Antônio Frederico
de Castro Alves (Curralinho, 14 de março de 1847 — Salvador, 6 de julho de 1871)
foi um poeta brasileiro.
Nasceu na fazenda
Cabaceiras, a sete léguas (42 km) da vila de Nossa Senhora da Conceição de
"Curralinho", hoje Castro Alves, no estado da Bahia.
Suas poesias mais
conhecidas são marcadas pelo combate à escravidão, motivo pelo qual é conhecido
como "Poeta dos Escravos". Foi o nosso mais inspirado poeta
condoreiro.
Era filho de
Antônio José Alves e Clélia Brasília Castro. Sua mãe faleceu em 1859.No colégio,
no lar por seu pai, iria encontrar uma atmosfera literária, produzida pelos
oiteiros, ou saraus, festas de arte, música, poesia, declamação de versos. Aos
17 anos fez as primeiras poesias.
O pai se casou
por segunda vez em 24 de janeiro de 1862 com a viúva Maria Rosário Guimarães.
Temendo que seu filho fosse acometido pelo Mal do Século, Antônio José Alves
embarca, no dia seguinte ao do seu casamento, o poeta e seu irmão Antônio José
para Recife.
Em maio de 1863,
submeteu-se à prova de admissão para o ingresso na Faculdade de Direito do
Recife sendo reprovado. Mas seria em Recife tribuno e poeta sempre requisitado
nas sessões públicas da Faculdade, nas sociedades estudantis, na plateia dos
teatros, incitado desde logo pelos aplausos e ovações, que começava a receber e
ia num crescendo de apoteose. Era um belo rapaz, de porte esbelto, tez pálida,
grandes olhos vivos, negra e basta cabeleira, voz possante, dons e maneiras que
impressionavam a multidão, impondo-se à admiração dos homens e arrebatando paixões
às mulheres. Ocorrem então os primeiros romances, que nos fez sentir em seus
versos, os mais belos poemas líricos do Brasil.
Em 1863 a atriz
portuguesa Eugénia Câmara se apresentou no Teatro Santa Isabel. Influência
decisiva em sua vida exerceria a atriz, vinda ao Brasil com Furtado Coelho. No
dia 17 de maio, Castro Alves publicou no primeiro número de A Primavera seu
primeiro poema contra a escravidão: A canção do africano. A tuberculose se
manifestou e em 1863 teve uma primeira hemoptise.
Em 1864 seu irmão
José Antônio, que sofria de distúrbios mentais desde a morte de sua mãe,[carece
de fontes] suicidou-se em Curralinho. Ele enfim consegue matricular-se na
Faculdade de Direito do Recife e em outubro viaja para a Bahia. Só retornaria
ao Recife em 18 de março de 1865, acompanhado por Fagundes Varela.A 10 de
agosto, recitou O Sábio na Faculdade de Direito e se ligou a uma moça
desconhecida, Idalina. Alistou-se a 19 de agosto no Batalhão Acadêmico de
Voluntários para a Guerra do Paraguai.Em 16 de dezembro, voltou com Fagundes
Varela a Salvador. Seu pai morreu no ano seguinte, a 23 de janeiro de 1866.
Castro Alves voltou ao Recife, matriculando-se no segundo ano da faculdade.
Nessa ocasião, fundou com Rui Barbosa e outros amigos uma sociedade
abolicionista.
Em 1866, tornou-se
amante de Eugênia Câmara.
Teve fase de
intensa produção literária e a do seu apostolado por duas grandes causas: uma,
social e moral, a da abolição da escravatura; outra, a república, aspiração
política dos liberais mais exaltados. Data de 1866 o término de seu drama
Gonzaga ou a Revolução de Minas, representado na Bahia e depois em São Paulo,
no qual conseguiu consagrar as duas grandes causas de sua vocação. No dia 29 de
maio, resolveu partir para Salvador, acompanhado de Eugênia. Na estreia de
Gonzaga, dia 7 de setembro, no Teatro São João, foi coroado e conduzido em
triunfo.
No Rio de Janeiro e em São Paulo
Em janeiro de
1868, embarcou com Eugênia Câmara para o Rio de Janeiro, sendo recebido por
José de Alencar e visitado por Machado de Assis.[1] A imprensa publica troca de
cartas entre ambos, com grandes elogios ao poeta. Em março, viajou com Eugênia
para São Paulo. Decidira ali - na Faculdade de Direito de São Paulo - continuar
seus estudos, e se matriculou no terceiro ano.
Continuou
principalmente a produção intensa dos seus poemas líricos e heroicos,
publicados nos jornais ou recitados nas festas literárias, que produziam a
maior e mais arrebatadora repercussão. Tinha 21 anos e uma nomeada incomparável
na sua geração, que deu entretanto os mais formosos talentos e capacidades
literárias e políticas do Brasil. Basta lembrar os nomes de Fagundes Varela,
Ruy Barbosa, Joaquim Nabuco, Afonso Pena, Rodrigues Alves, Bias Fortes, Martim
Cabral, Salvador de Mendonça, e tantos outros, que lhe assistiram aos triunfos
e não lhe disputaram a primazia. É que ele, na linguagem divina que é a poesia,
lhes dizia a magnificência de versos que até então ninguém dissera, numa voz
que nunca se ouvira, como afirmou Constâncio Alves. Possuía uma voz dessas que
fazem pensar no glorioso arauto de Agamenon, imortalizado por Homero,
Taltibios, semelhante aos deuses pela voz…, como disse Rui Barbosa. Pregava o
advento de uma "era nova", segundo Euclides da Cunha.
A 7 de setembro
de 1868, fez a apresentação pública de Tragédia no mar, que depois ganharia o
nome de O Navio Negreiro. No dia 25 de outubro, foi reapresentada sua peça
Gonzaga no Teatro São José, musicada pelo compositor mineiro, então residente
em São Paulo, Emílio do Lago.
Desfaz-se em 28
de agosto de 1868 sua ligação com Eugênia Câmara. Castro Alves foi aprovado nos
exames da faculdade de Direito e a 11 de novembro - tragédia de grandes
consequências - se feriu no pé, durante uma caçada. Tuberculoso, aventara uma
estadia na cidade de Caetité, onde moravam seus tios e morrera o avô materno (o
Major Silva Castro, herói da Independência da Bahia), dois grandes amigos
(Otaviano Xavier Cotrim e Plínio de Lima), de clima salutar. Mas, antes, ainda
em São Paulo, na tarde de 11 de novembro, resolveu realizar uma caçada na
várzea do Brás e feriu o pé com um tiro. Disso resultou longa enfermidade,
cirurgias, chegando ao Rio de Janeiro no começo de 1869, para salvar a vida,
mas com o martírio de uma amputação. Os cirurgiões e professores da Faculdade
de Medicina do Rio de Janeiro, Andrade Pertence e Mateus de Andrade, amputaram
seu membro inferior esquerdo sem qualquer anestesia.
Em março de 1869,
matriculou-se no quarto ano do curso jurídico, mas a 20 de maio, tendo piorado
seu estado, decidiu viajar para o Rio de Janeiro, onde seu pé foi amputado em
junho. No dia 31 de outubro, assistiu a uma representação de Eugénia Câmara, no
Teatro Fênix Dramática. Ali a viu por última vez, pois a 25 de novembro decidiu
partir para Salvador. Mutilado, estava obrigado a procurar o consolo da família
e os bons ares do sertão.
O retorno à Bahia
Em fevereiro de
1870 seguiu para Curralinho para melhorar a tuberculose que se agravara, viveu
na fazenda Santa Isabel, em Itaberaba. Em setembro, voltou para Salvador. Ainda
leria, em outubro, A cachoeira de Paulo Afonso para um grupo de amigos, e
lançou Espumas flutuantes. Mas pouco durou.
Sua última
aparição em púbico foi em 10 de fevereiro de 1871 numa récita beneficente.
Morreu às três e meia da tarde, no solar da família no Sodré, Salvador, Bahia,
em 6 de julho de 1871.
Seus escritos
póstumos incluem apenas um volume de versos: A Cachoeira de Paulo Afonso
(1876), Os Escravos (1883) e, mais tarde, Hinos do Equador (1921).
É patrono da
cadeira 7 da Academia Brasileira de Letras.
Obras
Poesia
Espumas
Flutuantes, 1870
A Cachoeira de
Paulo Afonso, 1876
Os Escravos, 1883
Hinos do Equador,
em edição de suas Obras Completas (1921)
Tragédia no Mar
O Navio Negreiro,
1869
Teatro
Gonzaga ou a
Revolução de Minas, 1875
Homenagem
O trabalho de
resgate e preservação de suas obras foi fruto da dedicação do antigo colega e
amigo Ruy Barbosa e fruto da campanha abolicionista, que tomou corpo a partir
de 1881. Posteriormente, Afrânio Peixoto, ex-presidente da Academia, reuniu em
dois volumes toda a produção do poeta, bem como escritos diversos (sob os
títulos de "Relíquias" e "Correspondência").
Em 1947 o
Instituto Nacional do Livro, do Ministério da Educação e Cultura, comemorou o
centenário do nascimento do poeta com uma grande exposição, da qual resultou um
livro comemorativo, trazendo importantes documentos que fizeram parte do
evento.
O aspecto social
da poesia de Castro Alves, em poemas como "O Navio Negreiro" e
"Vozes d'África", ambos publicados no livro Os Escravos, foi um dos
motivos principais para a sua popularização. Nesse sentido, autores como Mário
de Andrade, no modernismo, dedicaram-lhe inúmeros ensaios.
Na literatura latino-americana
Numa das obras
mais belas da literatura de nosso continente, "Canto Geral", do poeta
chileno Pablo Neruda, é dedicado um poema a Castro Alves. O poeta condoreiro é
lembrado por Neruda como aquele que, ao mesmo tempo em que cantou às flores, às
águas, à formosura da mulher amada, fez com que sua voz batesse "em portas
até então fechadas para que, combatendo, a liberdade entrasse". Portanto,
termina o poeta chileno, "tua voz uniu-se à eterna e alta voz dos homens.
Cantaste bem. Cantaste como se deve cantar". Como dá para perceber, Neruda
reverencia Castro Alves por ter cantado àqueles que não tinham voz: os
escravos. O poema chama-se "Castro Alves do Brasil".
Castro Alves –
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CASTRO ALVES - O POETA DOS ESCRAVOS
Castro Alves -
Lirismo X Objetividade
Antônio de Castro
Alves nasceu em 14 de março de 1847 na fazenda Cabaceiras, interior da Bahia.
Concluídos os estudos secundários no Ginásio Baiano, onde começou a escrever
seus primeiros versos, ingressou-se, em 1.862, na Faculdade de Direito do
Recife, onde despertou tamanha notoriedade por seu dom poético.
Sua obra
compreende: Espumas Flutuantes, A revolução de Minas (teatro), A cachoeira de
Paulo Afonso, Os Escravos.
Esse mártir da
Literatura pertenceu à chamada Terceira Geração do Romantismo. Sua obra poética
subdivide-se em duas vertentes: a lírico-amorosa, na qual ele ainda conserva
resquícios do subjetivismo cultuado pelos poetas da segunda geração.
Contudo, a figura
da mulher já não é mais idealizada, intocável, e sim vista por um plano mais
realista, resultante de um amor materializado.
Pode-se dizer que
Castro Alves traz em seu labor poético, uma característica individualista que o
difere de seus antecessores: Seria algo que talvez prenunciasse e se convertesse
em um pré-parnasianismo, que iria emergir posteriormente na voz de Olavo Bilac.
Tal
característica era representada por uma intensa sensualidade que remontava os
moldes do Classicismo e por um espírito norteador baseado em traços da
Mitologia Greco-Latina.
Dando ênfase à
outra vertente, chamada de “poesia social”, trazia um “falso subjetivismo”, ou
seja, sua característica marcante pautava-se pela denúncia e insatisfação
frente ao cenário político da época, mais precisamente da época da escravidão
brasileira.
Através dessa
temática, ele conseguiu despertar um espírito crítico diante das consciências
que notadamente anseavam pelo desejo da libertação da escravatura.
É importante
ressaltar que Castro Alves foi muito influenciado por Vítor Hugo, o escritor
francês autor de “Os Miseráveis”, cuja temática de sua obra representou a
metáfora do pássaro Condor, uma ave que habita as montanhas do Andes, de
hábitos solitários, capaz de enxergar longas distâncias, simbolizando o caminho
da justiça e da liberdade.
Vejamos sua
magnífica obra, a lírico-amorosa e a social:
Marieta
Como o gênio da noite, que desata
o véu de rendas sobre a espada nua,
ela solta os cabelos... bate a lua
nas alvas dobras de um lençol de
prata.
O seio virginal que a mão recata,
embalde o prende a mão... cresce,
flutua...
Sonha a moça ao relento... Além na rua
preludia um violão na serenata.
Furtivos passos morrem no lajedo...
Resvala a escada do balcão discreta...
matam lábios os beijos em segredo...
Afoga-me os suspiros, Marieta!
Oh surpresa! Oh! Palor! Oh! Pranto!
Oh! Medo!
Ai! Noites de Romeu e Julieta!...
Por meio da
mesma, percebemos a figura feminina denotando um amor mais real, despertando a
sensualidade e a concretização do contato físico. Diferente das donzelas
virginais e inacessíveis representadas pela segunda geração, a mulher se
entrega aos encantos de seu admirador, levando-nos a crer que o encontro
amoroso foi realmente consumado.
Vozes d'África
Deus! ó Deus! onde estás que não
respondes?
Em que mundo, em qu'estrela tu
t'escondes
Embuçado nos céus?
Há dois mil anos te mandei meu grito,
Que embalde desde então corre o
infinito...
Onde estás, Senhor Deus?...
Qual Prometeu tu me amarraste um dia
Do deserto na rubra penedia
— Infinito: galé! ...
Por abutre — me deste o sol candente,
E a terra de Suez — foi a corrente
Que me ligaste ao pé...
O cavalo estafado do Beduíno
Sob a vergasta tomba ressupino
E morre no areal.
Minha garupa sangra, a dor poreja,
Quando o chicote do simoun dardeja
O teu braço eternal.
Minhas irmãs são belas, são ditosas...
Dorme a Ásia nas sombras voluptuosas
Dos haréns do Sultão.
Ou no dorso dos brancos elefantes
Embala-se coberta de brilhantes
Nas plagas do Hindustão.
Por tenda tem os cimos do Himalaia...
Ganges amoroso beija a praia
Coberta de corais ...
A brisa de Misora o céu inflama;
E ela dorme nos templos do Deus Brama,
— Pagodes colossais...
[...]
Pode-se dizer que
esse é quase um poema épico pela sua extensão, no qual notamos um lirismo
pungente e o traço principal que o caracteriza - o verdadeiro repúdio à
situação social na época da escravidão, como é explicitado por meio dos
seguintes versos:
Minhas irmãs são belas, são ditosas...
Dorme a Ásia nas sombras voluptuosas
Dos haréns do Sultão.
Ou no dorso dos brancos elefantes
Ao ressaltar o
termo “hárens do Sultão”, Castro Alves denuncia a condição submissa das
escravas perante ao seu Senhor, visto que as mesmas eram “usadas”sem a mínima
consideração por parte de quem as considerava como mero objeto de prazer.
Por Vânia Duarte- Graduada em Letras
Castro Alves - O poeta dos escravos .
www.brasilescola.com/literatura/castro-alvespoeta-dos-escrav - 61k
CASTRO ALVES E SUA POESIA CONDOREIRA
Enfatizar nossos
conhecimentos sobre o poeta em referência faz com que nos situemos à fase
conhecida como terceira geração romântica, sendo ele um dos principais artistas
que a representaram. Concebemo-la como uma fase que já apresentava alguns
resquícios da estética realista, cujo tema voltava-se para a estreita relação
entre ser x sociedade. E foi exatamente sob este prisma que Castro Alves mais
se evidenciou, posto o seu notável engajamento em prol das lutas sociais.
Consideramos a
criação artística de Castro Alves delineada por duas vertentes: a
lírico-amorosa e a social que, já antes ressaltada, foi a de maior destaque. Ao
nos referirmos acerca deste lirismo, torna-se digno de nota o fato de que tal
concepção, ora voltada para o amor, se divergia daquela preconizada pelos
representantes da segunda geração, na figura de Álvares de Azevedo, Casimiro de
Abreu, dentre outros. A título de análise, observemos:
O "adeus" de Teresa
A vez primeira que eu fitei Teresa,
Como as plantas que arrasta a
correnteza,
A valsa nos levou nos giros seus
E amamos juntos E depois na sala
"Adeus" eu disse-lhe a
tremer co'a fala
E ela, corando, murmurou-me:
"adeus!"
Uma noite entreabriu-se um reposteiro.
. .
E da alcova saía um cavaleiro
Inda beijando uma mulher sem véus
Era eu Era a pálida Teresa!
"Adeus" lhe disse
conservando-a presa
E ela entre beijos murmurou-me:
"adeus!"
Passaram tempos sec'los de delírio
Prazeres divinais gozos do Empíreo
... Mas um dia volvi aos lares meus.
Partindo eu disse - "Voltarei!
descansa!. . . "
Ela, chorando mais que uma criança,
Ela em soluços murmurou-me:
"adeus!"
Quando voltei era o palácio em festa!
E a voz d'Ela e de um homem lá na
orquesta
Preenchiam de amor o azul dos céus.
Entrei! Ela me olhou branca surpresa!
Foi a última vez que eu vi Teresa!
E ela arquejando murmurou-me:
"adeus!"
Evidencia-se de
forma contundente a postura ideológica norteada pela temática do amor, visto
que a figura feminina para Castro Alves não é mais concebida somente no plano
dos sonhos. Para tanto, o amor se torna consumado, no qual os envolvidos
participam ativamente do relacionamento amoroso, como podemos conferir por meio
dos seguintes excertos poéticos:
[...] A valsa nos levou nos giros seus
E amamos juntos E depois na sala
"Adeus" eu disse-lhe a
tremer co'a fala
E ela, corando, murmurou-me:
"adeus."
Uma noite entreabriu-se um reposteiro.
. .
E da alcova saía um cavaleiro
Inda beijando uma mulher sem véus
Era eu Era a pálida Teresa!
"Adeus" lhe disse
conservando-a presa
[...]
A vocação do
poeta desvelava as mazelas impregnadas nas camadas sociais, sobretudo a
situação opressora pela qual perpassavam as senzalas brasileiras, vivendo em
meio aos ditames e aos castigos dos seus senhores. Fazia-se necessário que
alguém clamasse pelo grito de liberdade, no intento de despertar a consciência
por um mundo mais igualitário e mais justo. Tais objetivos materializaram-se em
várias obras, aqui representadas por:
Navio negreiro
I
'Stamos em pleno mar... Doudo no
espaço
Brinca o luar — dourada borboleta;
E as vagas após ele correm... cansam
Como turba de infantes inquieta.
'Stamos em pleno mar... Do firmamento
Os astros saltam como espumas de
ouro...
O mar em troca acende as ardentias,
— Constelações do líquido tesouro...
"Stamos em pleno mar... Dois
infinitos
Ali se estreitam num abraço insano,
Azuis, dourados, plácidos, sublimes...
Qual dos dous é o céu? qual o
oceano?...
'Stamos em pleno mar. . . Abrindo as
velas
Ao quente arfar das virações marinhas,
Veleiro brigue corre à flor dos mares,
Como roçam na vaga as andorinhas...
Donde vem? onde vai? Das naus errantes
Quem sabe o rumo se é tão grande o
espaço?
Neste saara os corcéis o pó levantam,
Galopam, voam, mas não deixam traço.
Bem feliz quem ali pode nest'hora
Sentir deste painel a majestade!
Embaixo — o mar em cima — o
firmamento...
E no mar e no céu — a imensidade!
Oh! que doce harmonia traz-me a brisa!
Que música suave ao longe soa!
Meu Deus! como é sublime um canto
ardente
Pelas vagas sem fim boiando à toa!
Homens do mar! ó rudes marinheiros,
Tostados pelo sol dos quatro mundos!
Crianças que a procela acalentara
No berço destes pélagos profundos!
Esperai! esperai! deixai que eu beba
Esta selvagem, livre poesia
Orquestra — é o mar, que ruge pela
proa,
E o vento, que nas cordas assobia...
Por que foges assim, barco ligeiro?
Por que foges do pávido poeta?
Oh! quem me dera acompanhar-te a
esteira
Que semelha no mar — doudo cometa!
Albatroz! Albatroz! águia do oceano,
Tu que dormes das nuvens entre as
gazas,
Sacode as penas, Leviathan do espaço,
Albatroz! Albatroz! dá-me estas asas.
A temática
proferida pelo autor está permeada por um sentimento de extrema revolta e
indignação diante de um fato social marcante na nossa História – o tráfico de
escravos oriundos da África, trazidos em navios negreiros desprovidos de
condições para tal, ocasionando na morte de centenas deles, e aqueles que
sobreviviam eram vendidos e tratados de forma crudelíssima.
Outro aspecto que
nos chama a atenção é o fato de a poesia do referido autor receber a
denominação de “condoreira”, grandiloquente por excelência e comprometida com
as causas abolicionistas e republicanas. O termo provém da liberdade atribuída
a alguns pássaros, ora representados pelo condor, falcão, águia e o albatroz.
Evidenciada literalmente em:
Albatroz! Albatroz! águia do oceano,
Tu que dormes das nuvens entre as
gazas,
Sacode as penas, Leviathan do espaço,
Albatroz! Albatroz! dá-me estas asas.
Castro Alves e sua poesia condoreira - Português
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CASTRO ALVES DE A A Z
Na introdução com
um acalanto, as páginas iniciais do livro, Jorge Amado já deixa claro a
importância de Castro Alves no cenário da literatura e da política brasileira
do século XIX "...assim negra, foi Castro Alves. Tinha a força do vento
noroeste, o seu ímpeto, e sua violência. Tinha a sua beleza também. E deixou o
ar mais puro, a sua lembrança imortal."
É previsível que
um questionamento passe pela "cabeça" do leitor. Como uma breve vida
de apenas 24 anos preencheu uma biografia escrita de A a Z e com mais de 300
páginas? Não são muitos capítulos e páginas para pouquíssimo tempo de vida?
Em se tratando de
Castro Alves a resposta é não. O poeta teve uma vida intensa desde a infância
até a morte aos 24 anos. A letra A mostra o nascimento do poeta no sertão, na
fazenda Cabaceiras: "...aí nasceu também Castro Alves, filho de Clélia
Brasília, irmã de Porcía. Aquele que havia de cantar uma a uma as belezas do
sertão e os sentimentos dos sertanejos, nasceu quando a tragédia de sua tia
alcançava o seu fim". Assim, as letras vão se seguindo na biografia, sendo
que, a B retrata a primeira casa em que viveu Castro Alves, na Rua do Rosário,
além de apresentar a personalidade dos pais do futuro poeta e as influências
dos mesmos no seu desenvolvimento.
Nas próximas
letras é apresentado o destino do poeta. Recife era sua ambição. "Recife
deu às suas gerações homens de letras, através dos movimentos revolucionários
... a idéia da república, o magnífico movimento da Abolição, iriam encontrar em
Recife o berço mais indicado para o seu alvorecer, o seio mais indicado para
permitir o seu crescimento." Na Capital de Pernambuco, onde chegou em
1863, o poeta viveu experiências que marcaram profundamente sua vida: os
primeiros sintomas da doença pulmonar; o início de seu romance com a atriz
portuguesa Eugênia Câmara; o desequilíbrio mental do irmão e decorrente
suicídio, ocorrido em 1864, mesmo ano em que o poeta iniciou o seu curso de
direito.
Em 1868 vai para
São Paulo acompanhado de Eugênia Câmara e do amigo Rui Barbosa, onde passa a
ter contato com as idéias abolicionistas do momento, e meses depois funda a
sociedade abolicionista. Nesse mesmo período, matricula-se no terceiro ano da
Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, onde declama pela primeira vez o
poema Navio Negreiro: "...mas já é tão poderosa a voz do homem que chama
pela liberdade quase tanto como a daquele que é livre. Assim é a voz de Castro
Alves... voz rebelde, à frente dos homens negros, da sua revolta, da sua
vingança."
Ainda nesse ano é
abandonado por Eugênia e, durante uma caçada, fere acidentalmente o pé com uma
arma de fogo. Esse acidente provocou a amputação de seu pé e, logo em seguida,
sua tuberculose agrava-se e o poeta vai para a Bahia, onde falece em 06 de
julho de 1871. "Castro Alves, negra minha, toma da mão da Morte, convida-a
num galanteio, parte com êles."
Poesia: uma arma do povo
A obra de Castro
Alves foi fortemente influenciada pela literatura político-social de Vitor
Hugo. O poeta, diferentemente dos românticos tradicionais, interessou-se também
pelo mundo que o cercava e defendeu a república, a liberdade e a igualdade
entre os homens. Castro Alves, segundo Jorge Amado, teve como o maior de todos
os seus amores a Liberdade.
Se por um lado a
temática social adotada por Castro Alves já o aproxima do realismo, por outro a
sua linguagem, repleta de figuras de estilo, o enquadra perfeitamente no
movimento romântico. Contudo, diferentemente de seus contemporâneos, raramente
idealizava a figura feminina.
Sem sombras de
dúvidas a poesia de Castro Alves chicoteou os escravocratas. Foi uma arma nas
mãos dos negros e dos homens que apoiavam suas causas de libertação. Castro
Alves foi um artista que encarou a vida de frente e que não teve medo de se
envolver nos problemas dos homens.
ABC de Castro
Alves, como outros livros do romancista baiano, é "daqueles livros de se
ler em um fôlego só", além de apresentar particular importância para o
momento em que vivemos, onde as classes dominantes insistem em criminalizar
qualquer luta consequente do nosso povo e disseminar uma cultura
"enlatada" que ignora os nossos verdadeiros artistas.
No entanto, para
os amantes da liberdade, Castro Alves será sempre lembrado. Seus poemas serão
sempre recitados e suas bandeiras de luta sempre desfraldadas, porque, como
disse Jorge Amado, Castro Alves nasceu dos desejos do povo, das necessidades do
povo. Ele nunca mais morre,
é imortal como o povo.
O ABC é uma forma
poética usada na literatura de cordel. Geralmente o autor escolhe a vida de uma
personalidade ou
um tema qualquer e discorre sobre ele com frases iniciadas de A a Z. Jorge
Amado fez isso na prosa com ABC de Castro Alves.
Site do Escritor - Escritores - Castro
Alves
www.sitedoescritor.com.br/sitedoescritor_escritores_calves_t - 8k
DOSSIÊ “OS ESCRAVOS”, DE CASTRO ALVES
1. Importância da obra
Castro Alves foi
um genial criador, em cuja personalidade artística tomou corpo a expressão de
uma nova estética e de uma nova linguagem da nossa literatura, consolidadas num
lirismo de feições nitidamente brasileiras.
Comprometido, no
entanto, com as lutas de seu tempo, o poeta não se restringiu a ser um lírico
intimista, mas se transformou num poeta social, abolicionista exaltado, chegando
a ser chamado de Cantor dos Escravos. Combateu pela liberdade, pela justiça,
pela fraternidade humana. Vivendo uma época de intensa dramaticidade, tomou
parte em seus conflitos, produzindo poesia de ação política.
A década de 1870
a 1880 é de transição entre o Romantismo e as novas tendências estéticas
marcadas pelo Realismo. É exatamente nesse período que nasce o romantismo
liberal de Castro Alves, eco brasileiro da poesia de Victor Hugo, que conciliava a
estética romântica e os ideais filosóficos e sociais em prol da humanidade.
Sob a influência
de Hugo, Castro Alves criou uma poesia grandiloquente, de metáforas ousadas, de
gosto épico, à qual foi dado o nome de
poesia condoreira, como se imitasse o condor, pássaro que alcança em
seus voos grandes altitudes.
Poesia impregnada
de evangelização social, a obra de Castro Alves não é adocicada como a de
Casimiro de Abreu, nem tão piegas quanto
a de Álvares de Azevedo: o poeta baiano escreve versos altissonantes,
pois quer que sua poesia seja declamada, gritada em praça pública. É a poesia
da hipérbole, do exagero das imagens, que são intensificadas de maneira
intencional, a fim de reforçar as ideias revolucionárias presentes nos versos.
Como afirma
Augusto Meyer, na poesia de Castro Alves “o orador popular, o agitador de praça
pública estão sempre em evidência, e [...] pressentimos o seu gesto arrebatado,
a sua voz de comício”.
2. Resumo do enredo
Os Escravos reúne
os poemas antiescravagistas de Castro Alves. Publicado em 1883, doze anos após
a morte do poeta, o livro apresenta, dentre outros, os poemas abolicionistas
“Vozes d’África” e “O Navio Negreiro”.
Reticências,
travessões e pontos de exclamação aparecem com frequência nos poemas,
configurando o tom declamatório, cujo objetivo era convencer a sociedade da injustiça
da escravidão. Abusando dos vocativos, das interpelações e das evocações, cria-se
o estilo condoreiro, de que falamos acima,
como neste trecho do início de “Vozes d’África”, no qual a voz que clama
a Deus é a do próprio escravo:
Deus! ó Deus! onde estás que não
respondes?
Em que mundo, em qu’estrela tu
t’escondes
Embuçado nos céus?
Há dois mil anos te mandei meu grito,
Que embalde, desde então, corre o
infinito...
Onde estás, Senhor Deus?...
Qual Prometeu tu me amarraste um dia
Do deserto na rubra penedia
– Infinito: galé!...
Por abutre – me deste o sol candente,
E a terra de Suez – foi a corrente
Que me ligaste ao pé...
Nas poesias
presentes em Os Escravos o que predomina é o discurso político – e não o lirismo.
Por esse motivo, o poeta abusa das antíteses e das hipérboles, de maneira que,
ao ser declamado em praça pública, o poema, acompanhado da interpretação do declamador,
atinja alto grau de emoção. Vejamos, por exemplo, a sucessão de figuras no
início do poema “O século”:
O séc’lo é grande… No espaço
Há um drama de treva e luz.
Como o Cristo – a liberdade
Sangra no poste da cruz.
Um corvo escuro, anegrado,
Obumbra o manto azulado,
Das asas d’águia dos céus…
Arquejam peitos e frontes…
Nos lábios dos horizontes
Há um riso de luz… É Deus.
Às vezes quebra o silêncio
Ronco estrídulo, feroz.
Será o rugir das matas,
Ou da plebe a imensa voz?...
Treme a terra hirta e sombria...
São as vascas da agonia
Da liberdade no chão?...
Ou do povo o braço ousado
Que, sob montes calcado,
Abala-os como um Titão?!...
Esse poema é,
todo ele, um convite à luta abolicionista, tentativa emocional de despertar a
juventude – e toda a sociedade – para o caráter desumano do sistema escravocrata
e para a defesa das ideias liberais. Não por outro motivo o poeta se refere a
figuras históricas que, em diferentes épocas, defenderam a liberdade. Nos trechos
a seguir, o poeta parece se dirigir diretamente a uma praça lotada de ouvintes:
O quadro é negro. Que os fracos
Recuem cheios de horror.
A nós, herdeiros dos Gracos,
Traz a desgraça – valor!
Lutai... Há uma lei sublime
Que diz: “À sombra do crime
Há de a vingança marchar”.
Não ouvis do Norte um grito,
Que bate aos pés do infinito,
Que vai Franklin despertar?
É o grito dos Cruzados
Que brada aos moços – “De pé!”
É o sol das liberdades
Que espera por Josué!...
São bocas de mil escravos
Que transformaram-se em bravos
Ao cinzel da abolição.
E – à voz dos libertadores –
Reptis saltam condores,
A topetar n’amplidão!...
E vós, arcas do futuro,
Crisálidas do porvir,
Quando vosso braço ousado
Legislações construir,
Levantai um templo novo,
Porém que não esmague o povo,
Mas que lhe seja o pedestal.
Que ao menino dê-se a escola,
Ao veterano – uma esmola...
A todos – luz e fanal!
Mas o poeta
também sabe usar um tom mais intimista. A fim de convencer seu leitor (ou
ouvinte), convida-o, no poema “Tragédia no lar”, a conhecer de perto o drama
dos escravos, visitando uma senzala. Vejam como o poema perde grandiloquência e
ganha ironia:
Leitor, se não tens desprezo
De vir descer às senzalas,
Trocar tapetes e salas
Por um alcouce cruel,
Vem comigo, mas… cuidado…
Que o teu vestido bordado
Não fique no chão manchado,
No chão do imundo bordel. Não venhas tu que achas triste
Às vezes a própria festa.
Tu, grande, que nunca ouviste
Senão gemidos de orquestra
Por que despertar tu’alma,
Em sedas adormecida,
Esta excrescência da vida
Que ocultas com tanto esmero?
[...]
Dossiê Os escravos, de Castro Alves
www.olivreiro.com.br/pdf/resumos/1749216.pdf
AMOR E LUTA NA POESIA DE CASTRO ALVES
A estética romântica assumiu uma
postura anticlássica, proclamando a liberdade individual do artista e o
eximindo da necessidade de imitação dos clássicos greco-latinos. A fuga da
realidade é uma forte característica dos românticos, consequência do
sentimentalismo e do individualismo que, por meio da liberdade de expressão dos
sentimentos, a eles foram atribuídos.
A poesia lírico-amorosa de Castro
Alves, reunida em Espumas Flutuantes, revelou uma importante diferença do
exagero sentimentalóide dos românticos precedentes. Por conterem uma
sensualidade explícita e uma visão poética do amor como sentimento plenamente vivenciado
e concretizado no plano emocional e no plano físico, ao contrário da musa das
gerações anteriores, tão etéreas.
O amor, sentimento antes idealizado ao
extremo, não cabe mais nesta forma na poesia de Castro Alves. O amor é descrito
com vigor, desejo e sensualidade, por meio de metáforas da natureza. A mulher
amada é real, lasciva, e a paixão envolve e motiva o poeta a traduzir o
relacionamento amoroso em versos.
No poema Boa Noite, de Espumas
Flutuantes, nota-se o vigor da paixão pela intensidade na expressão, tanto do
sentimento, quanto da experiência amorosa realizada também no plano físico,
enquanto desejo e envolvimento sentimental e carnal: Boa noite! ... E tu dizes
- Boa noite. / Mas não digas assim por entre beijos... / Mas não mo digas descobrindo
o peito, / - Mar de amor onde vagam meus desejos!.
A visão de amor que percebemos no eu
lírico não deixa de ser sentimental, não chega a ser vulgar: é sensual, lúbrica
(com toda a diferença que cabe às palavras sensual e pornográfico). Usa de uma
linguagem delicada, mas visivelmente cálida, como se pode perceber na sexta
estrofe: É noite, pois! Durmamos, Julieta! / Recende a alcova ao trescalar das
flores. / Fechemos sobre nós estas cortinas... / - São as asas do arcanjo dos
amores.
A lírica amorosa de Castro Alves
recorre também aos sentidos, utilizando figuras de linguagem como a metáfora
(Mas não mo digas descobrindo o peito, / - Mar de amor onde vagam meus
desejos!, Fechemos sobre nós estas cortinas... / - São as asas do arcanjo dos
amores.), a sinestesia ("É noite ainda em teu cabelo preto..."), a
assonância em a (- São as asas do arcanjo dos amores.), a aliteração em l (A
frouxa luz da alabastrina lâmpada / Lambe voluptuosa os teus contornos...) e em
s (Ri, suspira, soluça, anseia e chora...), a símile (Como um negro e sombrio
firmamento, / Sobre mim desenrola teu cabelo..., O globo de teu peito entre os
arminhos / Como entre as névoas se balouça a lua...), e as hipérboles (Mas não
mo digas descobrindo o peito, / - Mar de amor onde vagam meus desejos!, Como um
negro e sombrio firmamento, / Sobre mim desenrola teu cabelo...).
A métrica (predominantemente
decassílabo) é a de um poema livre o suficiente para obedecer ou não a métrica
que melhor lhe couber. As rimas, sejam elas ricas, como na primeira estrofe
cheio e seio, ou pobres, como se apresentam na segunda estrofe beijo e desejo;
encadeadas, misturadas ou paralelas, constroem boa parte da beleza do poema,
pois nele inserem um ritmo próprio, lânguido, suave e libertinapaixonado. Se
toda atividade humana se desenvolve dentro de algum tipo de ritmo, as rimas,
somadas a essa cadência, ajudam o leitor a se identificar com as palavras
pulsantes na página.
A paixão nítida que se evidencia nos
versos do poema Boa Noite, é um sentimento-relacionamento real. Não é sofrível,
a não ser pela dificuldade encontrada pelos amantes para se separarem após uma
noite de amor. A inspiradora, amada e amante, sem dúvida, é para o eu-lírico a
mulher tão humana que é divina.
Seu sentimentalismo amoroso é maduro,
adulto, e se realiza em sua plenitude carnal e emocional. Ele ama e é
correspondido. Agora ela é para ele a Julieta, a Marion, a Consuelo: sua amada
não está mais multiplicada, ela é todas elas juntas num só ser.
Porém, há uma paixão ainda mais real
na vida do eu lírico inerente a Castro Alves: as lutas sociais. Influenciado
por Victor Hugo, ícone da geração Condoreira, e ídolo de Castro Alves, surgem
na obra do poeta textos que se põem a serviço da liberdade, que se propõem a
mostrar o horror dantesco da situação em que ainda se encontrava o Brasil.
Com poemas como A cruz na
estrada, do livro Os Escravos, a poesia
de Castro Alves deixou de ser expressão de sentimentalismo exacerbado e de
lirismo namorador, e tornou-se instrumento de peleja por liberdade e justiça; enquanto
o eu-lírico assumiu o papel de reivindicar frente à população por uma reforma
social.
Diferentemente de seus precursores, o
drama interior do eu lírico, sua intensa contradição psicológica, é projetado
sobre o mundo. Para a geração anterior, o conflito faz o escritor voltar-se
sobre si mesmo, pois a desarmonia é resultado das lutas internas
(ultra-romantismo), para Castro Alves, são as lutas externas (do homem contra a
sociedade, do oprimido contra o opressor) que provocam essa desarmonia. É outro
modo de representar o conflito entre o bem e o mal, tão prezado pelos
românticos.
No texto A cruz na estrada, a
linguagem, um tanto afetada, tem a função de chamar a atenção do leitor para a
questão abordada; e para tanto, usa-se sem receio figuras como as antíteses (E
a juriti, do taquaral no ramo, / Povoa, soluçando, a solidão., Quando, à noite,
o silêncio habita as matas, / A sepultura fala a sós com Deus.); as hipérboles
(Foi-lhe a vida o velar de insônia atroz., Chora orvalhos a grama, que
palpita;) e os hipérbatos (É de um escravo humilde sepultura, / Foi-lhe a vida
o velar de insônia atroz., Caminheiro! do escravo desgraçado / O sono agora
mesmo começou!), que fornecem ao texto uma impressão de oralidade.
A métrica decassílaba e as rimas,
externas alternadas, proporcionam ao poema um movimento, com o objetivo de
demonstrar concretamente o ritmo da luta da humanidade em busca da liberdade; e
impressionante capacidade de comunicação inerente à linguagem poética. A poesia
deixa de ser apenas deleite para tornar-se uma arte engajada, um elemento
transformador.
Em sua obra, Castro Alves faz ainda
mais: apresenta ao leitor a senzala. O escravocrata entra num mundo inferior ao
seu, conhece de forma mais humana os dramas terríveis que lá só começam e que
só com a morte se encerram: É de um escravo humilde sepultura, / Foi-lhe a vida
o velar de insônia atroz.; Caminheiro! do escravo desgraçado / O sono agora
mesmo começou! / Não lhe toques no leito de noivado, / Há pouco a liberdade o
desposou.
Mário de Andrade, que criticou certos
aspectos literários da poesia de Castro Alves no ensaio sobre ele, em Aspectos
da literatura brasileira, observou que "chega a ser sublime o
enceguecimento apaixonado com que se entregou a uma grande causa social do seu
como do nosso tempo, a dos escravos".
Nota-se, ao analisar A cruz na estrada
com um olhar do nosso tempo, que o texto sugere muito ainda para o leitor de
hoje. A exploração é uma constante na vida de milhares de cidadãos brasileiros.
Os versos têm ares nordestinos. E nota-se em suas entrelinhas, na imagem que se
faz do pobre injustiçado, os olhos tristes de Fabiano, personagem de Vidas
Secas (e Cegas), sendo explorado pelo dono da Fazenda. Caminheiro que passas
pela estrada, / Seguindo pelo rumo do sertão, / Quando vires a cruz abandonada,
/ Deixa-a em paz dormir na solidão.
Se o olhar for mais além,
percebem-se as palavras da obra de
Castro Alves modernizadas por Gabriel, o Pensador, em Até Quando?:
Acordo num tenho trabalho, procuro
trabalho, quero trabalhar
O cara me pede diploma, num tenho
diploma, num pude estudar
E querem q'eu seja educado, q'eu ande
arrumado q'eu saiba falar
Aquilo que o mundo me pede não é mundo
que me dá
Consigo emprego, começo o emprego, me
mato de tanto ralar
Acordo bem cedo, não tenho sossego nem
tempo pra raciocinar
Não peço arrego mas na hora que chego
só fico no mesmo lugar
Brinquedo que o filho me pede num
tenho dinheiro pra dar
Escola, esmola
Favela, cadeia
Sem terra, enterra
Sem renda, se renda. Não, não!
Tanto a exploração cravada na pele,
quanto o esforço para não se render, lembram com clareza a denúncia e a luta de
Castro Alves para diminuir a injustiça que assolou (e até hoje, de forma
hipócrita e velada, assola) a sociedade e tanta tristeza e feiúra trouxe ao
nosso país tropical.
Apesar de ser esse engajamento a
principal paixão do poeta dos escravos, não foi só aos escravos que dedicou
suas palavras e horas de indignação. Os problemas sociais do país, que crescia
e se modernizava rapidamente, não se resumiam à injustiça da escravidão.
Importa ver Castro Alves como
romântico diferente, um romântico de fato admirador do poeta vidente, Victor
Hugo. Homem de seu tempo e de sua época, ao contrário dos seus antecessores,
volta-se para o futuro, para o porvir, o amanhã com toda força de seu coração
jovem. Um jovem moderno disfarçado de romântico.
No poema O livro e a América,
publicado em Espumas Flutuantes, observa-se que o eu-lírico pretende convencer
o leitor de que a revolução precisa ser doce. Que uma verdadeira revolução
teria de acontecer dentro de cada um, que ela é antes interna, para que algo
bom possa ser externado.
Abolicionista, que inflama pelo negro,
que vira bandeira para a luta social, mas soube que a liberdade não poderia
acontecer com mortes e guerras, a guerra deveria estar por dentro, para que
cada um vencesse a si mesmo e aceitasse o próximo como um ser igual.
O livro e a América, predominantemente
redondilha maior, com rimas alternadas, emparelhadas e intercaladas (nessa
ordem, e em cada estrofe), tem um ritmo de oralidade, de retórica, conferido ao
poema pelo uso de reticências e de travessões (Eu quero marchar com os ventos,
/ Com os mundos... co'os firmamentos!!! / E Deus responde
"Marchar!"). O discurso direto cabe no poema, o torna declamativo,
próprio para ser gritado em praça pública, e os travessões, assim como as
reticências, apontam para isso.
É uma característica peculiar ao
estilo condoreiro o uso de uma linguagem eloqüente e retórica, traduzida por
meio dos sinais de pontuação derramados pelo texto (...,, !!!). Dentre as
várias figuras de linguagem encontradas nos versos, pode-se destacar as
hipérboles (Qual Tritão descomunal, / O continente desperta, Estatuário de
colossos ) e as metáforas (Nem templos feitos de ossos, Fazei desse "rei
dos ventos" / Ginete dos pensamentos, / Arauto da grande luz!..).
Poema de caráter político-social, sua
poética deve se identificar em plenitude com o ritmo da vida social e expressar
o processo de busca da humanidade por redenção, justiça e liberdade. Os versos
de Castro Alves, no entanto, não apontam para as guerras, lembrando que guerras
são sempre desumanas ("Marchar!... Mas como a Alemanha / Na tirania
feudal, / Levantando uma montanha / Em cada uma catedral?... / Não!... Nem
templos feitos de ossos, / Nem gládios a cavar fossos / São degraus do
progredir...).
O livro: segundo o eu-lírico de O
livro e a América, a única solução plausível para o início de uma melhora em
tempos de tanta tragédia humana. Apesar de Pessoa ter lembrado que Jesus Cristo
não sabia nada de finanças, e nem consta que tivesse biblioteca..., é de outro
aprendizado que o eu do poema fala.
A referência não se faz a livros
científicos, a estudos de grandes teorias. Mas aos livros que expandem o
Universo, que unem versos, que dizem o que é e o que poderia ser. Porque, como
mencionou Caetano Veloso, a frase, o conceito, o enredo, o verso (e, sem
dúvida, sobretudo o verso), é o que pode lançar mundos no mundo.
É assim que pode acontecer a tão
esperada revolução doce. Quando os livros, feitos em enredos ou versos de amor,
de luta social, de comédia, de tragédia, de vivência, puderem transcender a
compreensão: quando puderem ser vividos. E foi em prol deste entendimento que
se fizeram os versos de Castro Alves, para que, não importasse o sentimento,
ele pudesse ser lido e absorvido; tanto o amor, quanto o doloroso preconceito e
a revolta. Mas absorvido da maneira mais pacífica e transformadora, já que viver ultrapassa todo entendimento.
ANEXO I
Boa noite
Boa noite, Maria! Eu vou,me embora.
A lua nas janelas bate em cheio.
Boa noite, Maria! É tarde... é tarde.
.
Não me apertes assim contra teu seio.
Boa noite! ... E tu dizes - Boa noite.
Mas não digas assim por entre
beijos...
Mas não mo digas descobrindo o peito,
- Mar de amor onde vagam meus desejos!
Julieta do céu! Ouve... a calhandra
já rumoreja o canto da matina.
Tu dizes que eu menti? ... pois foi
mentira...
Quem cantou foi teu hálito, divina!
Se a estrela-d'alva os derradeiros
raios
Derrama nos jardins do Capuleto,
Eu direi, me esquecendo d'alvorada:
"É noite ainda em teu cabelo
preto..."
É noite ainda! Brilha na cambraia
- Desmanchado o roupão, a espádua nua
O globo de teu peito entre os arminhos
Como entre as névoas se balouça a lua.
. .
É noite, pois! Durmamos, Julieta!
Recende a alcova ao trescalar das
flores.
Fechemos sobre nós estas cortinas...
- São as asas do arcanjo dos amores.
A frouxa luz da alabastrina lâmpada
Lambe voluptuosa os teus contornos...
Oh! Deixa-me aquecer teus pés divinos
Ao doudo afago de meus lábios mornos.
Mulher do meu amor! Quando aos meus
beijos
Treme tua alma, como a lira ao vento,
Das teclas de teu seio que harmonias,
Que escalas de suspiros, bebo atento!
Ai! Canta a cavatina do delírio,
Ri, suspira, soluça, anseia e chora. .
.
Marion! Marion!... É noite ainda.
Que importa os raios de uma nova
aurora?!...
Como um negro e sombrio firmamento,
Sobre mim desenrola teu cabelo...
E deixa-me dormir balbuciando:
- Boa noite! - formosa Consuelo.
ANEXO II
A cruz da estrada
Tu que passas, descobre-te! Ali dorme
O forte que morreu.
A. Herculano (Trad.)
Caminheiro que passas pela estrada,
Seguindo pelo rumo do sertão,
Quando vires a cruz abandonada,
Deixa-a em paz dormir na solidão.
Que vale o ramo do alecrim cheiroso
Que lhe atiras nos braços ao passar?
Vais espantar o bando buliçoso
Das borboletas, que lá vão pousar.
É de um escravo humilde sepultura,
Foi-lhe a vida o velar de insônia
atroz.
Deixa-o dormir no leito de verdura,
Que o Senhor dentre as selvas lhe
compôs.
Não precisa de ti. O gaturamo
Geme, por ele, à tarde, no sertão.
E a juriti, do taquaral no ramo,
Povoa, soluçando, a solidão.
Dentre os braços da cruz, a parasita,
Num abraço de flores, se prendeu.
Chora orvalhos a grama, que palpita;
Lhe acende o vaga-lume o facho seu.
Quando, à noite, o silêncio habita as
matas,
A sepultura fala a sós com Deus.
Prende-se a voz na boca das cascatas,
E as asas de ouro aos astros lá nos
céus.
Caminheiro! do escravo desgraçado
O sono agora mesmo começou!
Não lhe toques no leito de noivado,
Há pouco a liberdade o desposou.
ANEXO III
O LIVRO E A AMÉRICA
'Talhado para as grandezas,
P'ra crescer, criar, subir,
O Novo Mundo nos músculos
Sente a seiva do Porvir.
--Estatuário de colossos--
Cansado doutros esboços
Disse um dia Jeová:
'Vai, Colombo, abre a cortina
'Da minha eterna oficina...
'Tira a América de lá'.
Molhado inda do dilúvio,
Qual tritão descomunal,
O continente desperta
No concerto universal.
Dos oceanos em tropa
Um--traz-lhe as artes da Europa,
Outro-- As bagas do Ceilão...
E os Andes petrificados,
Como braços levantados,
Lhe apontam para a amplidão.
Olhando em torno então brada:
'Tudo marcha!... Ó grande Deus!
As cataratas -- P'ra terra,
As estrelas -- para os céus
Lá, do polo sobre as plagas,
O seu rebanho de vagas
Vai o mar apascentar...
Eu quero marchar com os ventos,
Com os mundos... co'os firmamentos!!!'
E Deus responde -- 'Marchar!'
'Marchar!... Mas como?... Da Grécia
Nos dóricos Partenons
A mil deuses levantando
Mil marmóreos panteons?...
Marchar co'a espada de Roma
-- Leoa de ruiva coma
De presa enorme no chão,
Saciando o ódio profundo...
-- Com as garras nas mãos do mundo,
-- Com os dentes no coração?...
'Marchar!... Mas como a Alemanha
Na tirania feudal,
Levantando uma montanha
Em cada uma catedral?...
Não!... Nem templos feitos de ossos,
Nem gládios a cavar fossos
São degraus do progredir...
Lá brada César morrendo:
'No pugilato tremendo
'Quem sempre vence é o porvir!'
Filhos do sec'lo das luzes!
Filhos da Grande Nação!
Quando ante Deus vos mostrardes,
Tereis um livro na mão:
O livro -- esse audaz guerreiro
Que conquista o mundo inteiro
Sem nunca ter Waterloo...
Eólo de pensamentos,
Que abrira a gruta dos ventos
Donde a igualdade voou!...
Por uma fatalidade
Dessas que descem de além,
O sec'lo, que viu Colombo,
Viu Gutemberg também.
Quando no tosco estaleiro
Da Alemanha o velho obreiro
A ave da imprensa gerou...
O Genovês salta os mares...
Busca um ninho entre os palmares
E a pátria da imprensa achou...
Por isso na impaciência
Desta sede de saber,
Como as aves do deserto --
As almas buscam beber...
Oh! Bendito o que semeia
Livros... livros à mão cheia...
E manda o povo pensar!
O livro caindo n'alma
É germe -- que faz a palma,
É chuva -- que faz o mar.
Vós , que o templo das idéias
Largo -- abris às multidões,
P'ra o batismo luminoso
Das grandes revoluções,
Agora que o trem de ferro
Acorda o tigre no cerro
E espanta os caboclos nus,
Fazeei desse 'Rei dos ventos'
-- Ginete dos pensamentos,
-- Arauto da grande luz!...
Bravo! a quem salva o futuro
Fecundando a multidão!...
Num poema amortalhada
Nunca morre uma nação.
Como Goethe moribundo
Brada 'Luz!' O Novo Mundo
Num brado de Briaréu...
Luz! pois, no vale e na serra...
Que, se a luz rola na terra,
Deus colhe gênios no céu!...
Leia mais em: http://www.webartigos.com/artigos/amor-e-luta-na-poesia-de-castroalves/1536/#ixzz21004bFW0
Amor E Luta Na Poesia De Castro Alves
www.webartigos.com/artigos/amor-e-luta-na-poesia-de-castro-a
ESPUMAS FLUTUANTES
A ebulição daquele momento envolveu a
literatura e fez da poesia declamada em espaços públicos (inclusive nas praças)
uma forma privilegiada de comunicação.
Era um tempo em que se faziam
frequentemente comícios e se discutia a Guerra do Paraguai, a questão militar,
os problemas centrais do Segundo Império, a viabilidade da República etc.
Com seu discurso de tom elevado e sua
figura bela e empolgante, o poeta chegava na hora certa. Foi consagrado
principalmente porque sua eloquência agradava muitíssimo ao público da época em
que viveu.
A escravidão foi o tema mais candente
de seus poemas de sentido social, mas ele não foi apenas o "poeta dos
escravos", como é chamado, e "Navio Negreiro", "Vozes
d'África" e outros poemas de temática abolicionista não foram incluídos em
Espumas Flutuantes (coletânea que publicou em 1870), reservados que foram para
outro livro, afinal publicado postumamente, chamado Os Escravos.
Castro Alves foi também um grande
poeta do amor e da morte, e esses temas existenciais avultam em Espumas
Flutuantes, deixando em segundo plano a poesia de fundo cívico e social que
também se encontra no livro. Como poeta do amor, Castro Alves é um caso
singular entre os nossos românticos.
Sua expressão amorosa é carregada de
sensualidade, e a representação da mulher, nos melhores momentos de seus poemas
eróticos, é marcada por uma realidade, uma "carnalidade" inteiramente
ausente da poesia de seus contemporâneos e predecessores imediatos, que tendiam
à pura idealização feminina, seja na figura da mulher-anjo, seja na da
mulher-demônio.
Castro Alves, diversamente, fala de
mulheres "de carne e osso", por assim dizer, mulheres que são objeto
de desejos concretos. A escola condoreira, de que ele é a maior figura,
caracteriza-se pelo gosto das imagens grandiosas, realçadas por antíteses, por
hipérboles (exageros) e pelo tom elevado, de oratória enfática e messiânica, a
serviço de causas sociais.
No poeta das Espumas Flutuantes, essas
características não se encontram apenas em poemas de temática que se pode chamar
épica, porque abordam grandes questões coletivas, mas aparecem também em poemas
propriamente líricos, seja os de tema amoroso, seja os que nos revelam o poeta
como um admirável pintor de paisagens.
Suas imagens, quase sempre arrojadas e
intensas, costumam alternar o pequeno e o grandioso e têm o que se pode chamar
"pendor cósmico" - uma preferência pelos magnos elementos da
natureza, como oceanos, céus, noite, estrelas, montanhas e tufões.
Resumo do livro Espumas
Flutuantes, de Castro Alves - UOL ...
vestibular.uol.com.br/resumos-de-livros/espumas-flutuantes.j
JUSTIÇA E ABOLICIONISMO NA POESIA DE
CASTRO ALVES
Cléria Botelho da
Costa
Resumo
Este artigo
discute alguns aspectos da obra poética Os Escravos, dedicada aos escravos e à
escravidão, no Brasil do século XIX. Realça, fundamentalmente, dois aspectos:
primeiro, a importância da literatura na formação da identidade nacional, no
século XIX; segundo, destaca a luta empreendida por Castro Alves em prol da
abolição e de justiça naquele momento histórico.
Palavras-chave
Castro Alves;
Literatura brasileira; Escravidão; Abolicionismo; escravos.
O Brasil foi o
último país do mundo a abolir a escravidão. E Castro Alves, apesar de sua
trajetória de vida meteórica (1847/1871), mas movida por muita paixão, já
anunciava essa triste marca, o seu tema por excelência foi a escravidão, razão
pela qual ficou conhecido como “Poeta dos Escravos”. O livro Os Escravos reúne
poesias escritas, esparsamente, entre os anos de 1865 e 1870.
Na primeira
metade do século XIX, com a Independência, a configuração social do país se
redefine. A burguesia, graças à intensificação das atividades comerciais, se
desenha enquanto fração da classe dominante, lugar anteriormente ocupado pela
aristocracia de sangue; a burocracia se organiza; os proprietários rurais ainda
não perdem seu lugar na cena política e esses grupos, juntamente com os representantes
do governo, constituem a elite.Como os cargos nobiliários foram extintos, o
culto à aparência exterior expressava uma forma de consagração social.
Segundo o Censo
de 1849, a Corte contava com 205.906 habitantes, dos quais 78.855 eram escravos
e 10.732 libertos. Havia estrangeiros, vindos da metrópole para exercer cargos
públicos ou fazer o “Brasil”, o que significava lançar-se à sorte como
comerciantes e equivalentes; circulavam pelas ruas da cidade negros, mulatos e
brancos, conferindo-lhe uma fisionomia muito misturada, calcada na grande variedade
de tipos, línguas e tradições. As diretrizes dessa terra eram dadas por homens
brancos racistas – e letrados –, numa
sociedade em que os negros eram majoritariamente analfabetos.
No Império
decorativo, vencia no teatro das eleições quem manipulasse a fraude e aplicasse
a violência com competência, e a fração da elite derrotada ainda era agraciada com
cargos e postos. Sobre essa realidade, Lima Barreto, em Recordações do escrivão
Isaias de Caminha, faz denúncias com ironia:
[...] os
arranjos, as gordas negociatas sob todos os disfarces, os desfalques, sobretudo
a indústria política, a mais segura e a mais honesta. Sem a grande indústria,
sem a grande agriCultura, com o grosso do comercio na mãos dos estrangeiros,
cada um de nós sentindo-se solicitado por um ferver de desejos caros e satisfações
opulentas, começou a imaginar meios de fazer dinheiro à margem do código e a
detestar os detentores do poder que tinham a feérica vara legal de fornecê-lo a
rodo.
Os títulos
imobiliários foram distribuídos em maior quantidade por ocasião das leis abolicionistas
de 1871, 1885 e 1888.
As elites
buscavam uma identificação com os grupos nativos, particularmente índios e
mamelucos – era esse o tema do Indianismo –, e manifestavam “um desejo de ser
brasileiro”, ignoravam no seu projeto político de nacionalidade o negro/escravo
e a escravidão naturalizou a violência nessa sociedade. Violência pautada na
cor, marca forte no estabelecimento das desigualdades, na delimitação de universos
distintos, sociedade onde as distâncias sociais não eram nem discutidas e as cenas
cotidianas de violência com os escravos pareciam não constranger.
Era uma sociedade
que se modelava em comportamentos tradicionais: a serenata, na qual os
violeiros soltavam as vozes para reafirmar juras de amor a suas amadas e a boemia
era prática freqüente. Por constituir a “boemia” um modismo da época, a crítica
literária apropriou-se do termo “geração boemia” para caracterizar o grupo de
escritores que lutava por viver somente da carreira literária e que se
integrara às campanhas abolicionista e republicana.
No centro da cidade do Rio de Janeiro, as
pensões, os restaurantes, os quiosques, as carroças e as confeitarias baratas
davam vida à cidade e favoreciam a prática da boemia. Desenrolavam-se ali,
também, festas populares, como a Malhação do Judas, a Festa da Glória, o
Bumba-meu-boi, dentre outras. Vivia nesse espaço uma população humilde, que, no
final do século, seria expulsa para os subúrbios da cidade, destruindo-se
“velhos hábitos coloniais”.
Para o Império, a
imagem da nação estava indissoluvelmente ligada à da redenção do país.
Instaura-se um imaginário civilizador, com base nos grandes centros europeus,
que vai imprimir sua maior marca no final do século e no começo do século XX. O
Império parecia querer se diferenciar das repúblicas da América Latina,
buscando assemelhar-se aos modelos europeus de civilização e modernidade.
Reforçando esse imaginário civilizador, muito contribuía a imagem do Imperador
como freqüentador de exposições científicas no exterior e participante de
reuniões sobre ciência dentro e fora do território brasileiro.
A educação era
feita por professores régios e aqueles que desejavam seguir os estudos superiores
tinham que ir para Coimbra, situação que se altera a partir da criação dos
primeiros cursos de Direito, em São Paulo e Olinda, a partir de 1827. Esses
cursos jurídicos destacavam sua atenção, prioritariamente, para a formação de
pessoas que iriam dirigir as instituições: a elite formada por advogados se
confundia com a burocracia do Estado. Era uma elite incrustada nos cargos
burocráticos e governamentais. Com essa prática, buscava o Estado Imperial
contribuir para a unidade e estabilidade da ex-colônia.
Enquanto isso, a
maior parte da população era analfabeta.
Tal elite forja
um projeto político centrado no progresso, na civilização do país e o caminho
para esse progresso estava na agricultura e na escravidão. Logo, agricultura e escravidão
passaram a constituir o esteio para a civilização. E, nesse projeto, o Império reconhecia
ser tarefa sua fazer com que todo brasileiro, fosse ele morador do campo ou da
cidade, se reconhecesse pertencente a uma nação. Todos estavam dentro do mesmo território,
o território nacional, onde as pessoas eram perfilhadas pelo Império e deveriam
reconhecer-se irmanadas numa nação que se construía.
Diante dessa
compreensão, era preciso construir uma história que naturalizasse essa associação,
ou seja, transformar o território em nação. Com essa perspectiva, o Império cria
os Institutos Históricos e Geográficos, os quais buscavam recriar o
passado do país de forma homogênea e
consolidar as imagens de seus mitos fundadores, com vistas a torná-lo uma
nação, ou seja, uma entidade histórica e geográfica, e a interpretação de seu passado
e de sua natureza eram imprescindíveis para entendê-la.
Em nível de Arte,
vale evidenciar que o Romantismo, no Brasil, surge paralelamente ao Grito do
Ipiranga. Antonio Candido, ao relacionar os dois acontecimentos, coloca que a
Literatura romântica pretende ser, “no plano da arte, o que fora a
Independência no plano político”.
Em outros termos, o Romantismo encaminha a
nossa independência literária. Atrelados à compreensão de que ser romântico era
estar mais próximo do mundo civilizado europeu, nossos literatos elaboram um
projeto literário nesse campo: voltado para a compreensão do passado do país e
de sua natureza, “tradição é a pátria no tempo, o território é a pátria no
espaço”.
Era um projeto que buscava compreender o
Brasil a partir das semelhanças de sua população, da homogeneização de sua
cultura e de sua natureza. Desse modo, estariam em consonância com o propósito
do Estado Imperial – transformar em
nação o território brasileiro. Esse projeto também guardava espaço para a
atividade literária ser entendida como uma forma de intervenção social, da qual
os escritores, além da experimentação estética, seriam os principais sujeitos.
Essa concepção
de arte militante
é alardeada por Bilac:
A arte não é,
como querem ainda alguns sonhadores ingênuos, uma aspiração e um trabalho à
parte, sem ligação com as outras preocupações da existência... As torres de
ouro ou de marfim, em que os antigos se fechavam, ruíram desmoronadas...Só um
louco – ou um egoísta monstruoso – poderá viver e trabalhar consigo mesmo,
trancado a sete chaves dentro do seu sonho, indiferente a quanto se passa cá
fora, no campo vasto em que as paixões lutam e morrem... em que se decidem os
destinos dos povos e das raças...
Essa concepção
militante/nacionalista da Literatura, na qual o engajamento em questões sociais
firmava a necessidade de todos os homens (brancos, negros e índios) se
reconhecerem como integrantes da almejada nação, tornava-se cada vez mais uma
postura necessária – ganharia contornos concretos na luta empreendida,
sobretudo, por Castro Alves contra a escravidão. Assim, diante da possibilidade
de “homogeneização do território”, de construção de uma história nacional,
ocorreu uma aliança entre a intelectualidade e o poder monárquico no segundo
Reinado;os literatos queriam o “progresso do conhecimento” e, por meio deste, o
“progresso e a grandeza da nação”.
No cotidiano da sociedade imperial, esses homens
portavam-se como “redentores da sociedade”, representantes dos “novos ideais”; eles
se percebiam como guias que deveriam indicar o caminho seguro a ser trilhado
pelo país. Essa imagem que construíram de si mesmos lhes conferia uma posição
diferenciada na sociedade e, sem dúvida, foi forjada a partir do olhar que nutriam sobre os “outros”, os demais
brasileiros.
Coelho Neto, na
obra A Conquista, escrita em 1899, mostra um diálogo cotidiano entre vários
homens de letras, que reafirma a auto-imagem de “superiores” do grupo:
–
Isso há de ser sempre o que é. O povo não tem tradições e, sobretudo, é
a gente mais melancólica do mundo. Você vê um grupo de brasileiros é fúnebre,
parece que estão
sempre discutindo um enterro.
– Ou segredando pornografia,
acrescentou Aluízio de Azevedo.
– Ou falando mal da vida alheia,
ajuntou o Paula Ney.
–
Nem tanto, corrigiu Patrocínio. Nem tanto. Há brasileiros de espírito.
–
Quem são? Aponte-os!
–
Nós, por exemplo...
–
Ah! Sim... Mas nós não entramos em contato.
E esses
escritores, em sua maior parte, não se ocupavam apenas das letras; eles
exerciam ocupações na imprensa ou se dedicavam à política, como, por exemplo,
José de Alencar, grande proprietário rural, monarquista, nacionalista, que
atuou como político no Partido
Conservador.
Um pouco do clima
de insatisfação da época vivenciado pelos literatos brasileiros, motivada por
não poderem viver apenas das Letras, pode ser observado na recomendação que
Olavo Bilac, no livro A Conquista, faz a Coelho Neto:
– Não faça noticias: a noticia embota. Ataque
as instituições, desmantele a sociedade, conflagre o país, excite os poderes
públicos, revolte o comercio, assanhe as industrias, enfureça as classes
operárias, subleve os escravos, não escreva uma linha, uma palavra sobre notas
policiais, nem faça reclamos. Mantenha-se artista. Havemos de vencer, mas para
isto é necessário que não façamos concessões. O redator não quer saber se temos
ideais ou não: quer espremer.
Bilac aponta que
a atuação dos literatos na imprensa deveria ser regida por alguns critérios. O
jornalismo noticiarista é desprezado como uma atividade menor e os redatores,
acusados de exploradores. Mesmo assim, esclarece ao amigo que o registro puro e
simples da matéria de nada valia se apenas apresentasse o mundo a sua volta,
era preciso ir além: transformá-lo segundo suas idéias.
A imprensa
colocava no meio cultural brasileiro as novidades dos grandes centros europeus,
reforçando o imaginário modernizador da segunda metade do século XIX. No entanto,
esses homens de talento eram afastados do prestígio publico. A classe média
pouco ou nada lia, embora a leitura dos jornais fosse sempre um sinal de bom
tom. Os jornais tinham pouca circulação, os literatos eram afastados do
prestígio público tanto pela pressão da burguesia quanto pelo analfabetismo
crônico da população. Ficavam socialmente isolados nessa sociedade.
Embora somente a
partir dos anos oitenta a imprensa tenha assumido abertamente o movimento
abolicionista, Castro Alves, já em 1866, funda, juntamente com Rui Barbosa e
outros colegas do curso de Direito em São Paulo, o jornal de idéias A Luz e uma
sociedade abolicionista. Esse jornal veiculava vozes contrárias à escravidão,
mostrando que, mesmo no quadro do nacionalismo, o coro não se apresentava em um
mesmo tom. Já em 1863, Castro Alves publica seus primeiros versos
abolicionistas, “A Canção do Africano”, no número inaugural do jornal acadêmico
A Primavera. Mas apenas o jornal lhe parecia insuficiente para disseminar seu
imaginário abolicionista e logo ele se utiliza da declamação, em voga na época,
em teatros e comícios estudantis, muitas vezes de improviso, quebrando, para os
jovens estudantes e seus familiares, o silêncio sobre escravos e escravidão
imposto pela marca colonial e difundido no Império. Em 1865, na abertura dos cursos
jurídicos, recita o poema “O Século” na faculdade de Recife. Esse poema,
escrito quatro meses após a abolição da escravidão nos Estados Unidos, canta a
liberdade dos escravos – um sonho no seu imaginário – e conclama a participação de todos os
brasileiros para a luta por Justiça e Liberdade:
Lutai... Há uma lei sublime
Que diz: à sombra do crime
Há de a vingança murchar
Não ouvis do Norte um grito,
Que bate aos pés do infinito,
Que vai Franklin despertar?
Em busca desta liberdade:
Basta!... Eu sei que a mocidade
É o Moisés no Sinai
Das mãos do Eterno recebe
As taboas da lei! marchai!
Quem cahe na luta com glória,
Tomba nos braços da História,
No coração do Brasil!
Moços do topo dos Andes,
Pyramides vastas, grandes,
Vos contemplam séculos mil!
O projeto literário
romântico brasileiro expressou-se, fundamentalmente, por meio do Indianismo e
do Regionalismo. Como o pensamento romântico centrava seu olhar no passado, na
busca das raízes para a compreensão do nacional, alguns literatos se voltaram,
fundamentalmente, para o índio, aquele que aqui já vivia antes da chegada dos
portugueses, e, pautados numa compreensão da história como busca das origens,
adotaram o índio como “genuíno” representante do homem brasileiro, como o fizeram
Gonçalves Dias e José de Alencar, dentre muitos outros. Outros literatos, no
entanto, foram buscar esse representante do homem brasileiro para além da
cidade, no sertão, espaço que, no XIX, expressava vários significados. No
Império, o sertão significava um empecilho para prosseguir rumo à civilização.
Segundo alguns literatos, como Bernardo Guimarães e Visconde de Taunay, dentre
outros, o sertão era palco de amores brejeiros e harmonia na natureza. Esses
escritores, ao cantarem o homem do interior do Brasil, que vivia longe da linha
litorânea, estavam cumprindo uma missão por eles proposta para a Literatura naquele
momento histórico – trazer o “homem do mato”, do interior, e a natureza que os
rodeava para fazerem parte da nascente civilização. Desse modo, contribuíam
para a transformação do território em nação. Eles desejavam retramar os fios
emaranhados de uma história comum, a partir de dois elementos de continuidade:
a Literatura e, obviamente, antes dela, a Língua. A nação brasileira imaginada
pela Literatura tinha, pois, urgência de se contrapor ao projeto colonialista.
Aqui, a Literatura exercia a tarefa de
sacralizadora do
mundo, de homogeneizadora dos imaginários sociais.
Esses escritores
e poetas românticos, ao buscarem a identidade do homem “genuinamente”
brasileiro, seja no índio ou no sertanejo, olvidavam por completo a presença dos
afrodescendentes. Com o olhar fortemente engessado para o outrora, o presente,
para esses intelectuais, por si só, não tinha existência própria e nem lhes
conferia significados.
A visão deles era
míope para um presente constituído por milhares de escravos,desconheciam um
território negro, onde o trabalho era sinônimo de escravidão.
Essa concepção de
história, forjada por políticos e intelectuais do período que buscavam em
tradições mais remotas elementos que fortalecessem os laços e traços comuns de toda
uma população, precisa ser repensada a partir da questão: como a idéia de
nação, de comunidade e/ou de continuidade, se inscreve e se escreve no âmbito
da historiografia e da práticas literárias num contexto pós-colonial?
Na busca de
encaminhar essa problemática, Anderson no livro Nação e Consciência Nacional aponta
a noção de “comunidade imaginada”, que tinha a possibilidade subjetiva, arbitrária
quanto se queira, de recriar uma coerência temporal, de “edificar” uma
história, assentada numa continuidade presumida, baseando-se na possibilidade
de se reinventar, em retrospecto, um passado comum – a comunidade da Pátria, da
Língua, da Cultura e, sobretudo do Tempo Nacional em que tudo isso se passa.
Essa tentativa de forjar uma comunidade, ainda que imaginada, é difícil de ser
compreendida quando se trabalha a história como diferença. O caso brasileiro e
dos demais países do Caribe, colonizados, cujas histórias e culturas foram
estilhaçadas pela política colonial, vivenciam uma coexistência de
temporalidades: o tempo colonial e o tempo nacional, a cronologia importada e a
autóctone. O tempo vivenciado pelo índio, pelos escravos, em suas lidas
cotidianas, e o tempo veloz da civilização/modernização, importado da Europa
vivenciado pelo branco.
São
temporalidades distintas, que coexistiam, naquele período histórico e que devem
ser
respeitadas em
suas especificidades.
Essa divisão
torna inviável qualquer pressuposto de continuidade/comunidade nacional, tanto
sob o perfil linguístico (escreve-se numa língua imposta de fora) quanto no âmbito
da expressão artístico-literária. Como pensar, por exemplo, em um Gregório de Matos,
formado na Universidade de Coimbra e que utiliza uma forma linguística e
modelos poéticos tributados na tradição ibérica, manifestar consciência de uma
identidade nacional? Como demonstra magistralmente a obra de Lima Barreto, O
triste fim de Policarpo Quaresma, a situação mostra-se mais complexa, não é
apenas excluir o inautêntico e/ou o importado, para considerar aquilo que, de
modo mais uma vez mitificante e mistificador, é tido por “genuinamente”
brasileiro.
Tal forma de
pensar literária, que elegeu o índio como personagem genuinamente brasileiro, é
reducionista e, por detrás dela, encontra-se uma concepção de história que tem
como preocupação primeira a busca da “origem”, do começo, do desenvolvimento e do
fim de todo acontecer histórico. Estamos diante de uma história homogênea,
linear e vazia, provinda de uma origem e prevendo um fim, que não permite a
diversidade, uma história oficial celebrativa, cujo triunfalismo é a vitória do
vencedor, a pisotear a tradição dos vencidos.
Outra forma de se
interpretar a história desse período poderia ser via utilização do conceito de
formação social, que permite dar visibilidade às tramas infinitas que dão conta
do real e oferece a possibilidade de se inventariarem “os inúmeros inícios”,
“as origens” plurais e, sobretudo, as diversidades culturais e temporais dessa
realidade complexa. A história, como as demais ciências, é muitas vezes utilizada
a serviço dos detentores do poder. No caso brasileiro, a elite imperial
incentivava a elaboração de uma história que desconhecesse o negro e a
escravidão, marcas indeléveis do país.
Antonio Candido,
em Formação da Literatura Brasileira, não coloca que essa Literatura nasce no
século XVIII, mas se configura no decorrer desse século, ocupando o processo
formativo que vinha de antes e continuou depois.
Esse mesmo substrato teó-rico pode subsidiar o
entendimento de que o índio, por ser o primeiro habitante do país, Projeto
História, São Paulo, n.33, p. 179-194, dez. 2006 187não deve ser considerado
como único “genuíno” representante do homem brasileiro no século XIX, mas
também o negro, uma vez, que ele realizava sua experiência de vida nesse “mundo
misturado”, diversificado pelas fortes cicatrizes da colonização e, juntos, edificavam
a história do país, em formação.
Essa compreensão
teórica abre espaço para a aceitação de que o homem brasileiro deve ser
representado pelos diferentes grupos que foram se configurando no decorrer de vários
séculos, possibilitando, então, a visibilidade do diverso, do outro. Sobre a questão do diverso, coloca Glissant
que a função básica da Literatura é a desconstrução do discurso literário
homogêneo-hegemônico para fazer ouvir os outros discursos silenciados e mostrar,
assim, a sua heterogeneidade.
Castro Alves,
enquanto poeta, inventou uma linguagem capaz de quebrar o silêncio sobre o
negro escravo e a escravidão, ditado pela colonização na história e na
literatura do país, desconstruindo, desse modo, discursos literários
hegemônicos que celebravam o índio, o amor, os costumes e a cultura urbana. Sua
poesia deu visibilidade ao “outro”, àquele que veio do outro lado do Atlântico
pela força bruta da máquina escravocrata, contribuindo para que o diferente
despontasse na sociedade brasileira no período em pauta.
Essa literatura
sobre os escravos teve correspondentes em outros países do Caribe, nos quais
não se pode esquecer a extraordinária taxa de violência que as vítimas da empresa
colonial pagaram e vêm pagando ao longo dos séculos, que abrigou um
significativo numero de escravos procedentes de diferentes regiões da África e
que tiveram a plantation como forma de organização econômica predominante. Em
outros termos, países colonizados, com uma expressiva população negra oriunda
de migração forçada e onde diferentes culturas disputam poderes, a exemplo de
Cuba, Brasil, Haiti, dentre outros. Nesse sentido, segundo Cabrera, foi gestada
nesses países e em diferentes temporalidades, uma cultura de migração.
Nessa cultura, as
artes desempenharam papel de destaque, e Glissant indica pistas para o
entendimento dessa questão, ao apontar que o migrante forçado (escravo
africano), trazido para o Caribe, foi arrancado de sua terra e submetido num
outro espaço como escravo.
Esse migrante
forçado perde, então, suas tradições familiares, sua religião, o espaço que o
viu crescer, dentre outros traços de identidade. Contudo, para Glissant, a mais
importante perda foi a da Língua. Os navios negreiros não transportavam pessoas
que falassem a mesma Língua. O mesmo acontecia nas plantações. Tentavam, com
essa prática, tolher a comunicação entre os africanos para evitar possíveis
rebeliões. Espoliados de suas línguas maternas, os escravizados compunham
várias línguas crioulas.
Os escravos, ao
serem destituídos da possibilidade de se comunicarem com a Língua de origem,
desde a travessia do Atlântico, criaram não apenas as línguas crioulas, masusaram
outras formas de comunicação, como a dança e a música, que lhes permitiam compartilhar
sentimentos independentemente da fala. Os gestos, a voz, o requebro, o olhar
eram formas de comunicação. Era a arte assumindo sua dimensão comunicativa enquanto
linguagem. Desde então a arte em geral e, sobretudo a dança, a música, a
literatura, apresentam-se como formas de expressão cultural de destaque no
mundo caribenho.
Essa assertiva é
apontada por Gates, ao realçar que a consciência histórica no Caribe é fortemente
mais propagada pela literatura do que pela história.
Castro Alves
pautava-se no projeto literário do seu tempo, não poupava denúncias ao Império
e celebrava em suas poesias os escravos, tema que só ganharia maior espaço em 1870,
com Coelho Neto, Olavo Bilac, Artur Azevedo, dentre outros; e somente em meados
dos anos 80 o abolicionismo tomaria formato de um grande movimento popular e
urbano.
É fato que, ainda
no século XVII, o poeta Gregório de Matos, “Boca do Inferno”, em suas sátiras,
cantou o escravo/negro com intensidade e, por isso, foi perseguido e exilado para
Angola. No século XIX, foi Castro Alves o literato que retomar e celebrou a
tradição dos oprimidos, rompendo o silêncio sobre a escravidão que o
preconceito das elites se esforçava para esquecer ou disfarçar. Contudo, o não
dito, o silêncio é também uma forma de o homem expressar sua aprovação ou
desaprovação em relação a algum fato, e numa sociedade modulada pela tradição
oral, como fora a nossa, o velho provérbio popular “quem cala consente” foi
naturalizado. O silêncio sobre a escravidão, significava o desejo da elite
imperial de manter-se na hegemonia, pois era herdeira de todos que venceram antes,
significava a cumplicidade com uma concepção de história que adere aos vencedores
e nega ao escravo a condição de sujeito, de homem que ama, luta, cria, sonha e
tece suas memórias; significava, ainda, reforçar o preconceito dominante, que
desejava fazer esquecer ou disfarçar a descendência africana de nosso povo,
expressava a vergonha pela escravidão, quando vários países do mundo já haviam
realizado a abolição.
A omissão sobre a
escravidão acentuou-se após a Abolição. Agora, era necessário apagar os rastros
das cicatrizes deixadas pela escravidão na história do país, “honrar a pátria”.
Com essa compreensão, Rui Barbosa, em 1890, então Ministro e Secretário de Estado
dos Negócios da Fazenda e Presidente do Tribunal do Tesouro Nacional, decide incinerar
todos os documentos relativos aos escravos e à escravidão no país.
O projeto de
construir, mais que uma Literatura, uma nação, ganhou marcas essenciais entre
as ruas do Rio de Janeiro e foi-se impondo e desenhando fundos sulcos no interior
do dividido chão ainda com remanescentes coloniais. Envolvidos fisicamente no processo
de nacionalização do país, nomes como Castro Alves, Silvio Romero, Coelho Neto,
Olavo Bilac, José de Alencar, Euclides da Cunha, entre outros, em épocas
diferentes, ampliaram o espaço de sua atuação, inscrevendo-se já como
intelectuais e como literatos. Como literatos, assumem a ousadia, incorporando
os matizes reclamados por um projeto artístico centrado no nacionalismo.
A adesão a um
movimento coletivo que transforma a experiência literária numa espécie de
compromisso com a história da própria nação converteu-se, afinal, num dos elementos
constitutivos da Literatura brasileira naquele período. Esse lastro tão
poderosamente romântico definiu os rumos de toda essa produção literária. Em
vários poemas de Castro Alves, já se vislumbram os sinais do sentimento nacionalista
na religiosidade, na identificação com a terra, na celebração do amor romântico
entre escravos, entre outros, que, de resto, pontuavam o Romantismo em vários
países do mundo.
Assim, o
exercício literário, entre a prosa e a poesia, ia deixando entrever a procura da
arte como uma força totalizante, que se pudesse tornar um fator compensatório
no meio de um espaço em que a carência era uma das medidas. A Literatura, para
aqueles homens, estava a serviço da nação. Pareciam acreditar que a hora era
mesmo de cortar, o mais rápido possível, os laços com a matriz, o que pressupunha
a necessidade de escolher outro modelo. Tratava-se de afastar suas matrizes de
Paris, pois era esta, e não Lisboa, a capital literária da América Latina. E a
estabilização da consciência, como pressuposto para a concretização da
autonomia projetada, era uma espécie de condição para que a pátria se
transformasse em nação.
Mas a ambigüidade
dessa situação, tão cheia de contradições, não singularizava o Brasil no
panorama internacional. Constitui, antes, uma espécie de condenação a que estavam
fadadas aquelas sociedades que viveram na sombra dos projetos das metrópoles.
O processo
colonizador não se extingue com a assinatura dos tratados de independência, uma
vez que a ação colonial se desdobra e deixa seu legado nos modos de pensar,
agir, viver e sobreviver. O resultado é, então, a velha equação que, de um
lado, dispõe a crueza de um mundo feito de carência e, de outro, expõe a luz
ilusória dos grandes sonhos que não se cumprem. E a intensidade das
contradições se multiplica: numa ponta, o apego a um passado remoto, quase sempre
anterior à cisão talhada pela colonização; noutra, a convicção de que era
necessário apostar num projeto do qual essa sociedade, por força das relações
de poder determinadas pela economia mundial, parecia apartada. No centro dessa
engrenagem, os literatos produziam formas culturais que só podiam espelhar um conjunto
de dilemas que acabavam por compor a sua maneira de estar no mundo.
Silvio Romero
identificou os seguidores desse projeto literário romântico fortemente nacionalista
como “patrioteiros”. Para ele, era o negro, e não o índio, quem tinha maior influência
sobre os costumes, a Cultura do Brasil.
Uma grande parte
de nossos melhores estudos críticos tem mostrado os efeitos desse quadro um
tanto perverso na ordem social e na produção da cultura brasileira. No terreno dos
estudos literários, os trabalhos de Antonio Candido, Alfredo Bosi e Roberto
Schwarz vêm desvelando os impasses vividos por nossa Literatura, tendo de lidar
com o desconforto de ser produzida na esfera impiedosa do subdesenvolvimento.
Instalados à margem das matrizes,
inevitavelmente assaltados pelo desejo de autonomia em choque com a consciência
da dependência, os literatos brasileiros, em todo o processo de formação do
nosso sistema literário, vêm buscando caminhos adequados à articulação dessas
duas
forças que,
afinal, nos estruturam: a necessidade de comungar os valores universalizados, padronizados
pela Europa, e a vontade de manter as nuances particularizadoras de nossas raízes
culturais.
Castro Alves,
particularmente, esteve atento a essa especificidade cultural, cantando a
escravidão que, quase chegando ao século XX, contribui para a montagem de uma
situação “estranha” aos padrões metropolitanos, cuja dinâmica já determinava
uma outra orquestração entre as forças sociais. Dado que o mercado mundial se
assentava no trabalho livre (assalariado), a existência de uma economia presa
ao capital europeu e baseada no trabalho escravo só poderia ser cadastrada como
exótica. E essa situação “estranha” torna-se ainda maior problema após a
conquista da independência, época que aponta para uma proposta que se desdobra
em dois níveis: no plano político, o nacionalismo pretendia a consolidação do
Estado; no plano cultural, empreendia a busca de expressões artísticas que
configurassem esteticamente a posse da terra, a natureza, o índio, entre
outros.
Segundo Silvio
Romero, “um bando de idéias novas” eclodiu no Brasil no século XIX. Eram
positivistas comtianos, littreianos, spencerianos, republicanos, entre outros, que
se mostravam confiantes em diagnosticar e prescrever um rumo para o “progresso”
e a conseqüente integração do país à “civilização ocidental”; em outros termos,
a interpretação do seu passado e a de sua natureza eram imprescindíveis para
entender o país.
O Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro promovera, em 1844, um concurso sobre “Como
escrever a História do Brasil”, do qual foi vencedor o alemão von Martius.
Este apresentou o
desenvolvimento da história da “nação” a partir das “três raças mescladas e
formadoras”: ao branco cabia ser o civilizador; ao índio a possibilidade de ser
civilizado; e ao
negro o espaço de detração, era motivo de impedimento ao progresso
da nação.
No entanto, mesmo fazendo parte da história
preconizada por von Martius, os aborígenes, os negros e os mestiços eram
apreendidos pelo Império como barreira ao reconhecimento do país como nação,
pois atrapalhavam a “formação de uma verdadeira identidade nacional”.
Estava, então,
posto o imaginário da determinação biológica da cultura e a fusão racial aceita
pela História Universal nos trabalhos de eruditos sobre o Brasil, premiados pelo
IHGB. O olhar de Mamuel Luís Salgado em “Nação e Civilização nos Trópicos: Instituto
Histórico Geográfico Brasileiro e o Projeto de uma Historia Nacional” mostra que
o projeto historiográfico do IHGB, em suas primeiras formulações de uma
história brasileira, a miscigenação tinha lugar garantido na proposta
iluminista de constituição da identidade nacional, ancorada em uma concepção
política altamente centralizadora.
Literatos como
José de Alencar, Gonçalves Dias, Casimiro de Abreu, entre outros, a despeito de
cantarem o amor, a saudade, a natureza, quando descortinamos a forma de suas
produções poéticas, seja em verso ou em prosa, vamos encontrar um imaginário engendrado
nos valores e símbolos da miscigenação racial. Imaginário condizente com aquele
disseminado pela elite imperial, que apreendia o negro como foco irradiador de doenças;
o aborígene, em representações ambíguas, se por uns era percebido como atrasado,
pagão e incivilizado, protótipo do “homem do mato”, para outros foi personagem
dos “romances indianistas”, de que são modelos os de José de Alencar, como
representante da identidade brasileira.
O projeto
literário nacionalista, ao propagar na Literatura um imaginário pautado nos
valores da miscigenação, condição sine qua non para o ingresso do país no rol
das nações civilizadas, excluía o negro como uma das raças no emaranhado da
formação da sociedade brasileira.
A promessa das
elites e o sonho dos escravos não se cumpriram – a população residente no
Brasil reconhecer-se como pertencente a um país, a um império, ou seja, a inclusão
de todos na nação.
Castro Alves, a
despeito de compartilhar do projeto literário romântico nacionalista, rompeu
alguns cânones ao cantar o escravo. Sua produção literária assume a denúncia.
Ao criticar a Corte por manter a escravidão, demonstra que não acreditava na
abolição como dádiva, mas como uma conquista dos escravos. O caminho a ser
palmilhado deveria ser a revolução e não via reforma legislativa. Também não acreditava
na “harmonia das três raças”, clamava a sociedade para lutar em prol da
abolição.
Ao celebrar o
negro/escravo, ele foi ousado, colocando em risco seu projeto literário pessoal,
uma vez que o projeto literário nacionalista estava direcionado para uma
compreensão histórica apoiada no apreço aos valores instituídos pela cultura de
fora. E ele convoca a sociedade para lutar contra a desigualdade instituída,
pelos valores humanísticos de liberdade e igualdade, chamando a atenção para a
cultura do país, o que o diferenciou dos demais literatos de seu tempo.
Integrou e fortaleceu o contra-imaginário abolicionista e, no afã de
propagá-lo, criou um jornal, participou de atividades em grêmios estudantis, declamava
suas poesias em saraus, em festas na faculdade de Direito, além de divulgá-las
na Imprensa. Desse modo, ele disseminava a campanha abolicionista, trilhando um
caminho
subversivo aos interesses do Império. A luta do poeta em prol dos escravos
parece reportar-se ao imaginário revolucionário do século XIX, que fundamentava
os direitos humanos e trouxe à tona a questão da cidadania e o poligenismo,
defendido por Voltaire no século XVIII, o qual postulava diferentes focos de
criação da espécie, onde as diferenças entre as sociedades eram hierarquizadas
– e “ explicadas” – como resultante das diferentes raças.
A categoria raça tornava-se
fundamental para a compreensão das sociedades, sobretudo para aquelas que contaram
com a migração forçada da força de trabalho escrava, procedente da África,
como os países do
Caribe.
No Brasil, que
sempre vivera à sombra das metrópoles, as discussões sobre os direitos humanos,
a cidadania e o poligenismo chegara no século XIX. Com base nesse imaginário, a
política migratória brasileira, desde o Império, viu o europeu como uma possibilidade
adicional de branqueamento, num processo regulado e seletivo de aperfeiçoamento
eugênico da raça brasileira. Surge, então, o projeto de miscigenação, centrado na
determinação biológica da cultura, e a fusão racial aceita pela história
universal nos trabalhos de eruditos sobre o Brasil.
A solução da
questão racial foi entendida pelos intelectuais como condição sine quanon para
o ingresso do país no rol das nações civilizadas. Nesse caso, restavam as
seguintes alternativas: miscigenação, tomada como possibilidade de branqueamento,
ou a exclusão do negro. Desse modo, a raça negra foi excluída da formação da
sociedade brasileira.
A capacidade
criativa de qualquer arte, nesse caso a Literatura, é sempre limitada pelo
histórico social. Nesse sentido, apesar de Castro Alves, em sua criação
poética, ir além dos valores culturais do seu tempo, de espalhar com
intensidade e de diferentes formas o imaginário abolicionista, a sinceridade de
seus propósitos e a energia empenhada não dissolvem a mancha de uma visão
formada nos moldes do nacionalismo, a existência de uma ambiguidade que
defende, mas também silencia, que deseja inclusão, mas também exclui, que
dissemina um sonho, que também não se cumpre – a efetiva liberdade do escravo,
sua integração à sociedade.
JUSTIÇA E ABOLICIONISmO NA POESIA DE CASTRO ALVES*
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