A SEGUNDA GERAÇÃO DA POESIA ROMÂNTICA 2

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CASIMIRO DE ABREU

Casimiro José Marques de Abreu (Silva Jardim4 de janeiro de 1839 — Nova Friburgo18 de outubro de 1860) foi um poeta brasileiro da segunda geração romântica.
Foi filho de José Campos de Carvalho comerciante e fazendeiro português José Joaquim Marques de Abreu[1] e de Luísa Joaquina das Neves,foi seu vizinho uma fazendeira de Silva Jardim (na época, Capivary), viúva do primeiro casamento. Com José Joaquim ela teve três filhos, embora nunca tenham sido oficialmente casados. Casimiro nasceu na Fazenda da Prata, em Casimiro de Abreu, propriedade herdada por sua mãe em decorrência da morte do seu primeiro marido, de quem não teve filhos.
A localidade onde viveu parte de sua vida, Barra de São João, é hoje distrito domunicípio que leva seu nome, e também chamada "Casimiro de Abreu", em sua homenagem. Recebeu apenas a instrução primária no Instituto Freeze, dos onze aos treze anos, em Nova Friburgo, então cidade de maior porte da região serrana do estado do Rio de Janeiro, e para onde convergiam, à época, os adolescentes induzidos pelos pais a se aplicarem aos estudos.
Aos treze anos transferiu-se para o Rio de Janeiro para trabalhar com o pai no comércio. Com ele, embarcou para Portugal em 1853, onde entrou em contato com o meio intelectual e escreveu a maior parte de sua obra. O seu sentimento nativista e as saudades da família escreve: "estando a minha casa à hora da refeição, pareceu-me escutar risadas infantis da minha mana pequena. As lágrimas brotavam e fiz os primeiros versos de minha vida, que teve o título de Ave Maria".
Em Lisboa, foi representado seu drama Camões e o Jau em 1856, que foi publicado logo depois.
Seus versos mais famosos do poema Meus oito anos: Oh! Que saudades que tenho/da aurora da minha vida,/ da minha infância querida/que os anos não trazem mais!/ Que amor, que sonhos, que flores,/naquelas tardes fagueiras,/ à sombra das bananeiras,/ debaixo dos laranjais!
Em 1857 retornou ao Brasil para trabalhar no armazém de seu pai. Isso, no entanto, não o afastou da vida boêmia. Escreveu para alguns jornais e fez amizade com Machado de Assis. Escolhido para a recém fundada Academia Brasileira de Letras, tornou-se patrono da cadeira número seis.
Tuberculoso, retirou-se para a fazenda de seu pai, Indaiaçu, hoje sede do município que recebeu o nome do poeta, onde inutilmente buscou uma recuperação do estado de saúde, vindo ali a falecer. Foi sepultado conforme seu desejo em Barra de São João, estando sua lápide no cemitério da secular Capela de São João Batista, junto ao túmulo de seu pai. Em 1859 editou as suas poesias reunidas sob o título de Primaveras.
Espontâneo e ingênuo, de linguagem simples, tornou-se um dos poetas mais populares do Romantismo no Brasil. Seu sucesso literário, no entanto, deu-se somente depois de sua morte, com numerosas edições de seus poemas, tanto no Brasil, quanto emPortugal. Deixou uma obra cujos temas abordavam a casa paterna, a saudade da terra natal, e o amor (mas este tratado sem a complexidade e a profundidade tão caras a outros poetas românticos). A despeito da popularidade alcançada pelos livros do poeta, sua mãe, e herdeira necessária, morreu em 1859 na mais absoluta pobreza, não tendo recebido nada em termos de direitos autorais, fossem do Brasil, fossem de Portugal.
Principais Obras
Poesias
§  Primaveras (1859)
Teatro
§  Camões e o Jau (1856)
Prosa Poética
§  A virgem loura Páginas do coração (1857)
Romance
§  Carolina (1856)
§  Camila (inacabado) (1856)

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CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS

Sua poesia é das mais populares e mais lidas pelo povo brasileiro, Meus Oito Anos [ver Antologia], por exemplo, mesmo não sendo das melhores dentre seus contemporâneos. Sua popularidade se deve à linguagem simples, terna, cativante e de leitura fácil que o poeta empregou para cantar os temas mais comuns do Romantismo. O amor expresso em seus poemas é sempre impossível, delicado, platônico e idealizado, entrando em atrito com a pureza, a paixão contida e o receio de corresponder e se entregar à mulher amada.
Sua obra, aliás, é quase toda tomada pelo tormentoso conflito entre o desejo e o medo, a realidade perturbadora e a pureza da infância, da natureza e dos sonhos, gerando a tristeza, a melancolia e o depressivo desejo de morte. A saudade também é largamente cantada em seus versos, acentuando desde as dores da distância da pátria e da família, até a distância da infância, onde o poeta lamenta a pureza e os sonhos perdidos. A obra de Casimiro de Abreu, no entanto, carece de uma linguagem mais rica e um estilo mais criativo, aprofundado.
Sua poesia, entretanto, agradou muito a leitores menos exigentes e donzelas ávidas por palavras e versos de amor, mas nunca chegou a ter a riqueza de imagens que encontramos nos poemas mais fecundos de Gonçalves Dias e Castro Alves. Tão pouco se aproxima dos versos mais irônicos e satânicos, mas não menos ingênuos, de Álvares de Azevedo. Sua virtude está em exprimir e traduzir de uma forma pura e delicada todos os sentimentos e emoções mais latentes de um povo que ainda cantava as glórias da independência e a grandeza da pátria, o que lhe atribuiu fama e popularidade fácil.

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AS PRIMAVERAS, de Casimiro de Abreu
Em Primaveras, de Casimiro de Abreu, acham-se os temas prediletos do poeta e que o identificam como lírico-romântico: a nostalgia da infância, a saudade da terra natal, o gosto da natureza, a religiosidade ingênua, o pressentimento da morte, a exaltação da juventude, a devoção pela pátria e a idealização da mulher amada. A sua visão do mundo externo está condicionada estreitamente pelo universo do burguês brasileiro da época imperial, das chácaras e jardins. Trata de uma natureza onde se caça passarinho quando criança, onde se arma a rede para o devaneio ou se vai namorar quando rapaz.Este único livro de poesias escrito por Casimiro de Abreu, foi lançado em 7 de Setembro de 1859, e é uma coleção de poesias melancólicas e sentimetais pela maior parte, em que a uma grande simplicidade na forma se alia um sentimento apaixonado e veemente.
À simplicidade da matéria poética corresponde amaneiramento paralelo da forma. Casimiro de Abreu desdenha o verso branco e o soneto, prefere a estrofe regular, que melhor transmite a cadência da inspiração "doce e meiga" e o ritmo mais cantante. Colocado entre os poetas da segunda geração romântica, expressa, através de um estilo espontâneo, emoções simples e ingênuas. Estão ausentes na sua poesia a surda paixão carnal de Junqueira Freire, ou os desejos irritados, macerados, de Álvares de Azevedo. Ele pôde sublimar em lânguida ternura a sensualidade robusta, embora quase sempre bem disfarçada, dos seus poemas essencialmente diurnos, nos quais não se sente a tensão das vigílias. Vê-se então que o livro As primaveras articula-se em torno de três temas básicos:
· o lirismo amoroso
· a saudade da pátria e da infância
· a tristeza da vida
Vivendo três anos em Portugal, onde elaborou boa parte de As primaveras, Casimiro de Abreu desenvolveu o sentimento de exílio, que tanto perseguia os românticos. Inspirado em Gonçalves Dias, escreveu uma série de poemas impregnados de nostalgia da terra natal, denominados Canções do exílio. Neles, contudo, não chega a alcançar o nível de seu modelo.
No entanto, não é apenas a saudade do Brasil e a correspondente sensação de estar exilado que anima a sua lírica. O que o consagrou foi a nostalgia (tipicamente romântica) daquelas realidades pessoais que ficam para trás: a mãe, a irmã, o lar, a infância. Tornou-se, por excelência, o poeta da "aurora da vida", do tempo perdido, das emoções da meninice. Mesmo sabendo que a infância não significa o paraíso, sucumbiu à doçura dessas lembranças.
À parte isso, o poeta atrai o leitor com o ritmo fácil, a singeleza do pensamento, a ausência de abstrações, o caráter recitativo e o tratamento sentimental que empresta ao tema, garantindo a eternidade de pelo menos um poema, "Meus oito anos":

Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

Como são belos os dias
Do despontar da existência!
- Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é - lago sereno,
O céu - um manto azulado,
O mundo - um sonho dourado,
A vida - um hino d'amor!

Que auroras, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d'estrelas,
A terra de aromas cheia,
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!

Oh! dias da minha infância!
Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã.
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã!

Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
De camisa aberto ao peito,
- Pés descalços, braços nus –
Correndo pelas campinas
À roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis

Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo,
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!
Oh! Que saudades que tenho
Da aurora de minha vida (...)

No final de uma vida breve, pressentindo a morte, o poeta aprofunda o sentimento de tristeza - já presente em seus textos saudosistas, até transformá-lo num sentimento quase desesperado de impotência perante o destino, conforme se pode verificar em Livro negro, composto por doze poemas doloridos. Deles, o mais significativo é "Minha alma é triste":

Minha alma é triste como a rola aflita
Que o bosque acorda desde o albor da aurora
E em doce arrulo que o soluço imita
O morto esposo gemedora chora.

E, como rola que perdeu o esposo,
Minh'alma chora as ilusões perdidas
E no seu livro de fanado gozo
Relê as folhas que já foram lidas.

No poema de circunstância "A Faustino Xavier de Novais", ele demonstra não ter sido somente o cantor de uma ternura ingênua. Imbuído do mais puro sarcasmo, aponta suas armas, nesse poema, contra os desvios sociais da época:

Venha a sátira mordente,
Brilhe viva a tua veia,
Já que a cidade está cheia
Desses eternos Manés:
Os barões andam às dúzias
Como os frades nos conventos,
Comendadores aos centos,
Viscondes - a pontapés.
(...)
Pinta este Rio num quadro:

As letras falsas dum lado,
As discussões do Senado,
As quebras, os trambolhões,
Mascates roubando moças,
E lá no fundo da tela
Desenha a febre amarela,
Vida e morte aos cachações.

Casimiro de Abreu, em As primaveras, registra o esquema afetivo de sua geração. A rigor, os poetas dessa geração eram estudantes dados à boemia, oriundos de famílias de classes abastadas, cujos padrões culturais traduziam a assimilação de padrões da cultura européia.

www.passeiweb.com


FAGUNDES VARELA
Luís Nicolau Fagundes Varella (Rio Claro17 de agosto de 1841 — Niterói18 de fevereiro de 1875) foi um poeta brasileiro, patrono na Academia Brasileira de Letras.
Filho do magistrado Emiliano Fagundes Varella e de Emília de Andrade, ambos de ricas famílias cariocas.
Poeta romântico e boêmio inveterado, Fagundes Varella foi um dos maiores expoentes da poesia brasileira, em seu tempo. Tendo ingressado no curso de Direito (e frequentado aFaculdade de Direito de São Paulo e a Faculdade de Direito do Recife), abandonou o curso no quarto ano. Foi a transição entre a segunda e a terceira geração romântica.
Diria, reafirmando sua vocação exclusiva para a arte, no poema "Mimosa", na boca duma personagem: "Não sirvo para doutor"...
Casando-se muito novo (aos vinte e um anos) com Alice Guilhermina Luande, filha de dono de um circo, teve um filho que veio a morrer aos três meses. Este fato inspirou-lhe o poema "Cântico do Calvário", expressão máxima de seus versos, tão jovem ainda. Sobre estes versos, analisou Manuel Bandeira:
"...uma das mais belas e sentidas nênias da poesia em língua portuguesa. Nela, pela força do sentimento sincero, o Poeta atingiu aos vinte anos uma altura que, não igualada depois, permaneceu como um cimo isolado em toda a sua poesia."
Casou-se novamente com uma prima - Maria Belisária de Brito Lambert, sendo novamente pai de duas meninas e um menino, também falecido prematuramente.
Embriagando-se e escrevendo, faleceu ainda jovem, vivendo à custa do pai, passando boa parte do tempo no campo, seu ambiente predileto.
Fagundes Varella morreu com 34 anos de idade.
Obras
§  Noturnas - 1860
§  Vozes da América - 1864
§  Pendão Auri-verde - poemas patrióticos, acerca da Questão Christie.
§  Cantos e Fantasias - 1865
§  Cantos Meridionais - 1869
§  Cantos do Ermo e da Cidade - 1869
§  Anchieta ou O Evangelho nas Selvas - 1875 (publicação póstuma)
§  Diário de Lázaro - 1880
Em 1878 seu amigo Otaviano Hudson organizou Cantos Religiosos, cuja publicação destinava-se a auxiliar sua viúva e filhas.
Academia Brasileira de Letras
Por instância de Lúcio de Mendonça, foi a sua cadeira nominada em honra a Fagundes Varela. Considerado um dos maiores expoentes das letras no Brasil, um seu busto orna o prédio do silogeu brasileiro.


 Fagundes Varela – Wikipédia, a enciclopédia livrept.wikipedia 

CARACTERÍSTICAS  DO  POETA


Em 1861 publicou o primeiro livro de poesia, Noturnas. No ano de 1859 Fagundes Varela viaja para São Paulo, e em 1862 matricula-se na Faculdade de Direito, que nunca seria concluída, optando pela literatura e dissipando-se na boemia, fortemente influenciado pelo ''byronismo'' dos estudantes paulistanos. No mesmo ano casou-se com Alice Guilhermina Luande, atriz circense da cidade de Sorocaba. Este matrimônio não era desejado pelas famílias do casal, assim a penúria financeira de Fagundes Varela foi agravada.Uma das mais belas obras do autor é o poema Cântico do Calvário, inspirado na morte precoce de Emiliano, seu primeiro filho, falecido aos três meses de vida. A partir deste momento, o poeta entrega-se definitivamente ao alcoolismo. Em contrapartida, cresce sua inspiração criadora.Vozes da América foi publicada em 1864, e sua obra-prima Cantos e Fantasias, em 1865. No ano seguinte, viaja para Recife e é avisado sobre o falecimento da esposa. Assim, em 1867 retorna para São Paulo e matricula-se novamente no 4º ano de Direito. Porém, abandona o curso mais uma vez e recolhe-se na casa paterna, em sua cidade natal. Fagundes Varela permanece até 1870 em Rio Claro, compondo suas obras entre noitadas boêmias, vagando indefinidamente pela vida.Casou-se pelas segunda vez com a prima Maria Belisária, com quem teve duas filhas e um filho que também morreu prematuramente. Em 1870 vai para Niterói na companhia de seu pai, estabelecendo-se ocasionalmente na casa de familiares e ainda frequentando a vida noturna carioca. Em 17 de fevereiro de 1875, morre aos 34 anos de apoplexia, já em estado de completo desequilíbrio mental.Em uma de suas primeiras obras (Arquétipo), Fagundes Varela revela-se um hábil na arte de versar. Além da angústia predominante em sua poesia, percebe-se também uma forte apelação religiosa e mística. A influência amorosa e até mesmo os temas sociais e patrióticos enquadram-se na totalidade de sua extensa obra.


 Fagundes Varela - Brasil Escola www.brasilescola.com


O ROMANTISMO E A RELIGIOSIDADE EM "CÂNTICO DO CALVÁRIO",de Fagundes Varela

O poema pode ser lido neste mesmo blog:

Reflexões e análise
Dono de uma personalidade dualística, Luís Nicolau Fagundes Varela despertou e desperta em seus críticos e leitores sentimentos também dualísticos. Como poeta do Romantismo brasileiro, pertence à segunda geração, porém também apresenta características da terceira. Em sua vida e obra é possível ver os traços marcantes dos poetas deste período: era boêmio, inquieto, foi vítima do álcool e morreu jovem, com apenas 33 anos de idade; passou também por um período em que o espírito religioso tomou conta de sua construção poética, como é o caso do poema em questão, Cântico do Calvário, escrito em um período de profundo sofrimento após a perda de seu primogênito que contava apenas com 3 meses de vida.
Sobre seus críticos pode-se dizer que não eram unânimes quanto à importância de Fagundes Varela para o cenário literário brasileiro, como diz Orna Messer Levin na introdução da obra Cantos e Fantasias e Outros Contos, organizado pela autora:
No quadro geral da poesia brasileira, Fagundes Varela (1841-18750) ocupa uma posição de trânsito situando-se ao lado da segunda geração romântica, em relação à qual foi visto ora como um mero seguidor, ora como crítico, consciente dos excessos e desgastes da lírica sentimental e cujo mérito maior teria sido o de preparar o caminho para os vôos elevados da poesia condoreira.
E sobre a obra do autor, diz Levin:
(...) podemos reconhecer a irregularidade do poeta, nem sempre feliz nas escolhas, entregue a uma sentimentalidade crônica. Sobressai, no entanto, o aspecto polivalente de sua escrita, que evolui de maneira desigual, avançando e retrocedendo com passos e contrapassos.
A unanimidade da crítica se dá apenas em relação ao poema em análise neste trabalho. Sobre ele, dizem os críticos ser um dos mais belos poemas da literatura brasileira, concordando também que é o mais célebre de Fagundes Varela. Diz Manuel Bandeira:
(...) uma das mais belas e sentidas nênias da poesia em língua portuguesa. Nela, pela força do sentimento sincero, o poeta atingiu aos vinte anos uma altura que, não igualada depois, permaneceu como um cimo isolado em toda a sua poesia.
Se o Romantismo é “o primado exuberante da emoção, imaginação, paixão, intuição, liberdade pessoal e interior” como diz Vagner Camilo, temos então em Cântico do Calvário uma obra romântica por excelência. O filho falecido é apresentado por meio de um léxico sublimizante já nos primeiros versos: pomba, estrela, messe, idílio, glória, inspiração e pátria. Nesta mesma estrofe, alguns versos podem ser analisados sob a perspectiva bíblica, como os versos de 1 a 3:

Eras na vida a pomba predileta
Que sobre um mar de angústias conduzia
O ramo da esperança.

Estes versos podem ser vistos como referência ao Dilúvio, narrado no livro do Gênesis (capítulo 7, versículos de 1 a 14). Após as chuvas pararem, Noé deseja saber se as águas já baixaram e solta um corvo e uma pomba para fora da arca. O corvo, que faz seu ninho nos altos picos das montanhas volta para a arca, e a pomba, que não encontra lugar para pousar as patas também retorna. Após sete dias, Noé envia novamente a pomba que retorna à arca com um ramo novo de oliveira no bico, sinal de que a vida poderia ser reiniciada.
Continuando nesta estrofe, podemos notar o que pode ser mais uma referência bíblica nos versos 3, 4 e 5:

Eras a estrela
Que entre as névoas do inverno cintilava
Apontando o caminho para o pegureiro

De acordo com o Evangelho de Mateus (capítulo 2), que narra a visita dos magos à Jesus; vindos do oriente eles seguem uma estrela e chegam ao local de nascimento do Menino. Também em relação ao termo “pegureiro”, que segundo o Houaiss quer dizer “pastor”, pode referir-se ao Evangelho de Lucas; quando o evangelista narra o nascimento de Jesus no capítulo 2, versículos de 8 a 12, fala de pastores que estavam nos campos das proximidades da manjedoura e que foram avisados por anjos sobre o nascimento.
Porém, opondo-se à imagem sublimada do filho, há uma quebra da sequência harmônica, como diz Levin, e que enfatiza a fatalidade das ações:

Pomba – varou-te a flecha do destino!
Astro – engoliu-te o temporal do norte!
Teto – caíste! – criança, já não vives!

Orna Levin faz uma ótima reflexão a respeito desta quebra:
A síntese decorrente da justaposição de imagens fortes de queda tenta reproduzir o efeito da interrupção abrupta da energia vital ascendente, ao qual o fluxo das metáforas iniciais aludia. A morte, uma vez reproduzida enquanto corte, deixa de ser apenas marca de uma existência física interrompida para se configurar como um motivo de reflexão poética, permitindo que o autor passe em revista a própria ideia de inspiração.
Não temos nestes versos um simples transbordamento de sentimentalismo, da dor de um pai que acaba de perder seu filho e procura desabafar do modo que lhe parece melhor. A angústia, a tortura e a dor da ausência do ser amado transforma-se em força motora na criação de uma elegia, onde a estética romântica atinge seu auge, não apenas nas metáforas mas também no encadeamento dos versos e no jogo sintático utilizados pelo poeta.
Seguindo esta linha de reflexão, vale também destacar os versos 21 a25:

São mortos para mim da noite os fachos,
Mas Deus vos faz brilhar, lágrimas santas,
E à vossa luz caminharei nos ermos!
Estrelas do sofrer – gotas de mágoa,
Brando orvalho do céu! – Sede benditas!

Refletindo sobre a importância da Natureza para o poeta romântico, Camilo diz que ela “converte-se em palco de confissões e lamentos da alma ferida”. É o local de encontro do poeta consigo mesmo, seulocus amenus espiritual, onde chora e lamenta aquilo de que foi privado. Nos versos acima as palavras noite e ermos são muito utilizadas neste período como metáfora de sofrimento, de obscuridade em relação aos sentimentos. Mas é como se para Varela houvesse uma esperança. Apesar de dizer que os fachos da noite estão mortos para ele, o poeta também acredita que as lágrimas santas o ajudarão a caminhar no ermo. Voltando à Bíblia, no livro do profeta Isaías, capítulo 45, versos de 1 a 8, temos a narração da profecia sobre Ciro, rei persa, que marchou vitoriosamente sobre a região do Oriente Médio por volta do ano 538 a.C. Iahweh chama Ciro de “seu ungido” criando assim um paradoxo, já que este epíteto é utilizado aqui para nomear um soberano estrangeiro que não conhece a Iahweh. O fato é que nos versos finais deste trecho bíblico, temos Iahweh dizendo que tudo criou, luz e trevas, que assegura o bem-estar e a desgraça; ordena ainda que o orvalho desça dos céus e que da terra brote a felicidade.
A felicidade de Fagundes Varela em ser pai pode ser mensurada nos versos 82 a 87:

Quando fitei teus olhos sossegados,
Abismos de inocência e de candura,
E baixo e a medo murmurei: meu filho!
Meu filho! frase imensa, inexplicável,
Grata como o chorar de Madalena
Aos pés do Redentor...

A metáfora utilizada pelo poeta adquire uma força grandiosa se observarmos o trecho bíblico que nos conta a história de Maria Madalena, ou Maria de Magdala como também é conhecida. No Evangelho de Lucas, Maria, chamada Madalena é aquela de cujo corpo haviam sido expulsos sete demônios. Ela pertencia ao grupo das mulheres que acompanhavam Jesus e seus apóstolos e aparece no capítulo 8 deste evangelho, versos de 1 a 3. É uma personagem de grande importância na narrativa sobre a paixão e morte de Jesus Cristo, tanto que é mencionada nos três Evangelhos sinóticos – Mateus, Marcos e Lucas – e também no Evangelho de João. Esteve aos pés da cruz juntamente com Maria, a mãe de Jesus. Mas por que o poeta diz “grata como o chorar de Madalena aos pés do Redentor”? Há um discurso muito comum que atribui a Maria Madalena a passagem da prostituta que é perdoada por Jesus no capítulo 7, versículos 36 a 50 do Evangelho de Lucas, porém não há nenhuma menção ao nome desta mulher que “demonstrou muito amor”; neste trecho Jesus diz a Simeão: “(...) seus numerosos pecados lhe serão perdoados porque ela demonstrou muito amor. Mas aqueles a quem pouco foi perdoado mostra pouco amor”. Na sequência bíblica vemos a referência a “Maria, chamada Madalena, da qual haviam saído sete demônios” (Lucas cap. 8, vers. 2); é senso comum entre os estudiosos da bíblia que as doenças e possessões demoníacas eram vistas pelos judeus como punição pelos pecados cometidos; este pecado poderia ter origem no próprio enfermo ou em algum de seus antepassados – consideravam que o pecado era transmitido para as gerações seguintes –, o que fazia de Madalena uma pecadora grave, pois não foi apenas um demônio que saiu de seu corpo e sim sete! E ela demonstra tanto amor que segue Jesus até sua cruz, o momento em que até os seus discípulos, exceto João, o abandonam por medo de sofrer a mesma condenação; chora a perda do Mestre, aquele que lhe devolveu a dignidade. Vale destacar também que Madalena foi a mensageira da ressurreição de Jesus para os discípulos.
Estes versos que se referem a Madalena podem, partindo de uma livre interpretação dos fatos, ser um sinal do arrependimento do poeta, cuja vida foi desregrada do ponto de vista da moral da sociedade de sua época, fortemente marcada por valores cristãos-católicos. Talvez o nascimento do filho tenha tocado de tal forma Varela que ele realmente se sentiu uma Madalena aos pés do Redentor. Friso aqui a palavra Redentor. O poeta poderia ter escrito “aos pés de Jesus”, mas prefere utilizar o termo “Redentor” talvez porque acredite que ele realmente possa redimir os pecados. Não há muitos textos para embasar esta perspectiva, mas vale destacar o que diz Orna Levin quando fala sobre a obra Anchieta:
(...) o fato é que seu vício se incorporou ao imaginário dos leitores, e nem o domínio dos processos poéticos que demonstra nesta redação, nem a erudição bíblica, quiçá motivada pela necessidade de uma reconciliação pela fé, atenuaram-lhe a imagem degradante de poeta alcoolizado e sem rumo. Na tentativa de restaurar a má fama e divulgar a conversão do irmão, Ernestina Varela dedicou-se a reunir os esparsos de Cantos religiosos (1868) e transferir a ênfase crítica para o veio místico que atravessa a religiosidade romântica de sua obra.
Podemos encontrar várias outras referências religiosas e bíblicas emCântico do Calvário que mereceriam uma análise mais aprofundada,incluindo as que aqui já foram abordadas. O próprio título do poema é uma referência direta ao Calvário de Jesus Cristo (Lucas cap. 23, vers. 26 a 32), cujo cântico entoado só pode ser de dor e lamento, assim como o cântico do poeta.
Cabe um último destaque para os quatro versos finais do poema:

Quando a morte fria
Sobre mim sacudir o pó das asas,
Escada de Jacó serão teus raios
Por onde asinha subirá minh’alma.


Temos uma referência explícita à escada que aparece no sonho de Jacó, narrada no livro do Gênesis, capítulo 28, versículos 10 a 22. Após reclinar a cabeça sob uma pedra, Jacó adormece e em sonho vê uma escada que se ergue da terra e cujo topo atingia o céu. Por ela os anjos de Deus subiam e desciam. Neste mesmo sonho, Iahweh aparece diante de Jacó, também chamado de Israel e dá a ele e sua descendência aquela terra. A escada de Jacó é vista por muitos biblistas como uma prefiguração da morte: por ela os anjos descem e por ela devem os homens subir ao encontro da vida eterna. Com certeza a escolha desta imagem sublimada da morte, não foi à toa para fechar o poema. Se de fato ele se converteu ou se apenas escreveu o poema movido por um profundo sentimento de dor pela perda do filho amado, pode-se perceber nestes versos finais a esperança de salvação que toca o poeta e que o faz crer que reencontrará o filho que já está nos braços do Criador naquele momento do qual nenhum ser humano poderá se livrar: a morte.


O Romantismo ea Religiosidade em "Cântico do Calvário"

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