ÁLVARES DE AZEVEDO
Manuel Antônio
Álvares de Azevedo (São Paulo, 12 de setembro de 1831 — Rio de Janeiro, 25 de
abril de 1852) foi um escritor da segunda geração romântica (Ultra-Romântica,
Byroniana ou Mal-do-século), contista, dramaturgo, poeta e ensaísta brasileiro,
autor de Noite na Taverna.
Filho de Inácio
Manuel Álvarez de Azevedo e Maria Luísa Mota Azevedo, passou a infância no Rio
de Janeiro, onde iniciou seus estudos. Voltou a São Paulo (1847) para estudar
na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, onde desde logo ganhou fama
por brilhantes e precoces produções literárias. Destacou-se pela facilidade de
aprender línguas e pelo espírito jovial e sentimental.[4]
Durante o curso
de Direito traduziu o quinto ato de Otelo, de Shakespeare; traduziu Parisina,
de Lord Byron; fundou a revista da Sociedade Ensaio Filosófico Paulistano
(1849); fez parte da Sociedade Epicureia; e iniciou o poema épico O Conde Lopo,
do qual só restaram fragmentos.
Não concluiu o
curso, pois foi acometido de uma tuberculose pulmonar nas férias de 1851-52, a
qual foi agravada por um tumor na fossa ilíaca, ocasionado por uma queda de
cavalo, falecendo aos 21 anos.[5] A sua obra compreende: Poesias diversas,
Poema do Frade, o drama Macário, o romance O Livro de Fra Gondicário, Noite na
Taverna, Cartas, vários Ensaios (Literatura e civilização em Portugal, Lucano,
George Sand, Jacques Rolla), e a sua principal obra Lira dos vinte anos
(inicialmente planejada para ser publicada num projeto - As Três Liras - em
conjunto com Aureliano Lessa e Bernardo Guimarães).[6] É patrono da cadeira 2
da Academia Brasileira de Letras.
Machado de Assis
publicou no jornal “Semana Literária”, em 26 de junho de 1866 uma análise de
Lira dos vinte anos.
Atualmente tem
suscitado alguns estudos acadêmicos, dos quais sublinham-se "O Belo e o
Disforme", de Cilaine Alves Cunha (EDUSP, 2000), e "Entusiasmo
indianista e ironia byroniana" (Tese de Doutorado, USP, 2000); "O
poeta leitor. Um estudo das epígrafes hugoanas em Álvares de Azevedo", de
Maria C. R. Alves (Dissertação de Mestrado, USP, 1999); "Álvares de
Azevedo: A busca de uma literatura consciente", de Gilmar Tenorio Santini
(Dissertação de Mestrado, UNESP, 2007).
Suas principais
influências são: Lord Byron, Goethe, François-René de Chateaubriand, mas
principalmente Alfred de Musset.
Um aspecto
característico de sua obra e que tem estimulado mais discussão, diz respeito a
sua poética, que ele mesmo definiu como uma "binomia", que consiste
em aproximar extremos, numa atitude tipicamente romântica. É importante
salientar o prefácio à segunda parte da Lira dos Vinte Anos, um dos pontos
críticos de sua obra e na qual define toda a sua poética.
No segundo
prefácio de Lira dos Vinte Anos, o seu autor nos revela a sua intencionalidade
e o vincula de tal maneira ao texto poético, que a gratuidade e autonomia perde
espaço e revela a intencionalidade do poeta, isto é, explicação de temas,
motivos e outros elementos.
O autor de Lira
dos Vinte Anos estabelece valores e critérios a sua obra. Revela-se assim, uma
verdadeira teorização programada da obra, transformando-se numa verdadeira
teoria do conhecimento dos textos poéticos apresentados.
É evidente a
explicitação de Álvares de Azevedo nessa postura consciente do fazer poético,
afinal em seus prefácios há um alto grau de conhecimento quanto à proposta
ultra-romântica, a qual exibe um certo metarromantismo marcada pelo senso
crítico.
É o primeiro a
incorporar o cotidiano na poesia no Brasil, com o poemas Ideias íntimas, da
segunda parte da Lira.
Segundo alguns
pesquisadores, Álvares de Azevedo que teria escolhido o título "As Três
Liras", pois havia uma garota - que até hoje ninguém sabe a identidade,
muito bem escondida pelo Dr. Jaci Monteiro - que tocava esse instrumento.
Figura na
antologia do cancioneiro nacional. E foi muito lido até as duas primeiras
décadas do século XX, com constantes reedições de sua poesia e antologias. As
últimas encenações de seu drama Macário foram em 1994 e 2001.
Trabalhos
Devido a sua
morte prematura, todos os trabalhos de Álvares de Azevedo foram publicados
postumamente.
Lira dos Vinte
Anos (1853, antologia poética);
Macário (1855,
peça de teatro);
Noite na Taverna
(1855, contos);
O Conde Lopo
(1886, poema épico que resta apenas em fragmentos hoje);
Álvares de
Azevedo também escreveu muitas cartas e ensaios e traduziu para o português o
poema Parisina, de Lorde Byron, e o quinto ato de Otelo, de William
Shakespeare.
Obra
1853 Poesias de
Manuel Antônio Álvares de Azevedo, Lira dos Vinte Anos (única obra preparada
para publicação pelo autor) e Poesias diversas;
1855 Obras de
Manuel Antônio Álvares de Azevedo, primeira publicação da sua prosa (Noite na
Taverna);
1862 Obras de
Manuel Antônio Álvares de Azevedo, 2ª e 3ª edições, primeira aparição do Poema
do Frade e 3ª parte da Lira.
1866 O Conde
Lopo, poema inédito.
Merece um
destaque especial a "Lira dos Vinte Anos", composta de diversos
poemas. A Lira é dividida em três partes, sendo a primeira e a terceira da Face
Ariel e a segunda da Face Caliban. A Face Ariel mostra um Álvares de Azevedo
ingênuo, casto e inocente. Já a Face Caliban apresenta poemas irônicos e
sarcásticos.
Álvares de
Azevedo – Wikipédia, a enciclopédia livre
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LIRA DOS VINTE ANOS, de Álvares de
Azevedo
Análise da obra
Álvares de
Azevedo é um dos vultos exponenciais do Romantismo. Embora tenha morrido aos
vinte anos, produziu uma obra poética de alto nível.
A obra é fruto
dos dramas de um adolescente que se vê entre desejos e frustrações, vontades e
decepções constantes, o que corporifica as tendências psíquicas de uma geração
já que o Romantismo pode ser considerado um movimento de adolescência, isto é,
marca-se pela ambigüidade de uma vida ao mesmo tempo frágil e poderosa.
Incompreendido na
morbidez e na valorização de aspectos decadentes (melancolia, tédio,
pessimismo, vício) Álvares de Azevedo se encontrou cansado precocemente da vida
e sentia um desejo de fuga que concretizou através de sua poesia que, embora
marcada pela introspecção e individualismo, relata as correntes obscuras de
seus desencantos e receios.
Já na Epígrafe de
Bocage percebe-se a intuição antecipada da sua decadência. Daí, talvez, ter se
atirado aos livros como quem tem pouco tempo para entender o que é a vida e
adquirir uma lucidez intelectual que o faz se referir a épocas, autores e obras
distantes e estranhas à sua realidade.
Mergulhado no
spleen byraniano e conscientemente baseado na contradição, descrente e
derrotado, escreveu na Lira dos Vinte Anos os poemas mas significativos de sua
obra poética. A metrificação sempre variada, mas imperfeitas, ritmos
alucinantes comprovam que a liberdade criativa baseada na emoção,
característica do Romantismo, haveria de ser respeitada.
A Lira dos Vinte
Anos compõe-se do que há de melhor na produção de Álvares de Azevedo: Idéias
Íntimas, Spleen e Charutos, Lembranças de Morrer, Se Eu Morresse Amanhã, É Ela!
É Ela! É Ela! É Ela!, são alguns dos poemas mais expressivos do Romantismo
gótico.
Estruturalmente
divide-se em três partes; mas do ponto de vista temático, em apenas duas, pois
a primeira e terceira partes têm temas assemelhados: a morte, a família, os
temas da adolescência, o sonho, a religiosidade, a forma feminina como
obsessão; a segunda parte, no entanto, traz o irônico, o "satânico",
a mulher, ainda que em sonho, aproximada do erótico, carnal.
Primeira parte
É composta por 33
poemas, inicia-se por um prefácio que tem epíteto sugestivo de Bocage: Cantando
a vida, como o cisne a morte. Contém poemas cuja temática é intimista: dores do
coração, medo da morte, a mulher que ora se mostra, ora se esconde, a família,
o sonho e a fantasia que se misturam principalmente através do jogo metafórico
na erotização da mulher. Há nessa parte o aparecimento de símbolos que deixam
entrever a sexualidade reprimida. O adolescente ingênuo inspira-se nos seus
familiares, nas amadas virgens sonhadas e nunca reveladas exatamente,
fazendo-se parecer sentimental e infeliz, sendo sua dor acalmada pela lembrança
da mãe e irmã. Álvares de Azevedo é um anjo que chama seus versos de primeiros
cantos de um pobre poeta: São os primeiros cantos de um pobre poeta.
Desculpai-os. As primeiras vozes do sabiá não têm a doçura dos seus cânticos de
amor. É uma lira, mas sem cordas; uma primavera, mas sem flores; uma coroa de
folhas, mas sem viço. Cantos espontâneos do coração, vibrações doridas da lira
interna que agitava um sonho, notas que o vento levou, - como isso, dou a lume
essas harmonias. São as páginas despedaçadas de um livro não lido... (...) que,
logicamente vive num “mundo visionário e platônico”. Se a a face de Anel,
personagem de Shakespeare, que representa o Bem, adolescente e casta.
Vejamos alguns
poemas:
No mar
Em de noite —
dormias,
Do sonho nas
melodias,
Ao fresco da
viração;
Em balada na
falua,
Ao frio clarão da
lua,
Aos ais do meu
coração!
Ah! que véu de
palidez
Da langue face na
tez!
Como teus seios
revoltos
Te palpitavam
sonhando!
Como eu cismava
beijando
Teus negros
cabelos soltos!
Sonhavas? — eu
não dormia;
A minh’alma se
embebia
Em tua alma
pensativa!
E tremias. bela
amante.
A meus beijos,
semelhante
As folhas da
sensitiva!
E que noite! que
luar!
E que ardentias
no mar!
E que perfumes no
vento!
Que vida que se
bebia
Na noite que
parecia
Suspirar de
sentimento!
Minha rôla, ó
minha flor,
Ó madressilva de
amor!
Como eras saudosa
então!
Como pálida
sorrias
E no meu peito
dormias
Aos ais do meu
coração!
E que noite! que
luar!
Como a brisa a
soluçar
Se desmaiava de
amor!
Como toda
evaporava
Perfumes que
respirava
Nas laranjeiras
em flor!
Suspiravas? que
suspiro!
Ai que ainda me
deliro
Sonhando a imagem
tua
Ao fresco da
viração,
Aos ais do meu
coração,
Embalada na
falua!
Como virgem que
desmaia,
Dormia a onda na
praia!
Tua alma de
sonhos cheia
Era tão pura,
dormente,
Como a vaga
transparente
Sobre seu leito
de areia!
Era de noite
dormias,
Do sonho nas
melodias,
Ao fresco da
viração;
Embalada na
falua,
Ao frio clarão da
lua,
Aos ais do meu
coração!
Observa-se a
presença da mulher dormindo e o poeta contemplando-a, deixando que permaneça em
sua tranqüilidade. A ligação entre o sonho e o amor é constante no poeta que se
apresenta dependente do embalo amoroso que imagina. A contraposição do ambiente
noturno, e a palidez da mulher marcando seus estados emotivos dão uma
tonalidade afetiva e até nebulizadora da paisagem na qual se encontra.
Descrença / Crença: a dualidade de
Álvares de Azevedo:
Oh! se eu pudesse
amar!... — E impossível! —
Mas fatal escreveu
na minha vida:
A dor me
envelheceu
O desespero
pálido, impassível
Azoinou minha
aurora entristecida,
De meu astro
descreu!
(...)
Que vale a
glória, a saudação que enleva
Dos hinos
triunfais na ardente nota,
E as turbas
devaneia?
Tudo isso é vão,
e cala-se na treva
— Tudo é vão,
como em lábios de idiota
Cantiga sem
idéia.
(...)
Não chorem! que
essa lágrima profunda
Ao cadáver sem
luz não dá conforto...
Não o acorda num
momento!
Quando a treva
medonha o peito inunda,
Derrama-se nas
pálpebras do morto
Luar de
esquecimento!
(...)
Aqui dormem
sagradas esperanças,
Almas sublimes que o amor erguia
E gelaram tão
cedo!
Meu pobre
sonhador! aí descansas,
Coração que a
existência consumia
E roeu em
segredo!...
(...)
Entre nuvem
ardente e trovejada
Minh’alma se
erguem, fria, sangrenta,
Ao trono de meu
Deus...
Perdoa, meu
Senhor! O errante crente
Nos desesperos em
que a mente abrasas
Não o arrojes
p'lo crime!
Se eu fui um anjo
que descreu demente
E no oceano do mal
rompe as asas,
Perdão!
arrependi-me!
Percebe-se o
drama que se origina dentro do próprio poeta devido a sua tendência
contraditória que evidencia um gênio incompreendido e infeliz. A descrença e o
derrotismo oscilam entre Deus e o nada. A dúvida marca a composição dos versos
que acabam com um penhor esperançoso mesclado em grandes desesperos.
O dormir para o poeta:
"As ondas
são anjos que dormem no mar,
Que tremem,
palpitam, banhadas de luz..."
"Era uma
noite — eu dormia
E nos meus sonhos
revia
As ilusões que
sonhei!"
"E é tão
doce dormir! é tão suave
Da modorra no
colo embalsamado
Um momento
tranqüilo deslizar-se"
"Em um
castelo dourado
Dorme encantada
donzela:
Nasceu — e vive
dormindo
— Dorme tudo
junto dela."
A presença do
verbo "dormir" e suas variantes é constante nas poesias de Álvares de
Azevedo. Em alguns textos pode-se ligá-lo à morte, uma obsessão por quase toda
a obra e o tema de seus melhores versos. Em alguns momentos, os amantes
efetivamente dormem, principalmente, a mulher, que é admirada pelo adolescente
inconformado com sua condição. Observa-se também que a timidez sexual do jovem
o coloca nessa condição receosa em relação ao amor, daí, no sonho, no sono, há
uma realidade forte, o que torna e fantasia mais viva.
A sensualidade feminina através do
poeta:
"Ah! que véu
de palidez
Da langue face na
tez! -
Como teus seios
revoltos
Te palpitavam
sonhando!"
"Que por um
beijo perdido
Eu de gozo
morreria
Em teus níveos
seios nus?
Que no oceano dum
gemido
Minh’alma se
afogaria?
Ai Jesus!"
A presença de adjetivos
e imagens que rodeiam a presença feminina partem de elementos comuns: seio
palpitante, olhos, beijos perdidos, cabelos soltos. O sonho volta a ser a forma
de prazer sem remorso para um poeta adolescente que tem medo diante do amor. O
lirismo é visionário e decorrente da ‘fúria da solidão’ juvenil do poeta.
Autodestruição / crença / natureza: a
existência
Amo a voz da
tempestade.
Porque agita o
coração,
E o espírito
inflamado
AAbre as asas no
trovão!
A minh’alma se
devora
Na vida morta e
tranqüila...
Quero sentir
emoções
Ver o raio que
vacila!
Enquanto as raças
medrosas
Banham de prantos
o chão
Eu quero
erguer-me na treva,
Saudar glorioso o
trovão!
Jeová! derrama em
chuva
Os teus raios
incendiados.
Tua voz na tempestade
Ressoa nos meus
ouvidos!
E quando as
nuvens ribombam
E a selva medonha
está,
Que no relâmpago
surge
A face de Jeová!
A tinta da
tempestade
Rouqueja nos
longos céus,
De joelhos na
montanha
Espero agora meu
Deus!
Lembrança de morrer
Quando em meu
peito rebentar-se a fibra
Que o espírito
enlaça à dor vivente,
Não derramem por
mim nem uma lágrima
Em pálpebra
demente.
E nem desfolhem
na matéria impura
A flor do vale
que adormece ao vento:
Não quero que uma
nota de alegria
Se cale por meu
triste passamento.
Eu deixo a vida
como deixa o tédio
Do deserto, o
poento caminheiro
— Como as horas
de um longo pesadelo
Que se desfaz ao
dobre de um sineiro;
Como o desterro
de minh’alma errante,
Onde fogo
insensato a consumia;
Só levo uma
saudade — é desses tempos
Que amorosa
ilusão embelecia.
Só levo uma
saudade — é dessas sombras
Que eu sentia
velar nas noites minhas
De ti, á minha
mãe, pobre coitada
Que por minha
tristeza te definhas!
De meu pai ... de
meus únicos amigos,
Poucos — bem
poucos — e que não zombavam
Quando, em noite
de febre endoudecido.
Minhas pálidas
crenças duvidavam.
Se uma lágrima as
pálpebras me inunda,
Se um suspiro nos
seios treme ainda?
É pela virgem que
sonhei... que nunca
Aos lábios me
encostou a face linda!
Só tu à mocidade
sonhadora
Do pálido poeta
deste flores...
Se viveu, foi por
ti! e de esperança
De na vida gozar
de teus amores.
Beijarei a
verdade santa e nua,
Verei
cristalizar-se o sonho antigo...
Ó minha virgem
dos errantes sonhos,
Filha do céu, eu
vou amar contigo!
Descansem o meu
leito solitário
Na floresta dos
homens esquecida.
À sombra de uma
cruz, e escrevam nela:
— Foi poeta —
sonhou — e amou a vida. —
Sombras do vale,
noites de montanha
Que minh’alma
cantou e amava tanto,
Protegei o meu
corpo abandonado,
E no silêncio
derramai-lhe canto!
Mas quando
preludia ave d’aurora
E quando à
meia-noite o céu repousa.
Arvoredos do
bosque, abri os ramos...
Deixai a lua
prantear-me a lousa!
Segunda parte
A segunda parte
da Lira dos Vinte Anos é composta por 14 poemas e não se identifica
tematicamente com a primeira e a terceira. Inicia-se também por um prefácio:
Cuidado, leitor,
ao voltar esta página!
Aqui dissipa-se o
mundo visionário e platônico. Vamos entrar num mundo novo, terra fantástica,
verdadeira ilha Baratária de D. Quixote, onde Sancho é rei; (...) Quase que
depois de Ariel esbarramos em Caliban.
A pureza abre
espaço para um porte demoníaco, macabro, irônico, amargo, sarcástico e cruel: a
unidade do livro funda-se numa binomia. Duas almas que moram nas cavernas de um
cérebro, verdadeira medalha de duas faces. Humor negro que valoriza a
decadência e a morte e a fuga através da dispersão cultivando o SPLEEN. O poeta
é um moço que envelheceu precocemente e entra em conflito com a realidade. E
importante notar a proximidade com a prosa em algumas poesias dessa parte onde
teríamos Caliban, personagem de Shakespeare, que representa o mal, o lado
escuro dos seres, a desordem, o desequilíbrio, a face do próprio Álvares de
Azevedo, segundo ele mesmo, tragado pelos vícios e amadurecido antes do tempo.
Dito isso, está
claro que o Álvares de Azevedo quer fazer ressaltar algo: na Parte II estão
contidos os poemas irônicos, as paródias, um suposto "satanismo"
somente encontrado em Noite na Taverna.
A pureza do poeta
"Morrer! e
resvalar na sepultura,
Irias na fronte
as ilusões no peito
Quebrado o
coração!
Nem saudades
levar da vida impura
Onde arquejou de
fome... sem um leito!
Em treva e
solidão!"
"Oh! ter
vinte anos sem gozar de leve
A ventura de uma
alma de donzela!
E sem na vida ter
sentido nunca
Na suave atração
de um róseo corpo
Meus olhos turvos
se fechar de gozo!"
O jovem
adolescente sente-se amedrontado diante do sentimento amoroso que se lhe
apresenta. A pureza e a castidade dele são notáveis nos versos acima já que
nega qualquer tipo de envolvimento com a mulher, mas não recusa a atração
física que sente por ela.
O humor
Solidão
Nas nuvens cor de
cinza do horizonte
A lua amarelada a
face embuça;
Parece que tem
frio, e no seu leito
Deitou, para
dormir, a carapuça.
Ergueu-se, vem da
noite a vagabunda
Sem chale, sem
camisa e sem mantilha,
Vem nua e bela
procurar amantes;
É dorida por amor
da noite a filha.
As nuvens são uns
frades de joelhos,
Rezam adormecendo
no oratório:
Todos têm o capuz
e bons narizes.
E parecem sonhar
o refeitório.
As árvores
prateiam-se na praia.
Qual de uma fada
os mágicos retiros -
Ó lua, as doces
brisas que sussurram
Coam dos lábios
teus como suspiros!
Falando ao
coração que nota aérea
Deste céu, destas
águas se desata?
Canta a mim algum
gênio adormecido
Das ondas monas
no lençol de prata?
Minh’alma
tenebrosa se entristece.
É muda como sala
mortuária
Deito-me só e
triste, e sem ter tome
Vejo na mesa a
ceia solitária.
Ó lua, ó lua bela
dos amores,
Se tu és moça e
tens um peito amigo,
Não me deixes
assim dormir solteiro,
À meia-noite vem
cear comigo!
A presença do
humor está em Solidão juntamente com o toque gracioso da necessidade sexual. A
mulher não tem, a principio, os escrúpulos das virgens idealizadas de outros
textos, dai não haver o mistério, o vulto feminino e sim uma mulher pálida,
bela, um anjo ao avesso que ele pode possuir ou suspirar como o sussurro da
brisa. Devido à subjetividade exagerada da 2ª Geração, o poeta degradado pelas
imposições do mundo, vê na mulher um anjo, ser superior.
Morrer e dormir
"Morreu um
trovador — morreu de fome.
Acharam-no
deitado no caminho:
Tão doce era o
semblante! Sobre os lábios
Flutuava-lhe um
riso esperançoso
E o morto parecia
adormecido"
Nota-se aqui a
idéia que dá ao verbo "dormir" mais que o significado apenas de
descansar temporariamente, e sim, a morte, o dormir para sempre que, para o
poeta traz a esperança e a doçura do novo caminho que se abre.
A Presença do Solfier
"— Ó minha Elfrida,
Voltemos desse
lado: outro caminho
Se dirige ao
castelo. É mau agouro
Por um mono
passar em noites destas".
Solfier é nome de
personagem da Noite na Taverna. Ele e seus amigos narram as histórias de
orgias, assassinatos e passados amorosos discutíveis frente a uma vida que para
esses jovens parecia vazia.
O Poeta o os Vícios
"Oh! não
proíbam pois ao meu retiro
Do pensamento ao
merencório luto
A fumaça gentil
por que suspiro.
Numa fumaça o
canto d’alma escuto...
Um aroma
balsâmico respiro,
Oh! deixa-me
fumar o meu charuto!”
“Além um Espanhol
eu vi sorrindo
Saboreando um
cigarro feiticeiro,
Enchia de fumaça
o quarto inteiro,
Parecia de gosto
se esvaindo!”
Os jovens
românticos que viviam na cidade de São Paulo levavam uma vida boêmia, repleta
de orgias, atmosferas eróticas, adornadas por muita bebida alcoólica e rituais
ligados à morte. A autodestruição e o desejo de fugir de uma realidade
incômoda, o escapismo, configuram o estado SPLEEN do poeta, a mesma moléstia de
Byron e que leva à inevitável destruição do ser espiritual e físico.
O Grotesco:
“Poetas! amanhã
ao meu cadáver
Minha tripa
cortai mais sonorosa!...
Façam dela uma
corda, e cantem nela
Os amores da vida
esperançosa
(...)
Coração, por que
tremes? Vejo a morte,
Ali vem lazarenta
e desdentada...
Oue noiva! ... E
devo então dormir com ela?...
Se ela ao menos
dormisse mascarada!”
Enfatizando-se o
pessimismo de um poeta que se sentia precocemente velho, os versos acima
comprovam seu inconformismo e rebeldia diante de um destino que lhe foi
imposto. Num delírio febril arremete-se ao sarcasmo de Heine com força
violenta, com traços de perversidade para amenizar seus dramas adolescentes,
aspirações e desejos irrealizáveis.
O Poeta o o Dinheiro
Dinheiro
Sem ele não há
cova — quem enterra
Assim grátis, a
Deo? O batizado
Também custa
dinheiro. Quem namora
Sem pagar as
pratinhas ao Mercúrio?
Demais, as Danai
também o adoram.
Quem imprime seus
versos, quem passeia,
Quem sobe a
Deputado, até Ministro,
Quem é mesmo
Eleitor, embora sábio,
Embora gênio,
talentosa fronte,
Alma romana, se
não tem dinheiro?
Fora a canalha de
vazios bolsos!
O mundo é para
todos... Certamente,
Assim o disse
Deus — mas esse texto
Explica-se melhor
e doutro modo.
Houve um erro de
imprensa no Evangelho:
O mundo é um
festim — concordo nisso,
Mas não entra
ninguém sem ter as louras.
Em quase toda a
obra podemos notar a presença de elementos constantes como a morte, o sonho, a
donzela, a angústia. a sexualidade mal resolvida. A critica não é uma marca da
Lira dos Vinte Anos, logo, em Dinheiro há um inconformismo do poeta com a
situação que o incomoda pessoalmente, embora Álvares de Azevedo tenha tido uma
vida de regalias, e não uma preocupação social, levando-se em conta o
individualismo que marca suas poesias.
Proximidade Poesia/Prosa:
"Ia caindo o
sol. Bem reclinado
No vagaroso coche
madornado,
Depois de bem
jantar fazendo a sesta,
Roncava um nédio,
um barrigudo frade:
Bochechas e
nariz, em cima uns óculos,
Vermelho
solidéu... enfim um bispo,
E um bispo,
senhor Deus! da idade média,
Em que os bispos
— como hoje e mais ainda —
Sob o peso da
cruz bem rubicundos,
Dormindo bem, e a
regalar bebendo,
Sabiam engordar
na sineura;
Papudos
santarrões, depois da Missa
Lançando ao povo
a benção — por dinheiro!”
(...)
E acorda o
fradalhão...
"O que
sucede"?
— Pergunta
bocejando: — é algum bêbado?
Em que bicho
pisaram?"
(...)
Nota-se na poesia
a ausência de rima e ritmo e a preocupação métrica. Além disso, há um trajeto
narrativo envolvendo personagens e conflitos que dão feição de prosa ao texto.
A Família
"Aqui sobre
esta mesa junto ao leito
Em caixa negra
dous retratos guardo.
Não os profanem
indiscretas vistas.
Eu beijo-os cada
noite, neste exílio
Venero-os juntos
e os prefiro unidos
— Meu pai e minha
mãe."
A Morte do Poeta
"De tanta
inspiração e tanta vida
Que os nervos
convulsivos inflamava
E ardia sem conforto...
O que resta? uma
sombra esvaecida,
Um triste que sem
mãe agonizava...
Resta um poeta
morto!”
A morte do irmão,
dos colegas de faculdade, a presença da mãe e da irmã que acalmam as dores do
poeta e por vezes conduzem-no a uma idealização, são freqüentes na Lira dos
Vinte Anos.
Terceira parte
A terceira parte
do livro, contém trinta poemas formado, ao todo, de 77 composições poéticas.
Ressurge o casto e sentimental poeta que leva às últimas conseqüências seu
anti-romantismo, constituindo-se da sua própria superação da idealização
feminina e do amor platônico. Constata-se, portanto, que Álvares de Azevedo era
um poeta em constante ebulição que, embora não tivesse sido adequadamente
reconhecido em vida pelo que escrevia, conseguiu dar um tom forte aos preceitos
da época, somando nele um senso crítico que não usava sempre, porém, ocupando
com Lira dos Vinte Anos não apenas um lugar de destaque na literatura
brasileira, mas a transposição para as palavras de seu consciente e
inconsciente, de seu ponto de interrogação constante que ao leitor
transforma-se em ponto de exclamação.
Não há nenhum
prefácio, nenhuma indicação de abertura; mas sabemos que, tematicamente,
encontraremos a mesma intenção da primeira parte: devaneios adolescentes, amor
inacessível, erotização metaforizada, família, os temas da morte e do
sofrimento, o poeta tão jovem... e o mesmo intimismo, o tom inquieto e
confessional.
O Adolescente regressa
MEU DESEJO
Meu desejo? era
ser a luva branca
Que essa tua
gentil mãozinha aperta!
A camélia que
murcha no teu seio,
O anjo que por te
ver do céu deserta...
Meu desejo? em
ser o sapatinho
Que teu mimoso pé
no baile encerra...
A esperança que
sonhas no futuro,
As saudades que
tens aqui na terra...
Meu desejo? era
ser o cortinado
Que não conta os
mistérios do teu leito;
Era de teu colar
de negra seda
Ser a cruz com
que dormes sobre o peito
Meu desejo? era
ser o teu espelho
Que mais bela te
vê quando deslaças
Do baile as
roupas de escomilha e flores
E mira-te amoroso
as nuas graças!
Meu desejo? em
ser desse teu leito
De cambraia o
lençol, o travesseiro
Com que velas o
seio, onde repousas,
Solto o cabelo, o
rosto feiticeiro...
Meu desejo? era
ser a voz da terra
Que da estrela do
céu ouvisse amor!
Ser o amante que
sonhas, que desejas
Nas cismas
encantadas de languor!
Observa-se aqui a
volta do adolescente casto que sonda seu eu interior retomando o tema lírico do
amor não correspondido, das virgens sonhadas e não encontradas, corporificando
as tendências da geração ultra-romântica.
O Poeta e o sonho
"A noite
sonhei contigo.
E o sonho cruel
maldigo
Que me deu tanta
ventura.
Uma estrelinha
que vaga
Em céu de inverno
e se apaga
Faz a noite mais
escura!"
Eu sonhava que
sentia
Tua voz que
estremecia
Nos meus beijos
se afogar!
Que teu rosto
descorava.
E teu seio
palpitava,
E eu te vira
desmaiar!
Que eu te beijava
tremendo,
Que teu rosto
enfebrecendo
Desmaiava a
palidez!
Tanto amor tua
alma enchia
E tanto fogo
morria
Dos olhos na
languidez!
(...)
O sós do
harmonioso
Falava em noite
de gozo
Como nunca eu a
senti.
Tinha músicas
suaves
Como no canto das
aves
De manhã eu nunca
ouvi!
(...)
Eu dei-te um
beijo, sorrindo
Tremeste os
lábios abrindo,
Repousaste ao
peito meu...
E senti nuvens
cheirosas,
Ouvi liras
suspirarem,
Rompeu-se a
névoa... era o céu!...
Caía chuva de
flores
E luminosos
vapores
Davam azulada
luz...
E eu acordei ...
que delírio!
Eu sonho findo o
martírio
E acordo pregado
à cruz!”
"Sou o sonho
de tua esperança.
Tua febre que
nunca descansa,
O delírio que te
há de matar!..."
“Oh! voltai uma
vez! eu sofro tanto!
Meu sonhos,
consolai-me! distraí-me"
O drama
adolescente, as frustrações, os desejos, mas, principalmente, a falta de
segurança levam-no ao sonho, pois só através dele a realização sexual poderia
se concretizar em um jovem tímido e palpitante.
O Poeta, a vida, a mulher e a poesia:
Trindade
A vida é uma
planta misteriosa
cheia d’espinhos,
negra de amarguras,
Onde só abrem
duas flores puras,
— Poesia e
amor...
E a mulher... é a
nota suspirosa
Que treme d’alma
a corda estremecida,
—É fada que nos
leva além da vida
Pálidas de
languor!
A poesia da luz
da mocidade —
O amor é o poema
dos sentidos,
A febre dos
momentos não dormidos
E o sonhar da
ventura
Voltai, sonhos de
amor e de saudade!
Quero ainda
sentir arder-me o sangue,
Os olhos turvos,
o meu peito languei
E morrer de
ternura!
Reunindo aqui os
elementos constantes em sua poesia, Álvares de Azevedo resume que o amor seria
um sentimento que o levaria ao sonho e à fantasia de uma vida que só seria
possível na poesia que ele construiria a partir de suas próprias reflexões,
desejos e insatisfações.
A Donzela do poeta:
"Donzela, feliz do amante
Que teu seio
palpitante
Seio d’esposa
fizer!
Que dessa forma
tão pura
Fizer com mais
formosura
Seio de bela
mulher!
Feliz de mim...
porém não!
Repouse teu
coração
Da pureza no
rosal!
Tenho eu no peito
um aroma
Que valha a rosa
que assoma
No teu seio
virginal?..."
"Oh! virgem dos meus amores,
Dá-me essa folha
singela!
Quero sentir teu
perfume
Nos doces aromas
dela...
E nessa
malva-maçã
Sonhar teu seio,
donzela!"
A mulher tem uma
força surpreendentemente obsessiva no adolescente. Seus estados emotivos
transparecem através de névoas e de uma palidez que chega a se chocar com a
escuridão da noite novamente. O receio de amar traz a mulher entre veludos,
aromas. devaneios que ele não ousa dispersar, pois assim ela sena sempre uma
virgem idealizada e distante.
A Minha morte
"Morrerei, ó morena, em segredo!
Um perdido na
terra sou eu!
Ai! teu sonho não
morra tão cedo
Como a vida em
meu perto morreu!"
"Oh! Morte! a que mistério me destinas?
Esse átomo de luz
que inda me alenta,
Quando o corpo
morrer —
Voltará amanhã —
aziagas sinas
Da terra sobre a
face macilenta
Esperar e
sofrer?"
A inspiração do
momento fez com que Álvares de Azevedo transformasse suas poesias sempre em
ponto de interrogação. A dúvida da vida e a certeza da morte punham-no numa
situação de estranheza diante de si mesmo. A inquietação, influenciada por
Shelley, o prazer no sofrimento, o pressentimento da morte, o amargor irônico
de Byron, a melancolia de Shelley fizeram com que ele valorizasse a única coisa
que certamente era dele: a morte.
O Poeta e a confirmação
Meu pobre coração
que estremecia,
Suspira a
desmaiar no peito meu;
Para enchê-lo de
amor, tu bem sabia.
Bastava um beijo
teu!
Como o vale nas
brisas se acalenta,
O triste coração
no amor dormia:
Na saudade, na
lua macilenta
Sequioso as
bebia!
Se nos sonhos da
noite se embalava
Sem um gemido.
sem um si sequer,
E que o leite da
vida ele sonhava
Num seio de
mulher!
Se abriu temendo
os últimos refolhos,
Se junto de teu
seio ele tremia,
É que lia ventura
nos teus olhos,
E que dele vivia!
Via o futuro em
mágicos espelhos,
Tua bela visão o
enfeitiçava.
Sonhava adormecer
nos teus joelhos ...
Tanto enlevo
sonhava!
Via nos sonhos
dele a tua imagem
Que de beijos de
amor o recendia:
E de noite nos
hábitos da aragem
Teu alento
sentia!
Ó pálida mulher!
se negra sina
Meu berço
abandonado me embalou,
Não te rias da
sede peregrina
Dessa alma que te
amou.
Que sonhava em
teus lábios de ternura
Das noites do
passado se esquece;
Ter um leito
suave de ventura...
E amor... onde
morrer!
Lira
dos vinte anos, de Álvares de Azevedo
Análise da obra
www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/analises_completas/
NOITE NA TAVERNA
Fernando Soares
A obra clássica,
"Noite na Taverna", publicada em 1855, é composta por sete contos, o
primeiro tem caráter introdutivo narrado em terceira pessoa apresenta os
personagens e as suas respectivas caracteristicas por meio de suas conversas e
o palco destes contos, a taverna, todos os contos seguintes são narrados em primeira
pessoa, pelos diferentes personagens , tais contos são dotados de fantasias,
amores,mortes, de antropofagia presente no conto de Bertran, traições como no
conto de Gennaro,paixão de morte presente no conto de Hermann, de mulheres,
aventuras,necrofilismo presente no conto de Solfieri, incesto presente no conto
de Johann,fantasmas e demônios. A obra possui em cada conto quatro
características principais: o amor, a morte, a bebida, e um poema
introducional, que foram escritos por autores considerados ídolos de Álvares de
Azevedo, como Shakespeare, Bryon, e Alexandre Dumas, e que expressam um
pensamento que fundamenta o conto.
Um fato
interessante a ser ressaltado, é que a obra não apresenta um tempo em si, como
por exemplo, uma década ou século, transmitindo a ideia de algo vago, que
acontece em "algum lugar, em alguma taverna, e em algum tempo",
sugerindo que a história pode se repetir sempre, num bar/taverna qualquer.
Porém, apesar de não possuir um tempo determinado, a obra possui uma história
cronológica, mas com diversos "flashbacks", que retomam ao passado, e
geram um tempo psicológico. Ao longo dos contos, há uma mudança de tempos
dinâmica, visto que os personagens interrompem em diversos momentos suas
narrativas no tempo psicológico, para, por exemplo, pedir mais vinho a
taverneira.
Os protagonistas
da obra são: Solfieri, Bertram, Gennaro, Claudius Hermman, Johann,
Arthur/Arnold, e Geórgia.
Por ser escrito
no século XIX, o livro possui uma linguagem mais culta o que pode dificultar a
leitura em alguns momentos utilizando palavras e expressões que cairam em
desuso. A obra trás traços do romantismo, que estava em destaque na época, e do
romance gótico,caracterizando o estilo conhecido como
"mal-do-século", por escolha do autor, que faz com que nos contos
apareçam raptos, fugas e aventuras envolvendo morte de diveras maneiras
geralmente desencadeadas por amores.
Apesar de tratar
deste tema de amor e morte que englobam o egocentrismo, humor negro, pessimismo
entre outros e são ainda hoje polêmicos o autor os coloca de uma forma que não
tem por objetivo assustar ou amedrontar o leitor apenas os relata de uma modo que
prende a atenção do leitor que busca o desfecho dos contos e se interessa pelas
próximas histórias esperando encontrar outras fantasias que apresentem emoções
como as anteriores.
Mais sobre
informações sobre a obra, você pode encontrar nos sites abaixo:
http://www.algosobre.com.br/resumos-literarios/noite-na-taverna.html
http://educarparacrescer.abril.com.br/leitura/noite-na-taverna-402916.shtml
http://literatura-edir.blogspot.com/2008/06/resumo-e-anlise-de-noite-na-taverna.html
A história
completa, pode ser encontrada em:
http://fredb.sites.uol.com.br/taverna.html
Resenha- "Noite na Taverna- Álvares de Azevedo"
- Wiki Wiquimica
pt-br.203quimica.wikia.com/wiki/Resenha-_"Noite_na_Tave
- 72k
COMENTÁRIOS SOBRE
A OBRA
As histórias
macabras de Noite na taverna mergulham o leitor num ambiente soturno, propí-cio
aos delírios. Os nomes dos personagens esua aparência física são inspirados em
heróis eheroínas que apareciam nas obras dos escritores românticos europeus,
avidamente lidos porÁlvares de Azevedo. Usando esses nomes, oautor dá à
narrativa um toque europeu, aproximando-a de seus modelos. Essa obra representa a realização em prosa do
ultra-romantismo do século XIX. Os personagens expressamum pessimismo doentio,
são jovens desesperançados, que descrêem dos valores sociais,morais e religiosos.
O amor sensual e o gozofísico constituem o móvel das ações, que terminam sempre
em morte ou loucura. O ambientecriado é de tal modo fantástico que prende aatenção
do leitor, como diz o crítico AntonioCandido: “É como se o autor tivesse
conseguidoelaborar, em atmosfera fechada, um mundo artificial e coerente, um
jogo estranho mas
fascinador, cujas
regras aceitamos.”.
No caso desse
livro, mais do que nunca, devemos ter em mente que não se pode confundiro
narrador dos contos com a pessoa do autor.
O fato de seus
textos falarem de noites emtavernas, bordéis ou orgias não significa queÁlvares
de Azevedo tenha vivido pessoalmente essas experiências. Ao contrário. Segundo
otestemunho dos contemporâneos, o poeta eraum rapaz muito estudioso e suas
noites erampassadas em meio aos livros do curso de Direito. O que o fazia
sofrer, de fato, era a saudadeda família e do Rio de Janeiro, pois vivia
sozinho na provinciana e desinteressante cidadede São Paulo da metade do século
XIX.
Os poemas selecionados
de Lira dos vinte anos,que reúne o melhor da produção lírica de Álvares de
Azevedo, exemplificam as várias linhastemáticas de sua obra poética. A primeira
e aterceira partes desse livro apresentam poemasem que predominam o
sentimentalismo, aidealização amorosa. Nesses textos, a mulher
ora é descrita
como uma figura angelical, envolvida por um clima de sonho e fantasia, ora édescrita
como uma figura sensual e provocante, que tenta e atormenta o poeta. Nos doiscasos,
porém, ela é sempre inacessível, distante, tornando impossível a realização
amorosa.
Na segunda parte
do livro, no entanto, Álvaresde Azevedo muda de tom e surpreende o leitor,
pois, ao lado do poeta melancólico e sofredor, surge o poeta irônico e zombeteiro,
que rida própria poesia romântica e do sentimentalismo exagerado da época. E é ele
mesmo quemexplica esse duplo aspecto de sua poesia: “A
razão é simples.
É que a unidade deste livrofunda-se numa binomia. Duas almas que moram nas
cavernas de um cérebro pouco mais ou menos de poeta escreveram este livro,
verdadeira medalha de duas faces.”.
ÁLVARES DE AZEVEDO: ENTRE A
PRECOCIDADE E A GENIALIDADE
Manuel Bandeira disse num comentário, a
respeito da obra precoce e ao mesmo
tempo brilhante de Álvares de Azevedo, que havia algo de artificial na atitude
satânica dele e “ que ao mesmo tempo dirigia à mãe versos e cartas de uma
ternura quase infantil”. Bandeira reconhece a força verbal e o poder de
imaginação que o destinaria a uma carreira literária genial, não fosse a sua
morte prematura, ainda adolescente. (Rocha, p.12). Adolescente, adolescência do romantismo no Brasil são as duas características,
na visão de Antonio Cândido, acerca do jovem que tão bem representou esse
período na literatura brasileira.(Rocha,1982 p. 14) :
Há nele, sobretudo, como no escorço da vida
que é a adolescência, aquele misto de frescor juvenil e fatigada senilidade,
presente nos moços do Romantismo. O adolescente é muitas vezes um ser dividido,
não raro ambíguo, ameaçado de dilaceramento, como ele, em cuja personalidade
literária se misturam a ternura casimiriana e nítidos traços de perversidade.
Desejo de afirmar e submisso temor de menino amedrontado; rebeldia dos sentidos
que levam duma parte à extrema idealização da mulher, de outra, a lubricidade
que a degrada.
Baseados nestas
duas visões sobre Álvares de Azevedo, pode-se entender a importância da sua
obra, na segunda geração do Romantismo no Brasil. Sua obra foi muito marcada pelo estilo europeu,
especialmente influenciado por Lord
Byron e Alfred de Musset.
Em a lira dos vinte anos, há uma dualidade bem
marcada, inclusive pelos prefácios bem distintos. O segundo prefácio abre uma
produção poética mais realista, menos imaginativa e repetitiva dos modelos de
referência que ele segue. A visão
onírica da mulher se desfaz, contrapondo-se uma abordagem mais irônica e mesmo
grotesca, embora a figura continue
inalcansável, e o encontro amoroso sempre frustrado.
Para ilustrar
essa dualidade, na visão da figura feminina, pode-se destacar, os versos do poema “Cismar”, em suas duas
últimas estrofes:
“Donzela sombria,
na brisa não sentes
A dor que um
suspiro em meus lábios tremeu?
E a noite, que
inspira no seio dos entes
Os sonhos
ardentes,
Não diz-te que a
voz
Que fala-te a sós
Sou eu?
Acorda! Não
durmas da cisma no véu!
Amemos, vivamos,
que amor é sonhar!
Um beijo,
donzela! Não ouves? No céu
A brisa gemeu...
As vagas
murmuram...
As folhas
sussuram:
Amar! (“Cismar”, IN: Poesias Completas, 2010).
Depois, no poema “É ela! É ela! É ela! É
ela”, a versão mais grotesca da figura
feminina, numa versão que pode ser compreendida mesmo como a dessacralização da
mulher, da musa:
“É ela! é ela! —
murmurei tremendo,
E o eco ao longe
murmurou — é ela!...
Eu a vi... minha
fada aérea e pura,
A minha lavadeira
na janela!
Dessas
águas-furtadas onde eu moro
Eu a vejo
estendendo no telhado
Os vestidos de
chita, as saias brancas...
Eu a vejo e
suspiro enamorado!
Esta noite eu
ousei mais atrevido
Nas telhas que
estalavam nos meus passos
Ir espiar seu
venturoso sono,
Vê-la mais bela
de Morfeu nos braços!
Como dormia! que
profundo sono!...
Tinha na mão o
ferro do engomado...
Como roncava
maviosa e pura!
Quase caí na rua
desmaiado!
Afastei a janela,
entrei medroso:
Palpitava-lhe o
seio adormecido...
Fui beijá-la...
roubei do seio dela
Um bilhete que
estava ali metido...
Oh! De certo ...
(pensei) é doce página
Onde a alma
derramou gentis amores!...
São versos
dela... que amanhã decerto
Ela me enviará
cheios de flores...
Trem de febre!
Venturosa folha!
Quem pousasse
contigo neste seio!
Como Otelo
beijando a sua esposa,
Eu beijei-a a
tremer de devaneio...
É ela! é ela! —
repeti tremendo,
Mas cantou nesse
instante uma coruja...
Abri cioso a
página secreta...
Oh! meu Deus! era
um rol de roupa suja!
Mas se Werther
morreu por ver Carlota
Dando pão com
manteiga às criancinhas,
Se achou-a assim
mais bela... eu mais te adoro
Sonhando-te a
lavar as camisinhas!
É ela! é ela! meu
amor, minh’alma,
A Laura, a
Beatriz que o céu revela...
É ela! é ela! —
murmurei tremendo,
E o eco ao longe
suspirou — é ela!
(“É ela! É ela! É ela! É ela”, In: Poesias
Completas, 2010).
Pode-se dizer, inclusive, que no tom irônico
de muitos poemas da segunda parte da Lira dos vinte anos reside uma crítica ao
próprio estilo, e ao exagero teatral do Romantismo, em sua referência ao modelo inicia esse texto, a respeito da sua
potencial capacidade literária e sua precocidade.
O volume da obra de Álvares
de Azevedo, escrita em tão pouco tempo, aliada aos inúmeros depoimentos sobre a
importância dela, após a sua morte, consolida a sua marca indelével no
Romantismo brasileiro.
“No enterro de um amigo suicida,
no cemitério iluminado por archotes (era noite), disse o poeta no discurso
fúnebre: “Todos os anos a morte escolhe, sorrindo, os melhores dentre nós.” A
sorridente, que andava ali por perto, anotou no caderninho o nome do orador:
Álvares de Azevedo. Profissão? Poeta. Diagnóstico? Tumor na fossa ilíaca –
coisa rara na escola-de-morrer-cedo”. Lígia
Fagundes Teles escreveu ao final do seu ensaio sobre o poeta, em seu livro A
disciplina do amor.
Sandra Fonseca.
Ler mais:
http://www.luso-poemas.net/modules/newbb/viewtopic.php?topic_id=3359#ixzz20o4YgvJv
ÁLVARES DE AZEVEDO: ENTRE A PRECOCIDADE E A GENIALIDADE /Fórum ...
www.luso-poemas.net/modules/newbb/viewtopic.php?topic_id=335 - 70k -
MACÁRIO: A OBRA MACABRA DE ÁLVARES DE
AZEVEDO
Mariana do Nascimento Ramos
Manuel Antônio
Álvares de Azevedo (1831-1852) recebeu algumas tantas alcunhas da crítica
literária brasileira, dentre elas a de anjo e demônio do nosso romantismo. Não
é à toa, porém, que sua obra é de difícil classificação, uma vez que a
tentativa de pragmatizá-la acaba por retirar a densidade ambígua e
contraditória – propositadamente, é claro – que está difundida em suas linhas e
entrelinhas. A vertente ultrarromântica foi capaz de introjetar nas veias dos
poetas as hipérboles proferidas com aquele exagero típico que os românticos
mais poeticamente emocionados costumavam ter. Por outro lado, não é tarefa
árdua reconhecer na obra do estudante paulista uma faceta irônica e mordaz, que
se reveste de uma autocrítica sarcástica e atravessada por versos
metalinguísticos capazes de negar sua própria imagem de poeta romântico. Esse
é, sem dúvida, um dos aspectos mais interessantes de sua obra poética.É nesse âmbito
de classificações confusas e insuficientes que iremos encontrar o drama Macário
(1855), talvez a obra mais ininteligível de Azevedo do ponto de vista
pragmático. O próprio autor se esquivou de classificá-la em qualquer gênero
literário para reconhecer nesse drama “apenas uma inspi- ração confusa, rápida,
que realizei à pressa como um pintor febril e trêmulo”. Por conta disso,
Macário muitas vezes nem é citada como objeto de estudo de sua poética, sendo
deixada de lado, certamente por não fazer parte de um conjunto literário
coerente e homogêneo. No entanto, a peça de Álvares de Azevedo é extremamente
representativa da articulação consciente de um projeto literário baseado na
contradição. Como ele próprio observou a respeito de sua poética, residem em um
mesmo cérebro “mais ou menos de poeta” as facetas de Ariel e Caliban. As
supostas contradições e incoerências dessa obra do poeta paulistano só
reafirmam uma ideia do próprio Álvares de Azevedo acerca do romantismo
brasileiro. Propomos, assim, uma breve análise do alcance da ambiguidade que a
leitura do drama Ma- cário provoca, fato que se estende por quase toda a obra
do autor. Vertente ingênua ou vertente irônica, angelical ou satânica, a peça
de Álvares de Azevedo suscita um estudo mais detalhado e questionador a
respeito das várias facetas que apresenta o próprio romantismo brasileiro.
O poeta e a vida boêmia de sua época
O Brasil do
século XIX conviveu com um número representativo de agremiações estudantis,
cuja importância para a vida literária das capitais brasileiras e suas
principais províncias tornou-se indiscutível. Criadas a partir dos interesses
acadêmicos, sociais e políticos dos estudantes das faculdades bra- sileiras –
nessa época, o ambiente ideal de germinações intelectuais e ideológicas das
gerações que por elas passavam –, essas sociedades definiram, de forma às vezes
bastante conturbada, o panorama literá- rio nacional do século XIX.
O Rio de Janeiro
esboçava um roteiro cultural determinado pelas grandes figuras que compunham os
ambientes mais propícios ao desenvolvimento intelectual do país. Florescia,
assim, um meio favo- rável à integração cada vez mais intensa entre políticos,
escritores e intelectuais da época. O desenvolvimento econômico do Brasil
pós-independência contribuiu decisivamente para o surgimento de um ritmo de
vida citadino experimentado pelos habitantes da capital do Império. Além da
Faculdade de Medicina, as livrarias começavam a ser frequentadas pela parcela
da população que se preocupava em discutir os rumos que o país poderia tomar.
Contudo, não só a
capital do Império possuía vida literária e produções intelectuais de grande
por- te; as atividades políticas e culturais não paravam de crescer e de se
multiplicar no bojo de uma socieda- de em plena constituição. O desenvolvimento
e o comércio chegavam até outras capitais do país, como São Paulo, Recife e
Salvador. Na capital paulista, a Sociedade Filomática, surgida em 1832, lançava
os números de sua Revista da Sociedade Filomática, que buscava analisar o
quadro sociopolítico do Brasil numa ótica nacionalista. No Rio de Janeiro, as
associações literárias faziam parte da vida social dos jovens acadêmicos que se
interessavam pelo futuro do país.
Mas a época
romântica conheceu também outro tipo de sociedade que se tornou muito difundida
entre os estudantes brasileiros: eram as chamadas sociedades secretas, que
consistiam, na maioria das vezes, em associações juvenis promovedoras de
práticas excêntricas e controversas. A incidência desse tipo de associação está
diretamente relacionada à vida acadêmica dos estudantes das faculdades do
Brasil, já que era para as Academias de Direito e Medicina que costumavam ir os
jovens de famílias burguesas das classes média e alta, afastando-se de seus
familiares, que até então os haviam conservado bons e respeitosos rapazes de
família. Entretanto, aquelas repúblicas abastadas de jovens estudantes não
poderiam deixar de ser o lugar mais adequado à formação estética desses grupos
de adoradores de Byron que apre- ciavam a noite, a poesia e a literatura
gótica. Estimulados pelos companheiros mais experientes, os rapa- zes
recém-chegados de casa deparavam-se com um ambiente livre do conservadorismo
católico-familiar, e logo eram apresentados à bebida, ao charuto e aos jogos.
Uma espécie de “personalidade byroniana” pairava sobre as cabeças daqueles
rapazes que começavam a dar os primeiros passos como formadores de uma
importante fase da história nacional. Embora fossem ainda muito jovens e
inexperientes, esses estudantes de atitudes provocadoras possuíam plena
consciência da importância daquele movimento para a sociedade brasileira.
Assim, em 1845,
sob a influência da lenda de Lord Byron, os estudantes da Faculdade de Direito
do Largo do São Francisco criaram a famosa Sociedade Epicureia. Dela
participaram alguns dos poe- tas mais renomados do romantismo brasileiro, tais
como Bernardo Guimarães (1825-1884), Aureliano Lessa (1828-1861) e Fagundes
Varela (1841-1875). Muitos autores não admitem, porém, a presença de Álvares de
Azevedo nessa sociedade, pois de fato não há documentos que comprovem que o
poeta participava dos encontros noturnos do grupo de São Paulo, embora muitos
estudiosos prefiram acreditar em um provável contato do poeta com a Sociedade,
já que muitos de seus amigos e companheiros de faculdade eram membros do grupo.
Os estudantes viviam (ou queriam viver) uma verdadeira vida boêmia e suas
práticas muitas vezes tinham a ver com o que liam sobre a geração romântica de
Paris. Álvares de Azevedo escreveu o poema “Spleen e charutos”, combinação
byroniana por excelência. Há ainda uma passagem de Macário que ilustra bem a
importância que o poeta dava ao tabaco:
O DESCONHECIDO
Bebei mais um copo de Madeira.
(Beberam.) Levais decerto alguma preciosidade na mala? (Sorri-se.) MACÁRIO
Sim…
O DESCONHECIDO
Dinheiro?
MACÁRIO
Não, mas…
O DESCONHECIDO
A coleção completa de vossas cartas de
namoro, algum poema em borrão, alguma carta de recomendação? MACÁRIO
Nem isso, nem aquilo… Levo…
O DESCONHECIDO
A mala não pareceu-me muito cheia.
Senti alguma coisa sacolejar dentro. Alguma garrafa de vinho? MACÁRIO
Não! não! mil vezes não! Não
concebeis, uma perda imensa, irreparável… era o meu cachimbo…
As sociedades
secretas, como a Sociedade Epicureia, proclamavam os valores românticos
relacionados com a literatura de Lord Byron, quais fossem a morbidez, o
sarcasmo e o fascínio em relação à morte. A matéria poética que alimentava a geração
ultrarromântica vinha das fantasias literárias daqueles rapazes sonhadores que
procuravam, de alguma maneira, aproximar-se da figura de Don Juan.
Mais do que
simples brincadeiras de rapaz que quer esbanjar todo o seu vigor juvenil e
intelectual de forma exagerada, os encontros daquelas associações marginais
engendravam um ideário pleno de valores importantes e decisivos para a
literatura brasileira. Formava-se, em torno dos excessos e das fanfarronadas
acadêmicas dos estudantes, um verdadeiro universo cuja perspectiva poderia
assumir caráter muito sério, uma vez que consciente da configuração literária
brasileira.
O Prefácio da segunda parte de Lira
dos vinte anos
Quando se estuda
e analisa a obra literária de Álvares de Azevedo, muitas vezes deixa-se de lado
um dos textos mais significativos e importantes para uma compreensão
aprofundada de sua lírica: o “Prefácio da Segunda Parte” de seu livro Lira dos
vinte anos (1853), no qual o poeta faz uma análise inusitada – para um poeta
romântico – de sua própria poética e do romantismo de maneira geral. Esse texto
condensa, em poucas páginas, uma breve autorreferência da complexa binomia que
reside na lírica do escritor, revelando que seu fazer poético organiza-se a
partir de um universo ambíguo e ilustrativo daquilo que ele revelou como um de
seus maiores desejos literários: a provocação, por parte da poesia, de senti-
mentos antagônicos porém inseparáveis que encerram no homem sua natureza mais
surpreendente.
É na primeira
parte de Lira dos vinte anos que encontraremos um eu lírico carregado de
sentimentalismo e emoções exageradas, as quais perpassam por versos que podem
revelar desde um amor ingênuo e inocente por sua mãe:
À MINHA MÃE
Se a terra é
adorada, a mãe não é mais digna de veneração.
Como as flores de
uma árvore silvestre Se esfolham sobre a leiva que deu vida A seus ramos sem
fruto,
Ó minha doce mãe,
sobre teu seio Deixa que dessa pálida coroa
Das minhas
fantasias
Eu desfolhe
também, frias, sem cheiro, Flores da minha vida, murchas flores Que só orvalha
o pranto
até um erotismo
confluente de fantasias e realidade mórbida:
SONHANDO
Na praia deserta
que a lua branqueia, Que mimo! que rosa! que filha de Deus! Tão pálida… ao
vê-la meu ser devaneia, Sufoco nos lábios os hálitos meus!
Não corras na
areia,
Não corras assim!
Donzela, onde
vais?
Tem pena de mim!
[...]
A brisa teus
negros cabelos soltou,
O orvalho da face
te esfria o suor, Teus seios palpitam – a brisa os roçou, Beijou-os, suspira,
desmaia de amor! Teu pé tropeçou…
Não corras assim…
Donzela, onde
vais?
Tem pena de mim!
[...]
Aqui no meu peito
vem antes sonhar
Nos longos
suspiros do meu coração:
Eu quero em meus
lábios teu seio aquentar, Teu colo, essas faces, e a gélida mão…
Não durmas no
mar!
Não durmas assim.
Estátua sem vida,
Tem pena de mim!
[...]
E a imagem da
virgem nas águas do mar Brilhava tão branca no límpido véu…
Nem mais transparente
luzia o luar
No ambiente sem
nuvens da noite do céu! Nas águas do mar
Não durmas assim…
Não morras,
donzela,
Espera por mim!
É nessa primeira parte da Lira dos vinte anos
que vamos encontrar o Álvares de Azevedo Ariel, ou angelical, como bem acentuou
Antonio Candido em seu estudo “Álvares de Azevedo, ou Ariel e Caliban”. Há,
nesse âmbito específico de sua lírica, um eu poético que extravasa um certo
sentimenta- lismo adolescente, quase ingênuo, cuja personalidade literária se
percebe por vezes em imagens poéticas ternas e infantis. Seja uma virgem do mar
idealizada, seja a mãe cujo amor é casto e sincero, o que podemos notar nessa
primeira parte de Lira dos vinte anos é justamente esse enveredamento poético
em direção ao que existia de mais previsível em um poeta romântico de sua
época. É nessa parte da obra que vamos encontrar versos como os do poema
“Itália”, pátria que aparece em Macário como o ambiente de sonhos de Penseroso,
personagem apaixonado e sonhador:
Ver a Itália e morrer!… Entre meus
sonhos Eu vejo-a de volúpia adormecida…
Nas tardes vaporentas se perfuma
E dorme, à noite, na ilusão da vida!
E, se eu devo expirar nos meus amores, Nuns
olhos de mulher amor bebendo, Seja aos pés da morena Italiana, Ouvindo-a
suspirar, inda morrendo.
Segundo Antonio
Candido, as múltiplas facetas que o romantismo parece apresentar sob a ótica
poética de Álvares de Azevedo justificam-se, de alguma maneira, ao
reconhecermos no movimento romântico traços de uma certa adolescência
literária, reforçada pelo fato de que quase todos os poetas da geração de
Álvares de Azevedo eram ainda muito jovens:
Se o Romantismo,
como disse alguém, foi um movimento de adolescência, ninguém a representou mais
tipicamente no Brasil. O adolescente é muitas vezes um ser dividido, não raro
ambíguo, ameaçado de dila- ceramento, como ele, em cuja personalidade literária
se misturam a ternura casimiriana e nítidos traços de perversidade; desejo de
afirmar e submisso temor de menino amedrontado; rebeldia dos sentidos, que leva
duma parte à extrema idealização da mulher e, de outra, à lubricidade que a
degrada.
O texto de
abertura da segunda parte da obra indica que tipo de aproximação se fará
necessário para que o leitor não se assuste ao ler o primeiro poema dessa parte
inspirada por seu lado Caliban; tudo isso, porém, não passa de ironia
metalinguística, uma vez que o leitor estranha esse novo universo macabro de
qualquer jeito:
Cuidado, leitor,
ao voltar esta página!
Aqui dissipa-se o
mundo visionário e platônico. Vamos entrar num mundo novo, terra fantástica,
verdadeira ilha Baratária de D. Quixote, onde Sancho é rei e vivem Panúrgio,
sir John Falstaff, Bardolph, Fígaro e o Sganarello de D. João Tenório: — a
pátria dos sonhos de Cervantes e Shakespeare.
Quase que depois
de Ariel esbarramos em Caliban. A razão é simples. É que a unidade deste livro
funda-se numa binomia: — duas almas que moram nas cavernas de um cérebro pouco
mais ou menos de poeta escreveram este livro, verdadeira medalha de duas faces.
Essa ideia de
binomia é ratificada em Macário, com a presença de Penseroso e Macário e as
contradições discursivas do próprio Macário. Nesse universo obscuro da segunda
parte de seu prefácio, en- contramos um lado sarcástico e irônico na obra de
Álvares de Azevedo, capaz de transformar a típica imagem romântica da virgem na
janela em uma caricatura irônica e zombeteira:
É ELA! É ELA!
É ela! é ela! —
murmurei tremendo,
E o eco ao longe
murmurou — é ela!… Eu a vi… minha fada aérea e pura,
A minha lavadeira
na janela!
Dessas
águas-furtadas onde eu moro Eu a vejo estendendo no telhado
Os vestidos de
chita, as saias brancas… Eu a vejo e suspiro enamorado!
Esta noite eu
ousei mais atrevido
Nas telhas que
estalavam nos meus passos Ir espiar seu venturoso sono,
Vê-la mais bela
de Morfeu nos braços!
Como dormia! que
profundo sono!… Tinha na mão o ferro do engomado… Como roncava maviosa e pura!
Quase caí na rua desmaiado!
Afastei a janela,
entrei medroso: Palpitava-lhe o seio adormecido… Fui beijá-la… roubei do seio
dela Um bilhete que estava ali metido…
Oh! De certo …
(pensei) é doce página Onde a alma derramou gentis amores!… São versos dela…
que amanhã decerto Ela me enviará cheios de flores…
Trem de febre!
Venturosa folha! Quem pousasse contigo neste seio! Como Otelo beijando a sua
esposa, Eu beijei-a a tremer de devaneio…
É ela! é ela! —
repeti tremendo,
Mas cantou nesse
instante uma coruja… Abri cioso a página secreta…
Oh! meu Deus! era
um rol de roupa suja!
Mas se Werther
morreu por ver Carlota Dando pão com manteiga às criancinhas,
Se achou-a assim
mais bela… eu mais te adoro Sonhando-te a lavar as camisinhas!
É ela! é ela! meu
amor, minh’alma, A Laura, a Beatriz que o céu revela… É ela! é ela! — murmurei
tremendo, E o eco ao longe suspirou — é ela!
Nesse poema, a “virgem” romântica é, na
verdade, uma lavadeira que está na janela simplesmente porque aí está
pendurando as roupas molhadas que acabou de lavar. Ironicamente, é essa cena
pouco romancesca e poética que inspirará o poeta em seus versos de amor,
transformando a lavadeira da janela em uma fada “aérea e pura”. O adjetivo
“aérea”, que em outra situação poderia definir o sentido de san- tidade
associado à mulher romântica – quase sempre referida como ser etéreo e diáfano
–, é, no poema de Álvares de Azevedo, nada mais do que uma referência tópica ao
fato de sua amada estar “pendurada” em uma janela, já que era uma lavadeira
estirando roupas. A aventura quixotesca do poeta faz clara referência às musas
românticas que inspirariam os escritores de sua geração, e ele próprio;
entretanto, o exagero piegas do romantismo é, aqui, satirizado pelo próprio eu
poético que dá voz ao poema. Álvares de Azevedo, assim, satiriza não só a sua
geração de escritores, como a si próprio, visto que o poeta ad- mite que há
também o lado Ariel em sua escritura, cristalizado na primeira parte da Lira
dos vinte anos. Antonio Candido vê na dialética que provoca a autoironia do
poeta a “execução de um programa cons- cientemente traçado”, uma vez que as
tendências literárias na poética de Álvares de Azevedo – por ele próprio
chamadas de Ariel e Caliban – são complementares e indissociáveis, dando à sua
obra o caráter de uma binomia que, fundamentada em uma contradição, acabou por
gerar o que seria, para o poeta, sua marca diferencial dentro do romantismo
brasileiro.
Macário: teatro macabro
Uma conversa
regada a bebida, sarcasmo e delírio entre Satã e um jovem estudante de Direito
que maldiz a própria sorte. Esse pode ser o núcleo central de Macário, a peça
de Álvares de Azevedo considerada, muitas vezes, indecifrável, seja por sua
matéria narrada incomum e fantasiosa, seja por causa de sua perspectiva de
narração que não se enquadra em nenhum outro gênero literário conhecido até
então. Segundo Antonio Candido, a obra pode ser lida como uma “mistura de
teatro, narração dialogada e diário íntimo: no conjunto, e como estrutura, sem
pé nem cabeça, mas desprendendo, sobretudo na primeira parte, irresistível
fascínio”.
Macário pode ser
lida, então, como um drama dividido em dois episódios. No primeiro, o jovem
estudante Macário chega a uma taverna para passar a noite e começa a conversar
com um estranho. O estranho revela ser Satã e leva-o para um passeio a cavalo
por uma cidade inóspita e monótona, povoada por prostitutas e estudantes. Não
se sabe ao certo em que cidade estão, mas entende-se que os personagens estão
falando de São Paulo, cidade onde o próprio Álvares de Azevedo também cursava a
Faculdade de Direito, no Largo de São Francisco. Depois de peregrinar pelas
ruas com o estranho, Macário tem uma alucinação e acorda palpitante, na pensão;
a atendente reclama que ele dormiu comendo. Ele acha que foi tudo um sonho, mas
os dois veem pegadas de cabra queimadas no chão e se entreolham, assustados. No
segundo episódio, passado na Itália, Macário e outros estudantes aparecem em
cena, confusos, deprimidos e em busca do amor puro e virginal. Seu amigo
Penseroso acaba matando-se por amor enquanto Macário está bêbado. A peça acaba
com Macário sendo levado pelo braço por Satã para uma orgia em um bar.
Não há sequência
lógica na intriga capaz de sedimentar os episódios em outro lugar que não sejam
os delírios e as vertigens da imaginação do protagonista da obra. Macário é um
jovem estudante que estabelece uma espécie de companheirismo macabro e
autodestrutivo com Satã, personagem sóbrio, sarcástico e, para espanto dos
leitores ou expectadores, bastante amigável na maioria das vezes.
O pano de fundo é
a tediosa – para aquela época – noite paulistana, durante a qual Macário e Satã
conversam sobre o que poderia haver de mais importante para um poeta romântico
daquela época: a pátria, as mulheres, o amor e a morte. O ambiente parece
sempre hesitar entre o comprometimento com a realidade e um movimento
incompreensível das personagens que evoca o delírio. A vertigem de Macário,
porém, revela seus pensamentos e seus desejos mais profundos, o que somente
Satã parece compreender; mais do que isso, às vezes, tem-se a impressão de que
o próprio Satã seria o causador desse des- compasso vertiginoso na mente do
estudante. O encontro entre Satã e Macário se dá de maneira muito natural, como
se o estudante já parecesse, de alguma forma, evocar e sentir a presença do
diabo:
MACÁRIO
Ainda uma vez, antes de dormir, o teu
nome?
O DESCONHECIDO
Insistes nisso?
MACÁRIO
De todo o meu coração. Sou filho de
mulher.
O DESCONHECIDO
Aperta minha mão. Quero ver se tremes
nesse aperto ouvindo meu nome.
MACÁRIO
Juro-te que não, ainda que fosses.
O DESCONHECIDO
Aperta minha mão. Até sempre: na vida
e na morte!
MACÁRIO
Até sempre, na vida e na morte!
O DESCONHECIDO
E o teu nome?
MACÁRIO
Macário. Se não fosse enjeitado,
dir-te-ia o nome de meu pai e o de minha mãe. Era de certo alguma liber- tina.
Meu pai, pelo que penso, era padre ou fidalgo.
O DESCONHECIDO
Eu sou o diabo. Boa-noite, Macário.
MACÁRIO
Boa-noite, Satan. (Deita-se. O
desconhecido sai.) O diabo! Uma boa fortuna! Há dez anos que eu ando para
encontrar esse patife! Desta vez agarrei-o pela cauda! A maior desgraça deste
mundo é ser Fausto sem Me- fistófeles. Olá, Satan!
Mas, assim como não existe um compromisso
convencional com a verossimilhança, o leitor – ou o público, já que se trata de
uma peça de teatro – não hesita em desvendar os caminhos (quase)
incompreensíveis da imaginação do protagonista, que, na companhia duvidosa de
Satã, empreende uma viagem estranha pelas ruas de São Paulo, cidade ideal para
a peregrinação macabra dos dois companheiros de spleen:
MACÁRIO
Por acaso também há mulheres ali?
SATAN
Mulheres, padres, soldados e estudantes.
As mulheres são mulheres, os padres são soldados, os soldados são padres, e os
estudantes são estudantes: para falar mais claro: as mulheres são lascivas, os
padres dissolutos, os soldados ébrios, os estudantes vadios. Isto salvo
honrosas exceções, por exemplo, de amanhã em diante, tu. MACÁRIO
Esta cidade deveria ter o teu nome.
SATAN
Tem o de um santo: é quase o mesmo.
Não é o hábito que faz o monge. Demais, essa terra é devassa como uma cidade,
insípida como uma vila e pobre como uma aldeia. Se não estás reduzido a dar-te
ao pagode, a suicidar-te de spleen, ou a alumiar-te a rolo, não entres lá. É a
monotonia do tédio. [...]
Satanás, no entanto, não está interessado em
fazer aflorar o lado perverso do jovem estudante para depois chantageá-lo; pelo
contrário, Macário estabelece um diálogo sólido e consciente com seu inter-
locutor, sem parecer dar muita importância ao fato de ele ser Satã. Este,
aliás, parece se espantar – ou apenas finge se espantar – com o ceticismo de
Macário: “Falas como um descrido, como um saciado! E contudo ainda tens os
beiços de criança!” Satã, aqui, pode estar revelando todo o seu espanto ou o
seu cinismo, sendo esta última opção difinitivamente a mais provável. A
ambiguidade da poética de Álvares de Azevedo se faz presente de forma bastante
nítida e reveladora nesta passagem, em que Macário dá respostas antagônicas
para a mesma pergunta:
O DESCONHECIDO
E amaste muito?
MACÁRIO
Sim e não. Sempre e nunca.
Se fizermos uma
leitura desses versos à luz do Prefácio da Segunda Parte de Lira dos vinte
anos, encontraremos uma lírica revestida de binomia – termo por ele mesmo
utilizado – que funde dois univer- sos diferentes em um mesmo fazer poético. De
um lado, vislumbramos um eu lírico preocupado com a paixão, a natureza e a
manutenção de uma certa inocência que tanto uma quanto a outra são capazes de
oferecer; essa ingenuidade, entretanto, não é o único viés da lírica do poeta,
uma vez que o byronismo macabro de que tanto gostava não deixaria de atravessar
muitos de seus versos mais inspirados.
Antonio Candido
observa como, na peça, Macário e Penseroso correspondem às duas facetas opostas
e complementares da poética de Álvares de Azevedo:
Macário é o
Álvares de Azevedo byroniano, ateu, desregrado, irreverente, universal;
Penseroso, o Álvares de Azevedo sentimental, crente, estudioso e nacionalista.
Aquele, por contraste, situado em São Paulo; este na Itália: a pátria da sua
realidade e a pátria da sua fantasia.
Penseroso e
Macário articulam duas instâncias imbuídas de signos poéticos específicos,
transcri- tas na forma de uma lírica que procura aproximar ou afastar –
confundir, algumas vezes – esses dois universos. Assim, em um personagem como
Macário, por exemplo, as vozes ilustrativas de Ariel e Caliban se fazem
presentes ao mesmo tempo. Pois se Macário é capaz de proferir sentenças
imbuídas de sarcasmo e ironia: “O diabo! Uma fortuna! Há dez anos que eu ando
para encontrar esse patife! Desta vez agarrei-o pela cauda!”, também carrega no
peito as ilusões amorosas com que sonhavam os poetas ultrarromânticos: “Oh! a
mantilha acetina! os olhares de andaluza! e a tez fresca como uma rosa! [...]
Apertá-las ao seio com seus ais, seus suspiros, sua orações entrecortadas de
soluços, beijar-lhes os seios palpitantes [...]”
A viagem de Satã
e Macário, no primeiro episódio, é um passeio fantasmagórico por uma cidade
nebulosa e inóspita. O estudante de Direito de São Paulo, na companhia do
Diabo, inicia também uma viagem imaginária, repleta de devaneios e
considerações extravagantes e pessimistas acerca do universo e da natureza
humana. No segundo episódio, ainda mais complexo e confuso, novos personagens
aparecem, inclusive Penseroso, que elabora todo um discurso contra-argumentativo
em relação ao ceticismo do amigo Macário. Este, ao lado de Satanás, torna-se
cada vez mais indiferente e pessimista. Penseroso, ao contrário, pertence ao
universo linguístico que projetou os signos poéticos presentes na primeira fase
da Lira dos vinte anos; por ser tão inocente e cheio de fé – que o faz esperar
uma vida de sonhos que nunca chega –, sucumbe à debilidade de seu ser e morre
cheio de dúvidas. Macário, na cena final, dá o braço a Satanás, em uma atitude
um pouco ambígua, e pede silêncio ao companheiro para poder escu- tar o
discurso de um grupo de rapazes que bebem em uma taverna. Seriam os personagens
de Noite na taverna, como Penseroso, indivíduos românticos e audazes na
juventude, mas que ao longo do tempo se assumiriam como figuras cínicas e
covardes?
A morte de
Penseroso, na segunda parte da peça, não necessariamente representa o triunfo
de Macário e sua aliança com Satã. Mais do que dividir categoricamente a sua
binomia literária particular, trazendo falsas respostas que seriam antes de
tudo uma negação do caráter complementar de suas duas facetas antagônicas, a
obra Macário confirma a impossível dissociação de duas estéticas que se
questionam e se validam ao mesmo tempo, em um complexo processo de continuidade
literária que o poeta colocava em jogo em sua poética.
Torna-se,
portanto, tarefa difícil dividir a obra de Álvares de Azevedo na chamada
binomia da natureza humana, revelada no Prefácio da Segunda Parte de Lira dos
vinte anos. Ariel e Caliban, como ele mesmo nomeou ambas as partes dessa
dicotomia complexa e por vezes confusa, encontram-se em um mesmo verso, um
mesmo signo poético capaz de revelar as facetas mais obscuras de uma poética
atravessada por sentimentos antagônicos e complementares.
Macário: A obra macabra de Álvares de Azevedo |
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