Domingos José Gonçalves de Magalhães, primeiro e único barão e visconde do Araguaia, (Rio de Janeiro, 13 de agosto de 1811 – Roma, 10 de julho de 1882), foi um médico, professor, diplomata, político, poeta e ensaísta brasileiro, tendo participado de missões diplomáticas na França, Itália, Vaticano, Argentina, Uruguai e Paraguai, além de ter representado a província do Rio Grande do Sul na sexta Assembleia Geral.
Filho de Pedro Gonçalves de Magalhães Chaves.
Morreu em Roma, onde exercia cargos diplomáticos junto à Santa Sé, no ano de1882. Ingressou em 1828 no curso de medicina, diplomando-se em 1832. No mesmo ano estreou com "Poesias" e, no ano seguinte, parte para a Europa, com a intenção de se aperfeiçoar em medicina.
Em 1838 é nomeado professor de Filosofia do Colégio Pedro II, tendo lecionado por pouco tempo.
De 1838 a 1841 foi secretário de Caxias no Maranhão e de 1842 a 1846 no Rio Grande do Sul. Em 1847 entrou para a carreira diplomática brasileira. Foi Encarregado de Negócios nas Duas Sicílias, no Piemonte, na Rússia e na Espanha; ministro residente na Áustria; ministro dos Estados Unidos, Argentina e na Santa Sé, onde morreu.
Títulos nobiliárquicos e honrarias
Comendador da Imperial Ordem de Cristo e da Ordem de São Francisco I de Nápoles, dignitário da Imperial Ordem da Rosa e oficial da Imperial Ordem do Cruzeiro.
Barão do Araguaia
Título conferido por decreto imperial em 17 de julho de 1872. Faz referência ao rio Araguaia, que em tupi significa rio do vale dos papagaios.
Visconde do Araguaia
Título conferido por decreto imperial em 12 de agosto de 1874.
Foi pai de Antônio José Gonçalves de Magalhães de Araguaia, nascido cerca de 1858, que recebeu o título de "Conde de Araguaia", concedido pela Santa Sé.
Gonçalves de Magalhães e o Romantismo
Marabá
Eu vivo sozinha, ninguém me procura!
Acaso feitura
Não sou de Tupá!
Se algum dentre os homens de mim não se esconde:
"Tu és", me responde,
"Tu és Marabá!"
Meus olhos são garços, são cor das safiras,
Têm luz das estrelas, têm meigo brilhar;
Imitam as nuvens de um céu anilado,
As cores imitam das vagas do mar!
Se algum dos guerreiros não foge a meus passos:
"Teus olhos são garços"
Responde anojado, "mas és Marabá:
"Quero antes uns olhos bem pretos, luzentes,
"Uns olhos fulgentes,
"Bem pretos, retintos, não cor d'anajá!"
É alvo meu rosto da alvura dos lírios,
Da cor das areias batidas do mar;
As aves mais brancas, as conchas mais puras
Não têm mais alvura, não têm mais brilhar.
Se ainda me escuta meus agros delírios:
"És alva de lírios",
Sorrindo responde, "mas és Marabá:
"Quero antes um rosto de jambo corado,
"Um rosto crestado
"Do sol do deserto, não flor de cajá."
Meu colo de leve se encurva engraçado,
Como hástea pendente do cáctus em flor;
Mimosa, indolente, resvalo no prado,
Como um soluçado suspiro de amor!
"Eu amo a estatura flexível, ligeira,
Qual duma palmeira",
Então me respondem; "tu és Marabá:
"Quero antes o colo da ema orgulhosa,
Que pisa vaidosa,
"Que as flóreas campinas governa, onde está."
Meus loiros cabelos em ondas se anelam,
O oiro mais puro não tem seu fulgor;
As brisas nos bosques de os ver se enamoram
De os ver tão formosos como um beija-flor!
Mas eles respondem: "Teus longos cabelos,
"São loiros, são belos,
"Mas são anelados; tu és Marabá:
"Quero antes cabelos, bem lisos, corridos,
"Cabelos compridos,
"Não cor d'oiro fino, nem cor d'anajá,"
E as doces palavras que eu tinha cá dentro
A quem nas direi?
O ramo d'acácia na fronte de um homem
Jamais cingirei:
Jamais um guerreiro da minha arazóia
Me desprenderá:
Eu vivo sozinha, chorando mesquinha,
Que sou Marabá!
(DI AS, Gonçalves. Marabá. I n: Poesia lírica eindianista. Apresentação Márcia Lígia Guidin. SérieBom Livro, 1ª edição. Ed. Ática. S. Paulo, 2003, p.89-91)
Desejo
Canção do Tamoio
Ainda Uma Vez Adeus
I - Juca-Pirama
Comendador da Imperial Ordem de Cristo e da Ordem de São Francisco I de Nápoles, dignitário da Imperial Ordem da Rosa e oficial da Imperial Ordem do Cruzeiro.
Barão do Araguaia
Título conferido por decreto imperial em 17 de julho de 1872. Faz referência ao rio Araguaia, que em tupi significa rio do vale dos papagaios.
Visconde do Araguaia
Título conferido por decreto imperial em 12 de agosto de 1874.
Foi pai de Antônio José Gonçalves de Magalhães de Araguaia, nascido cerca de 1858, que recebeu o título de "Conde de Araguaia", concedido pela Santa Sé.
Gonçalves de Magalhães e o Romantismo
Recém-formado em Medicina,
viaja para a Europa,
onde entra em contato com as ideias românticas, fator essencial para a
introdução do movimento no Brasil.
Sua importância está no fato de ter sido o
introdutor do Romantismo no Brasil, não obstante suas obras serem
consideradas fracas pela crítica literária. Embora fosse voltado para a
poesia religiosa, como fica claro em Suspiros poéticos e saudades,
também cultivou a poesia indianista de caráter nacionalista, como no poema
épico A Confederação dos Tamoios (esta obra lhe valeu agitada
polêmica com José de Alencar, relativa à visão de cada autor
sobre o índio),
ambas bastante fantasiosas.
Em contato com o romantismo francês, publicou em
1836 seu livro "Suspiros poéticos e saudades", cujo prefácio valeu
como manifesto para o Romantismo brasileiro, sendo por isso considerado o
iniciador dessa escola literária no país. Em parceria com Araújo Porto-Alegre e
Torres Homem, lançou a revista "Niterói", no mesmo ano. Introduziu
ali seus principais temas poéticos: as impressões dos lugares que passou,
cidades tradicionais, monumentos históricos, sugestões do passado, impressões
da natureza associada ao sentimento de Deus, reflexões sobre o destino de sua
Pátria, sobre as paixões humanas e o efêmero da vida. Ele reafirma, dentro de
um ideal religioso, que a poesia tem finalidade moralizante, capaz de ser
instrumento de elevação e dignificação do ser humano, condenando o estilo
mitológico.
Ao retornar ao Brasil, em 1837, é aclamado chefe da
"nova escola" e volta-se para a produção teatral, que então era
renovada com a produção de Martins Pena e os desempenhos de João Caetano.
Escreve duas tragédias: "Antônio José" ou "O poeta e a
Inquisição" (1838) e "Olgiato" (1839).
Apesar de suas ideias, várias vezes as traiu por
conta de sua formação neoclássica. O poema épico "Confederação dos
Tamoios" foi escrito nos moldes de O Uraguai,
retornando assim ao arcadismo. Esse fato gerou grande polêmica, tendo sido
atacado por José de Alencar e defendido por Monte Alverne e
pelo imperador Dom Pedro II.
Psychologia e
Physiologia
Segundo Massimi , D.
Magalhães foi um dos precursores do ensino da psicologia no Brasil, quando essa
ciência ainda se iniciava transitando entre os estudos parapsicológicos e
psicopatológicos. Professor do curso “Lições de Philosophie” (1837) do Colégio
Imperial Pedro II com dois livros publicados sobre o tema: “Os fatos do
espírito humano” (1865) e “A alma e o cérebro, estudos de Psychologia e
Physiologia” (1876), ainda segundo essa autora exemplares típicos da influência francesa de
filosofia espiritualista.
No ano anterior 1875 uma tese sobre o mesmo tema
foi examinada pela banca e sumariamente recusada trata-se da tese de conclusão
de curso intitulada Funcções do cérebro de Domingos Guedes Cabral, tal rejeição
não foi aceita pelos alunos pois que no ano seguinte imprimiu-se em livro a
referida tese vinculada às teorias darwinistas. Apesar de não se ter localizado
uma manifestação específica de sua posição quanto a esse acontecimento, como se
tem das questões indigenistas e especificamente sobre a “Confederação dos
tamoyos” é evidente que se posicionava pela impossibilidade de redução das
faculdades intelectuais e morais do homem frente ao conhecimento prévio da
natureza e nos animais.
Apesar do seu erro de imaginar que mesmo nas
teorias sobre os múltiplos centros de decisão e pensamento de Franz Joseph
Gall(1758 —1828), e outros frenologistas se
anularia “ser único que em nós pensa, e que repele a anarquia de tantas forças
primitivas” e que ao se tomar o estudo dos animais para melhor compreensão dos
processos fisiológicos humanos no que concerne ao estudo do cérebro estaríamos
negando a especificidade da consciência tida como identidade do “eu”, e ação da
vontade e força motriz vital Magalhães primava pelo estudo da moral e da
sociedade. A psicologia, entendida como o estudo filosófico do conhecimento do
homem, e a fisiologia, o seu estudo orgânico hierarquicamente subordinados A
seu ver, a frenologia endossava as teorias fatalistas, contra o livre-arbítrio,
onde o homem estaria submetido “ao império do destino”, “que ora o fixa ao
escolho como uma ostra inerte, ora o eleva em turbilhão como a poeira”
Massimi , analisando
o processo de substituição do conceito de "Alma" pelo estudo do
"Eu", proposta pelos espiritualistas em refutação à impossibilidade
de conhecer a subjetividade identificada por téoricos organicistas, destaca a
posição de Gonçalves de Magalhães de deixar de lado as causas ocultas dos
fenômenos internos da mesma forma que se pode estudar os fenômenos físicos sem
entrar na indagação sobre a natureza íntima da matéria.
Obras
§ Suspiros poéticos e saudades (1836) - Considerada a obra inaugural
do romantismo brasileiro
§ Antônio José ou O poeta e a Inquisição (1839)
§ A Confederação dos Tamoios, poema épico (1857)
§ Os Mistérios de Vinícius (1857)
§ Fatos do Espírito Humano, tratado filosófico (1858)
§ Urânia, poesias (1862)
§ Cânticos fúnebres, poesias (1864)
§ “Os fatos do espírito humano” (1865)
§ A alma e o cérebro, ensaios (1876)
SUSPIROS POÉTICOS E SAUDADES, de Gonçalves de Magalhães
A obra Suspiros Poéticos e Saudades, publicada em 1836, foi considerada a obra inaugural do Romantismo no Brasil. O autor procurou criar e consolidar uma literatura nacional para o país. É dividida em duas partes: "suspiros poéticos" e “saudades”. A primeira parte é constituída de 43 poemas sobre os mais diversos temas, tais como a própria poesia, o cristianismo, a mocidade, a fantasia, ou ainda diversas impressões sobre lugares, fatos e figuras da história. Em grande parte dos poemas há indicações de onde foram escritos, fazendo com que possamos relacionar a partir daí os diversos países nos quais o poeta esteve: Brasil, Bélgica, Suíça, França, Itália. É uma espécie de literatura poética de viagens, que, na época, deve ter fascinado muito aos jovens brasileiros. Estes, em sua grande maioria, não podiam fazer o que fizera o autor dos Suspiros Poéticos, isto é, escrever em Waterloo um poema sobre Napoleão, em Roma um poema sobre as ruínas daquela cidade, em Ferrara uns versos sobre o cárcere de Tasso. O livro de Magalhães, se não primava pela qualidade dos versos, unia a poesia e a experiência, a arte e a vivência, sendo, enfim, o exemplo maior do versejar ao gosto da aventura, do novo, do exótico, ao mesmo tempo que expressava a experiência do Eu em contato direto com a cultura erudita européia, sacralizada aos olhos dos românticos brasileiros.
Também a experiência pessoal, o contato com os amigos, faz-se presente no livro. O poema A meu amigo D. J. G. de Magalhães provavelmente não foi escrito pelo próprio Magalhães, já que foi a ele endereçado. Teria sido composto, possivelmente, por Manuel de Araújo Porto Alegre, pois, no livro, o poema que se segue intitula-se Em resposta a meu amigo M. de Araújo Porto Alegre, sugerindo um diálogo entre os dois textos. Mas nada aí está muito claro, principalmente para o leitor leigo, que desconhece o hábito de os românticos trocarem esse tipo de “correspondência” poética nas próprias obras. Teria sido bem-vinda uma nota explicativa, por parte de Sousa da Silveira ou mesmo da parte dos editores posteriores, sobre a autoria do poema.
A segunda parte é dedicada, como o próprio título declara, à saudade, evocando em 12 poemas a pátria, a família, os amigos, enfim, pessoas, fatos e lugares caros ao poeta e dele apartados. Todavia, segundo Antonio Candido, o saudosismo de Magalhães não transcende à saudade do “menino manhoso longe da mãe”. De qualquer modo, o tema ganhou larga aceitação no romantismo brasileiro, e muitos irão chorar a falta da mãe genitora, da mãe pátria, da amada, do amigo, etc.
O primeiro manifesto teórico do nosso Romantismo é o Prólogo de Suspiros Poéticos e Saudades:
Prefácio aos Suspiros
Poéticos e Saudades:
Pede o uso que se dê um
prólogo ao Livro, como um pórtico ao edifício; e como este deve indicar por sua
construção a que Divindade se consagra o templo, assim deve aquele designar o
caráter da obra. Santo uso de que nos aproveitamos, para desvanecer alguns
preconceitos, que talvez contra este Livro se elevem em alguns espíritos
apoucados.
É um Livro de Poesias
escritas segundo as impressões dos lugares; ora assentado entre as ruínas da
antiga Roma, meditando sobre a sorte dos impérios; ora no cimo dos Alpes, a
imaginação vagando no infinito como um átomo no espaço, ora na gótica catedral,
admirando a grandeza de Deus, e os prodígios do Cristianismo; ora entre os ciprestes
que espalham sua sombra sobre túmulos; ora enfim refletindo sobre a sorte da
Pátria, sobre as paixões dos homens, sobre o nada da vida. São poesias de um
peregrino, variadas como as cenas da Natureza, diversas como as fases da vida,
mas que se harmonizam pela unidade do pensamento, e se ligam como os anéis de
uma cadeia; poesias d'alma, e do coração, e que só pela alma e o coração devem
ser julgadas.
Quem ao menos uma vez
separou-se de seus pais, chorou sobre a campa de um amigo, e armado com o bastão
de peregrino, errou de cidade em cidade, de ruína em ruína, como repudiado
pelos seus; quem no silêncio da noite, cansado de fadiga, elevou até Deus uma
alma piedosa, e verteu lágrimas amargas pela injustiça, e misérias dos homens;
quem meditou sobre a instabilidade das coisas da vida, e sobre a ordem
providencial que reina na história da Humanidade, como nossa alma em todas as
nossas ações; esse achará um eco de sua alma nestas folhas que lançamos hoje a
seus pés, e um suspiro que se harmonize com o seu suspiro.
Para bem se avaliar esta
obra, três coisas releva notar: o fim, o gênero, e a forma.
O fim deste Livro, ao menos
aquele a que nos propusemos, que ignoramos se o atingimos, é o de elevar a
Poesia à sublime fonte donde ela emana, como o eflúvio d'água, que da rocha se
precipita, e ao seu cume remonta, ou como a reflexão da luz ao corpo luminoso;
vingar ao mesmo tempo a Poesia das profanações do vulgo, indicando apenas no
Brasil uma nova estrada aos futuros engenhos.
A Poesia, este aroma d'alma, deve de contínuo subir ao Senhor; som acorde da inteligência deve santificar as virtudes, e amaldiçoar os vícios. O poeta, empunhando a lira da Razão, cumpre-lhe vibrar as cordas eternas do Santo, do Justo, e do Belo.
A Poesia, este aroma d'alma, deve de contínuo subir ao Senhor; som acorde da inteligência deve santificar as virtudes, e amaldiçoar os vícios. O poeta, empunhando a lira da Razão, cumpre-lhe vibrar as cordas eternas do Santo, do Justo, e do Belo.
Ora, tal não tem sido o fim
da maior parte dos nossos poetas; e o mesmo Caldas, o primeiro dos nossos
líricos, tão cheio de saber, e que pudera ter sido o reformador da nossa
Poesia, nos seus primores d'arte, nem sempre se apoderou desta idéia. Compõe-se
uma grande parte de suas obras de traduções; e quando ele é original causa
mesmo dó que cantasse o homem selvagem de preferência ao homem civilizado, como
se aquele a este superasse, como se a civilização não fosse obra de Deus, a que
era o homem chamado pela força da inteligência com que a Providência dos mais
seres o distinguira!
Outros apenas curaram de
falar aos sentidos; outros em quebrar todas as leis da decência!
Seja qual for o lugar em
que se ache o poeta, ou apunhalado pelas dores, ou ao lado de sua bela,
embalado pelos prazeres; no cárcere, como no palácio; na paz, como sobre o
campo da batalha, se ele é verdadeiro poeta, jamais deve esquecer-se de sua
missão, e acha sempre o segredo de encantar os sentidos, vibrar as cordas do
coração, e elevar o pensamento nas asas da harmonia até às idéias arquétipas.
O poeta sem religião, e sem
moral, é como o veneno derramado na fonte, onde morrem quantos aí procuram
aplacar a sede.
Ora, nossa religião, nossa
moral é aquela que nos ensinou o Filho de Deus, aquela que civilizou o mundo
moderno, aquela que ilumina a Europa, e a América e só este bálsamo sagrado
devem verter os cânticos dos poetas brasileiros.
Uma vez determinado e
conhecido o fim, o gênero se apresenta naturalmente. Até aqui, como só se
procurava fazer uma obra segundo a Arte, imitar era o meio indicado: fingida
era a inspiração, e artificial o entusiasmo. Desprezavam os poetas a
consideração se a Mitologia podia, ou não, influir sobre nós. Contanto que
dissessem que as Musas do Hélicon os inspiravam, que Febo guiava seu carro
puxado pela quadriga, que a Aurora abria as portas do Oriente com seus dedos de
rosas, e outras tais e quejandas imagens tão usadas, cuidavam que tudo tinham
feito, e que com Homero emparelhavam; como se pudesse parecer belo quem achasse
algum velho manto grego, e com ele se cobrisse. Antigos e safados ornamentos,
de que todos se servem, a ninguém honram!
Quanto à forma, isto é, a construção, por assim dizer, material das estrofes, e de cada cântico em particular, nenhuma ordem seguimos; exprimindo as idéias como elas se apresentaram, para não destruir o acento da inspiração; além de que, a igualdade dos versos, a regularidade das rimas, e a simetria das estâncias produz uma tal monotonia, e dá certa feição de concertado artificio que jamais podem agradar. Ora, não se compõe uma orquestra só com sons doces e flautados; cada paixão requer sua linguagem própria, seus sons imitativos, e períodos explicativos.
Quando em outro tempo publicamos um volume das Poesias da nossa infância, não tínhamos ainda assaz refletido sobre estes pontos, e em quase todas estas faltas incorremos; hoje, porém, cuidamos ter seguido melhor caminho. Valha-nos ao menos o bom desejo, se não correspondem as obras ao nosso intento; outros mais mimosos da Natureza farão o que não nos é dado.
Algumas palavras acharão neste Livro que nos Dicionários Portugueses se não encontram; mas as línguas vivas se enriquecem com o progresso da civilização, e das ciências, e uma nova idéia pede um novo termo.
Quanto à forma, isto é, a construção, por assim dizer, material das estrofes, e de cada cântico em particular, nenhuma ordem seguimos; exprimindo as idéias como elas se apresentaram, para não destruir o acento da inspiração; além de que, a igualdade dos versos, a regularidade das rimas, e a simetria das estâncias produz uma tal monotonia, e dá certa feição de concertado artificio que jamais podem agradar. Ora, não se compõe uma orquestra só com sons doces e flautados; cada paixão requer sua linguagem própria, seus sons imitativos, e períodos explicativos.
Quando em outro tempo publicamos um volume das Poesias da nossa infância, não tínhamos ainda assaz refletido sobre estes pontos, e em quase todas estas faltas incorremos; hoje, porém, cuidamos ter seguido melhor caminho. Valha-nos ao menos o bom desejo, se não correspondem as obras ao nosso intento; outros mais mimosos da Natureza farão o que não nos é dado.
Algumas palavras acharão neste Livro que nos Dicionários Portugueses se não encontram; mas as línguas vivas se enriquecem com o progresso da civilização, e das ciências, e uma nova idéia pede um novo termo.
Eis as necessárias
explicações para aqueles que lêem de boa fé, e se aprazem de colher uma pérola
no meio das ondas; para aqueles, porém, que com olhos de prisma tudo decompõem,
e como as serpentes sabem converter em veneno até o néctar das flores, tudo é
perdido; o que poderemos nós dizer-lhes?.. . Eis mais uma pedra onde afiem suas
presas; mais uma taça onde saciem sua febre de escárnio.
Este Livro é uma tentativa,
é um ensaio; se ele merecer o público acolhimento, cobraremos ânimo, e
continuaremos a publicar outros que já temos feito, e aqueles que fazer poderemos
com o tempo.
É um novo tributo que
pagamos à Pátria, enquanto lhe não oferecemos coisa de maior valia; é o
resultado de algumas horas de repouso, em que a imaginação se dilata, e a
atenção descansa, fatigada pela seriedade da ciência.
Tu vais, oh Livro, ao meio
do turbilhão em que se debate nossa Pátria; onde a trombeta da mediocridade
abala todos os ossos, e desperta todas as ambições; onde tudo está gelado,
exceto o egoísmo: tu vais, como uma folha no meio da floresta batida pelos
ventos do inverno, e talvez tenhas de perder-te antes de ser ouvido, como um
grito no meio da tempestade.
Vai; nós te enviamos, cheio
de amor pela Pátria, de entusiasmo por tudo o que é grande, e de esperanças em
Deus, e no futuro.
Adeus!
Paris, julho de 1836.
Paris, julho de 1836.
Antônio Gonçalves Dias nasceu em 10 de agosto de 1823, no sítio Boa Vista,
em terras de Jatobá, a 14 léguas de Caxias. Aos 41 anos morreu em um naufrágio do
navio Ville Bologna próximo a região de Baixos dos Atins no
município de Tut,
próximo aos Lençóis maranhenses,
em 3 de novembro de1864. Apesar de ser Advogado de
formação é conhecido muito mais comoPoeta e etnógrafo,
tendo uma relevância para o teatro brasileiro, tendo escrito quatro teatrólogo.
Teve uma atuação muito importante enquanto Jornalista.
Era filho de uma união não oficializada entre um
comerciante português com uma mestiça (o que muito o orgulhava de ter
o sangue das três raças formadoras do povo brasileiro: branca, indígena e negra,
e estudou inicialmente por um ano com o professor José Joaquim de Abreu, quando
começou a trabalhar como caixeiro e a tratar da escrituração da loja de seu
pai, que veio a falecer em 1837.
Iniciou seus estudos de latim, francês e filosofia em 1835 quando foi
matriculado em uma escola particular.
Foi estudar na Europa,
em Portugal em 1838 onde terminou os
estudos secundários e ingressou na Faculdade de Direito daUniversidade de Coimbra (1840), retornando em 1845, após bacharelar-se.
Mas antes de retornar, ainda em Coimbra,
participou dos grupos medievistas da Gazeta Literária e de O Trovador,
compartilhando das ideias românticas de Almeida
Garrett, Alexandre Herculano e Antonio Feliciano de Castilho. Por se
achar tanto tempo fora de sua pátria inspira-se para escrever a Canção do exílio e parte dos poemas de
"Primeiros cantos" e "Segundos cantos"; o drama Patkull; e
"Beatriz de Cenci", depois rejeitado por sua condição de texto
"imoral" pelo Conservatório Dramático do Brasil. Foi ainda neste
período que escreveu fragmentos do romance biográfico "Memórias de Agapito
Goiaba", destruído depois pelo próprio poeta, por conter alusões a pessoas
ainda vivas.
No ano seguinte ao seu retorno conheceu aquela que
seria sua grande musa inspiradora: Ana Amélia Ferreira Vale. Várias de suas
peças românticas, inclusive “Ainda uma vez — Adeus”
foram escritas para ela. Nesse mesmo ano ele viajou para o Rio de Janeiro,
então capital do Brasil, onde trabalhou como professor de história e latim doColégio Pedro II, além de ter atuado como
jornalista, contribuindo para diversos periódicos: Jornal do Commercio, Gazeta
Oficial, Correio da Tarde e Sentinela da Monarquia, publicando crônicas,
folhetins teatrais e crítica literária.
Em 1849 fundou com Manuel de Araújo Porto-Alegre e Joaquim Manuel de Macedo a revista
Guanabara, que divulgava o movimento romântico da época. Em 1851 voltou a São Luís do Maranhão,
a pedido do governo para estudar o problema da instrução pública naquele
estado.
Gonçalves Dias pediu Ana Amélia em casamento
em 1852,
mas a família dela, em virtude da ascendência mestiça do escritor, refutou veementemente
o pedido. No mesmo ano retornou ao Rio de Janeiro, onde casou-se com Olímpia da
Costa. Logo depois foi nomeado oficial da Secretaria dos Negócios Estrangeiros.
Passou os quatro anos seguintes na Europa realizando pesquisas em prol da
educação nacional. Voltando ao Brasil foi convidado a participar da Comissão
Científica de Exploração, pela qual viajou por quase todo o norte do país.
Voltou à Europa em 1862 para um
tratamento de saúde. Não obtendo resultados retornou ao Brasil em 1864 no navio Ville
de Boulogne, que naufragou na costa brasileira; salvaram-se todos, exceto o
poeta que foi esquecido agonizando em seu leito e se afogou. O acidente ocorreu
nos Baixos de Atins, perto de Tutóia no Maranhão.
Sua obra pode ser enquadrada no Romantismo.
Procurou formar um sentimento nacionalista ao incorporar assuntos, povos e
paisagens brasileiras na literatura nacional. Ao lado de José de Alencar,
desenvolveu o Indianismo.Por sua importância na história da literatura
brasileira, podemos dizer que Gonçalves Dias incorporou uma ideia de Brasil à
literatura nacional.
O grande amor: Ana
Amélia
Por ocasião da elaboração da antologia poética da
fase romântica, elaborada por Manuel
Bandeira, Onestaldo de Pennafortgentilmente
escreveu a nota que segue, retirada daquela obra e aqui transcrita:
A poesia 'Ainda uma vez — adeus!', bem como as
poesias 'Palinódia' e 'Retratação', foram inspiradas por Ana Amélia Ferreira do
Vale, cunhada do Dr. Teófilo Leal,
ex-condiscípulo do poeta em Portugal e seu grande amigo. Gonçalves Dias viu-a
pela primeira vez em 1846no Maranhão.
Era uma menina quase, e o poeta, fascinado pela sua beleza e graça juvenil,
escreveu para ela as poesias 'Seus olhos' e 'Leviana'. Vindo para o Rio, é
possível que essa primeira impressão tenha desaparecido do seu espírito. Mais
tarde, porém, em 1851,
voltando a S. Luís, viu-a de novo, e já então a menina e moça de 46 se fizera
mulher, no pleno esplendor da sua beleza desabrochada. O encantamento de
outrora se transformou em paixão ardente, e, correspondido com a mesma
intensidade de sentimento, o poeta, vencendo a timidez, pediu-a em casamento à
família. A família da linda Don'Ana — como lhe chamavam — tinha o poeta em
grande estima e admiração. Mais forte, porém, do que tudo, era naquele tempo
no Maranhão o
preconceito de raça e casta. E foi em nome desse preconceito que a família
recusou o seu consentimento. Por seu lado, o poeta, colocado diante das duas
alternativas: renunciar ao amor ou à amizade, preferiu sacrificar aquela a
esta, levado por um excessivo escrúpulo de honradez e lealdade, que revela nos
mínimos atos de sua vida. Partiu para Portugal. Renúncia tanto mais dolorosa e
difícil por que a moça que estava resolvida a abandonar a casa paterna para
fugir com ele, o exprobrou em carta, dura e amargamente, por não ter tido a
coragem de passar por cima de tudo e de romper com todos para desposá-la! E foi
em Portugal,
tempos depois, que recebeu outro rude golpe: Don'Ana, por capricho e acinte à
família, casara-se com um comerciante, homem também de cor como o poeta e nas
mesmas condições inferiores de nascimento. A família se opusera tenazmente ao
casamento, mas desta vez o pretendente, sem medir considerações para com os
parentes da noiva, recorreu à justiça, que lhe deu ganho de causa, por ser
maior a moça. Um mês depois falia, partindo com a esposa para Lisboa, onde o
casal chegou a passar até privações. Foi aí, em Lisboa, num
jardim público, que certa vez se defrontaram o poeta e a sua amada, ambos
abatidos pela dor e pela desilusão de suas vidas, ele cruelmente arrependido de
não ter ousado tudo, de ter renunciado àquela que com uma só palavra sua se lhe
entregaria para sempre. Desvairado pelo encontro, que lhe reabrira as feridas e
agora de modo irreparável, compôs de um jato as estrofes de 'Ainda uma vez —
adeus!', as quais, uma vez conhecidas da sua inspiradora, foram por esta copiadas
com o seu próprio sangue.
Julgamento
crítico
"Os primeiros cantos são um belo
livro; são inspirações de um grande poeta. A terra de Santa Cruz,
que já conta outros no seu seio, pode abençoar mais um ilustre filho. O autor,
não o conhecemos; mas deve ser muito jovem. Tem os defeitos do escritos ainda
pouco amestrado pela experiência: imperfeições de língua, de metrificação, de
estilo. Que importa? O tempo apagará essas máculas, e ficarão as nobres
inspirações estampadas nas páginas deste formoso livro.
Abstenho-me de outras citações, que ocupariam
demasiado espaço, não posso resistir à tentação de transcrever das Poesias
Diversas uma das mais mimosas composições líricas que tenho lido na
minha vida. (Aqui vinha transcrita a poesia Seus Olhos.) Se estas
poucas linhas, escritas de abundância de coração, passarem, os mares, receba o
autor dos Primeiros Cantos testemunho sincero de simpatia, que
não costuma nem dirigir aos outros elogios encomendados nem pedi-los para
si"[8].
"Gonçalves Dias é o poeta nacional por
excelência: ninguém lhe disputa na opulência da imaginação, no fino lavor do
verso, no conhecimento da natureza brasileira e dos seus costumes
selvagens" (Iracema)
"Depois de escrita a revista, chegou a notícia
da morte de Gonçalves Dias, o grande poeta dos Cantos e
dos Timbiras. A poesia nacional cobre-se, portanto, de luto. Era
Gonçalves Dias o seu mais prezado filho, aquele que de mais louçania a cobriu.
Morreu no mar-túmulo imenso para talento. Só me resta espaço para aplaudir a
ideia que se vai realizar na capital do ilustre poeta. Não é um monumento
para Maranhão,
é um monumento para o Brasil. A nação inteira deve concorrer para ele. (Crônicas
emDiário do Rio de Janeiro, de 9 de novembro de 1894.)
Obras
Poesia
§ 1846: Primeiros Cantos, Rio
de Janeiro, Laemmert.
§ 1848: Segundos Cantos, Rio
de Janeiro, Ferreira Monteiro.
§ 1851: Últimos Cantos, Rio de
Janeiro, Paula Brito.
§ 1857: Os Timbiras,
Leipzig, Brockhaus
§ 1857: Cantos, Leipzig, Brockhaus. (contendo
todos os cantos anteriores e mais 16 novas composições sob o título de ‘’Novos
Cantos’’).
§ 1969: Lira Varia , in
“Obras Póstumas’’, 1869. (poesias inéditas).
Teatro
§ 1845: Beatriz Cenci, in
“Obras Póstumas’’, 1869.
§ 1846: Leonor de Mendonça,
Rio de Janeiro, Villeneuve & Cia, 1847.
§ 1850: Boabdil, in “Obras Póstumas’’, 1869.
Romance
§ 1850: Meditação (fragmento), in Guanabara,
Rio de Janeiro, Tip. Guanabarense. Apareceria completo in “Obras Póstumas’’,
1869.
§ 1843: Memórias de Agapito,
in “Obras Póstumas’’, 1869.
Dicionário
§ 1858: Dicionário da língua Tupi,
Leipzig, Brockhaus.
Etnografia e História
§ 1846: O Brasil e Oceania, in
“Obras Póstumas’’, 1869.
§ 1869: História Pátria, in
“Obras Póstumas’’, 1869. (trata-se de uma coleção de críticas selecionadas cujo
título História Pátria é atribuída pelo organizador.
Falsas atribuições
§ Segura o Índio louco é um título que vem sendo falsamente
atribuído à Gonçalves Dias através da web internet,
entretanto não existem fontes que comprovem a sua existência, nem se terá
existido. Todas as obras do poeta foram publicadas por ele próprio ou
postumamente as inéditas numa organização do seu amigo Antônio Henriques Leal à custódia da
esposa do poeta[9].
Obras primas
§ Canção do Exílio in Primeiros Cantos’’.
§ Ainda uma vez – Adeus” in Cantos’’.
§ Sextilhas de Frei Antão in Segundos Cantos’’.
§ I-Juca-Pirama in Últimos Cantos’
A Poesia de Gonçalves Dias
1. Poesia
fortemente marcada pela temática e proposta estética da fase inicial do
Romantismo, a poesia desse autor abre caminho para a necessidade de formação de
nossa identidade cultural através da busca de nossas raízes históricas.
2. O poeta
apresenta uma poesia voltada para os valores medievais.
3. As variadas
temáticas do autor reforçam a ideia de liberdade de expressão defendida pelos
românticos.
4. A criação do
herói, a valorização do passado, dos valores nacionais, o lirismo amoroso,
fazem parte das propostas estéticas e temáticas do autor.
Marabá
Eu vivo sozinha, ninguém me procura!
Acaso feitura
Não sou de Tupá!
Se algum dentre os homens de mim não se esconde:
"Tu és", me responde,
"Tu és Marabá!"
Meus olhos são garços, são cor das safiras,
Têm luz das estrelas, têm meigo brilhar;
Imitam as nuvens de um céu anilado,
As cores imitam das vagas do mar!
Se algum dos guerreiros não foge a meus passos:
"Teus olhos são garços"
Responde anojado, "mas és Marabá:
"Quero antes uns olhos bem pretos, luzentes,
"Uns olhos fulgentes,
"Bem pretos, retintos, não cor d'anajá!"
É alvo meu rosto da alvura dos lírios,
Da cor das areias batidas do mar;
As aves mais brancas, as conchas mais puras
Não têm mais alvura, não têm mais brilhar.
Se ainda me escuta meus agros delírios:
"És alva de lírios",
Sorrindo responde, "mas és Marabá:
"Quero antes um rosto de jambo corado,
"Um rosto crestado
"Do sol do deserto, não flor de cajá."
Meu colo de leve se encurva engraçado,
Como hástea pendente do cáctus em flor;
Mimosa, indolente, resvalo no prado,
Como um soluçado suspiro de amor!
"Eu amo a estatura flexível, ligeira,
Qual duma palmeira",
Então me respondem; "tu és Marabá:
"Quero antes o colo da ema orgulhosa,
Que pisa vaidosa,
"Que as flóreas campinas governa, onde está."
Meus loiros cabelos em ondas se anelam,
O oiro mais puro não tem seu fulgor;
As brisas nos bosques de os ver se enamoram
De os ver tão formosos como um beija-flor!
Mas eles respondem: "Teus longos cabelos,
"São loiros, são belos,
"Mas são anelados; tu és Marabá:
"Quero antes cabelos, bem lisos, corridos,
"Cabelos compridos,
"Não cor d'oiro fino, nem cor d'anajá,"
E as doces palavras que eu tinha cá dentro
A quem nas direi?
O ramo d'acácia na fronte de um homem
Jamais cingirei:
Jamais um guerreiro da minha arazóia
Me desprenderá:
Eu vivo sozinha, chorando mesquinha,
Que sou Marabá!
(DI AS, Gonçalves. Marabá. I n: Poesia lírica eindianista. Apresentação Márcia Lígia Guidin. SérieBom Livro, 1ª edição. Ed. Ática. S. Paulo, 2003, p.89-91)
Desejo
Ah! que eu não morra sem provar, ao menos
Sequer por um instante, nesta vidaAmor igual ao meu!
Dá, Senhor Deus, que eu sobre a terra encontre
Um anjo, uma mulher, uma obra tua,
Que sinta o meu sentir;
Uma alma que me entenda, irmã da minha,
Que escute o meu silêncio, que me siga
Dos ares na amplidão!
Que em laço estreito unidas, juntas, presas,
Deixando a terra e o lodo, aos céus remontem
Num êxtase de amor!"
(DI AS, Gonçalves. Desejo. I n: Poesia lírica eindianista. Apresentação Márcia Lígia Guidin.
SérieBom Livro, 1ª edição. Ed. Ática. S. Paulo, 2003, p.89-91)
O Canto do Índio
Quando o sol vai
dentro d'água
Seus ardores
sepultar,
Quando os pássaros
nos bosques
Principiam a
trinar;
Eu a vi, que se
banhava...
Era bela, ó
Deuses, bela,
Como a fonte
cristalina,
Como luz de meiga
estrela.
Ó Virgem, Virgem
dos Cristãos formosa,
Porque eu te visse
assim, como te via,
Calcara agros
espinhos sem queixar-me,
Que antes me dera
por feliz de ver-te.
O tacape fatal em
terra estranha
Sobre mim sem
temor veria erguido
Dessem-me a mim
somente ver teu rosto
Nas águas, como a
lua, retratado.
Eis que os seus
loiros cabelos
Pelas águas se
espalhavam,
Pelas águas, que
de vê-los
Tão loiros se
enamoravam.
Ela erguia o colo
ebúrneo,
Por que melhor os
colhesse;
Níveo colo, quem
te visse,
Que de amores não
morresse!
Passara a vida
inteira a contemplar-te,
Ó Virgem, loira
Virgem tão formosa,
Sem que dos meus
irmãos ouvisse o canto,
Sem que o som do
Boré que incita à guerra
Me infiltrasse o
valor que m'hás roubado,
Ó Virgem, loira
Virgem tão formosa.
As vezes, quando
um sorriso
Os lábios seus
entreabria,
Era bela, oh! mais
que a aurora
Quando a raiar
principia.
Outra vez - dentre
os seus lábios
Uma voz se
desprendia;
Terna voz, cheia
de encantos,
Que eu entender
não podia.
Que importa? Esse
falar deixou-me n'alma
Sentir d'amores
tão sereno e fundo,
Que a vida me
prendeu, vontade e força
Ah! que não
queiras tu viver comigo,
Ó Virgem dos
Cristãos, Virgem formosa!
Sobre a areia, já
mais tarde,
Ela surgiu toda
nua;
Onde há, ó Virgem,
na terra
Formosura como a
tua!?
Bem como gotas de
orvalho
Nas folhas de flor
mimosa,
Do seu corpo a
onda em fios
Se deslizava
amorosa.
Ah! que não
queiras tu vir ser rainha
Aqui dos meus
irmãos, qual sou rei deles!
Escuta, ó Virgem
dos Cristãos formosa.
Odeio tanto aos
teus, como te adoro;
Mas queiras tu ser
minha, que eu prometo
Vencer por teu
amor meu ódio antigo,
Trocar a maça do
poder por ferros
E ser, por te
gozar, escravo deles.
(DI AS, Gonçalves.
O canto do índio. I n: Poesia líricae indianista. Apresentação Márcia Lígia
Guidin. SérieBom Livro, 1ª edição. Ed. Ática. S. Paulo, 2003, p.89-91)
Canção do Tamoio
(Natalícia)
Não chores, meu filho
Não chores, meu filho
Não chores, que a
vida
É luta renhida:
Viver é lutar.
A vida é combate,
Que os fracos
abate,
Que os fortes, os
bravos,
Só pode exaltar.
II
Um dia vivemos!
Um dia vivemos!
O homem que é
forte
Não teme da morte;
Só teme fugir;
No arco que entesa
Tem certa uma
presa,
Quer seja tapuia,
Condor ou tapir.
(...)
III
Domina, se vive;
III
Domina, se vive;
Se morre, descansa
Dos seus na
lembrança,
Na voz do porvir.
Não cures da vida!
Sê bravo, sê
forte!
Não fujas da
morte,
Que a morte há de
vir!
(DI AS, Gonçalves.
Canção do Tamaio. I n: Poesialírica e indianista. Apresentação Márcia Lígia
Guidin.Série Bom Livro, 1ª edição. Ed. Ática. S. Paulo, 2003,p. 89-91)
(ITA-97) - Atente para o texto abaixo:
Tupã, ó Deus
grande! Cobriste o teu rosto
Com denso velame
de penas gentis;
E jazem teus
filhos clamando vingança
Dos bens que lhes
deste da perda infeliz!
Tupã, ó Deus
grande! Teu rosto descobre;
Bastante sofremos
com tua vingança!
Já lágrimas
tristes choram teus filhos,
Teus filhos que
choram tão grande mudança.
Anhangá impiedoso
nos trouxe de longe
Os homens que raio
manejam cruentos,
Que vivem sem
pátria, que vagam sem tino
Trás do ouro
correndo, vorazes, sedentos.
E a terra em que
pisam e os campos e os rios
Que assaltam, são
nossos; tu és nosso deus:
Por que lhe
concedes tão alta pujança,
Se os raios de
morte que vibram são teus?
(DI AS, Gonçalves.
Deprecaçãoi. In: Poesia lírica eindianista. Apresentação Márcia Lígia Guidin.
SérieBom Livro, 1ª edição. Ed. Ática. S. Paulo, 2003, p.89-91)
Gonçalves Dias, Manuel de Araujo Porto Alegre e Gonçalves de Magalhães. |
Ainda Uma Vez Adeus
I
Enfim te vejo! -
enfim posso,
Curvado a teus
pés, dizer-te,
Que não cessei de
querer-te,
Pesar de quanto
sofri.
Muito penei! Cruas
ânsias,
Dos teus olhos
afastado,
Houveram-me
acabrunhado
A não lembrar-me
de ti!
II
Dum mundo a outro
impelido,
Derramei os meus
lamentos
Nas surdas asas
dos ventos,
Do mar na crespa
cerviz!
Baldão, ludíbrio
da sorte
Em terra estranha,
entre gente,
Que alheios males
não sente,
Nem se condói do
infeliz!
III
Louco, aflito, a
saciar-me
D'agravar minha
ferida,
Tomou-me tédio da
vida,
Passos da morte
senti;
Mas quase no passo
extremo,
No último arcar da
esperança,
Tu me vieste à
lembrança:
Quis viver mais e
vivi!
IV
Vivi; pois Deus me
guardava
Para este lugar e
hora!
Depois de tanto,
senhora,
Ver-te e falar-te
outra vez;
Rever-me em teu
rosto amigo,
Pensar em quanto
hei perdido,
E este pranto
dolorido
Deixar correr a
teus pés.
V
Mas que tens? Não
me conheces?
De mim afastas teu
rosto?
Pois tanto pôde o
desgosto
Transformar o
rosto meu?
Sei a aflição
quanto pode,
Sei quanto ela
desfigura,
E eu não vivi na
ventura...
Olha-me bem, que
sou eu!
(...)
IX
Que me enganei,
ora o vejo;,,
Nadam-te os olhos
em pranto,
Arfa-te o peito, e
no entanto
Nem me podes
encarar;
Erro foi, mas não
foi crime,
Não te esqueci, eu
to juro:
Sacrifiquei meu
futuro,
Vida e glória por
te amar!
X
Tudo, tudo; e na
miséria
Dum martírio
prolongado,
Lento, cruel,
disfarçado,
Que eu nem a ti
confiei;
"Ela é feliz
(me dizia)
"Seu descanso
é obra minha."
Negou-me a sorte
mesquinha...
Perdoa, que me
enganei!
(...)
XV
És doutro agora, e
pr'a sempre!
Eu a mísero
desterro
Volto, chorando o
meu erro,
Quase descrendo
dos céus!
Dói-te de mim,
pois me encontras
Em tanta miséria
posto,
Que a expressão
deste desgosto,
Será um crime ante
Deus!
XVI
Dói-te de mim, que
t'imploro
Perdão, a teus pés
curvado;
Perdão!... de não
ter ousado
Viver contente e
feliz!
Perdão da minha
miséria,
Da dor que me rala
o peito,
E se do mal que te
hei feito,
Também do mal que
me fiz!
XVII
Adeus qu'eu parto,
senhora;
Negou-me o fado
inimigo
Passar a vida
contigo,
Ter sepultura
entre os meus;
Negou-me nesta
hora extrema,
Por extrema
despedida,
Ouvir-te a voz
comovida
Soluçar um breve
Adeus!
XVIII
Lerás porém algum
dia
Meus versos d'alma
arrancados,
D'amargo pranto
banhados,
Com sangue
escritos; - e então
Confio que te
comovas,
Que a minha dor te
apiade
Que chores, não de
saudade,
Nem de amor, - de
compaixão.
I - Juca-Pirama
No meio das tabas
de amenos verdores,
Cercadas de
troncos
cobertos de
flores,
Alteiam-se os
tetos d altiva nação;
São muitos seus
filhos, nos ânimos fortes,
Temíveis na
guerra, que em densas coortes
Assombram das
matas a imensa extensão.
São rudos,
severos, sedentos de glória,
Já prélios
incitam, já cantam vitória,
Já meigos atendem
à voz do cantor:
São todos
Timbiras, guerreiros valentes!,
Seu nome lá voa na
boca das gentes,
Condão de
prodígios, de glória e terror!
As tribos vizinhas,
sem forças, sem brio,
As armas
quebrando, lançando-as ao rio,
O incenso
aspiraram dos seus maracás:
Medrosos das
guerras que os fortes acendem,
Custosos tributos
ignavos lá rendem,
Aos duros
guerreiros sujeitos na paz.
No centro da taba
se estende um terreiro,
Onde ora se aduna
o concílio guerreiro
Da tribo senhora,
das tribos servis:
Os velhos sentados
praticam d outrora,
E os moços inquietos,
que a festa enamora,
Derramam-se em
torno dum índio infeliz.
Quem é? ninguém sabe:
seu nome é ignoto,
Sua tribo não diz:
de um povo remoto
Descende por certo
dum povo gentil;
Assim lá na Grécia
ao escravo insulano
Tornavam distinto
do vil muçulmano
As linhas corretas
do nobre perfil.
Por casos de
guerra caiu prisioneiro
Nas mãos dos Timbiras:
no extenso terreiro
Assola-se o teto,
que o teve em prisão;
Convidam-se as
tribos dos seus arredores,
Cuidosos se
incubem do vaso das cores,
Dos vários
aprestos da honrosa função.
Acerva-se a lenha
da vasta fogueira
Entesa-se a corda
da embira ligeira,
Adorna-se a maça
com penas gentis:
A custo, entre as
vagas do povo da aldeia
Caminha o Timbira,
que a turba rodeia,
Garboso nas plumas
de vário matiz.
Em tanto as
mulheres com leda trigança,
Afeitas ao rito da
bárbara usança,
O índio já querem
cativo acabar:
A coma lhe cortam,
os membros lhe tingem,
Brilhante enduape
no corpo lhe cingem,
Sombreia-lhe a
fronte gentil canitar,
(...)
III
Em larga roda de
novéis guerreiros
Ledo caminha o
festival Timbira,
A quem do
sacrifício cabe as honras,
Na fronte o canitar
sacode em ondas,
O enduape na cinta
se embalança,
Na destra mão
sopesa a iverapeme,
Orgulhoso e
pujante. Ao menor passo
Colar d alvo
marfim, insígnia d honra,
Que lhe orna o
colo e o peito, ruge e freme,
Como que por
feitiço não sabido
Encantadas ali as
almas grandes
Dos vencidos
Tapuias, inda chorem
Serem glória e
brasão d imigos feros.
"Eis-me aqui",
diz ao índio prisioneiro;
"Pois que
fraco, e sem tribo, e sem família,
"As nossas
matas devassaste ousado,
"Morrerás
morte vil da mão de um forte."
Vem a terreiro o
mísero contrário;
Do colo à cinta a
muçurana desce:
"Dize-nos
quem és, teus feitos canta,
"Ou se mais
te apraz, defende-te." Começa
O índio, que ao
redor derrama os olhos,
Com triste voz que
os ânimos comove.
IV
Meu canto de
morte,
Guerreiros, ouvi:
Sou filho das
selvas,
Nas selvas cresci;
Guerreiros,
descendo
Da tribo tupi.
Da tribo pujante,
Que agora anda
errante
Por fado
inconstante,
Guerreiros, nasci;
Sou bravo, sou
forte,
Sou filho do
Norte;
Meu canto de
morte,
Guerreiros, ouvi.
Já vi cruas
brigas,
De tribos imigas,
E as duras fadigas
Da guerra provei;
Nas ondas mendaces
Senti pelas faces
Os silvos fugaces
Dos ventos que
amei.
Andei longes
terras
Lidei cruas
guerras,
Vaguei pelas
serras
Dos vis Aimoréis;
Vi lutas de
bravos,
Vi fortes escravos!
De estranhos
ignavos
Calcados aos pés.
E os campos
talados,
E os arcos
quebrados,
E os piagas
coitados
Já sem maracás;
E os meigos
cantores,
Servindo a
senhores,
Que vinham
traidores,
Com mostras de
paz.
Aos golpes do
imigo,
Meu último amigo,
Sem lar, sem
abrigo
Caiu junto a mi!
Com plácido rosto,
Sereno e composto,
O acerbo desgosto
Comigo sofri.
Meu pai a meu lado
Já cego e
quebrado,
De penas ralado,
Firmava-se em mi:
Nós ambos,
mesquinhos,
Por ínvios
caminhos,
Cobertos d
espinhos
Chegamos aqui!
O velho no entanto
Sofrendo já tanto
De fome e
quebranto,
Só queria morrer!
Não mais me
contenho,
Nas matas me
embrenho,
Das frechas que
tenho
Me quero valer.
Então, forasteiro,
Caí prisioneiro
De um troço
guerreiro
Com que me
encontrei:
O cru dessossêgo
Do pai fraco e
cego,
Enquanto não chego
Qual seja, dizei!
Eu era o seu guia
Na noite sombria,
A só alegria
Que Deus lhe
deixou:
Em mim se apoiava,
Em mim se firmava,
Em mim descansava,
Que filho lhe sou.
Ao velho coitado
De penas ralado,
Já cego e quebrado,
Que resta? Morrer.
Enquanto descreve
O giro tão breve
Da vida que teve,
Deixai-me viver!
Não vil, não
ignavo,
Mas forte, mas
bravo,
Serei vosso
escravo:
Aqui virei ter.
Guerreiros, não
coro
Do pranto que
choro:
Se a vida deploro,
Também sei morrer.
(...)
VII
"Por amor de
um triste velho,
Que ao termo fatal
já chega,
Vós, guerreiros,
concedestes
A vida a um
prisioneiro.
Ação tão nobre vos honra,
Ação tão nobre vos honra,
Nem tão alta
cortesia
Vi eu jamais
praticada
Entre os Tupis, e
mas foram
Senhores em
gentileza.
"Eu porém
nunca vencido,
Nem nos combates
por armas,
Nem por nobreza
nos atos;
Aqui venho, e o
filho trago.
Vós o dizeis
prisioneiro,
Seja assim como
dizeis;
Mandai vir a
lenha, o fogo,
A maça do
sacrifício
E a muçurana
ligeira:
Em tudo o rito se
cumpra!
E quando eu for só
na terra,
Certo acharei
entre os vossos,
Que tão gentis se
revelam,
Alguém que meus
passos guie;
Alguém, que vendo
o meu peito
Coberto de
cicatrizes,
Tomando a vez de
meu filho,
De haver-me por
pai se ufane!"
Mas o chefe dos
Timbiras,
Os sobrolhos
encrespando,
Ao velho Tupi
guerreiro
Responde com tôrvo
acento:
Nada farei do que
dizes:
É teu filho imbele
e fraco!
Aviltaria o
triunfo
Da mais guerreira
das tribos
Derramar seu
ignóbil sangue:
Ele chorou de
cobarde;
Nós outros, fortes
Timbiras,
Só de heróis fazemos
pasto.
Do velho Tupi
guerreiro
A surda voz na
garganta
Faz ouvir uns sons
confusos,
Como os rugidos de
um tigre,
Que pouco a pouco
se assanha!
VIII
"Tu choraste
em presença da morte?
Na presença de
estranhos choraste?
Não descende o
cobarde do forte;
Pois choraste, meu
filho não és!
Possas tu,
descendente maldito
De uma tribo de
nobres guerreiros,
Implorando cruéis
forasteiros,
Seres presa de vis
Aimorés.
"Possas tu,
isolado na terra,
Sem arrimo e sem
pátria vagando,
Rejeitado da morte
na guerra,
Rejeitado dos
homens na paz,
Ser das gentes o
espectro execrado;
Não encontres amor
nas mulheres,
Teus amigos, se
amigos tiveres,
Tenham alma
inconstante e falaz!
"Não
encontres doçura no dia,
Nem as cores da
aurora te ameiguem,
E entre as larvas
da noite sombria
Nunca possas
descanso gozar:
Não encontres um
tronco, uma pedra,
Posta ao sol,
posta às chuvas e aos ventos,
Padecendo os
maiores tormentos,
Onde possas a
fronte pousar.
"Que a teus
passos a relva se torre;
Murchem prados, a
flor desfaleça,
E o regato que
límpido corre,
Mais te acenda o
vesano furor;
Suas águas
depressa se tornem,
Ao contacto dos
lábios sedentos,
Lago impuro de
vermes nojentos,
Donde fujas com
asco e terror!
"Sempre o
céu, como um teto incendido,
Creste e punja
teus membros malditos
E oceano de pó
denegrido
Seja a terra ao
ignavo tupi!
Miserável,
faminto, sedento,
Manitôs lhe não
falem nos sonhos,
E do horror os
espectros medonhos
Traga sempre o
cobarde após si.
"Um amigo não
tenhas piedoso
Que o teu corpo na
terra embalsame,
Pondo em vaso d
argila cuidoso
Arco e frecha e
tacape a teus pés!
Sê maldito, e
sozinho na terra;
Pois que a tanta
vileza chegaste,
Que em presença da
morte choraste,
Tu, cobarde, meu
filho não és."
(...)
X
Um velho Timbira,
coberto de glória,
Guardou a memória
Do moço guerreiro,
do velho Tupi!
E à noite, nas
tabas, se alguém duvidava
Do que ele
contava,
Dizia prudente:
"Meninos, eu vi!
"Eu vi o
brioso no largo terreiro
Cantar prisioneiro
Seu canto de
morte, que nunca esqueci:
Valente, como era,
chorou sem ter pejo;
Parece que o vejo,
Que o tenho nest
hora diante de mi.
"Eu disse
comigo: Que infâmia d escravo!
Pois não, era um
bravo;
Valente e brioso,
como ele, não vi!
E à fé que vos
digo: parece-me encanto
Que quem chorou
tanto,
Tivesse a coragem
que tinha o Tupi!"
Assim o Timbira,
coberto de glória,
Guardava a memória
Do moço guerreiro,
do velho Tupi.
E à noite nas
tabas, se alguém duvidava
Do que ele
contava,
Tornava prudente:
"Meninos, eu vi!".
( Elaboração: Sérgio Rodrigues)
I-JUCA PIRAMA, DE GONÇALVES DIAS
Análise da obra
Gonçalves Dias publicou o livro Últimos cantos e deve ter sido escrito entre 1848 e
1851, e na obra se encontra o poema I – Juca Pirama.
I – Juca Pirama é considerada pelos
críticos como um dos mais elaborados poemas do Romantismo brasileiro.
O título do poema é tirado da língua tupi e significa, conforme explica o próprio autor, “o que há de ser morto, e que é digno de ser morto.” Embora tenha nome próprio, “Juca Pirama” não tem nada a ver com o nome do índio aprisionado pelos Timbiras.
O título do poema é tirado da língua tupi e significa, conforme explica o próprio autor, “o que há de ser morto, e que é digno de ser morto.” Embora tenha nome próprio, “Juca Pirama” não tem nada a ver com o nome do índio aprisionado pelos Timbiras.
Apesar de ter uma fama narrativa que configura o gênero épico e um
conteúdo dramatizável, predomina no poema o gênero lírico – um lirismo fácil e
espontâneo, perpassado das emoções e subjetividade do poeta. Como é próprio do
romantismo, estilo a que está ligado Gonçalves Dias, é um lirismo que brota do
coração e da “imaginação criadora” do poeta e que expressa bem o
sentimentalismo romântico. A obra é indianista e vale ressaltar a musicalidade
dos versos que é uma característica típica de Gonçalves Dias.
O poema I–Juca Pirama nos dá uma visão mais próxima do
índio, ligado aos seus costumes, idealizado e moldado ao gosto romântico. O
índio integrado no ambiente natural, e principalmente adequado a um sentimento
de honra, reflete o pensamento ocidental de honra tão típico das novelas de
cavalaria medievais - é o caso do texto Rei Arthur e a Távola Redonda. Se os
europeus podiam encontrar na Idade Média as origens da nacionalidade, o mesmo não
aconteceu com os brasileiros. Provavelmente por essa razão, a volta ao passado,
mesclada ao culto do bom selvagem, encontra na figura do indígena o símbolo
exato e adequada para a realização da pesquisa lírica e heróica do passado.
O índio é então redescoberto, embora sua recriação poética dê idéia da
redescoberta de uma raça que estava adormecida pela tradição e que foi revivida
pelo poeta. O idealismo, a etnografia fantasiada , as situações desenvolvidas
como episódios da grande gesta heróica e trágica da civilização indígena
brasileira, a qual sofre a degradação do branco conquistador e colonizador, têm
na sua forma e na sua composição reflexos da epopéia. da tragédia clássica e
dos romances de gesta da Idade Média. Assim o índio que conhecemos nos versos
bem elaborados de Gonçalves Dias é uma figura poética, um símbolo.
Gonçalves Dias centra I – Juca Pirama num estado de coisas que ganham
uma enorme importância pela inevitável transgressão cometida pelo herói,
transgressão de cunho romanesco (o choro diante da morte) que quando transposta
a literatura gera uma incrível idealização dos estados de alma. Como exemplo,
podemos citar as reações causadas pelo "suposto medo da morte". Com
isso, o autor transforma a alma indígena em correlativos dos seus próprios
movimentos, sublinhando a afetividade e o choque entre os afetos: há uma
interpenetração de afetos (amor,ódio, vingança etc.) que estabelece uma
harmonia romântica entre o ser que está sendo julgado e a sua natureza - a
natureza indígena, com a consequente preferência pelas cenas e momentos que
correspondem ao teor das emoções. Daí as avalanches de bravura e de louvor à
honra e ao caráter.
Foco narrativo
Foco narrativo
I – Juca – Pirama é narrado em 3ª pessoa por
um índio timbira que relata às gerações posteriores as proezas do guerreiro
tupi que lá esteve. A posição do narrador é distante, revelando-se onisciente e
onipresente.
O poema descreve, a partir de um “flash-back”, a estória de um índio
tupi que, por ser um bravo e corajoso guerreiro, deveria ter sua carne comida
numa cerimônia religiosa (antropofagia).
Tempo / Ação / espaço
Tempo / Ação / espaço
O autor, através do narrador timbira, não faz menção ao lugar em que
decorre a ação; sabe-se, entretanto, que os timbiras viviam no interior do
Brasil, ao contrário dos Tupis, que se localizavam no litoral.
Quanto ao tempo, não há uma indicação explícita, mas percebe-se que é a
época da colonização portuguesa, quando os índios já estavam sendo dizimados
pelo branco, como diz, no seu canto de morte, o guerreiro Tupi – um triste
remanescente “da
tribo pujante/ que agora anda errante”.
Personagens
I - Juca Pirama - típico herói romantizado, perfeito, sem mácula que desperta bons sentimentos no homem burguês leitor.
Personagens
I - Juca Pirama - típico herói romantizado, perfeito, sem mácula que desperta bons sentimentos no homem burguês leitor.
O velho tupi - simboliza a tradição secular dos índios tupis. É o pai de I – Juca
Pirama.
Os timbiras - índios ferozes e canibais.
O velho timbira - narrador e personagem ocular da estória.
Temática
O índio adequado a um forte sentimento de honra, simboliza a própria força natural do ameríndio, sua alta cultura acerca de seu povo representado no modo como este acata o rígido código de ética de seu povo.
Temática
O índio adequado a um forte sentimento de honra, simboliza a própria força natural do ameríndio, sua alta cultura acerca de seu povo representado no modo como este acata o rígido código de ética de seu povo.
O índio brasileiro é um clone do cavaleiro medieval das novelas
européias românticas como as de Walter Scott.
Estrutura da obra
A metrificação de Gonçalves Dias é bastante original, pois “menospreza
regras de mera convenção”. O poeta sempre busca a forma ideal para cada
assunto, adequando bem forma e conteúdo.
Em I – Juca – Pirama, alterna versos longos e curtos, ora para descrever (verso lento), ora para dar a impressão do rufar dos tambores no ritual indígena.
Em I – Juca – Pirama, alterna versos longos e curtos, ora para descrever (verso lento), ora para dar a impressão do rufar dos tambores no ritual indígena.
O poema nos é apresentado em dez cantos, organizados em forma de
composição épico – dramática. Todos sempre pautam pela apresentação de um índio
cujo caráter e heroísmo são salientados a cada instante.
Canto 1 - Apresentação e descrição da tribo dos Timbiras. Como está descrevendo o ambiente, o autor usa um verso mais lento e caudaloso, que é hendecassílabo (onze sílabas). A estrofe é sempre de seis versos (sextilha) e as rimas obedecem ao esquema: AA (paralelas) e BCCB (opostas ou intercaladas).
Canto 2 - Narra a festa canibalística dos timbiras e a aflição do guerreiro tupi que será sacrificado. O poeta alterna o decassílabo (dez sílabas) com o tetrassílabo (quatro sílabas), o que sugere o início do ritual com o rufar dos tambores. As estrofes são de quatro versos (quarteto) e o poeta só rima os tetrassílabos.
Canto 1 - Apresentação e descrição da tribo dos Timbiras. Como está descrevendo o ambiente, o autor usa um verso mais lento e caudaloso, que é hendecassílabo (onze sílabas). A estrofe é sempre de seis versos (sextilha) e as rimas obedecem ao esquema: AA (paralelas) e BCCB (opostas ou intercaladas).
Canto 2 - Narra a festa canibalística dos timbiras e a aflição do guerreiro tupi que será sacrificado. O poeta alterna o decassílabo (dez sílabas) com o tetrassílabo (quatro sílabas), o que sugere o início do ritual com o rufar dos tambores. As estrofes são de quatro versos (quarteto) e o poeta só rima os tetrassílabos.
Canto 3 - Apresentação do guerreiro tupi – I – Juca Pirama. Sem se preocupar com
rimas e estrofação, o poeta volta a usar o decassílabo (com algumas
irregularidades), novamente num ritmo mais lento, que se casa bem com a
apresentação feita do chefe Timbira.
Canto 4 - I - Juca Pirama aprisionado pelos Timbiras declama o seu canto de morte
e pede ao Timbiras que deixem-no ir para cuidar do pai alquebrado e cego. O
verso pentassílabo (cinco sílabas), num ritmo ligeiro, dá a impressão do rufar
dos tambores. As estrofes com exceção da primeira (sextilha), têm oito versos
(oitavas), e as rimas seguem o esquema AAA (paralelas) e BCCB (opostas e
intercaladas).
Canto 5 - Ao escutarem o canto de morte do guerreiro tupi, os timbiras entendem
ser aquilo um ato de covardia e desse modo desqualificam-no para o sacrifício.
Dando a impressão do conflito que se estabelece e refletindo o diálogo nervoso,
entre o chefe Timbira e o índio Tupi, o poeta altera o decassílabo com versos
mais ou menos livres. Não há preocupação nem com estrofes nem com rimas.
Canto 6 - O filho volta ao pai que ao pressentir o cheiro de tinta dos timbiras
que é específica para o sacrifício desconfia do filho e ambos partem novamente
para a tribo dos timbiras para sanarem ato tão vergonhoso para o povo tupi.
Reproduzindo o diálogo entre pai e filho e também a decepção daquele, o poeta
usa decassílabo juntamente com passagens mais ou menos livres. Não há preocupação
com rimas ou estrofes.
Canto 7 - Sob alegação de que os tupis são fracos, o chefe dos timbiras não
permite a consumação do ritual. Num ritmo constante, marcado pelo heptassílabo
(sete sílabas), o poeta reproduz a fala segura do pai humilhado e do chefe
Timbira. A estrofação e as rimas são livres.
Canto 8 - O pai envergonhado maldiz o suposto filho covarde. Para expressar a
maldição proferida pelo velho pai, num ritmo bem marcado e seguro, o poeta usa
o verso eneassílabo (nove sílabas), distribuindo-os em oitavas, com rimas
alternadas e paralelas.
Canto 9 - Enraivecido o guerreiro tupi lança o seu grito de guerra e derrota a
todos valentemente em nome de sua honra. Casando-se com o tom narrativo e a
reação altiva do índio Tupi, o poeta usa novamente o decassílabo com estrofação
e rimas livres.
Canto 10 - O velho Timbira ( narrador ) rende-se frente ao poder do tupi e diz a
célebre frase: "meninos, eu vi". Alternando o hendecassílabo com
pentassílabo, o poeta fecha o poema, de forma harmoniosa e ordenada, o que
reflete o fim do conflito e a serenidade dos espíritos. Casando com essa ordem
restabelecida, as estrofes vêm arrumadas em sextilhas e as rimas obedecem ao
esquema AA (paralelas) e BCCB (opostas e intercaladas).
Enredo
O poema narra o drama de I-Juca Pirama (aquele que vai morrer), último descendente da tribo tupi, que é feito prisioneiro de uma tribo inimiga. Movido pela amor filial, pois o índio tupi era arrimo de seu pai, velho e cego, I-Juca Pirama, contrariando a ética do índio, implora ao chefe dos timbiras pela sua libertação. O chefe timbira a concede, não sem antes humilhar o prisioneiro: "Não queremos com carne vil enfraquecer os fortes." Solto, o prisioneiro reencontra-se com seu pai, que percebe que o filho havia sido aprisionado e libertado. Indignado, o velho exige que ambos se dirijam à tribo timbira, onde o pai amaldiçoa violentamente o jovem guerreiro que ferido em seus brios, põe-se sozinho a lutar com os timbiras. Convencido da coragem do tupi, o chefe inimigo pode-lhe que pare a luta, reconhecendo sua bravura. Pai e filho se abraçam - estava preservada a dignidade dos tupis.
O poema narra o drama de I-Juca Pirama (aquele que vai morrer), último descendente da tribo tupi, que é feito prisioneiro de uma tribo inimiga. Movido pela amor filial, pois o índio tupi era arrimo de seu pai, velho e cego, I-Juca Pirama, contrariando a ética do índio, implora ao chefe dos timbiras pela sua libertação. O chefe timbira a concede, não sem antes humilhar o prisioneiro: "Não queremos com carne vil enfraquecer os fortes." Solto, o prisioneiro reencontra-se com seu pai, que percebe que o filho havia sido aprisionado e libertado. Indignado, o velho exige que ambos se dirijam à tribo timbira, onde o pai amaldiçoa violentamente o jovem guerreiro que ferido em seus brios, põe-se sozinho a lutar com os timbiras. Convencido da coragem do tupi, o chefe inimigo pode-lhe que pare a luta, reconhecendo sua bravura. Pai e filho se abraçam - estava preservada a dignidade dos tupis.
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