VICENTE DE CARVALHO
Vicente Augusto de Carvalho (Santos, 5 de abril de 1866 — Santos, 22 de abril de1924) foi um advogado, jornalista, político, abolicionista, fazendeiro, deputado,magistrado, poeta e contista brasileiro.Era filho do major Higino José Botelho de Carvalho e de Augusta Carolina Bueno, descendente de Amador Bueno, o Anunciado. Formou-se em 8 de novembro de 1886, com 20 anos, da Faculdade de Direito de São Paulo, no curso de Ciências Jurídicas e Sociais (sendo que para matricular-se teve de obter licença especial da Assembléia Geral do Império, por não ter a idade mínima para cursar a cátedra de direito). Quando deputado, foi membro da comissão de redação da Constituição do Estado de São Paulo e secretário de Interior, tendo abandonado a política logo após.N Foi fazendeiro em Franca, entre 1896 e 1901, quando retornou a Santos e lá se estabeleceu como advogado.Transferiu-se em 1907 para São Paulo, tendo sido nomeado juiz de direito no ano seguinte e, a partir de 1914, ministro do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Como jornalista, colaborou em vários jornais, como O Estado de São Paulo e A Tribuna. Em 1889, fundou o Diário da Manhã, em Santos e, em 1905, O Jornal. Serviu como redator das revistas Ideia e República. Tendo publicado verso, estreou na prosa numa polêmica com o poeta Dias da Rocha.Em 1885 publicou seu primeiro livro Ardentias. Três anos depois veio Relicário (1888). Quando voltou a Santos, fervia o movimento abolicionista. Em 1902 publicou o Rosa, rosa de amor.A obra que marcou sua carreira poética, Poemas e Canções, foi primeiro publicada em 1908 com prefácio de seu amigo Euclides da Cunha. Teve dezessete edições.Casou-se em 1888 com Ermelinda Ferreira de Mesquita (Biloca), em Santos, com quem teve quinze filhos. Curiosidades
Os jardins da orla de Santos se devem em parte a Vicente de Carvalho. Em 1921 escreveu, junto a Américo Martins dos Santos e Benedito Montenegro, uma Carta Aberta ao Presidente da República contra apropriações ilegais das áreas em frente à praia.A poetisa santista Maria José Aranha de Rezende (Santos, 02/10/1911 - Santos, 17/06/1999) foi sua sobrinha-neta e pertenceu àAcademia Santista de Letras.
Além de um distrito da cidade do Guarujá, um bairro e uma estação do metrô na cidade do Rio de Janeiro, ruas em Santos, emSão Bernardo do Campo, em Santo André, em Porto Alegre e em Curitiba possuem seu nome.
Muitos de seus poemas foram traduzidos para o italiano por Giusepina Stefani
Obras
Ardentias 1885
Relicário 1888
Rosa, rosa de amor 1902
Poemas e canções 1908
Versos da mocidade 1909
Verso e prosa, incluindo o conto "Selvagem" 1909
Páginas soltas 1911
A voz dos sinos 1916
Luisinha, contos 1924
Academia Brasileira de Letras
Foi o segundo ocupante da cadeira 29, que tem por patrono Martins Pena. Eleito em 1 de maio de 1909, na sucessão de Artur de Azevedo, foi recebido por carta na sessão de 7 de maio de 1910.
Vicente de Carvalho – Wikipédia, a
enciclopédia livre
pt.wikipedia.org/wiki/Vicente_de_Carvalho
ANÁLISE
DE “A FLOR E A FONTE” DE VICENTE DE CARVALHO.
O Parnasianismo foi uma escola literária que surgiu em meados do século
XIX na frança, se desenvolveu na Europa chegando ao Brasil na segunda metade do
século XIX e teve força até o movimento modernista. Essa corrente literária foi
uma forte oposição ao Romantismo, pois repudiava a subjetividade, a liberdade
das rima, enfim, era contra as características do Romantismo representando,
portanto, a valorização da ciência e do positivismo.
No entanto, por enquanto, nos prenderemos ao lindo poema de Vicente de
Carvalho “A flor e a fonte”:
"Deixa-me,
fonte!" Dizia
A
flor, tonta de terror.
E
a fonte, sonora e fria
Cantava,
levando a flor.
"Deixa-me,
deixa-me, fonte!
"Dizia
a flor a chorar:
"Eu
fui nascida no monte...
"Não
me leves para o mar."
E
a fonte, rápida e fria,
Com
um sussurro zombador,
Por
sobre a areia corria,
Corria
levando a flor.
"Ai,
balanços do meu galho,
"Balanços
do berço meu;
"Ai,
claras gotas de orvalho
"Caídas
do azul do céu!..."
Chorava
a flor, e gemia,
Branca,
branca de terror.
E
a fonte, sonora e fria,
Rolava,
levando a flor.
"Adeus,
sombra das ramadas,
"Cantigas
do rouxinol;
"Ai,
festa das madrugadas,
"Doçuras
do pôr-do-sol;
"Carícias
das brisas leves
"Que
abrem rasgões de luar...
"Fonte,
fonte, não me leves,
"Não
me leves para o mar!"
*As
correntezas da vida
E
os restos do meu amor
Resvalam
numa descida
Como
a da fonte e da flor.
( Vicente de Carvalho )
Nesse maravilhoso poema percebemos o uso de rimas ricas ou raras.
Algumas são: dizia/fria, chorar/mar, fria/corria e gemia/fria. Ricas ou raras
porque elas fazem parte de diferentes classes gramaticais (sujeito/verbo ou
vice versa) que os escritores parnasianos
buscavam, a qualquer custo, para uma perfeição exterior dos poemas,
características marcantes do Parnasianismo.
Outra característica do Parnasianismo é a
ruptura da sintagmática do verso (enjambements). Podemos notar um exemplo disso logo na
primeira estrofe do poema:
"Deixa-me,
fonte!" Dizia
A
flor, tonta de terror.
E
a fonte, sonora e fria,
Cantava,
levando a flor."
O uso dessa ruptura é usado com forma de promover a rima Perfeita (já
citada) tão importante para os poetas parnasianos.
Além disso, podemos perceber no poema que não há a subjetividade do
autor embora ele esteja descrevendo um acontecimento que nos causa uma certa
tristeza, porem o autor, em nenhum momento, mostra seus sentimentos, apenas
descreve os acontecimentos. Temos então mais duas características do
Parnasianismo: poesia descritiva e ausência de emoção. Além disso, percebemos
clareza e lógica na poesia (outra característica da corrente) o que dar prazer
em ler. Enfim, leitores a poesia é linda!
Análise de “A flor ea fonte” de Vicente de
Carvalho.
lucieudatorres.blogspot.com/.../analise-de-flor-e-fonte-de-vicente-de..
ANÁLISE
DO POEMA “VELHO TEMA”
Só
a leve esperança em toda a vida,
Disfarça
a pena de viver, mais nada,
Nem
é mais a existência, resumida,
Que
uma grande esperança malograda.
O
eterno sonho da alma desterrada,
Sonho
que a traz ansiosa e embevecida,
É
uma hora feliz, sempre adiada,
E
que não chega nunca em toda a vida.
Essa
felicidade que supomos,
Árvore
milagrosa que sonhamos,
Toda
arreada de dourados pomos,
Existe,
sim, mas nós não a alcançamos,
Por
que está sempre apenas onde a pomos,
E
nunca a pomos onde nós estamos.
ANÁLISE
Localização
do Texto
A poesia 'Velho Tema' é uma das mais conhecidas da obra de Vicente de
Carvalho, poeta e político, nascido em Santos (1886 - 1924)
Como bem mostram suas obras, foi um burilador do verso tal como prega a
sua escola - o Parnasianismo.
De uma sensibilidade muito profunda penetrava com agudeza no mundo
interior do homem e daí procurava exprimir os anseios incontidos da alma
humana. Mas tudo isso sem decorrer a devaneios e com apuro de forma, de acordo
com os moldes de sua escola, esses sentimentos subiam à tona com objetividade e
realismo, "às claras", como ele mesmo preconizava "Velho
Tema" pertence a obra Poemas e Canções" publicada em 1908.
Determinação
da ideia central ou tema
"A insatisfação da alma
humana."
Obs.:
Para que o tema seja reduzido a apenas um pensamento é interessante que se
faça, anteriormente, um resumo do texto.
Determinação
da estrutura
a)
análise rítmica, estrófica e métrica:
O poema em questão compõe-se de duas estrofes de quatro versos e duas
estrofes de três versos. Trata-se, portanto, de um soneto.
Versos de dez sílabas (decassílabo), próprios do soneto clássico.
As rimas são alternadas, quanto à sua disposição, isto é, o primeiro
verso rima com o terceiro e o segundo, com o quarto verso.
São rimas ricas as formadas com palavras de categorias gramáticais
diferentes, exemplo, resumida com vida. Há outras, formadas com palavras da
mesma categoria, sonhamos com alcançamos, que não podem ser consideradas pobres
em vista da precisão com que foram usadas.
Observa-se a beleza e o feliz emprego
das rimas pomos (frutos) com pomos (verbo pôr).
b)
Apartados ou segmentos:
1°) apartado: primeira estrofe (frustração)
2°) apartado: segunda estrofe (ilusão,
esperança)
3°) apartado: as duas últimas estrofes
(desejo insatisfeito)
Análise
da forma
a)
Estudo do vocabulário em relação às ideias:
"leve esperança" -
fragilidade.
"disfarça" - engana.
"a pena de viver" - a
desgraça de viver, indica o pessimismo, frustração.
"mais nada" - somente essa
esperança justifica o viver.
"nem é mais" - ideia de
exclusividade, pessimismo.
"esperança malograda" - que
não se alcança, frustrada.
"alma desterrada" - alma
condenada, destinada à fatalidade.
"embevecia" - absorta,
obcecada por um sonho.
"hora feliz, sempre adiada"
- idéia de inclusão, de sonho que nunca será concretizado.
"nunca" - confirma a ideia
anterior.
"sempre - nunca" - ideias
opostas que reforçam a ideia de tempo, de destino implacável.
"felicidade que supomos" - a
ideia de suposição, quer dizer que ela não existe, é apenas uma ilusão.
"árvore milagrosa que sonhamos
toda arreada de dourados pomos" - essa metáfora é de uma imaginação
fertilíssima pois indica como a alma humana concebe a felicidade - uma árvore
milagrosa carregada de frutos dourados que simboliza a abundância, a riqueza.
"milagrosa" - significa a
duração infinita desse bem.
"dourados" - dá a ideia de
riqueza.
"arreada" - carregada e
adornada.
"existe, sim" - dá ideia de
confirmação, não há dúvida de sua existência.
"está sempre apenas, onde a
pomos" - quer dizer que nós mesmos construímos a felicidade.
"e nunca a pomos onde nós
estamos" - significa que a alma humana "é uma eterna
insatisfeita" pois que não se contenta com o que está a seu alcance, busca
sempre um alvo inatingível.
No plano religioso, a felicidade
suprema é Deus e a alma só descansará quando encontrá-Lo.
b)
Figuras:
Metáfora:
"Árvore milagrosa toda arreada de
dourados pomos."
Comparação:
"Nem é mais a existência
resumida, que uma grande esperança malograda."
Símbolos:
"dourados pomos."
Sinédoque:
"O eterno sonho da alma
desterrada."
c)
Relação título contexto:
Título e contexto estão
intimamente relacionados, pois que tema é mais do que a felicidade, ou melhor,
do que a procura da felicidade? Como diz Vicente de Carvalho, esse é um
"Velho Tema".
É a mola propulsora que impulsiona
todas as ações do mundo.
Conclusão:
a)
Mensagem:
Com esse poema, Vicente de Carvalho nos envia uma profunda mensagem -
nós mesmos construímos a nossa felicidade e para que a encontremos (basta)
devemos construí-la dentro das nossas propriedades pois se a colocamos em
terreno alheio nunca teremos direito a ela.
b)
Impressão pessoal:
O que nos toca profundamente é esse tema de âmbito universal, tão velho
e ao mesmo tempo tão novo. É assunto que todos conhecem e ao mesmo tempo
desconhecem, e quando vem à tona através das palavras buriladas do poeta, todos
dizem - isso é verdade, mas, possivelmente, continuem procurando a felicidade
onde ela não está.
Vicente de Carvalho traduz bem a Escola literária a que pertence - o
Parnasianismo, aliás, o Parnasianismo brasileiro que além do esmero da forma
conservou a sensibilidade, o sentimentalismo, características inatas do povo
brasileiro.
Extraído
da Nova Biblioteca Prática da Língua Portuguesa - Editora AGE
POSTADO
POR R. SANT'ANNA
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recente - Poemas et Sonetos
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QUESTÕES
SOBRE A OBRA DE VICENTE DE CARVALHO
Instrução: As questões de números 25 a 28 tomam
porbase um soneto do livro Poemas e Canções, do parnasiana no brasileiro
Vicente de Carvalho (1866-1924) e um poema de Cancioneiro, do modernista
português Fernando Pessoa (1888-1935).
Velho
Tema – 1
Só a leve esperança, em toda a vida,
Disfarça a pena de viver, mais nada;
Nem é mais a existência, resumida,
Que uma grande esperança malograda.
O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
É uma hora feliz, sempre adiada
E que não chega nunca em toda a vida.
Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa, que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,
Existe, sim: mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.
(Vicente de Carvalho. Poemas e Canções.
5 ed. São Paulo:
Monteiro Lobato & C. – Editores,
1923.)
Cancioneiro, 150
Não sei se é sonho, se realidade,
Se uma mistura de sonho e vida,
Aquela terra de suavidade
Que na ilha extrema do sul se olvida.
É a que ansiamos. Ali, ali
A vida é jovem e o amor sorri.
Talvez palmares inexistentes,
Áleas longínquas sem poder ser,
Sombra ou sossego deem aos crentes
De que essa terra se pode ter.
Felizes, nós? Ah, talvez, talvez,
Naquela terra, daquela vez.
Mas já sonhada se desvirtua,
Só de pensá-la cansou pensar,
Sob os palmares, à luz da lua,
Sente-se o frio de haver luar.
Ah, nessa terra também, também
O mal não cessa, não dura o bem.
Não é com ilhas do fim do mundo,
Nem com palmares de sonho ou não,
Que cura a alma seu mal profundo,
Que o bem nos entra no coração.
É em nós que é tudo. É ali, ali,
Que a vida é jovem e o amor sorri.
(Fernando
Pessoa. Obra poética. Rio de Janeiro:
Aguilar Editora, 1965.)
25.Os
poemas de Vicente de Carvalho e Fernando Pessoa focalizam o tema da busca da
felicidade pelo ser humano e se servem de antigas alegorias para simbolizar o
que seria essa felicidade que todo homem procura em sua vida, embora nem sempre
a encontre. Identifique essas alegorias em cada poema.
Resolução:
No célebre soneto de Vicente de Carvalho, a
metáfora, desenvolvida em alegoria,
da “felicidade que supomos” é a imagem da “árvore... toda arreada de dourados
pomos”. Nas sextilhas de Fernando Pessoavcomparece
outra das “antigas alegorias” da felicidadenbuscada:
a ilha distante – “a ilha extrema do sul” onde a “vida é jovem e o amor sorri”.
26.
A felicidade existe? – Como encontrar a felicidade? Estabeleça um paralelo
entre as respostas que cada um dos poemas apresenta a estas duas questões.
Resolução:
Conforme o poema de Vicente de Carvalho, a
“árvore milagrosa”, que representa o
nosso ideal de felicidade, “existe,
sim”, e parece estar a nosso dispor, no sentido de ser disposta por nós. Nós, porém, sempre a dispomos para além
do nosso alcance, sempre a colocamosmlá,
não aqui – e esta, segundo se depreende do poema, é uma contingência inelutável da vida, pois “sempre” agimos assim e “nunca” de outra forma.
Portanto, a conclusão autorizada
pelo poema de Vicente de Carvalho é
algo paradoxal: a felicidade existe, mas é
nosso destino nunca a alcançar.
No poema de Fernando Pessoa, a “ilha
extrema ... a que ansiamos”, a ilha em que situamos a nossa felicidade, é toda
irrealidade e idealização. O alento que pode dar aos que a idealizam (os
“crentes”) é puramente conjectural (“talvez”, palavra três vezes repetida na
segunda estrofe). A resposta que este poema oferece à pergunta proposta é que a
felicidade não existe tal como (ou onde) a idealizamos: “Não é com ilhas do fim
do mundo, / Nem com palmares de sonho ou não, / Que cura a alma seu mal
profundo.” Nãoobstante, a felicidade pode existir, desde que não seja buscada lá nas ilhas distantes, mas no espaço de interioridade
que o poema designa como “coração”: “É em nós que é tudo. É ali, ali, / Que a
vida é jovem e o amor sorri.”
É comum aos dois poemas a negação
do lá como espaço da felicidade. Esta,
segundo ambos, só pode estar aqui. Por isso, para o poema de Vicente de Carvalho,
nós não a temos; por isso também, conforme o poema de Fernando Pessoa, não é
impossível que a tenhamos.
27.Ah,
nessa terra também, também / O mal não cessa, não dura o bem. A capacidade de
significar muito com um discurso reduzido, que é uma das características
permanentes da poesia, pode fazer com que, por vezes, uma ou duas palavras
recuperem todo um conteúdo não necessariamente expresso no poema. Com base
nesta observação, descreva e explique o conteúdo referenciado na terceira estrofe
do poema de Fernando Pessoa apenas pela palavra também.
Resolução:
A repetição de também implica, com uma ênfase
paradoxalmente desalentada, que numa “terra” como em outra – isto é, na vida como a vivemos e na vida como a idealizamos – “o mal não cessa, não
dura o bem”. Portanto, o “conteúdo
referenciado” pela palavra também é
uma concepção pessimista da existência resumida
nesse verso.
28.
Os dois poemas se identificam por empregar mais de uma vez a palavra sonho com
significado equivalente. O que querem dizer ambos os eus-líricos com essa
palavra no contexto dos poemas?
Resolução:
Vicente de Carvalho e Fernando Pessoa dão a
sonho o sentido de ideal de
felicidade, anseio por uma existência que não se realiza, a “hora feliz, sempre adiada / E que não chega nunca em toda
a vida”, para o primeiro poeta e,
para o segundo, “aquela terra de suavidade”
que “já sonhada se desvirtua”, de tal forma
que “só de pensá-la cansou pensar”.
[PDF] CIÊNCIAS HUMANAS
www.curso-objetivo.br/vestibular/.../UNESP_2011_2fase_1dia.pdf
FRANCISCA
JÚLIA DA SILVA
Francisca Júlia da Silva Munster (Xiririca, 31 de agosto de 1871 - São
Paulo, 1 de novembro de 1920) foi uma poetisa brasileira.
Colaborou no Correio Paulistano e no Diário Popular, que lhe abriu as
portas para trabalhar em O Álbum, de Artur Azevedo, e A Semana, de Valentim
Magalhães, no Rio de Janeiro. Foi lá que lhe ocorreu um fato bastante curioso:
ninguém acreditava que aqueles versos fossem de mulher e o crítico literário
João Ribeiro, acreditando que Raimundo Correia usava um nome falso, passou a
"atacá-lo" sob o pseudônimo de Maria Azevedo. No entanto a verdade foi
esclarecida após carta de Júlio César da Silva enviada a Max Fleiuss.
A partir daí João Ribeiro empenha-se para que o seu primeiro livro seja
publicado e, em 1895, Mármores sai pela editora Horácio Belfort Sabino. Já a
essa altura era Francisca Júlia considerada grande poetisa nos círculos
literários. Olavo Bilac louvou-lhe o culto da forma, a língua, remoçada
"por um banho maravilhoso de novidade e frescura", sua arte calma e
consoladora. Sua consagração se refletiu nas inúmeras revistas que começaram a
estampar-lhe o retrato.
Em 1899 publica o Livro da
Infância destinado às escolas públicas do estado. Sua intenção era começar
no Brasil algum tipo de literatura destinada às crianças, algo que até então
praticamente não existia. O livro trazia pequenos contos e versos "simples
na forma, fluentes na narrativa e escritos no melhor e mais puro
vernáculo", conforme acentuou Júlio César da Silva ao prefaciar o livro.
A experiência de Francisca Júlia com os versos infantis transferiu-se,
em parte, para a sua terceira obra Esfinges, publicada em 1903. A grosso modo
Esfinges é uma edição ampliada de Mármores, onde excluiu 07 composições e
acrescentou 20 novas, sendo 14 inéditas.
Em 1904, no primeiro dia do ano, Francisca Júlia é proclamada membro
efetivo do Comitê Central Brasileiro da Societá Internazionale Elleno-Latina,
de Roma.
Em Cabreúva
Embora vivendo um momento de consagração como grande poetisa até aquele
instante, contudo, por razões nunca esclarecidas, Francisca Júlia abandona a
vida pública em São Paulo e parte para Cabreúva, em 1906, onde sua mãe exercia
o magistério. Passa a dedicar-se aos serviços domésticos e torna-se professora
particular das crianças da região, dando aulas de piano, inclusive, a Erotides
de Campos, que mais tarde viria a se tornar um famoso compositor paulista.
Foi quando conheceu um farmacêutico recém-formado da capital que lá
estava de visita aos parentes. Apaixonam-se e fazem planos para o casamento. No
entanto, devido a sua fama de doido na cidade, os mais íntimos se opõem ao
matrimônio. Recebendo a recusa da poetisa, o jovem parte de Cabreúva com o
intuito de voltar, o que não acontece: acaba se casando no Rio e todas as
cartas de amor são devolvidas, chocantemente, numa caixa de sapatos.
A poetisa, então, decide voltar para São Paulo e aguarda a possibilidade
de transferência da mãe para partir com ela, o que aconteceu em outubro de
1908, quando é removida para a escola de Lajeado. Ainda em Cabreúva, recusa o
convite para participar da Academia Paulista de Letras por não querer ingressar
sem o irmão. No mesmo ano faz a sua primeira conferência no salão do edifício
da Câmara Municipal, em Itu, sobre o tema "A Feitiçaria Sob o Ponto de
Vista Científico".
Casamento
e fim
Casa-se, em 1909, com Filadelfo Edmundo Munster (1865-1920),
telegrafista da Estrada de Ferro Central do Brasil. Foi padrinho de seu
casamento o poeta e amigo Vicente de Carvalho. Nessa época já estava
compenetrada em pensamentos místicos. Isola-se e vive para o lar, recebendo
visitas esporádicas de jornalistas que publicam ainda poesias suas. Em 1912 sai
seu último livro, Alma Infantil, em parceria com o irmão Júlio César da Silva,
que alcança notável repercussão nas escolas do Estado quando grande parte da
edição é adquirida pelo Secretário do Interior, na época, Altino Arantes.
Passa a explorar temas como a caridade, a fé, vida após a morte,
reencarnação e ideologias orientais diversas (budismo). Descobre, em 1916, a
doença do marido (tuberculose) e mergulha numa depressão profunda, diz ter
visões, que está para morrer e tem alucinações provenientes da intoxicação do
ácido úrico. Com o passar dos anos a situação se agrava, suas poesias - as
poucas que ainda escreve - retratam a vontade de uma mulher que almeja a paz
espiritual fora do plano terrestre. Diz, em entrevista a Correia Junior, que
sua "vida encurta-se hora a hora". Mesmo assim volta a escrever para
A Cigarra e promete um livro de poesias chamado Versos Áureos.
Em 1920, Filadelfo, desenganado pelos médicos, vem a falecer no dia 31
de outubro. Horas depois do cortejo, no dia seguinte, Francisca Júlia vai para
o quarto repousar e suicida-se ao ingerir excessiva dose de narcóticos, vindo a
falecer na manhã de 1 de novembro de 1920.
Obras
1895 - Mármores
1899 - Livro da Infância
1903 - Esfinges
1908 - A Feitiçaria Sob o Ponto de
Vista Científico (discurso)
1912 - Alma Infantil (com Júlio César
da Silva)
1921 - Esfinges - 2º ed. (ampliada)
1962 - Poesias (organizadas por
Péricles Eugênio da Silva Ramos)
Estilo
literário
Francisca Júlia, segundo o historiador João Pacheco, desde cedo mostrou
ortodoxamente timbres parnasianos, mas com influencia do modernismo, que deixou
o poeta Olavo Bilac a inveja de ourives. Sua poesia traz a mais estrita
impessoalidade, revelando-se puramente objetiva nas peças que mais célebres
ficaram - "Dança de Centauras" e "Os Argonautas",
principalmente - em que não palpita nenhum estilo interior, mas em que se
modela e se fixa o relevo, a cor, o movimento das formas externas. Em certos
momentos, manifesta um raro poder de sonoridade e vigor à língua, imprimindo
aos versos uma estrutura que não se apoiava na emoção, mas na própria força e
rigor da expressão.
Todavia apresentava uma tendência ao simbolismo já muito antiga,
conforme é vista na poesia "De Joelhos", de 1894, cujo pendor pelo
gosto nefelibata refletiu-se em admiráveis efeitos de luz, som e movimento.
Tais efeitos repercutiram após a publicação de "Esfinges", em 1903,
até o fim da vida, nos anos em que sofrera com a doença do esposo.
Seu simbolismo, segundo Péricles Eugênio, foi uma das manifestações da
moralização de sua arte, que adquiriu um caráter místico e filosófico cada vez
mais pronunciado. Pode-se dizer que sua poesia evoluiu de plástica a
filosófica, guardando sempre a mesma tranquilidade superior de expressão e
revelando o mesmo domínio interior da alma.
Homenagem
Foi homenageada com o nome de uma importante rua no alto do bairro de
Santana, na cidade de São Paulo. Curiosamente outros autores simbolistas foram
homenageados também com ruas do Alto de Santana, existindo os cruzamentos Rua
Francisca Júlia x Rua Alphonsus de Guimaraens e Rua Francisca Júlia x Rua Paulo
Gonçalves.
Em 1933 o Senado aprovou a implantação da estátua "Musa
Impassível" sobre o seu túmulo no Cemitério do Araçá, esculpida em granito
carrara por Victor Brecheret. Em dezembro de 2006, após 15 anos de acordo entre
a Prefeitura e o Estado para o translado, a estátua foi removida para a
Pinacoteca de São Paulo, onde passou por um delicado processo de restauração
antes de ser liberada para exposição pública
Francisca
Júlia da Silva – Wikipédia, a enciclopédia livre
pt.wikipedia.org/wiki/Francisca_Júlia_da_Silva
- 50k
FRANCISCA
JÚLIA, A "MUSA IMPASSÍVEL"
Roberto
Fortes
Muito pouco se escreveu sobre o maior vulto feminino do parnasianismo
brasileiro. Num universo inteiramente dominado por poetas do chamado sexo
forte, Francisca Júlia provou que mulher também sabia fazer poesia de
qualidade. Como poucos, criou versos perfeitos e em nada ficou a dever à
chamada "trindade parnasiana" (Olavo Bilac, Raimundo Correa e Alberto
de Oliveira, que foram seus admiradores e principais incentivadores).
Desde a infância, Francisca Júlia já demonstrava pendor para a poesia. O
ambiente familiar a isso contribuía: o pai, Miguel Luso da Silva, era advogado
provisionado, amigo particular dos livros; a mãe, Cecília Isabel da Silva,
professora na escola de Xiririca (hoje Eldorado, no Vale do Ribeira, Estado de
São Paulo). Foi nessa aprazível cidade às margens do Rio Ribeira de Iguape que,
a 31 de agosto de 1871, nasceu a poetisa Francisca Júlia da Silva. O ano de seu
nascimento é um tanto contraditório: alguns citam 1874, outros 1875. De acordo
com o irmão de Francisca, o também escritor Júlio César da Silva, a quem
devemos dar crédito, o ano correto é mesmo 1871.
Transferindo-se com os pais para São Paulo, Francisca Júlia logo passou
a colaborar com os jornais mais importantes da época. Sua estréia deu-se no
jornal O Estado de S. Paulo, onde publicou seus primeiros sonetos. A partir de
então, começou a colaborar assiduamente para o Correio Paulistano e Diário
Popular. Colaborou também para jornais do Rio de Janeiro, com destaque para as
revistas O Álbum, de Arthur Azevedo, e, especialmente, A Semana.
Em 1895, apareceria seu primeiro livro, Mármores, reunindo sonetos
publicados n'A Semana de 1893 até aquele ano, custeado pelo editor Horácio
Belfort Sabino. Prefaciado por João Ribeiro, o livro causou sensação nas rodas
culturais de São Paulo e Rio de Janeiro. Olavo Bilac, numa crônica emocionada,
destacou: "Em Francisca Júlia supreendeu-me o respeito da língua
portuguesa, — não que ela transporte para a sua estrofe brasileira a dura
construção clássica: mas a língua doce de Camões, trabalhada pela pena dessa
meridional, — que traz para a arte escrita todas as suas delicadezas de mulher,
toda a sua faceirice de moça, nada perde da sua pureza fidalga de linhas. O
português de Francisca Júlia é o mesmo antigo português, remoçado por um banho
maravilhoso de novidade e frescura."
A Semana era uma das revistas mais conceituadas que então se editava na
Capital Federal. Dirigida por Valentim Magalhães, tinha como redatores ilustres
escritores da época: João Ribeiro, Araripe Júnior e Lúcio de Mendonça. A
estréia de Francisca Júlia na revista provocou grande alvoroço: os redatores
não acreditavam que uma mulher pudesse escrever versos tão perfeitos. Não foi
sem razão que João Ribeiro exclamou: "Isto não é verso de mulher! Deve ser
uma brincadeira do Raimundo Correa!..."
Encantado com esse talento literário que emergia, João Ribeiro
prefaciaria o livro Mármores. Ombreando-a à trindade parnasiana, Ribeiro
escreveu: "Nem aqui, nem no sul nem no norte, onde agora floresce uma
escola literária, encontro um nome que se possa opor ao de Francisca Júlia. Todos
lhe são positivamente inferiores no estro, na composição e fatura do verso,
nenhum possui em tal grau o talento de reproduzir as belezas clássicas com essa
fria severidade de forma e de epítetos que Heredia e Leconde deram o exemplo na
literatura francesa."
João Ribeiro espargiu mais elogios, recordando a estréia da poetisa n´A
Semana: "A sua poesia enérgica, vibrante, trazia a veemência de
sonoridades estranhas, nunca ouvidas, uma música nova que as cítaras banais do
nosso Olimpo nos haviam desacostumado."
Tanto confete lançado em torno de sua estréia literária parece não ter
subido a cabeça da jovem e já consagrada poetisa, então com 24 anos. Ao
contrário, cada vez mais incentivada por amigos de peso, dedica-se
integralmente à atividade poética, traduzindo para o português versos do poeta
alemão Heine.
Apesar de parnasiana na forma, Francisca Júlia também teve alguma
passagem pelo simbolismo, introduzido no Brasil nessa última década do Século
XIX.
Em 1899, juntamente com o irmão Júlio César, escreve o Livro da
Infância, obra didática logo adotada pelo Governo de São Paulo em escolas do
primeiro grau. Seu segundo e último livro de poesias, Esfinges, porém, só
apareceria em 1903, novamente prefaciado pelo amigo e admirador João Ribeiro,
sendo editado pela firma Bentley Júnior & Cia.
A exemplo de Mármores, seu novo livro foi igualmente aplaudido pela
crítica. Aristeu Seixas não poupou elogios: "Nenhuma pena manejada por mão
feminina, seja qual for o período que remontemos, jamais esculpiu, em nossa
língua, versos que atinjam a perfeição sem par e a beleza estonteante dos
concebidos pelo raro gênio da peregrina artista."
Outros poetas famosos não deixaram de manifestar, em crônicas
emocionadas, vibrantes elogios à mais nova produção literária de Francisca
Júlia, entre eles, Vicente de Carvalho e Coelho Neto.
Em 1909, a poetisa contrai matrimônio com Filadelfo Edmundo Munster,
telegrafista da Estrada de Ferro Central do Brasil. A bela cerimônia, que teve
Vicente de Carvalho como padrinho, realizou-se na capela de Lajeado, Capital
(SP). Nessa ocasião, foi convidada (e gentilmente recusou) a fazer parte da
Academia Paulista de Letras, então em vias de ser fundada. A partir desse ano,
decide deixar a poesia de lado e se dedicar apenas ao esposo e ao lar.
Alguns anos mais tarde, outra vez em colaboração com o irmão Júlio
César, produz seu último trabalho literário, Alma Infantil, editado em 1912
pela Livraria Magalhães.
Na segunda década do século, Francisca Júlia já era uma poetisa há muito
consagrada. Aos 46 anos recebe talvez a maior homenagem que lhe prestaram em
vida, quando um grupo de admiradores organizou em 1917 uma sessão literária e
ofereceu seu busto à Academia Brasileira de Letras. Era a consagração da
talentosa artífice de versos, da "Musa Impassível", como ficou
conhecida.
Acometido de tuberculose, após demorado tratamento, Filadelfo Munster
faleceu em 31 de outubro de 1920. A perda do companheiro tão querido foi
arrasadora para a sensível poetisa, cuja emoção não pode conter, em nada
demonstrando ser a autora daqueles versos frios, impassíveis. Confessou aos
amigos que sua vida não tinha mais sentido sem a companhia do marido e deixou
claro que "jamais poria o véu de viúva" (seria uma indicação de
suicídio?). Retirou-se para repousar em seu quarto e ingeriu excessiva dose de
narcóticos. No dia seguinte, ao abraçar o caixão onde jazia o corpo inerte do
esposo, num último e emocionado adeus, Francisca Júlia falecia aos 49 anos. Seu
corpo foi enterrado no Cemitério do Araçá, em São Paulo, ao meio-dia de 2 de
novembro.
Foi apresentada proposta, pelo deputado estadual Freitas Vale, para se
erigir uma mausoléu em memória à poetisa, que seria construído no governo de
Washington Luiz. Sobre essa escultura, as palavras de Menotti del Picchia dizem
tudo: "A estátua que se ergue hoje no cemitério do Araça, a Musa
Impassível, é um mármore criado pelo cinzel triunfal de Victor Brecheret. Na
augusta expressão dos seus olhos, do seu busto ereto, da suas mãos rítmicas, há
toda a grandeza e a beleza daquela musa impassível da formidável parnasiana que
concebeu e realizou a —Danças das Centauras —. O estatuário é bem digno da
poetisa."
A despeito da importância incontestável de sua obra, Francisca Júlia
ainda não ocupa o lugar que lhe é devido no cenário da poesia brasileira,
talvez por "esquecimento" dos estudiosos da literatura brasileira e
dos críticos literários em geral. Nos livros didáticos adotados nas escolas
secundárias e nas universidades, pouco ou nada se encontra sobre a poetisa e
sua obra. É uma falta de respeito à sua memória e uma dívida a ser resgatada
com a literatura de língua portuguesa.
ESTUDO
DE "MUSA IMPASSÍVEL" - ESTRATÉGIAS LINGUÍSTICAS
Musa!
um gesto sequer de dor ou de sincero
Luto
jamais te afeie o cândido semblante!
Diante
de Jó, conserva o mesmo orgulho; e diante
De
um morto, o mesmo olhar e sobrecenho austero.
Em
teus olhos não quero a lágrima; não quero
Em
tua boca o suave e idílico descante.
Celebra
ora um fantasma anguiforme de Dante,
Ora
o vulto marcial de um guerreiro de Homero.
Dá-me
o hemistíquio d'ouro, a imagem atrativa;
A
rima, cujo som, de uma harmonia crebra,
Cante
aos ouvidos d'alma; a estrofe limpa e viva;
Versos
que lembrem, com seus bárbaros ruídos,
Ora
o áspero rumor de um calhau que se quebra,
Ora
o surdo rumor de mármores partidos.
Primeiro é necessário esclarecer o termo “Musa”: remete a uma das nove
divindades da mitologia clássica grega e latina, filhas de Zeus e Mnemósine
(deusa da memória), que protegiam as letras, as artes liberais e as ciências.
A presença da musa no poema indica sempre a alusão à inspiração dos
poetas, daquele ser pretensamente exterior, que dominaria a criação poética.
Claro que esse é apenas um efeito literário.
No soneto citado, ao descrever todas as características de “sua” musa,
ao desejá-la impassível, ou seja, imune às paixões e aos outros sentimentos daí
advindos, o sujeito lírico fala de si mesmo, de sua maneira de pensar e agir
diante do fato poético: contenção da emoção, absoluto domínio de si diante da
criação, um trabalho incessante na busca da perfeição textual, tentativa de se
evitar o subjetivismo, isto é, a marca forte de seu eu, o que era uma busca
incessante do Parnasianismo. Enfim, sufocamento da inspiração pura e simples em
proveito do trabalho intelectual. A própria assunção dessa personagem
mitológica, que remete à inspiração, é um paradoxo, portanto.
Mas, à luz da Teoria do discurso, vemos que, como todos os outros poetas
do parnasianismo, Francisca Júlia esteve longe dessa impassibilidade. Dominique
Maingueneau em seu Termos-chave da análise do discurso (1.ª reimpressão, Belo
Horizonte: UFMG, 2000), no verbete “subjetividade” diz que “é praticamente
impossível encontrar um texto que não deixe aflorar a presença do sujeito
falante”. Saliente-se que, no caso, ele se refere a qualquer texto, não só ao
poético. Começa-se a descobrir que o eu não aparece apenas explicitamente no
texto, nos pronomes de primeira pessoa, nos adjetivos que traduzem seus estados
de alma, no sentimentalismo, como faziam, por exemplo, os românticos.
Maingueneau vai estudar “as marcas” dessa subjetividade, quer dizer,
desse eu que, sem querer, acaba se revelando. Por exemplo: se num texto aparece
a expressão “casa grande”, temos aí uma propriedade de um objeto. Mas se
encontramos “casa magnífica”, temos, mais do que uma propriedade do objeto, mas
um julgamento de valor, uma reação emocional do enunciador, que podia estar
pretendendo fazer uma descrição objetiva e contida. Sem querer, há a clara presença
desse eu.
O estudioso faz uma análise teórico minuciosa, mas aqui citarei apenas o
que são as “tomadas de posição” do sujeito lírico do soneto em questão,
mostrando que ele não é desapaixonado nem impassível. Parecendo falar de um
elemento exterior a si, a criação literária, e exortando à contenção emocional,
o que esse ser enunciador faz é jogar-se inteiramente em suas escolhas
linguísticas. Aliás, a própria noção de “escolha” – preferência, predileção –
já está a assinalar a presença de um eu arbitrário. Ao empregar determinado
verbo ou adjetivo, o sujeito enunciativo mostra inteiramente suas preferências
ou avaliações sobre o que fala.
Ele nega qualquer gesto de dor ou lágrima para seu eu, que ele nomeia
como musa, tentando evitar o sentimentalismo. Mas ao empregar o verbo “afeie”
para semblante, em lugar, por exemplo, de “modifique”, a emoção já guiou sua
opção.
Prosseguindo, esse enunciador deseja uma série de procedimentos poéticos
que “cante aos ouvidos d’alma”. Bem, a escolha de todos esses elementos, desde
o próprio verbo cantar, é de uma subjetividade extrema. Imaginar-se ouvidos
d’alma não tem nada de objetivo ou impassível. Observemos as expressões
adjetivas de “sincero luto”, “cândido semblante”, “sobrecenho austero”, que,
somadas à atribuição “d’ouro” para hemistíquio – metade de um verso – são
pessoais, são afetivas e, nesse caso, completamente emocionais.
A última estrofe termina por completar o derramamento sentimental
naqueles “bárbaros ruídos”. Se o enunciador poderia escolher o adjetivo
sinônimo “rude”, que já seria avaliativo, e portanto subjetivo, imagine-se a
opção por “bárbaros”, que, além de ter o mesmo significado, ainda agrega uma
séria de dados culturais e históricos (aconselho a consulta a um bom dicionário
e a leitura de todo o verbete).
A estrofe, a partir daí, se fecha em duas construções que podem ser
vistas, no mínimo, como duas comparações para “versos”: “áspero rumor de um
calhau que se quebra” e “surdo rumor de mármores partidos”. Na primeira, o
leitor se depara com uma sinestesia, que é a construção de uma expressão que
apela a dois sentidos diferentes: “áspero” remete ao tato e “rumor” à audição.
Ora, utilizar figuras de linguagem é
abrir mão da linguagem objetiva de um discurso que se quer impassível, em prol
da via poética, que é polissêmica e aponta vários caminhos, não só para o
leitor, como para o próprio sujeito enunciador. Quem fala através da linguagem
figurada quer tudo, menos fugir à emoção.
Francisca Júlia, a "Musa Impassível" - Roberto
Fortes
www.blocosonline.com.br/literatura/prosa/artigos/art020.htm
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estratégias linguísticas - Literatura em vida 2
Francisca Júlia - Dominique Maingueneau - Análise do
Discurso ...
literaturaemvida2.blogspot.com/2010/01/literatura-de-ontem-9
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FRANCISCA
JULIA E A INSERÇÃO DA MULHER NO CAMPO LITERÁRIO: UM INTERMÉDIO ENTRE O
PARNASIANISMO E O SIMBOLISMO
Silvio Profirio da Silva
Aline Adriana da Silva
Edna Carla Lima da Silva
Salete Paiva da Silva
RESUMO:
Durante muito tempo, a produção literária foi algo restrito ao universo masculino.
Assim, a mulher tinha sua voz silenciada. Contudo, nesse campo, marcado pela
presença masculina, eclode a atuação da mulher. Este trabalho objetiva abordar os subsídios de Francisca Julia para a
inserção da mulher no âmbito da composiçãodo texto literário. Pretende-se,
também: a) abordar suas características temático-estilísticas como um
intermédio entre o Parnasianismo e o Simbolismo; b)
a condição de esquecimento a que foi
alçada essa autora.
Palavras-chave:
inserção; mulher; escrita; dualidade; esquecimento.
INTRODUÇÃO
Durante muito tempo, a produção literária foi algo restrito ao universo
masculino. Com isso, a mulher tinha sua voz silenciada em um cenário
caracterizado, exclusivamente, pela supremacia masculina. Em geral, os únicos
papeis e funções sociais atribuídos à mulher, ainda que letrada, eram o de esposa,
de mãe e de doméstica do lar, submetendo-se, assim, à preponderância masculina.
O que reflete as condições sociais e históricas nas quais se encontravam as mulheres
nesse período. Contudo, em um campo marcado, predominantemente, pela presença
masculina, eclode a atuação da mulher no âmbito da escrita, mais especifi
camente, na composição do texto literário.
Esse é o contexto no qual surge a produção literária de Francisca Julia
da Silva.
À luz das contribuições teóricas de Andrade (1987), Bosi (1984), Côelho
et al. (2008), Coelho (2010), Leandro e Joanilho (2006), Moisés (1969), Ramos
(2011), Romero (1943), Veríssimo (1915), entre outros, este trabalho tem por
objetivo abordar os subsídios de Francisca Julia da Silva para a inserção da
figura feminina na composição do texto literário e, por conseguinte, no âmbito
literário. Decorrente deste,
pretende-se:
• Abordar características
temático-estilísticas de sua obra em uma perspectiva de intermédio entre a
Escola Parnasiana e a Simbolista;
• Refl etir acerca do fato de essa
autora não ser abordada pela maior parte dos Livros Didáticos de Literatura.
Ou, então, ser retratada como autor minoritário, na medida em que a abordagem
do seu legado cultural limita-se a pequenoscomentários e a tópicos na parte do
capítulos que menciona Outros Autores da Escola Parnasiana.
A
INSERÇÃO DA FIGURA FEMININA NO ÂMBITO LITERÁRIO E A ALTERAÇÃO NO PAPEL SOCIAL
DA MULHER
Da preponderância masculina ao espaço da figura feminina na escrita
literária.
Esse percurso reflete o movimento, ou melhor, o salto na evolução da
trajetória da função social da mulher, mesmo que inicial. Sabe-se que, durante
muito tempo, a escrita literária foi algo dominado, predominantemente, pela
figura masculina. Em face dos ideais/ da ideologia de uma época, a mulher tinha
sua voz silenciada e, por conseguinte, tinha sua participação, no âmbito
literário, extinta. Tal situação não só evidencia as condições sócio-históricas
da mulher nessa época, mas, em especial, demonstra os critérios não-linguísticos
que estabeleciam os padrões de normalidade no ramo da escrita. A mulher, desse
modo, tinha sua voz e participação erradicadas do universo literário em virtude
de aspectos que transcendem o âmbito linguístico, inserindo, assim, as questões
de gênero na composição literária.
Em contraposição a essa postura de segregação social da mulher, eclode
outra de inclusão, embora mínima nessa época. Eclode, dessa maneira, a obra da
autora Francisca Julia da Silva, um dos primeiros nomes femininos inclusos no
ramo da escrita literária. Apesar de seu quantitativo de obras ser considerado
pequeno, seu legado consegue dar conta de refletir não só sua contribuição para
a evolução da trajetória literária e cultural do Brasil, mas também faz um
convite à reflexão das condições a que
estava submetida a mulher nessa época, em decorrência da conjuntura social que
alçava a figura feminina à condição de objeto de submissão.
Diante
dessa perspectiva, a obra de Francisca Julia traz uma reflexão acerca da
inserção e da participação da mulher no contexto da escrita literária.
Coelho (2010) ressalta o fato de essa autora, em sua eclosão na produção
literária, foi desacreditada em virtude de sua condição feminina. Para isso,
Coelho (2010) cita Constantino (1941, p. 2) que afirma que o surgimento de uma
mulher no campo literário ocasionou muita polêmica. Motivo este que fez com que
muitos acreditassem que um autor estaria se utilizando de um pseudônimo,
Francisca Julia, para difundir seus textos. O que está em sintonia com Coêlho
et al. (2008, p.5), que diz que “o estético da forma e chegou a ser atribuído a
vários outros poetas até
que se descobrisse que Francisca Julia
não se tratava de um pseudônimo”. Nessa direção, percebe-se que a mulher era
desacreditada, ou seja, a figura feminina não teria capacidade de compor um
texto literário de tamanha magnitude.
Francisca Júlia assustava os líderes do intelectualismo brasileiro [...].
Como admitir, pois, a audácia da mulher que criava obras primas, conquistando,
por isso mesmo, o título de maior expressão no parnasianismo? Combateram-na em
vão.
O bom senso reagiu. Vergonha, pretender anular os méritos de quem, na
arte da forma, ombreava com Raimundo, com Alberto e com Bilac. [...]
(CONSTANTINO, 1941, p. 2 apud COELHO 2010, p. 9).
Tinha-se, assim, uma produção literária que preconizava uma
predominância masculina nesse âmbito, o que, por sua vez, excluía a inserção da
mulher na construção/ produção literária. É nesse sentido que, Francisca Julia
da Silva, enquanto uma das primeiras autoras [nomes femininos brasileiros] inclusos
na escrita literária, põe em xeque essa perspectiva, tradicionalmente, excludente
e de segregação a que era submetida a mulher. O que, por sua vez, abre espaço
para a mulher nesse âmbito, ainda que mínimo inicialmente.
FRANCISCA
JULIA: A DUALIDADE ENTRE O PARNASIANISMO E O SIMBOLISMO
Sabe-se que os pressupostos teóricos das mais diversas correntes literárias
refletem-se na escrita do autor durante o decorrer da composição do texto
literário.
Dentro dessa perspectiva, seus textos reproduzem os ideais das vertentes
nas quais estão inclusos, expressando-os tematicamente e estilisticamente na
superfície do texto. Atrelado a isso, durante muito tempo, acreditou-se que, na
composição do texto literário, o autor se utiliza dos pressupostos teóricos e
das características temático-estilísticas de uma escola apenas.
Com base nessa visão, a articulação, ou melhor, a junção de aspectos de
vertentes literárias distintas não ocorre e, acima de tudo, não se materializa
nos signos expostos na superfície textual. Porém, ao longo da trajetória histórico-social
da Literatura Brasileira, alguns autores põem em xeque essa perspectiva,
mostrando a junção de aspectos e fatores de escolas que, em geral, são
mostradas como opostas pode ocorrer. Um exemplo que ilustra/ reflete essa nova
perspectiva de composição do texto literário é Francisca Julia da Silva que comunga
de traços estilísticos e temáticos das Escolas Parnasiana e Simbolista. Partindo
desse pressuposto, optou-se, inicialmente, por apresentar uma síntese das característica
de cada uma dessas escola e, após isso, perceber como elas se refl etem/materializam
nas escritas de Francisca Julia da Silva.
O Parnasianismo se volta para a Impessoalidade, isto é, a neutralidade
do autor em face da realidade, não interferindo, assim, no tratamento dados aos
fatos.
Dentro dessa perspectiva, o autor do texto literário deve lançar mão da
neutralidade diante da realidade, em detrimento dos seus sentimentos. Nessa
ótica, essa escola se contrapõe ao subjetivismo proveniente do Romantismo. Esse
aspecto reflete um fato comum a maior parte das escolas literárias, isto é, o
fato de se opor veemente à escola anterior, buscando, assim, ideais de fundamentação
em vertentes anteriores a que se opõe. Outra característica temática do texto
Parnasiano diz respeito à supervalorização do esteticismo [estética] e uma
intensa busca pela perfeição, centrando-se, preponderantemente, na forma. Esta,
por sua vez, pode ser definida como a maneira como o texto se estrutura e se
organiza na superfície textual, ou seja, os fatores internos do texto
literário. Nessa perspectiva, os autores dessa corrente literária voltam sua
atenção e seu olhar para a construção estrutural do texto literário, voltando-se,
predominantemente, para a busca intensa pela perfeição formal. Norteados por
essa perspectiva, eles “instauram o materialismo da forma, o artesanato do verso.
A palavra é trabalhada como matéria-prima que deve ser lapidada, burilada e
cinzelada” (ANDRADE, 1987, p. 108).
Ao preconizar versos presos a estruturas formais e objetivas, que não
davam vazão ao sentimento, à emoção e, sobretudo, ao engajamento social, que
“negavam” ardentemente. Por essas razões essa poesia é vista como
uma poesia objetiva, impessoal e contida. (ALARINI, 2009, p. 957).
Desataca-se, ainda, a perspectiva que esses autores adotam de utilizar,
no enfoque dado ao texto, as descrições de cenas e, sobretudo, de objetos, tais
como, quadros, obras arquitetônicas, vasos etc.. Tinha-se, desse modo, uma
“poesia descritiva, plástica e visual” (ANDRADE, 1987, p. 108), que concedia
primazia ao cromatismo [a forma como ela joga com as cores] e, sobretudo, no
que tange às cenas que retratam aspectos e fatores concernentes à natureza,
conforme ressalta Andrade (1987).
Conforme dito anteriormente, uma peculiaridade comum a maior parte das correntes
e escolas literárias refere-se ao ato de se opor ao estilo anterior, por intermédio
de seus pressupostos, características e tratamentos dado ao texto. Além disso, ao
realizar esse ato, tais escolas buscam suas bases de fundamentação em correntes
literárias anteriores às que se contrapõem. Dentro desse contexto, o Simbolismo
se volta para o subjetivismo desprezado pelos Parnasianos, valorizando, assim,
o “eu” e, acima de tudo, aderindo à ideologia da Vertente Romântica combatida
com grande empenho pelos Parnasianos]. Dito de outra forma, em virtude da oposição
ao Romantismo, a Vertente Parnasiana adere a alguns dos ideais e aos
pressupostos do Arcadismo, que preconizava a escrita do texto literário tendo
como base de fundamentação modelos pré-estabelecidos, isto é, um objeto de arte
normativo, especificando, assim, como deveria ocorrer a composição de cada
gênero. Daí provém a questão da constante busca pela perfeição formal a que se
dedicavam veemente os Parnasianos. Os Românticos, na busca pela originalidade e
pela construção de uma nova forma de escrita [objetivo de criar algo novo],
põem em xeque essas normas, contrapondo-se, assim, ao Arcadismo. Daí advém um
dos fatores causadores do embate entre a Escola Romântica e a Simbolista, ou seja,
o fato de recorrer a outros modelos e perspectivas postos anteriormente anteriores.
Ainda no tocante ao Simbolismo, essa escola literária valoriza os
aspectos interiores do homem, isto é, sua essência. Nesse contexto, é comum
nessas obras a abordagem de aspectos relativos ao corpo, ao espírito e à alma,
o que reflete uma perspectiva de cunho/ teor psicológico. Desataca-se, ainda, o
fato de os autores dessa escola lançarem mão de uma linguagem musical, ou
melhor, uma linguagem que articula os signos expostos na superfície textual à
musicalidade. Para tanto, o autor se utiliza de diversas estratégias e recursos
linguísticos, tais como, a aliteração e a assonância, transcendendo, assim, a
limitação às rimas e, sobretudo, à forma, valorizando, assim, os aspectos
sonoros da linguagem escrita.
Contudo, há autores que possuem características de duas escolas
literárias contemporâneas entre si, articulando, assim, seus pressupostos que,
até então, se contrapunham. Um exemplo que pode ilustrar essa questão é
Francisca Julia que lança mão, em seus textos, de características temático-estilísticas
tanto do Parnasianismocomo do Simbolismo, refl etindo, assim, um intermédio
entre essas duas vertentes literárias. O que está em consonância com Coêlho et
al. (2008, p. 5), que diz que “a obra de Francisca Julia da Silva Munster (1874-1920)
situa-se no período de convívio entre o Parnasianismo e o Simbolismo”.
ENTRE
O PARNASIANISMO E O SIMBOLISMO: OS ASPECTOS TEMÁTICO-ESTILÍSTICOS E OS TRAÇOS
DA DUALIDADE
Francisca Julia é considerada por muitos teóricos o adepto mais fi el da
Escola Parnasiana pelo fato de seguir os ideais e pressupostos dessa escola,
sobretudo, no que concerne à impassibilidade. Em outras palavras, a
neutralidade do autor diante da realidade circundante, o que possibilita a não
inclusão, a não participação e o distanciamento do autor no tratamento dado aos
fatos. Nessa ótica, o tratamento dado à realidade se dá sem a interferência dos
aspectos interiores do autor. Em
função disso e em virtude do soneto
"Musa Impassível”, essa autora recebeu o título de “A musa Impassível”.
A obra de Francisca Julia da Silva Munster (1874-1920) situa-se no
período de convívio entre o Parnasianismo e o Simbolismo. Seu primeiro livro
intitulado Mármores vem a público em
1895 e é recebido com entusiasmo pelos literatos da época. Tendo sua poética
alcançado o mais alto grau de perfeição formal – ideal supremo da escola
parnasiana. (COÊLHO et al., 2008, p. 5).
Outro aspecto comum nas obras de Francisca Julia [aspecto proveniente da
estética parnasiana] refere-se ao descritivismo, fazendo com que o leitor, durante
a leitura do texto literário, realize um movimento que remete às imagens
mentais e visuais retratadas pelos signos distribuídos ao longo do texto. O que
vai ao encontro de Coêlho et al. (2008, p. 8), que diz que “a autora utiliza as
palavras com uma maestria hipnotizante que evidencia o poder de encantar e sugestionar
o leitor por meio dacriação de imagens e pensamentos pela “simples” descrição das
cenas retratadas no
poema”. Mas, destaca-se, sobretudo, a
busca incessante pela forma. Dito de outramaneira, a forma como o texto
literário se confi gura e se apresenta na superfícietextual. Assim, a autora,
em função dos pressupostos do Estilo Parnasiano, volta seu olhar para a
construção estrutural do texto literário. Por essa razão, seus versos são considerados
por muitos como perfeitos [os mais perfeitos da Língua Portuguesa].
São exemplos de autores que ilustram esse reconhecimento à composição literária
dessa autora,
CARACTERISTICAS
TEMÁTICO-ESTILÍSTICAS DO PARNASIANISMO
Consoante Andrade (1987, p. 108), “o Parnasianismo é a negação da poesia
sentimental e confessional dos românticos”. Com isso, essa escola literária
volta-se, predominantemente, para a impassibilidade [a não inclusão do autor,
dos seus aspectos emocionais e internos na abordagem da realidade] e,
sobretudo, para a erradicação/ extinção do lirismo. Essa nova perspectiva pode
ser percebida no texto abaixo, por meio do qual a autora consegue refl etir
perfeitamente os ideais e
pressupostos parnasianos. Para
realizar tal faceta, ela focaliza veemente a questão da impassibilidade, a
partir da erradicação do lirismo, do envolvimento do autor na abordagem/no
tratamento dados aos fato e do descritivismo [a maneira impressionante como ela
trabalha as cores e, simultaneamente, descreve os aspectos da natureza, remetendo
o leitor aos fatores visuais. Percebe-se, ainda, traços da Mitologia Grega.
MUSA IMPASSÍVEL II
Ó
Musa, cujo olhar de pedra, que não chora,
Gela
o sorriso ao lábio e as lágrimas estanca!
Dá-me
que eu vá contigo, em liberdade franca,
Por
esse grande espaço onde o Impassível mora.
Leva-me
longe, ó Musa impassível e branca!
Longe,
acima do mundo, imensidade em fora,
Onde,
chamas lançando ao cortejo da aurora,
O
áureo plaustro do sol nas nuvens solavanca.
Transporta-me,
de vez, numa ascensão ardente,
À
deliciosa paz dos Olímpicos-Lares,
Onde
os deuses pagãos vivem eternamente,
E
onde, num longo olhar, eu possa ver contigo,
Passarem,
através das brumas seculares,
Os
Poetas e os Heróis do grande mundo antigo
Ainda tendo como base de
fundamentação teórica os pressupostos de Andrade (1987, p. 108), diz-se que “O
Parnasianismo foi a recuperação dos ideais classicismo: representou um retorno
aos temas e formas da poesia Greco-romana”. Por esse motivo, é comum nas obras
dessa escola o espaço dado às figuras da Mitologia Grega, conforme ocorre no
texto abaixo:
DANÇA DE CENTAURAS
Patas
dianteiras no ar, bocas livres dos freios,
Nuas,
em grita, em ludo, entrecruzando as lanças,
Ei-las,
garbosas vêm, na evolução das danças
Rudes,
pompeando à luz a brancura dos seios.
A
noite escuta, fulge o luar, gemem as franças;
Mil
centauras a rir, em lutas e torneios,
Galopam
livres, vão e vêm, os peitos cheios
De
ar, o cabelo solto ao léu das auras mansas.
Empalidece
o luar, a noite cai, madruga...
A
dança hípica pára e logo atroa o espaço
O
galope infernal das centauras em fuga:
É
que, longe, ao clarão do luar que empalidece,
Enorme,
aceso o olhar, bravo, do heróico braço
Pendente
a clava argiva, Hércules aparece...
Nessa ótica, percebe-se, nesse texto, traços da presença de aspectos
mitológicos e históricos, o que vai ao encontro dos pressupostos da Escola
Parnasiana [por conseguinte, dos modelos arca distas]. Nos textos dessa escola,
são típicas a abordagem de figuras mitológicas. O que está em consonância com
Christo (2005), que afirma que, de acordo com a escola literária a que
pertenceu – o Parnasianismo, Francisca Julia não só valoriza concepções
clássicas tradicionais referentes à forma (metro, rima e ritmo), como também,
resgata os temas mitológicos, uma vez que faz uma descrição nítida da imagem
das centauras: ora as descreve ferozes e guerreiras ora esbeltas, atraentes e
livres, enfatizando a dualidade representada por este ser mítico.
Em Os Argonautas, percebe-se a
abordagem de aspectos externos, em detrimentode fatores internos. Para tanto, a autora, em seus
versos, lança mão de falas que articulam cor, aspectos terrestres [relevo] e movimento.
Tal postura evidencia não só a questão da impassibilidade [a não inclusão e não
envolvimento do autor no tratamento dados aos fatos e à realidade], como também
reflete a tendência dos parnasianos de descrever cenas, lançando mão da
descrição por meio de aspectos sensoriais e visuais. Dito de outra forma, o
jogo de palavras que a autora se utiliza faz com que o leitor, durante o ato da
leitura, o remeta às imagens descritas, valorizando, assim, a visão e a
sensação.
OS ARGONAUTAS
Mar
fora, ei-los que vão, cheios de ardor insano;
Os
astros e o luar — amigas sentinelas —
Lançam
bênçãos de cima às largas caravelas
Que
rasgam fortemente a vastidão do oceano.
Ei-los
que vão buscar noutras paragens belas
Infi
ndos cabedais de algum tesouro arcano...
E
o vento austral que passa, em cóleras, ufano,
Faz
palpitar o bojo às retesadas velas.
Novos
céus querem ver, mirífi cas belezas,
Querem
também possuir tesouros e riquezas
Como
essas naus, que têm galhardetes e mastros...
Ateiam-lhes
a febre essas minas supostas...
E,
olhos fi tos no vácuo, imploram, de mãos postas,
A
áurea bênção dos céus e a proteção dos astros...
CARACTERISTICAS
TEMÁTICO-ESTILÍSTICAS DO SIMBOLISMO
Todavia, tal autora não se restringe ao Parnasianismo, articulando,
assim, característicastemático-literárias da Parnasianismo e do Simbolismo
simultaneamente.
Isto é, a autora em tela lança mão de uma dualidade, pertencendo a uma
corrente literária [Parnasianismo], mas também compartilha de pressupostos
temáticos e estilísticos de ou vertente que, até então, se contrapunham. Na
visão de Coêlho et al. (2008), o Simbolismo possui uma relação de articulação
com o Romantismo, na medida em que ambas se voltam para a subjetividade e para
o sentir. Contudo, o subjetivismo da Corrente Simbolista não está diretamente
ligado aos aspectos emocionais, mas ao subconsciente. O que é reforçado por
Moisés (1969, p. 32 apud Côelho, 2008, p. 3), que diz que “na verdade, o
Simbolismo apenas prolongou e
enriqueceu a herança romântica que a
intelectualidade realista pretendeu postergar.”
Surge, agora, uma perspectiva pautada na junção de fatores que articula
linguagem e pensamento, mais especificamente, a linguagem enquanto recurso de
expressão dos aspectos relativos à mente humana. O que está em sintonia com
Côelho et al. (2008, p. 4), “busca-se uma linguagem capaz de expressar estados
psicológicos mais profundos”.
Lançaram-se no encalço de uma nova linguagem fundamentada numa gramática
psicológica, numa sintaxe psicológica, e num léxico adequado à expressão das
novidades estéticas, pela recorrência a neologismos, inesperadas combinações vocabulares,
emprego de arcaísmos e ainda de recursos gráficos de vária ordem (uso das
maiúsculas, das cores na impressão de poemas ou de partes de livros, do y em lugar
do i, etc.). (MOISÉS, 1969, p. 35 apud CÔELHO, 2008, p. 5).
Partindo desse pressuposto, percebe-se que o Simbolismo ocasiona uma
mudança de paradigma, isto é, uma mudança de postura, uma vez que deixa de
focar, predominantemente, na forma e prima pela questões psicológicas e
existenciais. Para isso, os Simbolista lançam mão de diversas estratégias linguísticas,
que englobam desde o jogo de palavras até o uso de signos linguísticos que
remetem a pensamentos e a cenas. Ainda sob o respaldo das contribuições teóricas
de Côelho et al. (2008), essa corrente, em alguns casos, se utiliza de um vocabulário
abstrato, o que reduz a signifi cação literal de uma determinada palavra em um
dado contexto e, por conseguinte, remete o leitor a aspectos visuais e
sensoriais imprecisos (CÔELHO et al., 2008). Em outras palavras, uma linguagem
que nem sempre fala de forma clara, mas que leva o leitor a pensar e a refl
etir acerca do que é dito. Contudo, essa adesão aos pressupostos do Simbolismo
não se limita às questões referentes à estilística da composição do texto
literário, mas também abrange à questão temática. Diante dessa perspectiva, será
comum nas obras [que se voltam para a tendência Simbolista] de Francisca Julia a
abordagem de temáticas, como: Aspectos internos e mentais da espécie humana,
Alma, Corpo [sobretudo o confronto e
dicotomia entre esses dois últimos fatores], Moral [aspectos moralizantes],
morte, sonoridade etc.., conforme sinaliza Andrade (1987). Algumas dessas
características podem ser percebidas/ vistas no texto abaixo:
À SANTA TEREZA
Reza
de manso... Toda de roxo,
A
vista no teto presa,
Como
que imita a tristeza
Daquele
círio tremulo e frouxo...
E
assim, mostrando todo o desgosto
Que
sobre sua alma pesa,
Ela
reza, reza, reza,
As
mãos erguidas, pálido o rosto...
O
rosto pálido, as mãos erguidas,
O
olhar choroso e profundo...
Parece
estar no Outro-Mundo
De
outros mistérios e de outras vidas.
Implora
a Cristo, seu Casto Esposo,
Numa
prece ou num transporte,
O
termo fi nal da Morte,
Para
descanso, para repouso...
[...]
Reza
de manso, reza de manso,
Implorando
ao Casto Esposo
A
morte, para repouso,
Para
sossego, para descanso
D'alma
e do corpo que se consomem,
Num
desânimo profundo,
Ante
as misérias do Mundo,
Ante
as misérias tão baixas do Homem !
Quanta
tristeza, quanto desgosto,
Mostra
na alma aberta e franca,
Quando
fica, branca, branca,
As
mãos erguidas, pálido o rosto...
O
rosto pálido, as mãos erguidas,
O
olhar choroso e profundo,
Parece
estar no Outro-Mundo
De
outros mistérios e de outras vidas...
Nesse texto, percebe-se que a autora volta-se para uma perspectiva de
cunho/teor místico e sobrenatural [vida após a morte]. Com base nesse enfoque
dado ao texto literário, ela retrata a crise de existência e a reflexão humana
diante da morte [mais especificamente, a “impotência diante da morte” (CÔELHO
et al., 2008, p. 6), os estados mentais e os sentimentos que permeiam o
consciente humano neste momento que é a passagem para o outro mundo [como é o
caso da tristeza e do desgosto], a oposição entre o corpo e a alma. Diante
dessa acepção, percebe-se uma
forte perspectiva psicológica. Para
realizar tal faceta, ela lança mão de uma linguagem mque articula os signos e o
pensamento, com o propósito de remeter à cena exposta no corpo do texto
[aspectos e sensações visuais]. Com isso, “Francisca Julia supera a descrição
objetiva parnasiana da morte, já que a delineia pelo viés do irracional, do simbólico
e do subconsciente humano” (COÊLHO et al., 2008, p. 8). Todavia, não se pode
deixar de destacar que, em diversos casos, a autora lança mão de jogos de
palavra a fim de levar o leitor a refletir acerca do que é dito. Isto é, nem
sempre sua linguagem é clara e direta, o que leva o leitor a compreender/
perceber de imediato aquilo que é expresso em seu dizer.
Um outro aspecto que não poderia deixar de ser destacado neste texto diz
respeito ao fato de essa autora ter produzido uma obra voltada para o público
infantil, o Livro da Infância [contos e versos] e Alma Infantil. A primeira
obra foi adotada pelo Governo do Estado de São Paulo para ser utilizada no
universo escolar. No entanto, ambas conseguem obter grande destaque nas escolas
do Estado de São Paulo. O que reflete os subsídios dessa autora para a produção
literária voltada para público infantil, ou também, Literatura Infantil.
Aspecto este que não era muito comum na época.
Diante dos aspectos expostos até o presente momento, percebe-se que
Francisca Julia se volta para a Versatilidade. Essa é a palavra que pode
definir, ilustrar e refletir o conjunto de obras dessa autora. Ela articula
duas formas distintas de escrita e de composição do texto literário. A primeira
que se volta uma perspectiva formal, que tem como objetivo alcançar a perfeição
estrutural, a partir da rigidez da forma, do distanciamento do autor no
tratamento dado à realidade, da contenção dos aspectos emocionais e da ênfase
na linguagem culta [tradicional]. A segunda, por sua vez, se volta para uma perspectiva
oposta à anterior que não se prende, exclusivamente, à forma, mas é construída
por meio de aspectos subjetivos, evidenciando, assim, um forte viés psicológico.
Todos esses elemento refletem a aproximação essas escolas literária antagônicas
e, sobretudo, a dualidade na escrita da autora em tela, tanto do ponto de vista
temático, quanto estilístico.
Nessa conjectura, percebe-se que Francisca Julia trabalha em uma
perspectiva de junção de fatores, o que pode demonstrar o fato que as escolas,
em geral, tentam romper com aspectos provenientes/ oriundos de vertentes
literárias a elas, mas não conseguem romper totalmente. Isso pode ser percebido
na escrita dessa autora, na medida em que estando fi liada/ vinculada à corrente
Parnasiana [que se opunha veemente ao Romantismo], ela adere a alguns aspectos
da vertente Romântica.
FRANCISCA
JULIA E O ESQUECIMENTO: ECOS DO MODERNISMO
Diante do estudo das contribuições da autora em questão [ainda que seu quantitativo
de obras seja pequeno], surge uma indagação. Por qual motivo uma autora tão
elogiada [em alguns casos, por autores que compõem a literatura canônicada
escola parnasiana, conforme trechos das falas proferidas pelos autores abaixo],
chegando até a receber homenagens póstumas, não é abordada na maior parte dos Livros
Didáticos de Literatura, como também é objeto de estudo e investigação
de uma pequena quantidade
pesquisadores? Essa afi rmativa surge a partir de uma pesquisa realizada em
sites de busca, tais como, Google, Alta Vista etc..
Nesses sites, em geral, consta um grande quantitativo de poemas da
autora em tela. Contudo, há uma pequena diversidade de produções acadêmicas que
voltamseu olhar para essa autora tão aclamada em sua época. Dito de outra
maneira, há uma pequena diversidade de obras que se voltam a abordar sua
história cronológica.
Porém, poucas se dedicam a um estudo aprofundado acerca de sua produção temático-estilístico
e, acima de tudo, acerca da perspectiva de esquecimento a que foi alçada tal
autora [objeto de estudo deste tópico]. Com isso, deixa-se de lado uma grande
diversidade de autores e, sobretudo, elementos extremamente relevantes da história
sócio-cultural da literatura.
Em Francisca Júlia supreendeu-me o respeito da língua portuguesa, — não
que ela transporte para a sua estrofe brasileira a dura construção clássica:
mas a língua doce de Camões, trabalhada pela pena dessa meridional, — que traz para
a arte escrita todas as suas delicadezas de mulher, toda a sua faceirice de
moça, nada perde da sua pureza fidalga de linhas. O português de Francisca
Júlia é o mesmo antigo português, remoçado por um banho maravilhoso de novidade
e frescura. (Olavo Bilac).
Nem aqui, nem no sul nem no norte, onde agora floresce uma escola
literária, encontro um nome que se possa opor ao de Francisca Júlia. Todos lhe
são positivamente inferiores no estro, na composição e fatura do verso, nenhum
possui em tal grau o talento de reproduzir as belezas clássicas com essa fria
severidade de forma e de epítetos que Heredia e Leconde deram o exemplo na
literatura francesa. (João Ribeiro).
Nenhuma pena manejada por mão feminina, seja qual for o período que
remontemos, jamais esculpiu, em nossa língua, versos que atinjam a perfeição
sem par e a beleza estonteante dos concebidos pelo raro gênio da peregrina
artista. (Aristeu Seixas).
Leandro e Joanilho (2006) abordam, em uma perspectiva geral, o fato de inúmeros
autores prestigiados intelectualmente, em sua época, mas que, após sua morte
foram alçados ao ostracismo. Os estudos literários, em geral, têm como foco os
grandes autores das escolas literárias [representantes mais célebres, eminentes
e renomados], deixando de lado, autores concebidos como minoritários. É nessecontexto
que surgem dois grupos que se contrapõem. No dizer Leandro Joanilho (2006, p.
1084), “foram classifi cados em grupos distintos: os que permaneceramimortalizados
por suas obras, e os que “despontaram para o anonimato”, ou, “autores-poetas”
que foram esquecidos e não entraram para os cânones literários”.
Partindo desse pressuposto, a produção literária brasileira poderia ser
classifi cada em duas vertentes. A primeira engloba os autores eternizados,
sendo, assim, imortalizados em face de suas produções. A segunda abrange os que
foram alçados à condição minoritária e, em virtude disso, foram conduzidos à
condição de esquecidos nas páginas da trajetória histórico-social da Literatura
Brasileira (LEANDRO; JOANILHO, 2006).
As antologias literárias brasileiras e os livros didático-literários em
sua maioria se propõem a estudar apenas períodos de “glamour” da Literatura,
dos quais poetas como Álvares de Azevedo, Rui Barbosa e Machado de Assis fazem
parte, ou seja, excluem uma boa parcela de produção literária, deixando
historicamente um grande vazio, como se, entre Álvares de Azevedo e Machado de
Assis, por exemplo, fosse um período infértil, com ausência de produções
literárias.
Por esse motivo criou-se uma distância entre esse período de “glamour” e
o período de esquecimento. Os grandes autoresdestacaram-se no cenário paulista
e ganharam o país, outros,
ficaram restritos aos saraus e com encontros
em casarões da época. (LEANDRO; JOANILHO, 2006, p. 1086).
Em virtude de gozarem de maior prestigio social nas escolas literária em
que se enquadram, diversos autores foram eternizados nas paginas literárias
brasileiras.
Por outro lado, outros foram alçados ao esquecimento. Isso, em termos de
pesquisas acadêmicas e de manuais didáticos escolares. Em muitos casos, os
Livros Didáticos de Literatura se voltam para a abordagem dos autores
canônicos, em detrimento de uma gama de outros autores que contribuíram substancialmente
para a evolução histórico-social da Literatura Brasileira. Dentre esses
autores, está Francisca Julia.
Uma autora que fora aclamada, reconhecida, inclusive, por autores como
compõem a tríade canônica do Parnasianismo, isto é, que compunham os escritores
mais prestigiados dessa escola literária.
Um dos poucos autores que se debruça sobre a temática da produção
literária de Francisca Julia, Ramos (2011) atribui esse esquecimento aos
pressupostos trazidos pelo Modernismo. Para esse autor, os ideais veiculados
pela Semana de 1922 que não só põem em xeque diversos pressupostos da corrente
Parnasiana, mas também estimula o desinteresse por parte da crítica literária
e, sobretudo, estimula o desinteresse dos autores de manuais didáticos na
abordagem de diversos aspectos relativos à vertente parnasiana. O que, por sua
vez, extingue a abordagem da construção social da produção literária
brasileira, como, por exemplo, a trajetória da autora em foco. Nessa ótica,
essa postura não surge do nada, mas se dá em função dos pressupostos da escola
moderna, conforme as palavras proferidas por Ramos (2011, p. 1),
Uma das maiores responsabilidades pelo esquecimento de tão perfeita e
importante obra como a de Francisca Júlia é o que, ousadamente e correndo o
risco de ser grosseiro, eu chamaria de: "O ai dos vencidos". Com a
revolução da semana de 1922, patenteia o movimento modernista em constituir-se
como novo cânone literário brasileiro. Estética de reação, o modernismo,
extremamente panfletário, vitorioso reformulou ou erradicou diversos dos
paradigmas que o parnasianismo estabelecera ou perpetuara. Tal fato, a meu ver,
originou dois problemas para os estudos literários: a) a crítica literária
pouco se dedica ao tema; fazendo-o, revela (quase sempre) pouca profundidade em
suas análises; b) em decorrência, os autores de livros didáticos reproduzem o desinteresse
acadêmico e o preconceito modernista, gerando um público discente que olha para
o Parnasianismo já conformado pelo discurso dos modernistas. Estabelece-se aí
um círculo vicioso em que parte importante da trajetória literária brasileira é
legada ao esquecimento. Esquecimento danoso, porque compromete a amplitude reflexiva
sobre o processo literário nacional e deixam nas sombras figuras como Francisca
Júlia.
Diante dessa perspectiva, Ramos (2011) atribui à escola Moderna grande parte
desse esquecimento que permeia a produção de Francisca Julia. Eclodia, assim,
um “espírito de rompimento com as fórmulas do passado” (FARACO; MOURA, 1983, p.
63). Ao aderir aos ideais das tendências dos anos 20, que preconizavam o
redimensionamento/ reestruturação das ideias e, em especial, das artes [uma
“ruptura com a arte tradicional” (FARACO; MOURA, 1983, p. 63)], muitos autores
deixam se lado as produções da vertente parnasiana. Pretendia-se, assim, voltar
o olhar literário para o Brasil, na medida em que, em diversas produções brasileiras,
ocorria uma estética “copiada” de produções internacionais, sobretudo, as
francesas. Nessa dimensão, ocorre uma quebra de paradigmas, ou também, uma
mudança de perspectiva na produção literária, atentando e refletindo acercada
realidade brasileira.
Para atender ao seu desejo de modernizar o Brasil, os artistas rompem
com as formas de expressão já gastas, não só produzindo obras com novas
técnicas, como também atacando abertamente os artistas do passado, sobretudo,
os parnasianos. (FARACO; MOURA, 1983, p. 63).
Partindo dessa acepção, ávidos por novas propostas de condução da
produção e composição do texto literário, os adeptos dessa nova corrente rompem
com os paradigmas e pressupostos postos anteriormente por outras escolas
literárias. Tal postura pode ser evidenciada, acima de tudo, no que concerne à
Vertente Parnasiana.
Um dos aspectos mais focalizados nessas críticas que eram tecidas por
essas novas tendências literárias diz respeito à utilização da linguagem
durante o decorrer da composição do texto literário. Em alguns casos propondo a
refacção e a reescrita de textos de escolas anteriores, conforme ressaltam
Faraco e Moura (1983).
Não se deve imaginar que havia tendências homogêneas: vários pontos de
vista por vezes entraram em choque. Mas havia
um consenso: todos eram contra a tradição; todos propunham uma nova linguagem para expressar a
realidade brasileira. Uma linguagem que fosse nossa e, ao mesmo tempo,
universal. (FARACO; MOURA, 1983, p. 64).
Sendo assim, percebe-se que esses novos postulados literários da década
de 20 se contrapunham, principalmente, à linguagem culta [canônica e
sacralizada] que era estabelecida por pressupostos postos anteriormente. Ou
seja, “uma língua que, até certo ponto, sufocava a expressão genuína dos escritores
brasileiros” (FARACO; MOURA, 1983, p. 65). Com isso, pretendia-se alcançar “uma
língua livre, que permitisse a aproximação maior entre o português literário e
a fala coloquial brasileira”
(FARACO; MOURA, 1983, p. 65). Surge,
assim, uma alteração de paradigmas e mudança de perspectiva na composição do
texto literário. É nesse cenário que se dá a oposição ao Parnasianismo e,
consequentemente, à produção dos autores adeptos dessa corrente literária. Dito
de outra maneira, em face de grande parte da obra de Francisca Julia compor
essa tradição proveniente da escola parnasiana a que se contrapunham os adeptos
do Modernismo, sua produção é atingida por esse preconceito, o que,
conseguintemente, contribui, de certa forma, para o esquecimento das
contribuições dessa autora (RAMOS, 2011).
METODOLOGIA
Conforme mencionado anteriormente, este texto tem como objetivo
transcender a perspectiva que norteia a maior parte das obras publicadas sobre
Francisca Julia, nas quais ocorre uma tradicional ênfase dada à história
cronológica dessa autora. Em consequência disso, deixa-se de lado não só a reflexão
acerca das características temático-estilísticas e literárias de sua obra ,
mas, sobretudo, esquece-se de abordar o motivo pelo qual ela foi alçada à
condição de capítulo esquecido nos Livros Didáticos de Literatura. Chegando,
muitas vezes, a não ser aborda ou, então, sua abordagem restringe-se a pequenos
comentários na parte do capítulos que menciona Outros Autores da Escola
Parnasiana. O que, por conseguinte, elenca à Francisca Julia o papel de autor
minoritário, já que apresenta-se primeiramente os autores canônicos da vertente
parnasiana e, em seguida, os Outros Autores. Categoria na qual ela está
inserida
Para tanto, foi realizado, primeiramente, explanação das características
temático-estilísticas e composicionais de ambas as escolas. Em seguida, a
abordagem dos aspectos relativos ao tema e às características estruturais dos
textos dessa autora.
E, após isso, a análise de alguns poemas da autora em foco, a fim de
identificar/perceber os reflexos oriundos dessas duas vertentes literárias. Por
último, o trabalho focou na questão do esquecimento dessa autora renomada, em
sua época, mas que foi alçada à condição de página esquecida na história da
Literatura Brasileira. O que, por sua vez, contribuiu de forma significativa
para que esta fosse arredada/ erradicada dos estudos literários e, por
conseguinte, dos Livros Didáticos de Literatura e da metodologia de ensino
dessa disciplina [na maior parte das vezes].
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Longe de ser mais um relato acerca da historia cronológica da vida de
Francisca Julia da Silva, este texto objetivou ir além disso. Em função disso,
focou naversatilidade, ou melhor, na perspectiva de junção de fatores adotada
por essa autora, desconstruindo, assim, a visão de que duas escolas literárias
trabalham sempre contrapondo-se. O que evidencia o fato de as vertentes
literárias, apesar de se opor a alguns pressupostos das escolas anteriores, há
articulam autores que articulam
características concernentes à
temática e ao estilo. Não se pode deixar de sinalizar que a composição do texto
literário muda em relação às correntes literárias. No entanto, essas mudanças e
alterações que ocorrem na escrita literária não podem ser encaradas e
percebidas como melhora, mas como evolução. Primou-se, assim, pela abordagem da
reflexão acerca das contribuições dessa autora em face da evolução da
trajetória histórico-social da literatura brasileira.
Sendo assim, percebe-se, diante dos estudos realizados e dos aspectos abordados
neste trabalhos, que é inegável a contribuição da produção literária de Francisca
Julia para a evolução da trajetória histórico-social da Literatura Brasileira.
Isso não só do ponto de vista temático-estilístico, mas, sobretudo, do
ponto do vista na alteração da função e do papel social da mulher no que tange
à composição do texto literário. A obra de Francisca Julia representa um salto
nas condições sócio-históricas da mulher, na medida em que ocorre uma quebra de
paradigmas na função social da mulher, ainda que incipiente. Mas que se
intensifi cou, continuamente, ao longo dos anos. Em outras palavras, a obra
dessa autora reflete a
contribuição feminina no campo
literário, o que propicia a inserção da mulher no âmbito literário.
Apesar de ter caído no esquecimento em função de diversos fatores, assim
como outros autores e autoras, é de fundamental importância que seu legado
cultural seja estudado e, acima de tudo, divulgado. A partir desse ato, é
possível contemplar as mais diversas
formas que o homem [espécie masculina e, em especial, a feminina] agem na
construção social da Literatura no Brasil. Nesse sentido, não se pode apagar
dos postulados literários brasileiros as relevantes contribuições dessa autora,
alçando, assim, seu legado cultural e literário a um capítulo esquecido da
Literatuyra Brasileira.
FRANCISCA
JULIA E A INSERÇÃO DA MULHER NO CAMPO ...
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