do escritor, está
presente em dois livros de Inglês de Souza, O Cacaulista e O Coronel Sangrado,
considerados os melhores da sua obra.
Em 1848, o naturalista inglês Henry Bates passou por Óbidos e gostou do que viu. "É uma das cidades mais aprazíveis da beira do rio. As casas são todas cobertas de telha, e em sua maioria de construção sólida. Os habitantes, gente ingênua, cortês e sociável", relatou. Observou que as classes mais elevadas da população eram compostas de famílias brancas tradicionais, revelando, porém, alguns traços de sangue índio e negro em seus descendentes. A maioria dos moradores era constituída de proprietários de fazenda de cacau.
Em 1848, o naturalista inglês Henry Bates passou por Óbidos e gostou do que viu. "É uma das cidades mais aprazíveis da beira do rio. As casas são todas cobertas de telha, e em sua maioria de construção sólida. Os habitantes, gente ingênua, cortês e sociável", relatou. Observou que as classes mais elevadas da população eram compostas de famílias brancas tradicionais, revelando, porém, alguns traços de sangue índio e negro em seus descendentes. A maioria dos moradores era constituída de proprietários de fazenda de cacau.
Ao
comparar a descrição do infatigável Bates com o texto de Inglês de Sousa, o
professor Mauro Vianna Barreto observa a convergência das versões. Em relação
às habitações rurais, por exemplo, o mesmo tipo de casa - com paredes de barro,
telhada, chão de terra batida e ampla varanda lateral, escassos utensílios,
onde a rede assume local de destaque, servindo para uma série de coisas, entre
as quais receber visitas, como observou o casal de naturalistas Elizabeth e
Louis Agassiz.
O
pesquisador do Departamento de Antropologia da UFPA diz que as anotações sobre
Óbidos feitas pelo cientista Ferreira Pena em 1868, se tornaram muito importantes
porque datam do intervalo do tempo entre O
Caucalista e O Coronel Sangrado.
A cidade
era então composta de duas praças e nove ruas, entrecruzadas em ângulos retos,
de um modo geral estreitas e sem calçamento. Os prédios públicos resumiam-se as
duas igrejas, uma delas em ruína, a câmara, a cadeia e ao forte da época da
fundação.
Ferreira Pena conta que a cidade era bem fornida de
estabelecimentos comerciais: tabernas, lojas de tecido, alfaiatarias, padarias,
drogarias, açougues, oficinas de ferreiro, ourives, olaria e outras casas de
pequeno negócio.
Com um
movimentado porto, que recebia, além de barcos e canoas a vela, os vapores da
Companhia do Amazonas, a cidade era uma das poucas com iluminação
pública.
A Óbidos da ficção naturalista de Inglês de Sousa bate perfeitamente com o levantamento científico de Pena, na qual a cidade se destaca na região, principalmente se comparada a Faro, um decadente povoado, composto por duas ruas, três travessas e uma praça, com 78 moradores que habitavam casas em péssimas condições.
A Óbidos da ficção naturalista de Inglês de Sousa bate perfeitamente com o levantamento científico de Pena, na qual a cidade se destaca na região, principalmente se comparada a Faro, um decadente povoado, composto por duas ruas, três travessas e uma praça, com 78 moradores que habitavam casas em péssimas condições.
Os
moradores ansiavam pela chegada da navegação a vapor, que poderia alterar o
quadro desolador da cidade. O ar patético apresentado por Faro ao cientista
está presente, de forma soturna, no livro Contos Amazônicos, o último que
publicou antes de se dedicar inteiramente à bem-sucedida carreira jurídica.
Naquele
mesmo 1868, Ferreira Pena aportou em Alenquer, cenário de História de um
Pescador. Apesar de acanhada, a vila lhe pareceu uma das mais conservadas do
Pará.
Nada mais
era que um alinhamento de cerca de cem casas caiadas e telhadas que se
distribuíam por duas ruas paralelas, cruzadas por curtas travessas. Tinha cinco
casas de comércio bem sortidas, um açougue e uma padaria, Câmara Municipal em
bom estado e uma igreja inconclusa.
Mauro
Barreto observa que a descrição acima se harmoniza perfeitamente com a de
Inglês de Sousa em seu segundo romance: uma vila pequena, situada em uma
extensa planície, à beira de um braço do Amazonas, com habitações distantes da
margem por causa das enchentes, com duas ou três ruas apenas, onde existem
perto de cem casas, pequenas e pobres.
O
excelente livro de Mauro Vianna Barreto é um importante documento sobre a
sociedade e o meio rural e urbano do Baixo Amazonas na segunda metade do século
XIX.
Revela ao leitor a importância de um escritor até hoje pouco conhecido, que ousou escrever prosa com rigor quase científico sobre uma região desconhecida dos brasileiros, em momento literário ainda dominado por antigas idéias românticas. (WP)
Revela ao leitor a importância de um escritor até hoje pouco conhecido, que ousou escrever prosa com rigor quase científico sobre uma região desconhecida dos brasileiros, em momento literário ainda dominado por antigas idéias românticas. (WP)
O MISSIONÁRIO
- Inglês de Souza
O
Missionário , obra que goza de melhor conceito junto à crítica, nasceu do
desenvolvimento do conto O Sofisma do
Vigário. É um romance de tese, propondo o conflito entre a vocação
sacerdotal e o instinto sexual, instigado pelo relaxamento dos costumes e pelo
sensualismo da mameluca Clarinha, que acabam por vencer a frágil resistência do
Pe. Antônio de Morais.
Enredo
Tomando o hábito o Padre Antônio de Morais
vai para Silves, povoado paraense, à entrada da selva amazônica. Malgrado
carente de vocação, granjeia prestígio de sacerdote correto e pio; todavia, a
rotina da vilazinha, começando a enfastiá-lo, sugere-lhe a procura de um objeto
mais valioso para aplicar seu talento. E resolve embrenhar-se na mata inóspita,
a fim de catequizar os temíveis mundurucus. Parte em companhia do sacristão,
mas este regressa a Silves antes de chegar. E é doente que chega ao sítio de
João Pimenta, onde os desvelos de Clarinha, neta do agricultor, e prolongado
repouso lhe restituem a saúde e lhe acordam o erotismo que a batina dissimulara
até então. Por fim, conduzindo a mameluca, retorna a Silves , e é recebido como
um autêntico santo.
Comentário
Em O
Missionário, o propósito de demonstrar os condicionamentos biológicos,
sociais e circunstanciais, sob a ótica Naturalista e Determinista, sugere o
esquema e as etapas do processo narrativo. Inicialmente, o autor descreve
minuciosamente a localidade de Silves, no Pará , de maneira a dar-lhe corpo e
vida, com sua atmosfera parada e sensual e seus tipos característicos : o
farmacêutico, o livre-pensador, o sacristão, o coletor , o professor alguns
maledicentes e intrigantes. Introduz , a seguir, o idealismo místico e as
controvérsias teológicas do Padre Antônio Morais, que se sente inútil,
confinado à mediocridade da vida provinciana. A decisão de aventurar-se entre
os índios selvagens fundamenta-se mais no desejo de glória, que no zelo
missionário. Aventurando-se pelos rios e florestas da Amazônia, o convívio
íntimo com a família de mamelucos , o sensualismo da paisagem põem à prova os
votos de castidade, que cede. Para explicar a queda final, o autor faz um longo
retrospecto da vida do Padre Antônio Morais, repassando a infância, o
seminário, a severa disciplina, a repressão da sexualidade na adolescência.
Quando a personagem retorna a Silves, o autor, ainda à maneira dos naturalista,
extrai a moralidade dos fatos, acomodando-o à nova situação.
O Missionário | Resumos Literarios - www.algosobre.com.br
O REBELDE, de Inglês de Souza
O conto O Rebelde, do livro Contos Amazônico, de Inglês de Sousa, publicado em 1893, no Rio de Janeiro, traz em sua composição nove histórias, que na introdução da terceira edição de Contos Amazônicos, podem ser consideradas quase como crônicas de costumes, ou um documento social construído a partir da observação de aspectos da região amazônica. De maneira geral a narrativa apresenta a história do personagem Luís, ainda criança; mostra a amizade entre Luís, Júlia e Paulo da Rocha, um homem desprezado por toda a população de Vila Bela, pelo fato de ter participado da revolta de 1817 em Pernambuco. O assunto que atravessa toda a narrativa é a Cabanagem, fato que gera um clima tenso na região, bem como um sentimento de medo nos moradores pela ameaça de invasão dos cabanos. A situação se complica quando a ameaça se concretiza, os cabanos invadem Vila Bela e matam o juiz de paz Guilherme da Silveira. Luís e sua mãe Mariquinhas são salvos por Rocha e fogem juntamente com o padre João e Júlia para o sítio de Andresa.
O texto segue contando as várias situações vivenciadas pelos personagens no sítio. O personagem de Paulo da Rocha mostra-se ao longo da narrativa um grande amigo e protetor dos refugiados. Como último problema, Paulo tem sua filha capturada pelos revoltosos, que propõem uma troca da jovem pelo filho do juiz, e mais uma vez Luís é salvo, pois Paulo não faz a troca. O conto termina com Luís já adulto reencontrando Paulo que havia sido preso como um dos revoltosos, Luís consegue a liberdade de seu amigo, mas Paulo morre logo em seguida. Em O Rebelde o tema central, o problema que impulsiona a narrativa, é a Cabanagem, assunto Em O Rebelde o tema central, o problema que impulsiona a narrativa, é a Cabanagem, assunto que envolve os personagens e direciona toda a narrativa. Neste sentido, são apresentados por meio das vozes do narrador e dos personagens vários posicionamentos e visões sobre este movimento. Estas vozes trazem versões sobre a situação social, sobre os motivos da revolta, além do posicionamento da igreja, do português, do estado, do homem marginalizado e desfavorecido, com relação às ações praticadas durante a revolta. É por meio dessas vozes presentes no texto que se fará a leitura do conto, atentando para a organização da narrativa, dos discursos que se entrecruzam e se contrapõe como portugueses versus brasileiros; brancos versus tapuios; favorecidos versus desfavorecidos; estado versus revoltosos.
O primeiro aspecto que merece atenção é o próprio título do conto, pois quando lemos esse título nos perguntamos: Quem é o rebelde? Por que é rebelde? Essas perguntas são respondidas ao longo do texto através do comportamento e atitudes dos personagens.
A primeira resposta para essas perguntas é que Paulo da Rocha é o rebelde, pois participou da revolta de Pernambuco e, é visto pela sociedade de Vila Bela como um velho rebelde “Paulo da Rocha era pernambucano e fora um dos rebeldes de 1817, um soldado fiel do capitão Domingos José Martins, o espírito-santense.” Depois é possível também entender que o narrador, o personagem de Luís, é o rebelde, pois o garoto mostra-se possuidor de um espírito rebelde ao se interessar por tudo que é desprezado, incluindo a amizade dedicada ao homem marginalizado pela população de Vila, Paulo, como se verifica no trecho abaixo:
Desde a mais tenra infância, vivi sempre em contradição de sentimentos e de idéias com os que me cercavam: gostava do que os outros não queriam, e tal era a predisposição malsã do meu espírito rebelde e refratário a toda a disciplina que o melhor título de um homem ou de um animal à minha afeição era ser desprezado por todos.
Os dois amigos, Luís e Paulo, têm em comum um espírito rebelde, essa é a grande marca dos personagens. No entanto o personagem de grande destaque no conto é Paulo da Rocha, que aparece como uma voz de experiência (ele é um homem velho); ele representa o conhecimento (tinha o hábito de ler) e a rebeldia (participou da revolta em Pernambuco e apóia de certa forma a luta dos cabanos); é também o velho do outro mundo (comparado ao murucututu, figura lendária das cantigas usadas pelas mães de Vila para acalentar seus filhos) e um presságio funesto para o pai de Luís (quando aparece na porta da casa antes da invasão dos cabanos). Mas acima de tudo, Paulo da Rocha é um grande herói da narrativa, apresentado como um homem honesto, simples, que tem consciência de sua situação social e que é capaz de renunciar muitas coisas para salvar um grupo de amigos. Essa idéia será retomada mais tarde, quando será falado mais especificamente do personagem Paulo da Rocha.
Esta narrativa traz duas visões sobre o movimento cabano: uma que condena a revolta, visão dos brancos, portugueses, pessoas que detinham o poder; e outra que mostra ser justa a luta dos cabanos, visão defendida pelos grupos excluídos, diferentemente do conto A Quadrilha de Jacó Patacho, que traz um recorte da invasão de um grupo de revoltosos à casa da família do português Félix Salvaterra. Neste conto é ressaltado o papel de vítima dos portugueses, quando qualifica a família de Félix Salvaterra como “honrada” e possuidora de uma “consciência honesta”, e o papel de vilão dos cabanos, quando descreve os revoltosos como um aspecto feio e repugnante, “figura baixa e beixigosa”, “nariz roído de bexigas”, “boca imunda e servil”.
Nesta narrativa é mostrado apenas um lado da revolta, a violência praticada pelos cabanos, o clima de medo e terror instaurado na região amazônica durante este período, sem mostrar o porquê da revolta, a situação de exclusão social e miséria vivida por uma parcela da população paraense. O narrador conta as ações criminosas dos revoltosos, mas não mostra a violência cometida pelos guardas do governo ao conter a revolta. Já o conto O Rebelde, como foi dito anteriormente, nos possibilita a visão dos dois lados envolvidos na cabanagem, dos portugueses, brancos, da classe mais favorecida e a visão dos revoltosos e excluídos.
O texto deixa bem marcado as posições opostas tomadas pelos brancos e os caboclos, que se personificam nas figuras de Guilherme da Silveira e Matias Paxiúba. O primeiro assume o papel de dominador, conquistador e civilizado enquanto o outro é relegado ao papel de dominado, conquistado e incivilizado, ressaltando o ódio cultivado e mantido pelas duas “raças”, vejamos um trecho:
O certo é que o branco e o caboclo se haviam jurado um ódio eterno. Naqueles tempos de fortes paixões, em que todos os sentimentos tinham uma possança e uma pureza extrema, ódios arraigados e entranháveis eram comuns. Matias Paxiúba, o brasileiro, e Guilherme da Silveira, o marinheiro, tinham-se sempre encontrado inimigos – desde a primeira vez que se viram, parecia que todo o ódio das duas raças, a conquistadora e a indígena, se tinha personificado naqueles dois homens, cujos nomes eram o grito de guerra de cada um dos partidos adversos.
No conto encontramos muitas vozes que contam a Cabanagem, a do narrador adulto que conta sua experiência durante a infância com a revolta; a voz de Paulo da Rocha, homem marginalizado pela sociedade, participante da revolução de 1817 em Pernambuco; a voz de Guilherme da Silveira, juiz de paz; a voz de João da Costa do Amaral, padre e português; a voz de Mariquinhas, mãe de Luís e esposa de Guilherme da Silveira (voz que pouco aparece); a voz dos cabanos e de um dos líderes Matias Paxiúba. Essas vozes caracterizam posicionamentos políticos, representam pontos de vistas de classes sociais e marcam as relações de poder entre dominados e dominadores, compondo um painel da sociedade de meados do século XIX na Amazônia.
A voz do narrador Luís por vezes se posiciona com uma voz que condena os revoltosos chamando-os de “corja de bandidos”, de “fanáticos” possuidores de “uma alucinação religiosa e patriótica”, bem como mostra as crueldades praticadas a homens, mulheres e crianças
Os viajantes que passavam por Vila Bela narravam a meia voz as façanhas desses fanáticos caboclos, vítimas de uma dupla alucinação religiosa e patriótica, e o faziam com tal exagero que infundiam terror aos mais destemidos. Diziam de homens queimados vivos, de mulheres violadas e esfoladas e do terrível correio, suplício que inventara a feroz imaginação de um chefe.
Consistia em amarrar solidamente aos pés e as mãos da vítima e embarcá-la assim em uma canoa que, entregue à correnteza do rio, abria água em poucos minutos. [...]
A voz de Luís é essa voz que traz consigo a visão da classe em que ele está inserido, a classe favorecida e dominadora, possuidora de bens e de cargos públicos (o pai de Luís era juiz de paz), como aponta o próprio narrador “Meu pai representava a civilização, a ordem, a luz, a abastança.”, que via na luta dos cabanos uma forte ameaça para a continuação de sua dominação, o que explica o motivo dos “tapuios” serem apontados como fanáticos.
A voz do padre João representa um discurso que contradiz o seu próprio posicionamento dentro da sociedade, o de ter sempre a fé, a confiança na “Providência Divina”, pelo fato de que em alguns momentos ele declara não poder fica esperando pela providência
[...] Não podemos ficar de braços cruzados, à mercê da Providência [...] De que vale ser ministro do altar? Para esses fanáticos sanguinários, a minha antiga nacionalidade é crime que tudo faz esquecer!
e em outros ele apenas se entrega a essa possibilidade, vejamos a fala do personagem, ” – Entreguemo-nos à Divina Providência, o melhor amparo dos que padecem.”
Padre João representa a voz da Igreja, de uma classe favorecida na sua condição de representante de Deus, da moral e da ordem, além de representar também o português, o branco e o colonizador. Essa voz aparece na narrativa condenando as ações dos revoltosos, “fanáticos sanguinários”, é uma voz marcada pelo medo da invasão a Vila, pelo medo do encontro com os revoltosos e que se esconde num discurso de preocupação com o povo, vejamos um trecho:
[...] — Oh! – continuou ele (padre João), depois de uma pausa, e como receando que fossem mal interpretadas as suas palavras. – Deus me é testemunha de que não temo por mim, mas por estes povos infelizes, que serão vítima da minha involuntária culpa
A voz de Mariquinhas soma-se à voz de Luís e a do padre João, pois é a voz de uma mulher ligada à classe social mais favorecida, voz de quem ocupa um papel de destaque, esposa do juiz de paz da região. É importante observar que essa personagem pouco fala ao longo de toda a narrativa, mas num momento de desespero desabafa e expõe sua visão obre a revolta, condenando os cabanos, apontando a luta como uma mera vontade de roubar e matar
. “— Isso dizem os cabanos para esconder os seus torpes motivos. O que eles querem é matar e roubar.[...]”.
Mariquinhas é uma personagem que traz consigo o preconceito de cor e de posicionamento social, pois mesmo depois de Paulo da Rocha lhe ter salvo, a personagem não consegue confiar no mulato “[...] Não posso explicar uma tal desconfiança, mas minha mãe, principalmente, não se soubera despir de antigos preconceitos, nem podia olhar com segurança para o mulato.”
Como podemos verificar esta personagem esta arraigada em suas origens e em todos os preconceitos de sua classe, fato este notável na sua relação de desconfiança com Paulo, um homem simples, pobre e participante da revolta de Pernambuco. O texto também revela a crueldade dos guardas, que fazem um cerco ao grupo de Matias Paxiúba, matam homens, mulheres e crianças. Os guardas também acham natural todas as brutalidades cometidas contra os revoltosos e só lamentam ter conseguido um único prisioneiro. Como é percebido na fala do tenente-coronel Miranda:
Atirando-se à água. Muitos deles foram mortos a tiro, outros se afogaram, alguns foram comidos de jacarés. Quando descobri a fuga mandei ativar o fogo. Ardeu das palhoças. [...] – Os que não se atiraram à água foram poucos. Mulheres e crianças morreram queimadas. Era natural. Nós não lhes podíamos acudir. O que é lamentável é que só se fizesse um prisioneiro, mas esse era de muita importância. Todas essas vozes convergem para um único ponto: mostrar a situação instável durante a revolta Cabanagem a partir do olhar da classe social mais abastada, dos portugueses, dos brancos, em outras palavras, de como uma classe social que detinha o poder político e econômico da região enxergou a revolta. A situação dos revoltos é contada pela voz do narrador e de outros personagens, como foi verificado nas observações acima, mas há ainda um acréscimo, pois em um certo momento da narrativa o próprio cabano ganha voz e expõe a sua visão sobre os fatos que o levaram a começar a luta, fato que surge como um diferencial dentro do texto inglesiano, “[...] — Branco mata e rouba o tapuio aos bocadinhos. Tapuio mata o branco de uma vez, porque o branco é maçom e furta o que o tapuio ganha.”. Nesta fala um dos “tapuios” tenta mostrar que o “branco” não é melhor que os revoltosos, visto que ambos matam, no entanto a diferença está na forma, o “branco” mata aos poucos por meio da exploração e o “tapuio” mata “de uma vez”, logo ambos estão cometendo os mesmos crimes só que de formas diferentes.
Esta fala surge dentro de todo o contexto da narrativa como uma força poderosa, capaz de apontar toda a situação de luta do “tapuio” em vencer a exploração que há anos lhe tinha sido imposta pelo “branco”, e por toda uma sociedade comandada pelos conquistadores portugueses, apesar da aparente liberdade alcançada pelo brasileiro com a independência do país. Um dos lideres da revolta Matias Paxiúba também ganha voz no texto, personagem que é temido pelos portugueses, adjetivado pelo narrador como “feroz”, “cruel” e “desapiedado”, possuidor de uma “voz de trovão”, que aparece como uma figura quase mítica dentro da narrativa, traz a voz da vingança, de toda a revolta que impulsiona um desejo de acerto de contas entre o colonizado e o colonizador “— O filho dessa gente maldita – disse o tapuio em tom resoluto, - o filho de Guilherme da Silveira não pode viver. Tens que entregá-lo à vingança dos teus patrícios".
Dentro dessa fala há o conflito racial e social, traz-se à cena a relação conquistador versus conquistado, o personagem de Guilherme da Silveira, juiz de paz, português, representado a essa altura pelo filho e único herdeiro, versus o de Paxiúba, o brasileiro. Esses personagens caracterizam bem essa luta entre o conquistador, representando a “civilização”, a “ordem”, a “luz”, a “abastança”, e o conquistado representando a “ignorância”, a “superstição”, o “fanatismo”.
Outro momento em que a voz dos revoltosos se faz presente no texto, está justamente no momento da invasão de Vila Bela, em que ecoa o grito de guerra da Cabanagem “— Mata marinheiro, mata, mata!”, mostrando a força e o desejo de vingança dos revoltosos. Este grito quando é ouvido pelos portugueses gera pânico e desespero, é também um dos barulhos que acorda Luís, ainda menino, em sua casa durante a invasão. É um grito que traz consigo uma ação “matar”, um desejo e ao mesmo tempo uma ordem, um imperativo “mata”, e o alvo dessa ação é o “marinheiro”, simbolizando neste contexto a figura do juiz de paz e outros portugueses representantes da injustiça, na visão dos revoltosos.
Os revoltosos apesar de terem voz na narrativa e de exporem seus motivos em algumas falas, ainda são poucos os personagens do lado dos “tapuios” que ganham voz no texto se comparados ao número de personagens representantes dos brancos, portugueses, que condenam o movimento. Isso pode ser explicado pelo fato de que o narrador, já adulto, conta a história que vivenciou durante infância, e que foi prejudicado pela ação dos cabanos perdendo a casa, o pai e os amigos Rocha e Júlia. Além de todas as vozes dos dominadores e dominados, há no texto uma voz diferenciada, a voz do personagem Paulo da Rocha que media de certa forma as outras vozes, uma voz que analisa a situação social do país no contexto histórico em que ele está inserido. Fala da miséria enfrentada pelas populações inferiores, da escravidão dos índios, da proclamação da independência, destaca o porquê da revolta dos cabanos, a situação de marginalização e miséria dos revoltosos mostrando um conhecimento e uma consciência política. Vejamos este momento da narrativa:
Paulo da Rocha dissertou longamente sobre as causas da cabanagem, a miséria originária das populações inferiores, a escravidão dos índios, a crueldade dos brancos, os inqualificáveis abusos com que esmagam o pobre tapuio, a longa paciência destes. Disse da sujeição em que jaziam os brasileiros, apesar da proclamação da independência do país, que fora um ato puramente político, precisando de seu complemento social. Mostrou que os portugueses continuavam a ser senhores do Pará, dispunham do dinheiro, dos cargos públicos, da maçonaria, de todas as fontes de influência, nem na política, nem no comércio o brasileiro nato podia concorrer com eles. Que, enquanto durasse o predomínio despótico do estrangeiro, o negro no sul e o tapuio no norte continuariam vítimas de todas as prepotências, pois que eram brasileiros, e como tais condenados a sustentar com o suor do rosto a raça dos conquistadores. [...]
Nesta fala de Paulo recontada pelo narrador, o personagem cria diante do leitor um panorama da sociedade brasileira, fazendo com que sejam conhecidos os problemas vividos durante o século XIX no Brasil. É feito uma crítica a organização do país, pois aponta a própria proclamação de independência como um ato político, que não possuiu um desdobramento social. Expõe a dominação ainda existente do português sobre o brasileiro, em que o primeiro detinha os cargos públicos e de governo enquanto que o segundo continuava como vítima da exploração do estrangeiro.
Este personagem ganha mais profundidade, pois não defende somente o seu lado marginal, ou tenta justificar os problemas com mais problemas, pelo contrário ele é capaz de descrever toda a situação social e política de sua região e até mesmo do país.
O personagem Rocha também faz algumas considerações sobre a Cabanagem, aponta o movimento paraense como uma extensão da Revolução de 7 de abril, e se questiona porque o governo do Rio de Janeiro, nascido de uma manifestação popular perseguia o povo do Pará . É interessante observar que, o personagem apesar de defender a luta e a causa dos revoltosos, apontando a situação de marginalização social,
[...] Bater os cabanos! Uns pobres diabos que a miséria levou à rebelião! Uns pobres homens cansados de viver sobre o despotismo duro e cruel de uma raça desapiedada! Uns desgraçados que não sabem ler e que não tem pão... e cuja culpa é só terem sido despojados de todos os bens e de todos os direitos [...] e quem disse ao senhor padre João que eu, Paulo da Rocha, o desprezado de todos em Vila Bela, seria capaz de pegar em armas contra os cabanos? [...]
também condena os crimes, as mortes e violências praticadas contra mulheres e crianças “— Senhor padre João, estou longe de provar os morticínios que têm feito os brasileiros por toda a parte [...]”.
Em alguns momentos da narrativa Rocha é visto pelo narrador como um herói, uma figura agigantada, e uma figura quase mítica “[...] uma voz oculta me indicava um herói das antigas lendas [...] um homem como eu sonhava nos meus devaneios infantis”.
Os raios do sol cadente, penetrando na humilde habitação, vinham ferir em cheio o crânio seminu do pernambucano, que, alto, ereto, agigantado e estranho, parecia outro homem, sem rugas no rosto, sem cansaço na voz, sem a habitual tristeza na fisionomia. O personagem de Paulo é visto na narrativa de diversas formas, em alguns momentos ele é adjetivado como o pernambucano, o rebelde de 1817, o velho do outro mundo, o mulato, o velho feiticeiro, o sineiro da matriz ou estranho sineiro da Matriz, mas acima de todas essas características que lhes são atribuídas, ele é apresentado como o grande herói da história, capaz de ariscar a sua própria vida e a de sua filha para salvar a vida de um amigo e manter a palavra dada a Guilherme da Silveira. O resultado de tudo é apresentado no final do conto, ele passa muitos anos preso na cadeia, confundido como um dos cabanos, e quando ganha a liberdade morre sem condenar seus algozes, dono de uma grande bondade, fato que leva o narrador a compará-lo a Jesus de Nazaré no alto da cruz. O pernambucano parecia ter mais de cem anos. Rugas profundas cortavam-lhe o bronzeado rosto em todos os sentidos. O corpo era de uma magreza extrema de vida que se esvai. Só lhe ficara o olhar, o olhar sereno e claro, e um sorriso de resignação e de bondade, o sorriso que teve Jesus de Nazaré no alto da cruz. [...] levei-o para minha casa, onde dois dias depois expirou nos meus braços. Voou aquela sublime alma para o céu sem murmurar contra os seus algozes. Paulo da Rocha juntamente com os outros personagens trazem a voz da exclusão social, possibilitando ao leitor a oportunidade de conhecer um outro lado da revolta, o lado dos que foram marginalizados pelo governo, pelos portugueses, pela população detentora de maior poder aquisitivo, bem como a situação política e social do Brasil no período pós-independência nacional.
De maneira geral o conto O Rebelde, de Inglês de Sousa, conta as ações praticadas pelos cabanos, pelos guardas do governo e por outras pessoas envolvidas, reconfigurando no plano ficcional fatos do mundo real. Neste sentido, é possível por meio das vozes dos personagens e do próprio narrador conhecer os efeitos da Cabanagem na vida da população de Vila Bela.
Através da observação das vozes dos personagens, dominadores e dominados, buscou-se verificar o posicionamento de reprovação e aprovação das classes sociais sobre a revolta, tendo em vista que, essas vozes expõem ao leitor a situação política do país, a situação de miséria da população local (os chamados tapuios), bem como a exploração da população brasileira mantida pelo estrangeiro detentor de cargos públicos e do próprio governo. A narrativa expõe os dois lados da revolta, as violências cometidas pelos cabanos e as cometidas pelo governo, diferentemente de outros textos e documentos históricos que mostram apenas a visão da classe dominante. Em O Rebelde é possível vê a denúncia na voz de Paulo da Rocha e outros personagens, que a Cabanagem não foi uma revolta sem objetivos ou motivos, pelo contrário, é exposta a situação insustentável de miséria e exclusão social que vivia o tapuio, explicando o porquê das ações violentas e da revolta como um todo, não se resumindo a um relato de guerra pelo poder, mas mostra-se como um texto revelador de uma história da sociedade da Amazônia. Créditos: Livia Sousa da Cunha, mestranda do Curso de Mestrado em Letras
O rebelde (Conto), de Inglês de Souza - Passeiweb - www.passeiweb.com
INGLÊS DE SOUSA NA OBRA "CONTOS AMAZÔNICOS": O HOMEM NA LUTA COM O MUNDO SELVAGEM.
Jéssica Teixeira do Couto, Letras Licenciatura em Língua Francesa, Universidade Federal do Pará.
Introdução
Contos Amazônicos é uma obra naturalista
de ficção que está dividida em nove contos. É também o último livro escrito por
Inglês de Sousa , em 1893. Assim como todos
os outros livros escritos por ele, esta obra se preocupa com cada detalhe da Amazônia. Mitos e lendas
aparecem com freqüência nesta narrativa e são incorporados à ficção, retratando bem a situação do povo
daquela região com um espírito popular, supersticioso
e cheio de mistério.
RESUMO DOS NOVE CONTOS
O voluntário
“É
naturalmente melancólica a gente da beira do rio.”
Pedro é um jovem morador de Alenquer, no
interior do Pará, que vive junto com sua
mãe, a viúva tapuia Rosa. Em 1865, aos 19 anos, Pedro foi recrutado pelo
capitão Fabrício para lutar na guerra do
Paraguai, como no trecho do livro:
“ – Pois então tenha paciência. Se não quer ser
voluntário, está recrutado.”
Esta
foi a frase que capitão Fabrício usou para anunciar que Pedro fora recrutado,
já que não aceitou ir por livre e espontânea vontade. Não era gosto de ninguém
ir para a guerra porque todos sabiam qual era o destino mais certo: a morte. E
com Pedro não foi diferente. Rosa ainda contratou um advogado para tentar
livrar o filho de tal fatalidade, mas foi em vão. Pedro partira no navio antes
do previsto. A tapuia Rosa, como sugere o texto, enlouqueceu e ficou vagando pela cidade de Santarém. Pedro não voltou
mais.
A feiticeira
O Tenente Antônio de Sousa era um homem
totalmente incrédulo. Um certo dia, depois de ouvir falar muito sobre a
feiticeira poderosa Maria Mucoim, ele resolve ir até sua casa para ver se, de
fato, ela é realmente uma. Maria Mucoim é descrita pelo autor da seguinte forma:
“ [...] uma
velhinha magra, alquebrada, com uns olhos pequenos, de olhar sinistro, as maçãs
do rosto muito salientes, a boca negra que, quando se abria em um sorriso
horroroso, deixava ver um dente – um só! – comprido e escuro. A cara cor-de-cobre,
os cabelos amarelados presos ao alto da cabeça por um trepa-moleque de
tartaruga, tinham um aspecto medonho que não consigo descrever. A feiticeira
trazia ao pescoço um cordão sujo, de onde pendiam numerosos bentinhos, falsos,
já se vê, com que procurava enganar o próximo, para ocultar a sua verdadeira
natureza.” (pág. 39)
Ao entrar na casa contra a vontade da
feiticeira, o tenente é atacado pelo bode (objeto de feitiçaria) e volta para
casa correndo sob forte chuva. A casa começa a inundar e o tenente é obrigado a
sair de casa, porém, o rio enche e ele tem que começar a nadar para procurar
abrigo. Após nadar algum tempo, o
tenente encontra uma canoa, mas ao se aproximar, percebe que quem está dentro é
Maria Mucoim. Mariquinha sempre foi a mais bonita e consequentemente a mais
disputada moça de Vila Bela. Também vivia no vilarejo Lucinda, que era
conhecida como a moça mais feia. Em 1866, Lourenço, filho do capitão Amâncio de
Miranda, foi passar o natal no vilarejo. Acostumado com os namoros fáceis do
Pará, achou que podia brincar com o sentimento das moças do local. Logo,
Mariquinha se apaixonou pelo rapaz, que, no começo também a correspondeu. Mas
Lourenço mostrou desejo por Lucinda, sem deixar de iludir Mariquinha.
Não gostando da situação, Mariquinha foi
aconselhada por Margarida a colocar tajá na bebida do rapaz e assim, ele cairia
a seus pés. Lourenço, em uma visita à casa de Mariquinha, tomou o remédio,
passou mal, teve convulsões e morreu. O remédio, na verdade, era um veneno
muito poderoso. Mariquinha sumiu.
Acauã
O capitão Jerônimo Ferreira, totalmente
desiludido após a morte de sua esposa, está caçando pela mata em uma
sexta-feira, considerada de agouro pelos habitantes do povoado de Faro,
considerado uma das mais tristes regiões da Amazônia. Depois de cair pelo susto
de um barulho ensurdecedor, encontrou uma canoa e nesta canoa uma criança. O
capitão já possuía uma filha, Aninha, uma criança bonita e alegre que com o
passar do tempo se tornou uma jovem pálida e fraca, depois da chegada de
Vitória, a criança encontrada na canoa. Vitória e Aninha eram muito diferentes,
como nos trechos:
“Ana fora
uma criança robusta e sã, era agora franzina e pálida. Os anelados cabelos
castanhos caiam-lhe sobre as alvas e magras espáduas. Os olhos tinham uma
languidez doentia. A boca andava sempre contraída, em uma constante vontade de
chorar. Raras rugas divisavam-se-lhe nos cantos da boca e na fronte baixa,
algum tanto cavada. Sem que nunca a tivessem visto verter uma lágrima, Aninha
tinha um ar tristonho , que a todos impressionava, e se ia tornando cada dia
mais visível.” (pag. 60)
“Vitória era alta e magra, de compleição
forte, com músculos de aço. A tez era morena, quase escura, as sobrancelhas
negras e arqueadas; o queixo, fino e pontudo; as narinas, dilatadas; os olhos
negros, rasgados, de um brilho estranho. Apesar da incontestável formosura,
tinha alguma coisa de masculino nas feições e nos modos. A boca, ornada de
magníficos dentes, tinha um sorriso de gelo. Fitava com arrogância os homens
até obrigá-los a baixar os olhos.” (pág. 60)
Um certo dia, Aninha foi pedida em
casamento, aceitou, mas alguns dias depois, recusou. Passou-se um tempo e
novamente a moça foi pedida em casamento, só que desta vez, o pai não permitiu
que ela recusasse o pedido. Então Aninha foi obrigada a casar. No dia do
casamento, quando Aninha e o futuro esposo estavam no altar, eis que surgiu Vitória, na porta da igreja:
“De
pé, à porta da sacristia, hirta como uma defunta, com uma cabeleira feita de
cobras, com as narinas dilatadas e a tez verde-negra, Vitória, a sua filha
adotiva, fixava em Aninha um olhar horrível, olhar de demônio, olhar frio que
parecia querer pregá-la imóvel no chão. A boca entreaberta mostrava a língua
fina, bipartida como língua de serpente. Um leve fumo azulado saía-lhe da boca
e ia subindo até o teto da igreja. Era um espetáculo sem nome!” (pág. 63)
Aninha entrou em desespero e desmaiou.
Após sofrer convulsões, uivar, rolar no chão, a moça dobrou os braços e começou
a batê-los como se fossem asas e soltou um grito: - Acauã! Aninha tinha se tornado o
pássaro mais temido do lugar.
O donativo do capitão Silvestre
Em tempos de guerra pelo mundo, a ameaça
de um possível confronto entre Inglaterra e Brasil, gerou um grande patriotismo
no povo brasileiro. Em Óbidos, o coronel Gama e o juiz municipal foram
encarregados de angariar fundos para colaborar no armamento do Brasil. Havia
uma lista em que cada assinatura era responsável por um donativo e havia
contribuições de valores diversos. São contadas muitas histórias e o conflito
cai na boca dos habitantes do Pará.
O coronel Gama e o juiz municipal
conseguiram nove contos de réis. Faltava recorrer ao capitão Silvestre que
havia participado da Cabanagem e, sendo assim, era patriota e, agora, um dos
homens mais abastados da cidade.O capitão estava totalmente por fora dos
acontecimentos, doou cem bacamartes, o que fez com que os outros ficassem
boquiabertos e humilhados.
O gado do valha-me Deus
Domingos Espalha, personagem-narrador, é
encarregado de cuidar da fazenda Paraíso, assinalar o gado e remeter uma vaca
para uma festa de São João e chama para a tarefa seu companheiro Chico Pitanga.
A fazenda, que havia pertencido ao Padre Geraldo, mas que, por testamento,
pertencia à Amaro Pais, estava abandonada.
Domingos Espalha e Chico Pitanga começam uma jornada pela fazenda em
busca de uma rês. Encontram uma vaca, mas descobrem que ela só tinha espuma
branca por dentro. Encontram cerca de cinco mil cabeças de gado, mas nenhuma
rês. Então seguem o rastro do gado e acabam chegando à Serra do Valha-me Deus,
o lugar onde ninguém tinha subido, então voltaram para a fazenda sem conseguir
a rês. Uma missão que não foi cumprida.
O baile do Judeu
O conto se passa no baile que o Judeu
resolveu dar em sua casa. Às oito horas da noite, todos já estavam na festa. A
música ficou por conta da orquestra da igreja. Há no conto uma personagem em
especial: Dona Mariquinhas, uma mulher recém-casada, que tinha como marido o
tenente-coronel Bento de Arruda, um homem rico, viúvo e sem filhos que também
estava no baile. Às onze horas, quando o baile estava no seu auge, entra um
homem desconhecido que se tornou a atração da festa, pois estava todo mal
arrumado e acabou arrancando boas gargalhadas dos convidados. Todos queriam
saber quem era aquele homem puxara Dona Mariquinhas para dançar. Vendo que o
casal dançava empolgado, os músicos resolveram mudar a música e colocaram uma
valsa. Nesta valsa, o sujeito desconhecido deixa o chapéu cair e todos descobrem
que ele era o boto. Então o boto sai dançando e arrastando Dona Mariquinhas
para fora da festa e a leva para o rio. Após este acontecimento, ninguém mais
apareceu no baile do Judeu.
A quadrilha de Jacó Patacho
O conto narra a tragédia vivida pela
família do português Félix Salvaterra que vivia em um sítio isolado no Pará,
entre Santarém e Irituia, às margens do rio Tapajós. Historicamente situada em
1832, a narrativa tem como pano de fundo a Cabanagem, uma revolta que aconteceu no Pará.
Uma noite, dois homens batem a porta do
sítio de Félix Salvaterra dizendo que eram viajantes e tinham uma carga para
entregar em outra cidade, mas que com a mudança de tempo, resolveram pedir
abrigo no sítio. O clima de tensão foi enorme, pois a família já ouvira falar
das tragédias que a quadrilha de Jacó Patacho vinha causando nos arredores, mas
mesmo assim o português permitiu que os dois homens ficassem na casa. Anica, a
filha do português, não consegue dormir já que começa a perceber que um dos
homens não lhe é estranho e suspeita já ter visto aquele rosto alguma vez. É aí
que o leitor começa a acompanhar toda a aflição que Anica passa até a revelação
trágica alcançada pela memória.
Anica, após perceber uma movimentação
estranha ao redor da casa, acaba encontrando Saraiva, o homem estranho que
dormira na casa, e trava uma batalha, na qual ela sai vencedora e o homem acaba
morto com um tiro, dado por seu pai. Mas a família não tem um final feliz. O
pai de Anica e os irmãos são mortos pela quadrilha de Jacó Patacho como
vingança por terem matado um de seus guerreiros.
O rebelde
O rebelde
é o maior conto do livro (possui nove partes) e é considerado por muitos
críticos literários, como uma novela. O texto narra a história da vida de Luís
(contada por ele mesmo), seu contato com Paulo da Rocha, um velho veterano da
Revolução Pernambucana de 1817, habitante agora de Vila Bela, e a experiência
da fuga da Cabanagem vivida pelos dois,
junto com Padre João da Costa, Júlia, filha de Paulo, e dona Mariquinhas, mãe
de Luís, após a morte de Guilherme da Silveira, pai deste último. Os
acontecimentos narrados pertencem à década de 1830, mas o tempo da realização
do relato data de 40 anos depois, como afirma o narrador no início do conto.
1. A obra
1. A obra
O livro está dividido em nove contos: “O
voluntário”, “A feiticeira”, “Amor de Maria”, “Acauã”, “O donativo do capitão
Silvestre”, “O gado do valha-me Deus”, “O baile do judeu”, “A quadrilha de Jacó
Patacho” e “O rebelde”. Todos possuem características e expressões bem
marcantes na Amazônia, bem como palavras da fauna e flora que tem seus
significados em um glossário que compõe a maioria dos livros. Todos os contos
do livro acontecem no estado do Pará, em cidades que ficam a beira dos rios
Tapajós e Amazonas. Consequentemente, os habitantes desses lugares conheciam a
capital, Belém, apenas por histórias, já que a distância, por exemplo, de
Santarém à capital, era de mais de dois dias de barco. De fato, Inglês de
Sousa, apesar de ser de uma família tradicional do estado, colocou em seu livro
traços importantes dos habitantes da Amazônia. Fala-se de feiticeiras, pessoas
que viram pássaros, quadrilhas, índios, imigrantes portugueses, tapuios,
rebeldes, todos pertencentes ao meio em que o livro todo se passa: a região amazônica.
No conto “A feiticeira”, “Amor de Maria” e
“Acauã”, a presença de lendas e mitos da Amazônia é mostrada com clareza.
Primeiro uma feiticeira que tem um forte poder de inundar uma cidade. Nos
interiores do estado do Pará, e até mesmo nas grandes cidades, não é
recomendado enfrentar feiticeiras ou bruxas, pois, dizem que elas possuem um
poder muito forte. Depois, uma moça se sente ignorada pelo homem amado e
resolve seguir um conselho e coloca veneno, sem saber, na bebida do homem.
Ele morre, ela some. E em “Acauã”, um
pássaro da Amazônia que dizem ter um canto
de agouro, é uma
mulher.
A presença de mitos e lendas vai contra
as propostas do Naturalismo. No Naturalismo, a base é o cientificismo. Então
como pode um autor naturalista falar tanto sobre o sobrenatural? Na verdade,
não podemos esquecer que Inglês de Sousa tinha obsessão em falar sobre seu
lugar de origem e para falar de tal lugar, é preciso falar das lendas e mitos,
mesmo que o autor não acreditasse nelas. O objetivo de Inglês era falar do comportamento
humano da região e compreendê-lo.
1.1. Contexto Histórico
A história do Brasil é algo marcante na
obra de Inglês de Sousa. A Cabanagem, a
Guerra do Paraguai, a Questão Christie entre outros, situam o leitor a uma determinada época, a um determinado estilo de
vida, a um determinado pensamento.
O fato histórico mais citado nos contos é
a Cabanagem (1835-1840), uma revolta de índios, escravos, tapuios, comerciantes
e etc., que lutavam por seus interesses. A revolta não deu certo e o resultado
foi a morte de centenas de cabanos. Este acontecimento é pano de fundo dos
contos “A quadrilha de Jacó Patacho” e “O rebelde”, apesar de ser citado,
também, em outros contos. Os contos mostram o quanto o estado ficou tenso com a
revolta. As pessoas sentiam medo da violência e de tudo o que ouviam sobre a
Cabanagem. O homem ribeirinho, que lutava por melhorias nas comunidades, o
escravo que lutava contra a miséria, são personagens de uma Amazônia quase
destruída por uma revolta que durou cerca de cinco anos.
A Guerra do Paraguai (1864-1870), foi o
maior conflito armado na América do Sul entre o Paraguai e a Tríplice Aliança,
composta por Brasil, Uruguai e Argentina. O primeiro conto, O voluntário, se
passa na época em que acontecia tal guerra e mostra o poder de quem tem mais
sobre quem tem menos. O personagem principal, Pedro, é convocado e obrigado a
lutar na guerra. A Guerra do Paraguai
teve forte repercussão no Brasil, recrutando centenas de jovens para lutar e,
talvez, nunca mais voltar, como foi o caso (na ficção) de Pedro.
Toda a história é, nos contos de Inglês de
Sousa, um resgate de uma memória
nacional através da
ficção.
1.2. Contexto Espacial
O espaço da obra é totalmente localizado na
região amazônica. Porém o livro todo se concentra apenas no estado do Pará. Na
verdade, a Amazônia da qual o autor fala, não é apenas o estado do Amazonas, e
sim, um espaço cultural que carrega mitos e lendas próprios.
Santarém, Alenquer e Óbidos, esta última a
cidade natal do autor, são as cidades em que os contos acontecem. De fato, é
preciso lembrar que naquela época, em pleno século XIX, estas cidades eram
totalmente rurais, com poucas construções. As narrativas do livro geralmente se
passam em lugares rurais (sítios, fazendas).
2. O homem ribeirinho e o mundo atual.
Apesar de ter sido escrito no século
XIX, Contos Amazônicos mostra que a
realidade do homem que vive nessas regiões da Amazônia não mudou muito. Ainda
hoje, o homem ribeirinho tem uma luta diária pela sobrevivência. Muitos vivem
da pesca e da caça. Hospitais e escolas são coisas raras nessas regiões.
Ao que tudo indica, o governo não possui
muitos planos para essas pessoas. Existem projetos de professores que vão até
essas áreas algumas vezes por semana, médicos que aparecem em visitas mensais,
e etc. Um homem totalmente atrasado tecnologicamente,
que possui energia apenas por usar um gerador a base de óleo diesel.
O ribeirinho, assim como o índio, em sua
aldeia, prefere cozinhar em um fogão a lenha e ainda utiliza o escambo como
forma de conseguir alguns materiais.Não podemos defender esse modo de vida sem
antes parar para pensar que estão agredindo o meio ambiente. Mas como falar
para um sujeito que passou a vida toda vivendo da pesca, da caça, da madeira
das árvores, que estão cometendo um crime ao meio ambiente? Como promover um
desenvolvimento sustentável com essa população?
São questões políticas difíceis de serem
respondidas, mas que possivelmente, algum dia,
serão encontradas
soluções.
3. Conclusão
Inglês de Sousa, escritor naturalista,
escreveu o livro Contos Amazônicos e contou sobre a vida das pessoas que
habitam a região Amazônica, mais precisamente no estado do Pará. No livro, o
autor escreve nove narrativas com diversos personagens, contextos históricos,
lendas, mitos e crenças.
O homem
ribeirinho, ou seja, aquele que vive à margem dos rios em casas de
palafita, se torna o homem vítima de uma sociedade rural que aos poucos vai
sendo influenciada pelas outras cidades através do próprio ser humano. A vida
melancólica desses habitantes se torna um dos pontos fortes do livro.
Apesar de contrariar um pouco a estética
naturalista, Inglês retrata o homem amazônico
e seu comportamento de uma forma clara e concisa, transformando-o em um dos personagens principais do livro, que
possui histórias diferentes.
unb.revistaintercambio.net.br
A IMPORTÂNCIA DE INGLÊS DE SOUSA PARA O
REALISMO-NATURALISMO COM SUA OBRA 'CONTOS AMAZÔNICOS'
Introdução
Inglês de Sousa publicou cinco livros, todos
de temática realista-naturalista, entre 1876 e 1893. Os três primeiros - O Cacaulista (1976), História de um Pescador (1977) e O Coronel Sangrado (1977) - foram
publicados quando os meios literatos ainda eram dominados pelo Romantismo. Em
1891, publicaria seu livro mais conhecido, O
Missionário, levando ao extremo os princípios da escola de Émile Zola. Sua
carreira literária se encerraria com Contos
Amazônicos, publicado em 1893.
OBRA: CONTOS AMAZÔNICOS DE INGLÊS DE SOUSA
Inglês de Sousa (1853-1918) foi testemunha
de uma notável época de transformações políticas, religiosas e literárias no
Brasil.À questão social, vista na chaga vergonhosa da escravidão, segue-se a
questão religiosa, abalando os alicerces do catolicismo, até então intocável. A
guerra do Paraguai mostra as deficiências da organização militar e faz a
monarquia sofrer os primeiros abalos. O Segundo Império deixava escapar a sua
falência, subjugado pelo espírito das campanhas abolicionista e republicana,
que se acentuam a partir de 1870.
É nesse contexto que Inglês de Sousa
escreve seus Contos amazônicos, publicados em 1893. Os contos são como
capítulos seriados de um romance que situa e constrói a região amazônica aos
olhos do leitor e em que o exótico é aos poucos transfigurado, transformando-se
na coisa como ela é."Contos Amazônicos", do paraense Inglês de Sousa,
respeita esses preceitos, destacando-se na literatura nacional pelo que
representou no naturalismo de língua portuguesa. As nove histórias que compõem
a obra mostram o vigor lingüístico do autor, dosando ficção com o relato descritivo
e, portanto real, de uma das regiões do País mais suscetíveis a lendas e
estórias — a AmazônNos contos de Inglês de Sousa há umarequintada elaboração
estilística, em termos de linguagem literária, também cabe observar o
brilhantismo com que Inglês de Souza maneja o gênero conto. Em especial aqueles
que se situam no terreno da literatura fantástica, como "A
feiticeira", "Acauã", "Amor de Maria" e "O baile
do judeu", além de "O gado do Valha-me Deus".
Em todos eles, o autor soube elaborar
literariamente personagens e situações sobrenaturais extraídas do folclore ou
do imaginário popular regional, criando narrativas que, além do final
surpreendente, têm um clima denso e assustador.
Mas também têm o mesmo impacto os outros
contos do livro, que abordam temas ligados à história do Brasil e denunciam o
descaso do governo nacional, do Império e da primeira República, com a região
amazônica. "O voluntário", por exemplo, revela como eram recrutados
"a pau e corda" os "voluntários da pátria" durante a Guerra
do Paraguai
Em "Contos Amazônicos", o
naturalismo aproxima os textos de Sousa, quase crônicas da selva, de um enfoque
jornalístico ou histórico. A literatura sai ganhando com as descrições minutas
do cenário principal, a floresta, e com o vocabulário regional. "Contos
Amazônicos" recupera a imagem da luta do homem com o meio selvagem,
somando-se a isso os embates sociais e políticos do final do século XIX . O
compromisso de Inglês de Sousa, que também ocupou cargos públicos, é com a
realidade, daí o realismo naturalista pulsante em seus textos, uma homenagem à
região em que nasceu e viveu antes de mudar-se para São Paulo.
ASPECTOS REALISTAS-NATURALISTAS NA OBRA DE INGLÊS DE
SOUSA
Leitura socioantropológica de Inglês de
Souza nos permite constatar a acuidade científica que o escritor empregou ao
descrever seus enredos, com informações precisas sobre as vilas, as populações,
os costumes, as tradições, as disputas políticas, a exploração dos
trabalhadores e o meio ambiente, entre outros temas amazônicos. Seus livros
permitemreconstituir minuciosamente a vida em cidades paraenses como Óbidos,
Faro e Alenquer, na segunda metade do século XIX, quando a economia era baseada
no cultivo do cacau e napesca do pirarucu. Inglês de Sousa é um realista
sóbrio, ele não está determinando a questão patológica que vai ser a grande
característica do Naturalismo. E um Realismo sóbrio, não forçado, natural.
A
produção de Inglês de Sousa se distingue dos romances do Naturalismo clássico,
pois não trata tanto da descrição do ambiente/ cenário, mas, fundamentalmente,
da reconstituição, reconstrução, recriação do modo de vida dos ribeirinhos do
Rio Amazonas.
O regionalismo
apresenta-se de forma mais documental sobre as diversidades regionais,
revelando novos dados da realidade nacional.
Características marcantes também do
realismo-naturalismo é que os contos ficam próximos da reportagens, como se
fosse um inquérito sobre a natureza e o homem; a narrativa é lenta, passa pelos
lugares, analisa a vida em sua monotonia, sua morosidade, a sondagem
psicológica do homem como um joguete do determinismo estes traços são bem
marcantes na obra de Inglês de Sousa "Contos Amazônicos"
ANÁLISE DO CONTO "A FEITICEIRA"
O conto "A Feiticeira" narra à
história vivenciada pela personagem Antônio de Sousa, quando de uma diligência
policial feita por ele, a fazenda do tenente Ribeiro, e desdenha das crenças
mais populares da cidade de Óbidos, afirmando sua total descrença
Por outro lado, a personagem que narra
esses fatos - o velho Estevão – fica muito admirado do modo de agir do tenente
Antônio Sousa e diz que não seria capaz de ouvir tais leviandades, sem que seu
coração não se apertasse, e de certa forma atribui a não crença nesses fatos
por parte do tenente Antônio Sousa ser, ainda, muito moço: "Quando a gente se habitua a venerar os
decretos da Providência, sob qualquer forma que se manifestem, quando a gente
chega à idade avançada em que a lição da experiência demonstra a verdade do que
os avós viram e contaram, custa ouvir com paciência os sarcasmos com que os
moços tentam ridicularizar as mais respeitáveis tradições...".
Prosseguindo a obra, constatamos que há um
choque cultural cada vez mais intenso; de um lado um mundo mais urbano –
representado pelo tenente-delegado – e outro mais 'provinciano' ao qual foi
destacado (Óbidos); onde há o embate entre este e a 'feiticeira' – Maria
Mucoim.
O embate se dá a partir da curiosidade de
Antônio de Sousa a respeito de Maria Mucoim, a qual deseja conhecer e atestar,
de fato, se esta tem poderes que os ribeirinhos alegam: "- Então, tia velha, é certo que tem pacto com o diabo?"
[...] "- É certo que você é feiticeira?". Neste primeiro embate,
após o olhar 'diabólico' da suposta feiticeira, Antônio de Sousa fica
paralisado e o narrador dá a entender que o tenente deve ter tido medo pela
primeira vez.
Mas, apesar disso, Antônio de Sousa não se
dá por vencido e resolve ir até a casa de Maria Mucoim na tarde de uma
sexta-feira sombria. A caracterização do quarto de Mucoim, assim como de sua
fisionomia, feitas pelo autor, tem influencia das criações medievais, época na
qual tudo que fugia do caráter religioso cristão-católico, era considerado
heresia, bruxaria, isto é, ações contra a construção daquele mundo ocidental,
como fica bem explicito nos trechos:
O
tenente Sousa viu na Maria Mucoim uma velhinha magra, alquebrada, com os olhos
pequenos de olhar sinistro, as maças do rosto muito salientes, a boca negra,
que, quando se abria num sorriso horroroso, deixava ver um dente, um só!
Comprido e escuro. A cara cor de cobre, os cabelos amarelados presos ao alto da
cabeça por um trepa-moleque de tartaruga tinham um aspecto medonho que não
consigo descrever.
A
feiticeira trazia ao pescoço um cordão sujo, de onde pendiam numerosos
bentinhos, falsos, já se vê, com que procurava enganar ao próximo, para ocultar
a sua verdadeira natureza.
Era um quarto singular o quarto de dormir de Maria
Mucoim. Ao fundo, uma rede rota e suja; a um canto, um montão de ossos humanos;
pousada nos punhos da rede, uma coruja, branca como algodão, parecia dormir; e
ao pé dela, um gato preto descansava numa cama de palhas de milho. Sobre um
banco rústico, estavam várias panelas de forma estranha, e das traves do teto
pendiam cumbucas rachadas, donde escorria um líquido vermelho parecendo sangue.
Um enorme urubu, preso por uma embira ao esteio central do quarto tentava picar
a um grade bode, preto e barbado, que passeava solto, como se fora o dono da
casa.
O contraste de conceito de civilizado – do
ponto de vista de Antônio de Sousa – é desfeito a partir do momento em que ele
parte para a violência física: "...
e exasperado pelo sorriso horrendo da velha, pegou-a por um braço, e, usando
toda a força do seu corpo robusto, arrancou-a dali e atirou-a ao meio da sala
de entrada.
A feiticeira
foi bater com a fonte no chão, soltando gemidos lúgubres". A partir deste episódio irá ocorrer um novo
confronto, agora de ordem fantástica (e não física), pois os seres que
acompanham Maria Mucoim – devido a gestos desta – avançam em fúria incrível na
direção do tenente, atacando-o, até que este diga inconscientemente uma
invocação religiosa que fez com que os bichos recuassem.
Tal invocação, a nosso ver, constata a
criação cristã da personagem Antônio de Sousa, que a pesar de ser um cético,
acaba pro proferir de ordem religiosa em momento de grande perigo, no qual seu
inconsciente fora aflorado e expresso verbalmente: "- Jesus, Maria!".
O desfecho da narrativa parece ser interrompido com outro acontecimento – a
gargalhada de uma nova personagem. E isto, o desfecho (não desfecho), é uma
característica da narrativa fantástica – deixando-o por conta do leitor.Para
nós, falar de Literatura da Amazônia dentro dos atuais conceitos de Estudos
Culturais, é complexo, pois há conceito tradicional e estático, permeado de estereótipos
do quem vem a ser Amazônia – Amazônia é só floresta? Amazônia é só rio?
Amazônia é só índio? Amazônia é 'lugar sem homens'? Será que como afirmou
Platão em A República que "estamos habituados a admitir uma certa idéia
(sempre uma só)"?
Ao nosso entender não, pois a Amazônia ou
'Amazônias' foi e é uma junção permanente de pessoas vindas de todas as partes
do Brasil e do mundo, com isto, forjando a todo momento uma criação e recriação
de sua configuração ética e cultural, literal e lingüística.
Queremos afirmar, então, que é necessário
desvincular o entendimento de Amazônia como algo estático, não mutável, mas
sim, uma criação que esteja de acordo com as noções de realidade e práticas
sociais de nosso tempo, transpondo as barreiras exclusivistas dos estereótipos
criados pelos grupos sociais que estão no poder, que não desistem de criar uma
imagem de nós – os 'amazônidas' (os que moram aqui) de acordo com seus
interesses e benesses particulares, numa hierarquia sócio-cultural;
deixando-nos num patamar de inferioridade em relação a sua 'cultura'.
ANÁLISE DO CONTO "VOLUNTÁRIO"
O conto "VOLUNTÁRIO" ilustra
perfeitamente a relação entre "Literatura e História", pois tal
narrativa trata de um episódio importante ocorrido no século XIX, a Guerra do
Paraguai [1864-1870]. Essa guerra foi a mais violenta ocorrida entre os países
da América do Sul e acabou consolidando as fronteiras entre os
mesmos.Acredita-se que o conflito tenha deixado um saldo de mais de 100.000
mortos, tanto paraguaios quanto membros da Tríplice Aliança, composta por
brasileiros, argentinos e uruguaios.
O título da narrativa de Souza demarca a
ironia peculiar ao autor. A ausência do artigo antes do substantivo que dá
título ao conto e um índice de indeterminação atribuída à pessoa do protagonista,
o que leva a entender que este é representante de um tipo ou de uma classe,
diferente do que ocorre em A Feiticeira [ note-se o artigo – 'A'], secunda
narrativa do Contos Amazônicos e eu trata especificamente da Maria Mucoim, '
afamada feiticeira daqueles arredores'.
Portanto, a saga de Pedro poderia ser de
diversos caboclos amazônidas daquela época, daí a ilustração que o narrador faz
de diversos casos tão deploráveis quanto o de Pedro: ' Já o Antônio da Silva
fugira a todo o pano para Vila Bela, onde mora um negociante que é seu
compadre. Na casa do Pantaleão Soares, português legítimo, o sargento Moura
varejara os quartos em que dormiam as filhas do pobre homem, e levara o
atrevimento a ponto de revistá-las, dizendo que podiam ser homens disfarçados.
O Raimundo Nonato e o filho da tia Rita haviam-se metido pelo mato dentro, sem
que se soubesseo seu paradeiro.Um tapuio cios lagos, tendo vindo à vila comprar
mantimentos, vira-se perseguido pelos guardas, e fora comido por jacarés,
querendo salvar-se a nado' (1893, p.14-15).
O que marca a narrativa de Voluntário é a
relação dominador versus dominado, o primeiro representado pelo recrutador
Capitão Fabrício, o segundo representado pelo jovem Pedro, único filho da idosa
viúva Rosa, portanto, " não poderia ser recrutado para a Guerra do
Paraguai", porém, mesmo assim, o foi à força pelo capitão, que, nas
palavras de Inácio Mendes, " não é lá homem para hesitar em se tratando de
maldades" (1893,p.14).
Para marcar ainda mais as relações entre
Literatura e História, neste conto analisado, é importante percebermos como a
na obra a denúncia de um sistema corrupto, que não leva em consideração os
direitos alheios, especialmente citar direitos são de pessoas que pertencem as
classes menos favorecidas.
O destino de Rosa foi perambular pelas ruas
de Santarém, carregando de estigmas da exclusão, denotados nos qualificativos a
ela atribuídos: "pobre tapuia doida" (1803, p.30-31).
Os três termos expõe sua posição de
desvalida, de mestiça e de sem voz, pois a fala do louco é desconsiderada, como
se depreende de considerações de Michael Foucault (1978), n'A História da
Loucura.
A exclusão é demarcada mesmo no discurso
daquele que, aparentemente, questiona o sistema excludente, o narrador, pois em
todo o conto ele faz com os posicionamentos de Pedro e de sua mãe sejam feitos
por meio do discurso indireto, portanto vetando-lhe a palavra: E quando lhe
perguntavam [a Pedro] se não receava o recrutamento dizia com a candura
habitual, que nunca fizera mau a ninguém , e era filho única de mulher viúva
(1893- p.12). Isso provavelmente se deu por conta da opinião que o narrador
emite acerca dos nativos: os seus pensamentos não se manifestam em palavras por
lhes faltar, a esses pobres tapuios, a expressão comunicativa, atrofiada pelo
silêncio forçado da solidão (1893,p.7).
O narrador do conto possui um
posicionamento ambíguo em relação ao fato narrado.A princípio, narra em 3ª
pessoa, totalmente distanciado dos fatos: " a velha tapuia Rosa já não
podia cuidar da pequena lavoura que lhe deixara o marido. Vivia só co o filho,
que passava o dia na pesca do pirarucu e do peixe-boi (1893, p.3)."Porém,
muitas páginas depois do início do relato, a uma mudança, pos o narrador
identificado como sendo advogado que iria interceder por Pedro , se insere na
narrativa: " estava eu a esse tempo em Santarém, preparando uma viajem a
Itaituba, a serviço da minha advocacia"(1893,p.22). Nessa ocasião, foi
procurado por Rosa, que lhe havia dado guarida em algumas passagens pelo
igarapé de Alenquer. Foi ela que lhe contou a história que ele narrava até
aquele momento do conto. Ante a astúcia das forças " legalistas",
todos os esforços do advogado para soltar Pedro foram em vão, pois ele fora
embarcado antes dos demais " voluntários", o que fez o advogado
pensar que o jovem estava livre de sua " obrigação" com a Pátria.
Ao procurar velha Rosa para dar a boa
notícia, esta replicou afirmando que aquilo não era verdade, expondo seu
caráter supersticioso verificado na seguinte fala do narrador: " na sua opinião,
eu estava enfeitiçado[ para ela] Pedro não estava no quartel, e , portanto,
seguira naquele mesmo vapor para capital" (1893,p.29). Em conversa com o
juiz o advogado constatou que Pedro realmente estava entre os embarcados, o que
gerou seus protestos: " a indignação fez-me ultrapassar os limites da
conveniência. Perguntei irado, ao juiz como se deixara ele assim burlar pela
policia, expondo a dignidade do seu cargo ao menosprezo de um funcionário
subalterno.Mas, ele sorrindo misteriosamente, bateu-me no ombro, e disse em tom
paternal: — colega, você ainda é muito moço. Manda quem pode.Não queira ser a
palmatória do mundo"(1893,p.30).
A história é contada por um narrador que é
testemunha dos fatos ocorridos com Pedro e sua mãe Rosa. Assim, podemos entender
o narrador homodiegético, ou, seja, em 1ª pessoa, mas que não é a personagem principal
da trama.
ANÁLISE DO CONTO "ACAUÃ"
No conto destacaM-se três personagens:
Jerônimo, Aninha e Vitória.Jerônimo é viúvo e tem uma filha: Aninha. Numa
noite, encantado pelo poder da colossal sururiju, encontra Vitória no rio que
banha Faro( vilarejo onde vivia) e assim adota como filha. Aninha e Vitória
foam criadas juntas e o capitão jamais fez diferença entre as meninas.Aninha e
Vitória se relacionavam bem, no entanto, o observador mais atento perceberia
" que Aninha evitava a companhia da outra, ao passo que esta [ Vitória] a
não deixava".
Tudo mudou porque Vitória " já não
dirigia a palavra a seu protetor nem a pessoa alguma da casa". Quando o
pai chegava-se a ela ele perguntava carinhosamente: — Que tens Aninha? A
menina, olhando assustada para os cantos, respondia em voz cortada de soluços:
— Nada, papai. A outra, quando Jerônimo a repreendia pelas inexplicáveis
ausências, dizia com altivez e pronunciando desdém: — E o que tem vosmecê com
isso?
Aninha fica noiva, mas depois de poucos
dias, diz ao pai que não quer mais se casar. Jerônimo aceita a decisão da
filha. Aninha fica noiva novamente, poucos dias depois diz ao pai mais uma vez
que não quer casar.O pai desta vez a obriga: " — Pois agora há de casar que ou quero eu".Aninha acata a ordem
do pai e fica encerrada em seu quarto até o dia do seu casamento.
Ao saber do possível casamento, "a agitação de Vitória era
extrema.Entrava a todo momento no quarto da companheira e saía logo depois com
as feições contraídas pela ira".
No dia do casamento todos perguntavam por
Vitória não percebiam como Aninha sentia-se aliviada e contente. "Mas eis que, na ocasião em que o
vigário lhe perguntava se casava por seu gosto, a noiva põe-se a tremer como
varas verdes, com o olhar fixo na porta lateral da sacristia.O pai, ansioso,
acompanhou a direção daquele olhar (...), de pé, à porta da sacristia, hirta
como uma defunta, com uma cabeleira feita de cobras, com as narinas dilatadas e
a tez verde-negra, Vitória (...)fixava em Aninha um olhar horrível, olhar de
demônio, olhar frio que parecia querer pregá-la imóvel no chão".
Aninha solta um grito de agonia e cai. Jerônimo
"Não podia despregar os olhos da
pessoa de Vitória" até que está desapareceu. Aninha começa a ter
crises e a cantar como um acauã, um canto responde ao seu. "Por cima do telhado uma voz respondeu a de Aninha: — Acauã!
Acauã! Um silêncio tumular reinou entre os assistentes. Todos compreenderam a
terrível desgraça. Era o acauã!".
Ao analisar o conto percebe-se que se trata
de um conto misterioso e cheio de suspense, bem típico das lendas
amazônica.Neste discuti-se a experiência do amazônida quanto ás relações do
imaginário com as vivencias históricas, discussão necessária à compreensão da
sobrevivência de um homem integrado às particularidades e aos mistérios da
floresta. E no final do conto percebesse como os personagens se entrelaçam a
essa questão. Aninha é frágil em relação à Vitória, porém, quanto
"transformada" em ave faz Vitória fugir ao ouvir seu "canto
agoureiro", pois as cobras fogem ao ouvir o canto do acauã. Aninha
representa também a visão estereotipadas que se tem da mulher, de docilidade ,
submissão , de insegurança e a obediência quando se submete a ordem de seu pai
para casar-se com Ribeirinho,pois não aceitava mais um não de Aninha, e até
mesmo a Vitória sua Irmã que era o seu oposto,já que parecia ao seus pés uma
escrava junto a senhora.
Percebe-se também como as pessoas de Faro
acreditam que, com um simples canto, o acauã prenuncia grandes desgraças . No
fim do conto todos acreditam que, a culpa daquela tragédia deve-se ao acauã que
estava em cima do telhado que respondeu ao canto de Aninha. Isso é um exemplo
bem naturalista, visto que uma das teorias da escola é a visão determinista
criada por Taine: O homem é fruto da raça da qual descente e do meio e momento
histórico em que vive.
CONCLUSÃO
Esta pesquisa apresentou a obra Contos Amazônicos como objeto de estudo
de forma critica e aprofundada .Observou-se nos contos características como: o
regionalismo, o contexto de vida dos personagens que são na maioria das vezes
utilizados elo autor.Sendo o autor o introdutor do naturalismo no Brasil e o
primeiro romancista da Amazônia, nas suas narrativas a sempre presente o embate
entre "classes" distintas e também seus contos apresentam cunho
político e social.
Autor: Roseli
Gonçalves
A IMPORTÂNCIA DE INGLÊS DE SOUSA PARA O
REALISMO ... - artigos.netsaber.com.br
ANÁLISE DO CONTO “A
FEITICEIRA”
Antes de abordarmos a obra (conto "A
Feiticeira" de Inglês de Sousa) propriamente dita, iremos primeiro
contextualizar a época, os costumes, os conhecimentos científicos vivenciados
por Inglês de Sousa, tanto em sua cidade natal como na cidade do Recife na qual
foi aprofundar seus estudos na Faculdade de Direito, onde havia um grande
discurso com relação ao moderno conhecimento científico – o POSITIVISMO. E é
também nesta época que se permeiam os estilos literários REALISMO e
NATURALISMO, este o qual pertence Inglês de Sousa.
Segundo Walter Pinto no seu artigo "O
rigor científico da ficção de Inglês de Sousa" – o mestre em antropologia
pela UFPA Mauro Viana Barreto, considera Inglês de Sousa o
"introdutor" do naturalismo do Brasil, pois as obras deste autor já
possuíam traços deste estilo e são anteriores as obras daquele que outros
críticos literários consideram como precursor – Aluísio de Azevedo com 'O
Mulato" – e ainda vai mais além, afirmando que os críticos parecem
desconhecer os três livros publicados por Inglês de Sousa, sendo estes: "O
Cacaulista" (1876), "História de um Pescador" (1877) e "O
Coronel Sangrado"
Herculano Marcos Inglês de Sousa nasceu em
1852 na cidade de Óbidos, onde viveu até os 15 (quinze) anos de idade. Em suas
obras utiliza-se de elementos das práticas sociais cotidianas de sua região,
imbricadas de 'modernidade' trazidas pela industrialização, representadas pelos
barcos a vapor, que serviam para escoar a produção de cacau, muito cultivado em
Óbidos pelas famílias mais abastadas – classe a qual inclui-se Inglês de Sousa;
e a 'tradição' que permeava o local com seus costumes, hábitos,
"crendices".
Ainda no artigo de Walter Pinto consta que
para Barreto a produção de Inglês de Sousa se distingue dos romances do
Naturalismo clássico, pois não trata tanto da descrição do ambiente/ cenário,
mas, fundamentalmente, da reconstituição, reconstrução, recriação do modo de
vida dos ribeirinhos do Rio Amazonas.
Apesar de o cenário não ser descrito
exaustivamente, este permeia a obra de Inglês de Sousa como no caso do conto
"A Feiticeira", quando fala: "Não descreverei o sítio do tenente
Ribeiro, porque ninguém há em Óbidos que o não conheça,..". Porém descreve
com mais detalhes a casa de Maria Mucoim:
"A casa,
pequena e negra, compõe-se de duas peças separadas por uma meia parede,
servindo de porta interior uma abertura redonda tapada com um topé velho. A
porta exterior é de japá, o teto de pindoba, gasta pelo tempo, os esteios e
caibros estão cheios de casas de cupim e de cabas."
A partir de uma visão mais atual – década de
80 do século XX com o surgimento de uma difusão maior dos Estudos Culturais,
principalmente surgida na Inglaterra, na cidade de Birmingham, onde ""... trata-se de uma ênfase à
dimensão subjetiva e à pluralidade dos modos de vida vigentes em novos tempos"
(in: Cartografias dos estudos culturais: Uma versão latino-americana – Ana
Carolina de Escosteguy p. 35).
Dentro dessa concepção, pode-se enquadrar
esta obra como sendo uma LITERATURA DA AMAZÔNIA (nomenclatura adotada pelo
Prof. Dr. José Guilherme Fernandes em 'LITERATURA BRASILEIRA DE EXPRESSÃO
AMAZÔNICA, LITERATURA DA AMAZÔNIA OU LITERATURA AMAZÔNICA?"), pois tratam
de aspectos do povo deste lugar, seus costumes, suas práticas sociais.
O conto "A Feiticeira" narra à
história vivenciada pela personagem Antônio de Sousa, quando de uma diligência
policial feita por ele, a fazenda do tenente Ribeiro, e desdenha das crenças
mais populares da cidade de Óbidos, afirmando sua total descrença.
Por outro lado, a personagem que narra esses
fatos - o velho Estevão – fica muito admirado do modo de agir do tenente
Antônio Sousa e diz que não seria capaz de ouvir tais leviandades, sem que seu
coração não se apertasse, e de certa forma atribui a não crença nesses fatos
por parte do tenente Antônio Sousa ser, ainda, muito moço: "Quando a gente se habitua a venerar os decretos da Providência,
sob qualquer forma que se manifestem, quando a gente chega à idade avançada em
que a lição da experiência demonstra a verdade do que os avós viram e contaram,
custa ouvir com paciência os sarcasmos com que os moços tentam ridicularizar as
mais respeitáveis tradições...".
Prosseguindo a obra, constatamos que há um
choque cultural cada vez mais intenso; de um lado um mundo mais urbano –
representado pelo tenente-delegado – e outro mais 'provinciano' ao qual foi
destacado (Óbidos); onde há o embate entre este e a 'feiticeira' – Maria
Mucoim.
O embate se dá a partir da curiosidade de
Antônio de Sousa a respeito de Maria Mucoim, a qual deseja conhecer e atestar,
de fato, se esta tem poderes que os ribeirinhos alegam: "- Então, tia velha, é certo que tem pacto com o diabo?"
[...] "- É certo que você é feiticeira?".
Neste
primeiro embate, após o olhar 'diabólico' da suposta feiticeira, Antônio de
Sousa fica paralisado e o narrador dá a entender que o tenente deve ter tido
medo pela primeira vez.
Mas, apesar disso, Antônio de Sousa não se
dá por vencido e resolve ir até a casa de Maria Mucoim na tarde de uma
sexta-feira sombria.
A caracterização do quarto de Mucoim, assim
como de sua fisionomia, feitas pelo autor, tem influencia das criações
medievais, época na qual tudo que fugia do caráter religioso cristão-católico,
era considerado heresia, bruxaria, isto é, ações contra a construção daquele
mundo ocidental, como fica bem explicito nos trechos:
O tenente Sousa viu na Maria Mucoim uma
velhinha magra, alquebrada, com os olhos pequenos de olhar sinistro, as maças
do rosto muito salientes, a boca negra, que, quando se abria num sorriso
horroroso, deixava ver um dente, um só! Comprido e escuro. A cara cor de cobre,
os cabelos amarelados presos ao alto da cabeça por um trepa-moleque de
tartaruga tinham um aspecto medonho que não consigo descrever. A feiticeira
trazia ao pescoço um cordão sujo, de onde pendiam numerosos bentinhos, falsos,
já se vê, com que procurava enganar ao próximo, para ocultar a sua verdadeira
natureza.
Em um quarto singular o quarto de dormir
de Maria Mucoim. Ao fundo, uma rede rota e suja; a um canto, um montão de ossos
humanos; pousada nos punhos da rede, uma coruja, branca como algodão, parecia
dormir; e ao pé dela, um gato preto descansava numa cama de palhas de milho.
Sobre um banco rústico, estavam várias panelas de forma estranha, e das traves
do teto pendiam cumbucas rachadas, donde escorria um líquido vermelho parecendo
sangue. Um enorme urubu, preso por uma embira ao esteio central do quarto
tentava picar a um grade bode, preto e barbado, que passeava solto, como se
fora o dono da casa.
O contraste de conceito de civilizado – do
ponto de vista de Antônio de Sousa – é desfeito a partir do momento em que ele
parte para a violência física: "...
e exasperado pelo sorriso horrendo da velha, pegou-a por um braço, e, usando
toda a força do seu corpo robusto, arrancou-a dali e atirou-a ao meio da sala
de entrada. A feiticeira foi bater com a fonte no chão, soltando gemidos
lúgubres".
A partir deste episódio irá ocorrer um novo
confronto, agora de ordem fantástica (e não física), pois os seres que
acompanham Maria Mucoim – devido a gestos desta – avançam em fúria incrível na
direção do tenente, atacando-o, até que este diga inconscientemente uma
invocação religiosa que fez com que os bichos recuassem.
Tal invocação, a nosso ver, constata a
criação cristã da personagem Antônio de Sousa, que a pesar de ser um cético,
acaba pro proferir de ordem religiosa em momento de grande perigo, no qual seu
inconsciente fora aflorado e expresso verbalmente: "- Jesus, Maria!".
O desfecho da narrativa parece ser
interrompido com outro acontecimento – a gargalhada de uma nova personagem. E
isto, o desfecho (não desfecho), é uma característica da narrativa fantástica –
deixando-o por conta do leitor.
Para nós, falar de Literatura da Amazônia
dentro dos atuais conceitos de Estudos Culturais, é complexo, pois há conceito
tradicional e estático, permeado de estereótipos do quem vem a ser Amazônia –
Amazônia é só floresta? Amazônia é só rio? Amazônia é só índio? Amazônia é
'lugar sem homens'?
Será que como afirmou Platão em A República
que "estamos habituados a admitir uma certa idéia (sempre uma só)"?
Ao nosso entender não, pois a Amazônia ou
'Amazônias' foi e é uma junção permanente de pessoas vindas de todas as partes
do Brasil e do mundo, com isto, forjando a todo momento uma criação e recriação
de sua configuração ética e cultural, literal e lingüística.
Análise Do
Conto - artigos.netsaber.com.br
Olá, Iara! Muito interessantes as suas informações! Que bom ver que há quem se interesse pela nossa cultura como um todo, e não apenas pelo óbvio. Um grande abraço! Henrique Inglez de Souza
ResponderExcluirestou desenvolvendo atividades literárias no curso de letras com esse fantástico autor. parabéns pelos inteligentes comentários e análises...
ResponderExcluir